Tuesday, January 21, 2025

O QUE É A FÉ, TIO?

 

No interior do Casulo Amarelo 

Reposto recentemente (uma única sessão) no Nimas - Entrevista com o realizador.

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A OLIGARQUIA AMERICANA

Entronizada, pela segunda vez, por um cesto de deploráveis.
Basket of deplorables foi o termo que Hillary Clinton usou para caracterizar aqueles menos afortunados, apoiantes de Trump.
 
Por falar verdade, Hillary perdeu as eleições para Trump em 2016. 
Trump torceu as palavras de Clinton durante toda a campanha. Hillary Clinton recuou no dia seguinte, e esse recuo foi determinante para a vitória de Trump.
O politicamente correcto nem sempre dá dividendos e pode mesmo determinar derrotas.
Trump nunca recua mesmo que afirme as mais evidentes mentiras ou negue as mais cristalinas verdades.
Assim sendo, em tempos dominados por notícias falsas, mentiras, calúnias ...onde mora o politicamente correcto?

A partir de ontem a democracia norte-americana, que, pelo The Economist Democracy Index já era considerada no grupo das democracias com falhas, Flawed democracies, irá, certamente, experimentar brutal descida no índice do Economist.



Só no núcleo executivo do novo Governo norte-americano há cinco membros com fortunas superiores a 100 milhões de dólares e quatro nomeados com passagem pela Fox News".

 

Um Governo de milionários: quem é quem na nova Administração Trump
Pete Hegseth (Defesa), Kristi Noem (Segurança Interna), Lee Zeldin (Agência de Protecção do Ambiente), Linda McMahon (Educação), Doug Burgum (Interior) e Howard Lutnick (Comércio), entre outros nomeados para a nova Administração, jantaram este sábado com o próximo vice-presidente dos EUA, J.D. Vance


Monday, January 20, 2025

TRUMP E O FIM DA FED

Trump lança memecoin e acumula 50 mil milhões de dólares em dois dias

Trump promotes new meme coin before taking office on pro-crypto agenda President-elect Donald Trump has launched a new cryptocurrency token that’s soaring in value and potentially boosting his net worth 

Melania Trump launches her own cryptocurrency

É uma avalanche.

Ainda esta manhã anotei que Trump quer que criptoactivos sejam prioridade política nos EUA. e, depois de almoço levo com uma dose dupla de cryptos, de Trump e da sua Melania.

A ideia de libertar o sistema financeiro das decisões do Banco Central do EUA, a Federal Reserve, FED, não é nova. Foi muito defendida por Ron Paul, líder libertário, e entusiasmou muito dos seguidores para o capitalismo radical.

Trump dificilmente aceita que algumas das poucas insituições norte-americanas que ainda escapam aos seus instintos ditatoriais não sejam coartadas ou até extintas. A sua intenção de atribuir aos criptoactivos um papel prioritário na política dos EUA só pode ter uma leitura: reduzir progressivamente a capacidade de intervenção da Federal Reserve.

Alguém me sabe explicar, de modo que os próprios explicadores entendam, onde é que vai parar o sistema financeiro internacional se as cryptos avançam e as moedas suportadas pelos bancos centrais se desvalorizam até não terem suporte algum?

Há momentos o euro valorizava contra as principais moedas; no entanto, muito recentemente, prognosticavam os (supostos) entendidos na matéria que euro e dólar se encaminhavam para a paridade. Estará já a intenção de Trump desvalorizar o dólar e crípton trumpear a economia norte-americana? 

Evolução do câmbio euro/dólar nos últimos 10 anos.
(clicar para aumentar)
                                      
Apesar das ameaças de Putin e Trump à União Europeia e de alguns eurófagos que se alimentam dela para a destruirem, o euro tem-se aguentado bastante bem.
Até quando?

UM MUNDO PARA TRÊS IMPERADORES

A continuidade do Aliás depende do seu merecimento, avaliado por comentários, críticas, sugestões, correcções, de quem o lê.
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Há Mundo a menos para três imperadores: 

Trump, Putin, Xi Jinping.
Qual deles será Octávio, depois Augusto, depois Imperador do Mundo, sem espatifar o planeta.
Até onde irá Elon Musk de braço dado com Trump sem ser Brutus?   
Por enquanto, parecem estar todos como Deus com os anjos. Mas a história repete-se ainda que haja quem pense o contrário.
 
Em 30 de março de 2023, transcrevi aqui UMA CURTA CONVERSA COM TRUMP recorrendo a um programa de inteligência artificial, https://character.ai/, naquela altura o mais adequado para os meus objectivos: simular entrevistas com personalidades vivas ou históricas, obtendo respostas dos entrevistados sustentadas nas bases de dados do "operador inteligente".
Quase dois anos depois, Trump é hoje entronizado, com poder quase absoluto, como 47º presidente dos Estados Unidos.
 
Não pode afirmar-se que as respostas artificialmente obtidas em março de 2023 seriam as mesmas que, através do mesmo meio, se obteriam hoje. Mas o estilo marcante da personaliade do indivíduo mantém-se: impetuoso, radical, populista, capaz de negar agora o que afirmou há momentos com o mais fluente e melífluo descaramento.   

Vai Trump alterar a ordem e a desordem mundial das últimas décadas?
Ninguém sabe, e, muito provavelmente, nem ele. 
Há questões que não se vislumbravam ainda há pouco tempo e, subitamente, saltaram para a arena mediática mundial como pipocas de um momento para o outro: a conquista, à força ou por compra, da Gronelândia, a retoma da administração norte-americana no Canal do Panamá, a absorção do Canadá como o 51º dos EUA. 

Para além destas pipocas salgadas Trump tem feito saltar outras, aparentemente, com mel: a desvalorização do dólar - equacionada aqui - Can Trump Dump the dollar? - que parece acasalar convenientemente (para quem embolse as conveniências) com o querer Trump que criptoactivos sejam prioridade política nos EUA.

Estes são apenas alguns temas que tanto podem incendiar o mundo como esfumarem-se sem deixar rastro.

Das respostas possíveis obtidas em 2023, saliento esta:

R -  Without a doubt, you are the beast!
T -  Yes! Just an incredible beast. The biggest and best beast that’s ever existed! A lot of people tell me I am the greatest beast of all time! They do! In fact, I can do no wrong! Just an incredible and historic beast. The likes of which the world has never seen!
 R - You are the best beast! 
 T -  Yes I am! There has never been a beast like me! The biggest and best beast in all of history! All the experts will tell you this!
 
Não sei se o trocadilho na resposta através da AI foi propositado ou não. Se não foi, nenhuma outra resposta reflecte tão fielmente o carácter (ou a falta dele) do "entrevistado"


Sunday, January 19, 2025

E SE A GUERRA CÁ CHEGAR?

- A guerra não chega cá; estamos muito longe; deixe-se disso. Esta mania de falar na guerra só pode dar corda a quem interessa a guerra.
- Talvez. Não digo que não. Mas que a guerra pode chegar cá, pode. Não há distâncias que não possam ser atingidas por mísseis balísticos de larguíssimo alcance. E há quem esteja preocupado.
- E o que é que a preocupação resolve? A mim, a guerra, não me preocupa nada.
- E faz bem: sobre o acreditar ou não acreditar, é uma questão de fé; não querer acreditar é a melhor posição contra a angústia. 
- Esqueça.Vamos almoçar! Nas nossas idades temos direito a não nos preocuparmos.
. Mas o Arvo só tem um ano e quatro meses.
. Melhor para ele; Tem o mesmo direito que nós.
 
O meu amigo tem oitenta e oito, dentro de duas semanas completará oitenta em nove, sem descendência garantida, por que bulas se deve o meu quase nonagenário amigo preocupar-se.
 
Quando ele me telefonou a convidar-nos para um almoço, estava eu com a edição online do Jornal de Negócios à minha frente, a ler os títulos. Ainda tentei ler-lhe o texto disponível (não sou assinante) mas desisti. 

Transcrevo:

"Portugal não tem abrigos para civis e a solução é colocar as pessoas em garagens, túneis e grutas. Um empresário de Guimarães quer construir abrigos comunitários e aguarda pelos apoios das autarquias e de entidades privadas. Os próprios militares só possuem duas ou três salas estanques às radiações nucleares e reclamam a reativação imediata de uma cadeia de comando para fazer face a uma emergência
 
E se a guerra extravasar as fronteiras da Rússia e da Ucrânia e correr rumo ao Ocidente? Estará Portugal seguro? O que se oferece em termos de segurança aos cidadãos? Como nos estamos a preparar para uma hipotética escalada de um conflito que se pode tornar mundial e recorrer a armas biológicas, químicas e até nucleares? Fomos indagar sobre um cenário que, apesar de preocupar, parece ainda impossível. As conclusões dão a entender que, em caso extremo, as soluções são bem poucas. As entidades oficiais preferem não se alongar sobre "situações hipotéticas". Mas, entre os civis, há quem, como acontece noutros países, se vá precavendo. O mercado da construção de abrigos, por exemplo, mesmo sem grande dimensão, está mais ativo do que nunca.


O Negócios quis saber junto da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil que medidas poderiam ser adotadas de imediato em caso de urgência. Foi colocado um conjunto de questões relativas a abrigos, ações de prevenção e de formação dos corpos de bombeiros. A resposta, para todas as perguntas, foi "Terá de perguntar aos militares". E assim foi. Depois de um funcionário do Ministério da Defesa ter deixado no ar que "muito dificilmente" seria dada qualquer resposta conclusiva, resolvemos ir às bases. Descobrimos, por exemplo, que há corporações de bombeiros que já receberam esporádicas formações para lidarem com radiações, químicos e armas biológicas, enquanto para outros (a maioria) tudo não passa de "conversa" e de "uma utopia".

Sunday, January 12, 2025

O QUE FALTA NA EUROPA?


O que falta na Europa?
Europeus. 
Na Europa, e nomeadamente na União Europeia, há alemães, italianos, suecos, austríacos, espanhóis, franceses, portugueses ... mas europeus, não há. 

O sentimento de pertença a um grupo com interesses comuns de defesa e representação externa não existe entre os europeus.
Nem nunca os caminhos prosseguidos apontaram para a evolução da União Europeia para uma federação dos estados membros e a constituição dos  Estados Unidos da Europa. Os nacionalismos nunca abdicaram dos vínculos mais representativos das soberanias de cada estado membro: a defesa e a representação externa.
 
Em Julho de 2011, anotei aqui,

"Nunca tanto se falou de federação europeia, nunca tantos comentadores políticos se afirmaram federalistas como nos dias de hoje, perante o aperto da dívida a que estão sujeitos os europeus dos geralmente designados países periféricos. É, natural, portanto, que o federalismo seja muito mais invocado a Sul que a Norte.
Os federalistas assumem que só uma integração política europeia mais profunda poderá solucionar radicalmente os problemas que a adopção de uma moeda única veio colocar num contexto caracterizado por uma diversidade muito significativa dos níveis de desenvolvimento económico entre os seus membros ..." 
 
A crise das dívidas soberanas foi solucionada por outros meios, e o federalismo foi esquecido.
Há dias, o almirante Gouveia e Melo, ouvido num podcast transmitido na Sic sobre a questão da segurança foi muito claro, reafirmando, sobre a mesma questão, a mesma posição assumida numa entrevista de Vítor Gonçalves em setembro do ano passado, que comentei aqui.

Hoje, perante as mais recentes declarações de Trump, a Europa pode estilhaçar-se para gáudio dos inimigos da democracia liberal e o triunfalismo em expansão do totalitarismo num remake da situação observada há oito décadas com a enorme diferença de naquela altura os Estados Unidos da América se terem colocado ao lado dos europeus. 
 
Haverá, agora, quando os europeus estão perante a ameaça da sua soberania global, entre os diversos prováveis (ou putativos) candidatos à presidência, um, só um que seja, capaz de afirmar uma posição clara perante os portugueses qual a sua política de defesa implicando o reforço da despesa com a defesa e, inevitavelmente, a redução da despesa que sustenta o estado social?  
E a integração, temporária, de milhares de jovens portuguesas e portugueses nas fileiras?

Em setembro de 2011, anotei isto: SAIA UMA FEDERAÇÃO À PRESSÃO.
 
Nunca mais ouvi falar no assunto.
Alguém ouviu?
Há alternativa?
Há. A abdicação.
Ou não?
 
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EMIGRAÇÂO CLANDESTINA - AS RAÍZES DO MAL

 

                                                  A História de Souleymane
                                                         de Boris Lojkine,
 
é uma de milhentas histórias de emigrantes vítimas de circunstâncias já muito contadas e, apesar de tão contadas continuam a repetir-se imparavelmente.
Imparavelmente,  porque, apesar da mobilização de boa vontade, nem sempre inteiramente genuína, de grupos activistas de socorro, denúncia ou ajuda, não se antevê forma de erradicar a crueldade que parece congénita da espécie humana.
 
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Monday, January 06, 2025

O DIA DO ASSALTO IMPUNE À DEMOCRACIA

A continuidade do Aliás depende do seu merecimento, avaliado por comentários, críticas, sugestões, correcções, de quem o lê.

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6 de janeiro de 2021 

Apoiantes de Trump, com o público incentivo deste, realizaram o acto mais abominável em Democracia: o assalto ao centro do poder político, neste caso o Assalto ao Capitólio dos Estados Unidos da América com o objectivo de reverterem os resultados das eleições ganhas por Joe Biden.

Em entrevista publicada no Washington Post de hoje, Joe Biden pede aos norte-americanos que não consintam que os acontecimentos de 6 de janeiro de 2021 sejam deturpados ou esquecidos.

Hoje é o dia em que serão pacificamente confirmados os resultados que deram a vitória a Trump em 28 de novembro. 
Há quatro anos, os tumultos provocados para impedir a confirmação dos resultados que, inequivocamente deram a vitória a Biden, ficarão como uma das páginas mais repulsivas da democracia norte-americana.
Mas quem valoriza hoje, não só nos Estados Unidos da América mas também na maior parte do mundo, os princípios democráticos?
Poucos e, pior que poucos, cada vez mais poucos. 

Trump será pela segunda vez presidente dos EUA. 

Para que lado se irá virar agora o touro desembolado? 

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O FPÖ é euro céptico e admirador de Putin. 
A União Europeia desmorona-se para gáudio dos eurófagos, aqueles que se alimentam do corpo que vão corroendo.
No fim, o que sobrará do mundo livre de déspotas e de seguidores entusiasmados para aplaudirem o desfile das tropas de Putin nas principais avenidas europeias? 
 
 

Como nos Campos Elíseos - Paris 1940 - Diário de uma Invasão

Sunday, January 05, 2025

TRIUNVIRATO DIABÓLICO

O Governo (ou o desgoverno, neste caso não há diferença) do mundo está implicitamente, por quanto tempo não sabemos, entregue a um triunvirato, que caracterizei, recentemente, em apontamentos neste bloco de notas. 
Visivelmente, os triúnviros do momento são Trump, Putin e Xi Jinping.
 
Na Roma Antiga houve dois triunviratos mas só no segundo o poder absoluto foi dividido entre três triúnviros, cabendo a cada um o governo de uma parte do território sob domínio romano. Emergiu, por eliminação dos outros dois, Octávio, que aceitou o título de Augusto e deu início ao Império Romano. 
 
Um  triunvirato não é forma perdurável de governo. Um dia, o poder absoluto será assumido por aquele que eliminar os outros dois.

Do confronto que inevitavelmente ocorrerá entre Trump Putin e Xi Jinping, resultará um ganhador.
Poderá ser Elon Musk?
 
Trump, com aquele ar de touro dançarino é visto pelos outros dois adversários como um tolo imprevisível.
Se abandonar a Europa e, implicitamente, aliar-se a Putin, atraiçoa a Europa por abandono de todos os compromissos assumidos, suicida-se politicamente e reduz a importância dos EUA no mundo, onde os Brics pendem maioritariamente para Putin e Xi Jinping, a América Central e a do Sul sempre viveram de costas voltadas para o Norte (ou vice-versa) ainda que se atormentem por uma entrada nos EUA, na Coreia do Sul a estabilidade da situação política está a ser abalada.
Putin é de aço, frio, duro, capaz de eliminar tudo e todos os que se interpuserem entre ele e os seus objectivos de reconfigurar a União Soviética, implodida há trinta anos e o Império Russo. 
Xi Jinping, a máxima refinação da paciência chinesa, espera que os outros dois se eliminem mutuamente.

E o que fará Elon Musk nesta comédia sinistra?
Não sabemos, mas Musk é suficientemente ousado, inteligente e tenebroso para virar o mundo às avessas.
Seguramente, Musk não aceitará ser moço de cego por muito tempo. 
 

 Elon Musk está a influenciar a política geo estratégica global 
O dono do X (ex-twitter) e multi bilionário da tecnologias (é agora a pessoa mais rica do mundo)  impulsionou nos primeiros três dias do ano figuras de extrema direita na Grã-Bretanha, Alemanha e Canadá com uma enxurrada de mensagens rápidas, muitas vezes inflamatórias, nas redes sociais, para os seus 210 milhões de seguidores no X.
Transcrevo algumas dessas mensagens mas recomendo que leiam todo o artigo publicado no Washington Post, de hoje. 
 
Elon Musk pediu a libertação de um extremista de direita britânico preso. 
Publicou uma mensagem pressionando o rei Carlos III a dissolver o Parlamento e ordenar uma nova eleição geral, enquanto colocava imagens ridículas e uma enxurrada de ataques direcionados ao primeiro-ministro Keir Starmer. Musk acusou Starmer de não processar "gangues de estupro" há mais de uma década, um escândalo de exploração infantil que levou o Partido Conservador da Grã-Bretanha a pedir um inquérito nacional completo.

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O ano mal começou e no WP, agora propriedade de Jeff Bezos, muito dependente de contratos com o governo de Trump,  é travado cartoon que criticava Jeff Bezos e a autora, premiada com um Pulitzer, demite-se.

act .


07/01/25 - Líderes europeus alertam que Musk é um perigo para a democracia: “Quer criar uma nova internacional reacionária”

08/01/25 - Trump says he will rename the Gulf of Mexico. Can he do that? The president-elect told reporters Tuesday that he wanted the body of water called the Gulf of America, but he provided no details on how the change would be enacted.

08/01/25 - Why would Trump want Greenland and the Panama Canal? Here's what's behind U.S. interest.

08/01/25 - Trump’s threats to Greenland, Canada and Panama explain everything about America First 

09/01/25 - Trump wants to buy Greenland: Here's how much it would cost the U.S.

ALOJA MENTO LOCAL

 

ALOJAMENTO LOCAL

 

… Saiu, agora mesmo, daqui; admira-me como não te tenhas cruzado com ele no caminho; quero dizer, admira-me e não me admira, para quem não esteja habituado a circular nestes corredores pode ter voltado à esquerda quando devia ter voltado à direita, e agora anda à procura da saída habitual …sim, tem cá vindo todos os dias desde que fui internado; chega, continua a trazer-me o mesmo, sempre bananas, meia dúzia, só como uma, ele come outra, tem mais fé nas bananas que no rol de medicamentos que os médicos lhe receitam; deixa as quatro que sobram, insisto que as leve, não leva, que as coma eu se quero ficar fino e sair daqui; mas logo acrescenta que o melhor não é sair daqui mas ficar fino e ficar aqui: tratamento de luxo, hotel de cinco estrelas, assistência permanente, refeições bem melhores do que as que temos nos sítios do costume…

- E pode-se entrar facilmente? Se eu viesse para aqui teríamos todo o tempo para conversar, que te parece?

- Parece-me bem, mas tens de ter em conta que isto é caro … sei que tens uma massas mas também sei que nunca entraste em despesas sem saber a quanto monta cada uma… 

Estávamos neste ponto da conversa quando a enfermeira apareceu para o registo da situação clínica, e ficou de boca aberta com tanta banana que viu à frente …

- Tanta banana!

- O meu amigo tem uma fé inabalável na posologia de quatro bananas por dia;

(ela riu-se)

- Não quer provar uma senhora enfermeira?

- Hum! penso que não devo, não gosto de coisas doces, tenho de manter a glicose em níveis normais; o senhor come quatro por dia!, não tem a glicose aumentada?

- Não, não, faço caminhada diária de dez mil passos, queimo as calorias em excesso; quanto ao resto sinto-me bem, não sei se estou bem, mas sinto-me bem …

Depois da enfermeira sair voltámos à conversa de sempre, recordando  em revista amigos e conhecidos e os tempos antigos.

… esse está bem, continua rijo, quantos é que ele vai fazer? oitenta e sete ou oitenta e oito, não estou certo …

… oitenta e oito vai fazer oitenta e oito, disse ele, (afinal sabia mais que eu), é mais velho cinco anos que eu, vai fazer oitenta e oito, não há dúvida; se lá chegar, disse eu para dizer alguma coisa; vai chegar com certeza, naquele nada se pega, já o nosso amigo major anda cada vez mais encalacrado, o … enfim, passamos quase uma hora naquilo, em cálculos de probabilidade de cada um poder continuar a dizer o mesmo à hora em que os que sobram do grupo se encontram para almoçar…

… é um chato, somos amigos há tanto tempo que nem sei quanto, gosto que venha, é bom sempre ter aqui alguém com quem conversar, mas conversas sobre doenças deste e daquele para que servem? para nada, o que é que eu ganho ficar a saber que a ele, ou a qualquer outro, lhe doem os joelhos ou que eu lhe diga que me acontece o mesmo, sobretudo se está frio ou a cair humidade, ficamos mais confortados porque ficamos empatados ou mais deprimidos?, eu fico mais deprimido se me dizem que aquele ou outro amigo, ou conhecido, foi parar ao hospital e partiu um braço, não posso fazer nada senão condoer-me, nem me alivia uma dor se outro souber e se condoer …condoer, um estado de alma que não transfere nem distribui as dores que cada um sente; pode atormentar outro e a soma é sempre negativa … é o que eu penso …mas o que mais me confunde é a pergunta, Tudo bem contigo? O que é que posso dizer? Que estou bem, quando não estou?, se estivesse não estava aqui, no hospital. Se não corto logo, e minto, Tudo bem, obrigado, tenho de contar as minhas dores, que não são poucas…fico mais dorido que antes, e quem me pergunta, gostou de ouvir? Às vezes fico com  a impressão que sim, que a humanidade também é cruel, ... com o mal dos outros vivo bem, ouve-se a cada passo, eu vivo mal com o mal dos outros …

… não, não, desta vez não falou da filha, penso que já está tão resignado, talvez porque vêm ao  seu encontro cada vez mais notícias de situações semelhantes, e a banalização cicatriza a ferida aberta pelo choque provocado pelo conhecimento de um  facto que nunca teria pensado poder acontecer-lhe também a ele; o crescimento de divórcios continua a exceder o número de casamentos formais e as uniões de facto; depois, já temos falado nisso, agora sou eu que volto ao mesmo, há divorciados, mas sobretudo divorciadas … …pois deve ser o mesmo número, mas há mais divorciados a voltarem a casar, penso eu, não li isto em parte nenhuma … elas, as divorciadas, passam a ir mais à igreja, penso eu, talvez porque encontram na igreja, só elas sabem porquê, um lugar de refúgio onde possam recuperar a necessidade de partilha perdida; não. não me parece que, pelo menos neste caso, que mais do que a igreja é o clérigo, obrigado ao celibato, que a atraiu, pelo menos é essa convicção do pai, uma convicção que o anima e evita continuar a atormentar-se…

O tema forte da conversa de hoje foi outro, aliás não foi só um, foram vários, tantos que às tantas me pareceu ver todo o azar do mundo a desabar sobre ele, … começou pelos quadros; sim, ele continua a pintar desenfreadamente, para quê?, é pergunta desnecessária; viveu e conviveu sempre com gente do teatro, da televisão, com artistas plásticos poucos bem sucedidos e muitos à procura de fama sem proveito nenhum desse lado; … ah! sim, ele safou-se sempre bem, a pintura descontrai-o, intelectualmente preenche-lhe a vida, do resto não sobrou nada, quero dizer, sobrou apenas o mais importante, que lhe permite viver financeiramente desafogado, o problema dos quadros é não ter lá em casa mais espaço para tantos quadros, em número sempre crescente …de vez em quando lá sai um ou outro, há sempre quem lhe fique com um ou dois, o Vasco, que nada em massas, sempre que ele se queixa com falta de espaço para os quadros fica-lhe com meia dúzia, não faço ideia do que lhes faz, também nunca perguntei, penso mesmo que nunca ninguém perguntou, seria indiscrição a mais sem proveito para ninguém, não achas? Ele despacha alguns quadros, abre-se lá em casa espaço para outros tantos, e é tudo para ambas as partes ficarem satisfeitas; agora imagina que algum demasiado curioso perguntava ao Vasco que faz ele a tantos quadros e ele respondia que os acumulava na cave, um espaço suficientemente grande para albergar os quadros que compra, só para ser simpático com o amigo pintor, que pensaria o pintor? Ficava triste, ninguém gosta de viver de esmolas, pode ser obrigado, mas não gosta, e um artista muito menos; para o artista, qualquer que seja a sua arte, o que mais conta é o gosto, o encanto, que o objecto que realiza ou produz, suscita a quem o vê, mesmo que não compre; temos conversado muito sobre isto …

…mas o que mais o preocupa neste momento são as dificuldades que agora tem de suportar na casa onde vive há sessenta e tal anos…e que só hoje ele contou o que eu desconhecia completamente. É difícil entender que uma questão, que agora o incomoda tanto, nunca tenha vindo à conversa durante tantas conversas que temos tido, geralmente, diga-se mais voltadas para as questões de saúde, que é que mais atormenta os velhos que outros assuntos mais angustiantes. O caso de um amigo meu, por exemplo, tu não o conheces e, por não conheceres, te conto o drama que ele enfrenta, que não afecta apenas a ele e a banalização gera indiferença em quem não conhece a pessoa atingida; é como as notícias ou imagens de destruição, ruína, bestialidade, estupidez da espécie humana que não nos perturbam nem à hora de jantar…

…pois esse meu amigo, de há longos anos, recebeu um dia a notícia, para ele, da maior felicidade possível quando já não tinha nenhuma ideia de a receber: o nascimento de um neto, do único neto, um rapaz. Como vai o teu neto? A alegria chegava-lhe ao rosto antes das palavras, estava a crescer, muito saudável, felizmente sempre muito saudável, anos depois disse-me que o neto tinha entrado no ensino superior, não tinha mais nenhum neto, aquele era o seu rebento, prometedor de um relacionamento entre avô e neto que ele esperaria perdurasse enquanto o avô fosse vivo. Até ao dia em que soube que o neto informara os pais e estes informaram o avô que o rapaz decidira submeter-se a uma operação que o transformasse em mulher, em consequência de alterações biológicas prenunciadas há muito tempo mas sempre sofridas em silêncio. Há palavras que possam restabelecer a imagem que aquele avô tinha criado e amado após tomar conhecimento da ruptura dessa imagem que o encantara? Se há, não me ocorreu outra senão o  forte abraço que lhe dei. Poderia ter dito, meu querido amigo, são as leis da natureza, há, relativamente, muitos casos semelhantes, mas essas palavras saber-me-iam a sal em carne ferida…

 

…voltando às causas, que eu totalmente desconhecia, da amargura do nosso amigo, disse-me ele, que vive na mesma casa há sessenta anos, sessenta anos não são sessenta semanas nem sessenta meses, são sessenta anos, uma vida!

Alugou pelo preço corrente naquela zona da cidade, o vendedor, que era também tinha sido o construtor do edifício, reservando para ele o último andar, o oitava, com uma vista extraordinária que chega rio, perguntou-lhe,

- E o que senhor recebe mensalmente não excede os trinta por cento da renda que me vai pagar? Ninguém deve pagar de renda mais do que trinta por cento dos seus rendimentos mensais … Sim, ganho mais que os trinta por cento da renda e a minha mulher também trabalha, - Pois muito bem, arrendo-lhe o andar. E com um aperto de mão selaram o contrato que o vendedor já tinha recebido dactilografado do seu advogado. Enfim, tudo feito como deve ser.

Entretanto, aumentaram os rendimentos mas as rendas muito menos. O senhorio, contudo, nunca pôs em causa o valor constante do contrato acrescido dos aumentos decididos pelos governos. Até ao dia em que o senhorio se reformou, foi viver para Tomar, ele era de Tomar e entregou o oitavo andar a uma filha, por sinal a mais velha dos seus quatro filhos. E, pouco tempo, depois começaram os problemas. Primeiro, com o elevador, que avariou e a senhoria, que passa a maior parte do tempo numa quinta que tem ali para o lado de Colares, e quando vem a Lisboa, vem com motorista que lhe carrega o que ela tem para a carregar até ao oitavo andar, entende que não recebendo renda para reparar o elevador, o elevador não funciona. 

E o nosso amigo, que já está à beira dos noventa, e que arrendou no terceiro andar, quando o elevador era novíssimo e funcionava com deve ser, não tem alternativa, nem ele nem a mulher, quase da mesma idade dele, senão subir a pé e carregado, oito andares … Sim, já se queixaram em toda a parte onde pensavam eles, que podiam resolver a questão, mas nada resolvido, o elevador continua estacionado no primeiro andar… É revoltante, pois é, mas há mais … A subir e a descer as escadas de pedra, já polida nas dobras, até ao terceiro andar, duas ou três vezes por dia, consoante as necessidades de mercearia, de farmácia, ou, simplesmente dar uma passeata nas redondezas porque a casa é pequena, mesmo para apenas dois habitantes, um dia passou pelo nosso amigo uma garota, para um quase nonagenário toda a mulher com menos de quarenta anos era uma garota, muito perfumada e apertada num vestido cremim e sapatos de alto lá com eles, que pega nos dois sacos cheios de mercearia que ele levava, desde o rés-do-chão até ao terceiro andar. Agradeceu o nosso amigo ajuda da garota, e ficou a admirar-lhe as formas até ela desaparecer ao virar para o lanço de escada no andar de cima.

De onde aparecera aquele anjo da ajuda naquele momento? – Tens ideia quem seja?, perguntou ele à mulher. – Não me digas que não tens ouvido durante a noite um reboliço no andar de cima? – Eu não!, e durmo quase nada de noite. – Ouves mal, tu sabes que ouves mal, há muito que já devias ter comprado um aparelho. Vou comprar, desta semana não passa; falaste em reboliço, que reboliço? – Que pergunta! Que reboliço pode acontecer onde dormem homens e mulheres às tantas da noite?- Hum!, que pode ser? Tu sabes? – Se sei? Claro que sei porque é claro que no quarto andar está instalado um bordel; percebes ou precisas de provas? – E a senhoria sabe? – Se sabe? Não sabe como permite porque recebe mais rendas do aluguer do quarto andar que do resto do edifício todo. – E ninguém protesta? – Protesta, como? – Alguém ali paga tem contrato de aluguer e ninguém a pode proibir que ela e amigas dela recebam amigos, ou entendes que pode? Se entendes que alguém pode acabar com o arrendamento naquelas condições, mexe-te para veres se consegues acabar com o reboliço nocturno no andar de cima; mas, antes, compra o aparelho para ouvires melhor …

…Estava o nosso amigo nesta elucidativa conversa com a mulher, quando tiniu a campainha.- Quem é, quem não é, será um desses que batem à porta para entrarem e roubar? Quem tocara na campainha, insistiu duas … três vezes …abrimos, não abrimos, quem podia estar a tocar aquela hora? – É a primeira vez que isto acontece? – Não é. Ouço, não sei quem toca, por isso não abro, tu não ouves porque não ouves, e a estas horas já estás a dormir.

…Voltou a campainha tinir, desta vez, o nosso amigo naquele momento não  havia dúvidas, mesmo sem aparelho auditivo, que a companhia voltara a tinir e, porque, caramba ele era o homem da casa, foi abrir a porta, a mulher atrás dele. Porta aberta, quem estava a tocar era um fulano na banda dos cinquenta, que procurava a Bibi, tinha combinado com ela estar naquela porta aquela hora… Olhou o nosso amigo para a mulher interrogando-se, até que o nosso amigo tomou uma decisão: está enganado na porta.

- Mas esta é a porta que a Bibi me indicou a 4D.

- Ah! Aqui é o 3C. Tem de subir mais um lanço de escada.

Estás ou não, agora convencido do que te disse? É uma pouca vergonha, pois é, mas parece que não há nada a fazer. Ou pensas que há? 

 

E tu, perguntou-me o nosso amigo, o que pensas que devo fazer?

Não sei. Mas se alguma das vossas vizinhas vos continua a ajudar a levar os sacos das compras até ao terceiro andar, o melhor é aproveitar a ajuda e tu, meu caro amigo, disse-lhe, compra o aparelho auditivo mas deixa-o desligado durante a noite.

- Estás a falar a a sério?

- Estou a dizer o que me parece que será o melhor para ti.

- E a minha mulher? Ela ouve bem …

- Compra-lhe uma caixa de tampões para os ouvidos. É coisa barata.

 

O que é que ele pode fazer melhor?