Aqui, trabalho há 15 anos, mas vim para a Suíça há 23, tinha 22.
Um dia, vivíamos então no Fogueteiro com a minha mãe, inscrevi-me num estágio para hotelaria aqui na Suíça através de um departamento da embixada em Lisboa, fui aceite e vim para Genéve. Em Genéve, encaminharam-nos para vários locais, a mim coube-me um restaurante, muito pequeno, nas montanhas. Eu não sabia alemão, na estação de caminho de ferro estava a filha da patroa à minha espera, ela só sabia falar alemão, eu sabia qualquer coisa e inglês, ainda hoje estou para saber como acabámos por nos entender. O certo é que ao fim de um ano decidi continuar. Tinha o namorado, mas ele estava na tropa quando saí de Portugal, não havia compromissos de parte a parte, mas quando ele saiu do serviço militar disse-lhe: se queres vir para cá, vem. E ele veio. Até hoje. Temos um filho de 15 anos, acabou este ano a frequência do ensino obrigatório, candidatou-se e foi aceite para o ensino técnico. Quer ser tipógrafo, ou topógrafo?, desses que andam por aí a tirar niveis, isso, topógrafo. Um dos meus irmãos é topógrafo na Guiné Equatorial e ele quer ser topógrafo como o tio. Diz que não lhe agrada o trabalho dentro de casa, gosta de andar por aí. Aqui o ensino técnico é diferente: Os alunos que completam o secundário podem começar a trabalhar e continuar a estudar. Como estudante de topografia, trabalha nove meses e frequenta a escola durante três, durante quatro anos. No primeiro ano ganha 750 francos, no segundo, 850, no terceiro, 1100, e no quarto, 1600. Mas depois pode continuar a estudar. Pode ser engenheiro. Mas ele, para já, o que quer é começar a trabalhar. E nós achamos bem. O meu homem trabalha num banco de judeus em Zurique, não sei se conhece, trabalha na manutenção, mas na realidade o que eles fazem é chamar empresas para reparar o que está avariado. É um bom emprego. Eu agora só trabalho a 50%. Fiz uma operação ao coração, colocaram-me um pacemaker. Temos seguro de saúde, é obrigatório, pagamos cerca de 830 francos suíços por mês pelos três, mas foi o que me valeu. Sabe quanto me custaria a operação se não tivesse seguro? Uns 54 000 francos!
De renda de casa pagamos 1700 francos, mas inclui água e gás, só não inclui a electricidade. Se no fim do ano gastarmos mais ou menos água ou gás que o previsto recebemos ou pagamos as diferenças. Está tudo muito caro? Pois está. Mas os ordenados são razoáveis. E, depois, sabe como é, não vamos a restaurantes, ao café, nada disso. Nas férias, vamos até Portugal, vou lá daqui a duas semanas, o resto ficamos por cá. A minha mãe esteve cá três semanas connosco, saiu daqui a semana passada, dizia, vocês não querem ir tomar um café fora hoje? Fomos uma vez, arrepiou-se com a conta e disse mal do café, que o lá de casa é que é bom. Mora em Corroios. Somos quatro irmãos, filhos dela, porque o meu pai deixou-nos ainda éramos miúdos e andou por lá a fazer outros. Durante muito tempo pensámos que éramos seis, depois apareceu um sétimo, há tempos ficámos conhecer o oitavo. Ele já morreu, era polícia, mas um grande malandreco por saias. Nasceu em Trás-os-Montes, em 1958, acho que foi em 58, estava na tropa e foi mandado para a Índia. Lá conheceu a minha mãe, uma goesa, pois eu não tenho muitos traços indianos, não, a minha irmã que tem aqui ao lado uma boutique de roupas para criança, é uma simpatia a minha irmã, mais velha que eu dois anos, essa sim, tem mesmo ar de indiana. Passem por lá, ela adora falar com toda a gente. Nasceu em Trás-os-Montes. Os meus pais tinham casado em Goa, quando os militares portugueses voltaram, ele voltou para a terra. Mas por pouco tempo. Abalaram para Angola, para Nova Lisboa. Onde eu nasci. É, sou angolana. Em 75 tivemos de vir para cá. Instalaram-nos, provisoriamente, no Estoril. Mais tarde fomos viver para o Fogueteiro. Entretanto, o meu pai abalou de casa e a minha mãe, que era funcionária pública, lá se conseguiu aguentar com os quatro filhos. Agora, com 72 anos, está reformada. Vem até cá de vez em quando. Eu agora só trabalho de manhã, à tarde estou sempre em casa, é muito pertinho daqui. Se quiserem, têm aqui o meu número de telefone, avisem e apareçam.
2 comments:
Um belo depoimento, paradigmático do(a)portuguesinho(a)rural, com ingredientes de trasmontano valdevinos e'macho'latino. Assim, uns são 'estrangeirados' outros são 'desenrascados'.Mas daí a fazer a apologia da Suiça... vai um salto de gigante. Boa estadia poe essas belas terras.Abç
Olá Francisco,
Obrigado pela atenção que este meu exercício diário te merece.
Abç
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