Wednesday, July 31, 2013

AINDA

"A ministra das Finanças disse ontem que os contribuintes não iriam pagar a eliminação de “swaps” que estão em empresas que contam para o Orçamento do Estado. Mas há custos de 169 milhões nas empresas que não são contabilizadas no perímetro do Estado. O caso da EGREP é o mais significativo e, para cobrir os custos, a empresa irá vender “reservas [de petróleo] em excesso”.

Afinal não há perdas resultantes destes contratos? Afinal tudo não passou de uma tentativa de conspiração abortada? Se os contribuintes portugueses não pagam, quem paga as perdas das empresas não incluídas no Orçamento do Estado? Os gregos?

A empresa que gere as reservas de petróleo em Portugal terá de vender algumas dessas reservas para cobrir os custos que enfrentou para cancelar um contrato de “swap”. A EGREP (Entidade Gestora de Reservas Estratégicas de Produtos Petrolíferos) tinha um instrumento de cobertura de risco com um valor de mercado negativo. Esse contrato tinha uma cláusula de vencimento antecipado, ou seja, o banco poderia eliminar unilateralmente o contrato, obrigando a empresa ao pagamento imediato desse valor." - aqui

No dia 19 de Junho de 2009, o então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos afirmou que “até agora o Estado não suportou um euro sequer” relativamente ao BPN, explicando que a Caixa Geral de Depósitos realizou operações de liquidez no banco avaliadas em 2,5 mil milhões de euros."

Viu-se.

Tuesday, July 30, 2013

OS SWAP E A LEI DE MURPHY

"Se alguma coisa pode dar errado, ela dará".
Se alguém sai da fila e passa para a fila ao lado que naquele momento está a fluir melhor geralmente depressa verá a fila de onde saiu a avançar mais rapidamente.
 
"Entende, ( ), como este festival pode apenas ser uma questiúncula de contabilidade?" - aqui
Não, não entendo. A contabilidade pode ser manipulada mas não altera a realidade, quanto muito pode disfarçá-la. Temporariamente. Foi por não ter em atenção a temporalidade do disfarce das desorçamentações que o governo anterior mandou realizar estes contratos de swap a quem não deveria ter sido dada capacidade para os fazer.
 
Por outro lado, e é essa a questão que verdadeiramente interessa, um swap de preço, no caso de combustíveis, é, como qualquer swap uma opção, o que implica uma aposta. E uma aposta envolve sempre um risco, ainda que haja umas apostas mais arriscadas que outras.
 
No caso que citou, do aprovisionamento de combustíveis por uma empresa transportadora, uma opção de preço ou de câmbio, não deixa de ser um risco. Pode ganhar ou pode perder. Se ganhar, parabéns. Se perder fica fora do mercado na parte respeitante a este factor de custo, independentemente da evolução dos preços dos transportes.
 
Então uma operação de swap de taxa de juro, por exemplo, nunca se justifica?
Justifica, sim senhor. Em duas situções: 1 - Se as actividades core business do tomador do swap permitem fazer o hedging do swap. 2- Se o financiamento sobre o qual se realiza um swap se destina a um investimento de recuperação a longo prazo. Neste caso, a taxa de juro fixo "contratada" não deve exceder aquela que torna viável o projecto a que o financiamento se destina.
 
Já agora repito aqui uma história verídica que há algum tempo contei aqui no 4R ao APC. Um dia propuz a um cliente japonês a facturação em yenes. Por razões que não vêm ao caso, aquele cliente era o único que reunia as condições para podermos efectuar um contrato anual, muito vantajoso para nós, de vários milhões de dólares. No sector, a moeda de facturação era, e ainda é, o dólar, e são poucas as transacções internacionais feitas noutra moeda.
 
O sr. Kochiyama, assim se chamava o comprador da segunda maior empresa japonesa do sector, que dirigia, e ainda dirige, a maior parte da sua produção para o mercado interno, pensou não mais que dois minutos sobre o assunto, depois sorriu e disse-me: Rui, agradeço-te a tua sugestão mas não posso aceitá-la. E não possa aceitá-la porque, como sabes, toda a gente neste mercado compra a matéria prima em dólares. Imagina qu eu te compro em yenes. Se o yen se desvaloriza relativamente ao dólar, faço um bom negócio, dar-me-ão os parabens e talvez um bónus no fim do ano. Mas se o yen se valoriza? Fico fora do mercado. O preço do produto final fica mais caro, toda a gente me acusará e posso até ser despedido.*/**
 
Percebeu? Eu percebi. Percebi que só um patrão pode livremente jogar com o dinheiro dele. E ninguém deve ter capacidade para poder jogar com o  dinheiro dos contribuintes. E muito menos os gestores de empresas públicas, geralmente comissários políticos sem  competência mínima para gerir as actividades específicas das empresas quanto mais para lidarem com banqueiros matreiros.

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* Esta é uma das razões, se não a mais determinante, que justificam a persistente predominância do dólar como a principal moeda das transacções internacionais de commodities, de que o crude é o exemplo mais notável.
** Evidentemente, o vendedor tem, nestes casos, a possibilidade de anular o seu risco de câmbio vendendo imediatamente o contrato ao câmbio do dia da moeda em que contabiliza os seus débitos.

Monday, July 29, 2013

OS LOBOS NO MEIO DO REBANHO

O jogo da cabra cega continua extremamente popular.
O número de foliões à sua volta continua a aumentar imparavelmente. Inversamente, a sua capacidade para agarrar algum é cada vez menor. E compreende-se que assim seja: se fosse mais célere e competente, o número de foliões decresceria; como é molengona e pouco arguta, incentiva a tentação dos foliões para entrar na roda.
 
Entretanto, a bruta conta que somos obrigados a pagar aos foliões, sem mé nem meio mé, continua a crescer todos os dias. Quanto à cabra cega, continua intocável e inamovível a ajudar à festa. Deles.
 
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Correl. - Investimentos realizados por empresas do universo do grupo estatal levaram a anterior administração de José Matos a pedir ao Ministério Público que investigasse a forma como as operações foram realizadas - aqui
 
Ricardo Oliveira, que está acusado pelo Ministério Público no ‘caso BPN’, reuniu 70 viaturas clássicas. Valem milhões. - aqui  Ricardo Oliveira recebeu mais de 79,3 milhões de euros para sair das empresas do grupo BPN/SLN. O acordo, feito com Oliveira e Costa, terá dado um prejuízo de 55,1 milhões de euros ao banco - aqui Arguido fez 150 milhões ‘à boleia’ do BPN/SLN Ricardo Oliveira e as suas empresas receberam financiamentos de milhões de euros do BPN. Pressão do Banco de Portugal obrigou o empresário a sair do grupoaqui.
 
 

Sunday, July 28, 2013

SWAPS - OS MAUS E OS MAUS

Cantiga Esteves defende aqui que os swaps são instrumentos adequados à gestão do risco das empresas e que o que esteve mal foi a utilização desse instrumento como modo de financiamento das empresas públicas, quando realizaram contratos que, á partida, seriam manifestamente ruinosos.
 
Tudo bem explicadinho, sim senhor. E, no entanto, faltou referir o que está de essencialmente errado: o facto de os gestores de empresas públicas dependentes do OE estarem autorizados, no caso até obrigados pela tutela, a fazerem este tipo de contratos.

Se uma empresa pública depende do OE, as dívidas assumidas serão, mais tarde ou mais cedo, dívida publica. A capacidade de gestão destas empresas deveria estar limitada às receitas correntes e às subvenções contratualizadas com o Estado. Quaisquer contratos de financiamento destas empresas deveriam ser realizados pelos departamentos de gestão financeira do Ministério das Finanças.  

É muito claro que a intenção de desorçamentação com o objectivo de iludir, temporariamente, o défice e a dívida, esteve dolosamente na origem de mais este rombo que a grande maioria dos portugueses tem de pagar. Mas esta foi uma prática relativamente à qual os partidos da oposição estiveram cegos, surdos e mudos.
 
Apenas mais um reparo: É comum a invocação do nome do Estado em vão.
Contrariamente ao que diz Cantiga Esteves, o Estado não actuou como especulador financeiro. Foram gestores públicos, e sabe-se quem foram, que, obedecendo às ordens de governantes, e sabe-se quais foram, que realizaram essas operações. E, das duas, uma: Ou actuaram dentro dos limites em que estavam autorizados a fazê-lo, e a culpa é de quem lhes deu essa autorização, ou excederam os limites, e a culpa é dos gestores na parte excedida.

Sabe-se quem foram os culpados. O Estado não é culpado de nada. Atribuir culpas ao Estado equivale a desculpar os verdadeiros culpados. Que, como é hábito, não pagam pelos erros que cometem, ainda que o presidente do Tribunal de Contas entenda, ineficazmente, que deveriam ser responsabilizados sem dizer o que entende por isso.
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*Comentário colocado parcialmente aqui
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Correl . - Como é que a actual ministra poderia ignorar isto , pgs. 19 e 20, onde até a  Refer, onde foi responsável financeira, é destacada porque, apesar do elevado montante das operações contratadas, apresenta um MtM (valor de mercado dos IGRF - instrumentos de gestão de risco financeiro)  bastante favorável, ainda que negativo)?. Resumindo: mestre Costa Pina determinou-os, mestra Maria Luís Albuquerque atrasou-se a terminá-los. Este governo tem uma rara intuição para desobrigar junto da opinião pública os erros cometidos pelo anterior.  

PALMAS GRAVADAS

Soares confessa-se desiludido com Seguro pela atitude deste nas negociações com o Governo, e repete o que já tinha dito:  que travou a saída de alguns militantes, que contestavam um eventual acordo. Desiludido porque, segundo Soares e os que sempre lhe batem palmas, Seguro não devia ter-se sentado à mesa com os partidos do Governo, e explicou-se mal ao País na entrevista que deu. Acrescenta Soares que "Seguro mandou-me um recado por Almeida Santos a dizer que estava muito magoado comigo". É público e notório que Seguro saiu de orelha murcha das negociações, claramente condicionado por Soares e pelos candidatos às posições do líder inseguro.
 
"O homem é um espectáculo!", diz-me entusiasmado o amigo M., que o conhece há muitos anos, e nunca lhe regateia palmas. "É preciso ter em conta que vai a caminho dos 89, mas está igual a si mesmo. Teso, como sempre. Gosta de palmas? Se gosta. Como qualquer bom artista, vive delas."
 
 

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Correl . - O Prima Dona
Um grande retrato de Mário Soares
Soares também impôs medidas de austeridade. Mas com a idade, esqueceu-se.
 

Saturday, July 27, 2013

O JOGO DA CABRA CEGA

"Nem a pena de prisão efetiva de dois anos impediu que o antigo presidente da Câmara de Oeiras se candidatasse. Desta vez, à Assembleia Municipal de Oeiras. Advogados e constitucionalistas ouvidos pelo Expresso consideram que, mesmo que seja eleito, o ex-autarca Isaltino Morais não pode cumprir as funções públicas. Paulo Vistas, o cabeça de lista do movimento 'Isaltino, Oeiras Mais à Frente', lembra que a lei está do lado do antigo presidente da Câmara."
(aqui)


"Julian Assange, criador da Wikileaks, vive na Embaixada do Equador em Londres há mais de um ano e pode ser preso caso resolva sair. Assange, anunciou anteontem, 25/7, o lançamento de um partido político com o nome da sua organização na Austrália, sua terra natal, além da própria candidatura ao Senado na Austrália para as eleições deste ano, garantindo que a sua experiência com a organização WikiLeaks o preparou para essa tarefa." 
(aqui)

 
O jogo da cabra cega, à luz do Direito Comparado.

Friday, July 26, 2013

PREGAÇÂO AOS PEIXES

É uma cena recorrente. De vez em quando, o presidente do Tribunal de Contas levanta acanhadamente  o dedo indicador e diz que já tinha dito. Se alguém o ouve, ninguém dá importância ao que ele diz. Mestre Guilherme Waldemar Pereira de Oliveira Martins é reconhecidamente uma personalidade respeitada incumbido de um cargo manifestamente impotente.

Desta vez, diz Oliveira Martins que "os gestores devem ser responsabilizados pelos swaps" e que o TdC já tinha alertado em 2008 para o facto de que o dinheiro ganho (inicialmente) com os 'swaps' foi depois perdido no dobro ou no triplo...  "A primeira vez que o TdC levantou esta questão, aqui del'rei. Houve gestores que vieram dizer o que é que o TdC tinha a ver com isto. Diziam que estavam a ganhar dinheiro. (...) Os relatórios do TdC dizem que o que foi ganho foi muito perdido às vezes o dobro, o triplo daquilo que foi ganho, portanto era um mau investimento".
 
Guilherme de Oliveira Martins é presidente de um  tribunal que atribui culpas e emite sentenças sem poder punitivo, isto é, faz-de-conta que é um tribunal. Neste caso, GOM atribui aos gestores a responsabilidade pelas consequências desastrosas das operações de swap mas os restritos limites das suas competências não lhe permitem ir além do "dever ser". Cinco anos depois do alerta do TdC,  PSD e o PS engalfinham-se na atribuição das responsabilidades pelo desastre que custará aos contribuintes mais uns milhares de milhões de euros. Tudo conjugado, o resumo é simples:
 
As operações de swap terão sido realizadas com a permissão do governo de então, tendo como objectivo a desorçamentação de uma parte da dívida publica, isto é, de retirar transitoriamente do perímetro das contas públicas o endividamento das empresas dependentes do OE. Nestas condições, parece que os gestores só devem ser responsabilizados na parte em que a sua intervenção excedeu, dolosamente ou não, os limites da delegação de competências que lhes terão sido atribuídas pelo governo.
 
Para além dos gestores envolvidos na realização de tais operações, são responsáveis os membros do governo que as determinaram, autorizaram ou consentiram, e ainda os membros de todos os partidos, com especial responsabilidade dos partidos da oposição, que não valorizaram o alerta do TdC agora recordado por Guilherme de Oliveira Martins.
 
Finalmente, é culpado Guilherme de Oliveira Martins de se prestar à representação de um papel que seria cómico se não estivesse também envolvido no drama em que se atola o país até aos gorgomilos.

Thursday, July 25, 2013

FIGUEIRA

Percebo o seu desencanto, Professor, mas faço uma avaliação diferente quando comparo a Figueira de há umas dezenas de anos atrás com a Figueira de hoje. A Figueira de hoje está diferente (quem é que não está?) mas não está mais triste, para usar o termo do título do seu lamento.

Quando a Maria Clara cantou que a Figueira era a rainha, estava o Algarve por descobrir. Descoberto o Algarve, a corrente de veraneio virou-se naturalmente para lá. Foi mau para a Figueira? Penso que foi bom. A Figueira adormeceu até à década de 70 à sombra da praia. Entre Aveiro e Leiria, onde a iniciativa industrial preponderou, a Figueira ficou-se nas covas da areia.

Dito isto, não nego que continuo a recordar as ondas espraiarem-se até às muralhas do Forte de Santa Catarina onde agora se lembraram de colocar cimento, e no cimento montar um espelho de água ensossa. Mas o que mais me dói e revolta é o abandono da Serra da Boa Viagem à praga das acácias depois do incêndio que devastou o pinhal. Não me apoquenta a total desfiguração exterior do Casino e do "Páteo das Galinhas", mas considero de muito mau gosto o edifício enorme, ainda em acabamentos, ao fundo da Ponte Galante.

A praia, ameaçada pela concorrência do Sul, ficou ainda menos atrativa com o imenso areal retido pelos pontões. Não se pode ter tudo, e a Figueira de ontem, tinha muito pouco, tendo apenas a praia, para poder crescer. Sem os pontões, naufragaram muitas embarcações à entrada da barra. Sem o encaixe do rio e o prolongamento dos pontões, o porto não teria a actividade que tem.

A Figueira, de onde saí muito jovem porque, ficando lá, o futuro era mais incerto, não é hoje mais triste, muito pelo contrário, que naqueles tempos. Mas, evidentemente, ao compararmos, não podemos usar, porque não temos, todos os mesmos termos de referência, e, eventualmente, divergimos.

Wednesday, July 24, 2013

MANCHADO

Com 73 anos,  Rui Machete decidiu, inesperadamente, voltar à política activa e será hoje empossado pelo PR como Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de um governo com um mandato ameaçado pelas turbulências e golpes de teatro num cenário montado pela troica e aceite por um trio de onde se escapou, ou deixaram escapar, o primeiro subscritor. Poderá parecer estranho que Machete tenha aceitado a incumbência mas nada haveria a apontar se ele não tivesse estado envolvido, formalmente ao mais alto nível, nos maiores escândalos financeiros que abalaram ainda mais as contas do Estado o que, dito de um modo mais entendível, assaltaram os bolsos de (quase) todos os portugueses.
 
Machete com fortes ligações ao BPN e ao BPP é o título de abertura todos os noticiários desta manhã.
Machete não ignorava que a sua nomeação como ministro iria imediatamente fazer voltar a notória nódoa que lhe mancha a biografia. Também não ignorava que o facto de ter sido omitida da biografia distribuída apenas iria denunciar que se envergonha daquelas ligações e não terá senão argumentos tolos para justificar os factos que o envergonham e a omissão do que não quer frontalmente assumir.
 
Mas também nem o PR nem o PM ignoravam os factos, e é muito provável que, à semelhança do ocorrido com Franquelim Alves, secretário de Estado, a omissão observada no currículo de Machete venha a ser justificada pela necessidade de abreviar o vasto currículo do ministro Machete. Como se explica, então, que o PM tenha feito um convite e o PR tenha aceitado nomear uma personalidade que, no mínimo, irá agravar a polémica e incentivar os ataques a um governo que começa esta segunda parte do seu mandato com a credibilidade sob suspeita do próprio PR?
 
Só há uma razão credível: Tanto um como outro desvalorizam ou pretendem desvalorizar a tenebrosa afronta à nossa  consciência cívica colectiva provocada pelos crimes ainda impunes cometidos no BPN e o BPP. Porque se Machete não pode ser considerado culpado também não pode ser considerado inocente antes de os tribunais se pronunciarem.

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Como Ministro dos Negócios Estrangeiros as relações com os EUA ficam desfavorecidas.
“Isso denota uma certa podridão dos hábitos políticos, porque deviam saber em que condições eu passei, em vez de darem notícias bombásticas”.
Machete sobre o BPN: "Saímos a tempo" : "É verdade, saímos a tempo." A resposta foi dada por Rui Machete ao deputado comunista Honório Novo na primeira comissão parlamentar de inquérito à nacionalização do Banco Português do Negócios (BPN), a propósito da venda da participação da FLAD na Sociedade Lusa de Negócios (SLN), que era dona do BPN.
Na audição em Abril de 2009, Rui Machete foi questionado sobre o investimento da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), da qual era presidente, no grupo do BPN.
Machete foi ouvido na qualidade de ex--presidente do conselho superior da SLN, cargo que ocupou até à nacionalização do banco e que resultou da participação accionista da FLAD no capital da dona do BPN, a SLN. "O negócio não foi mau, visto que tivemos uma mais-valia significativa", esclareceu. Os resultados deste investimento, segundo as contas da fundação geraram mais-valias de pelo menos meio milhão de euros desde 2004 - que é o relatório mais antigo disponível no site da FLAD. Nesse ano é referida a alienação de 595 mil acções que geraram uma mais-valia de 402 mil euros. A FLAD ficou com 0,16% que alienou em 2007 por 1,375 milhões de euros, o que resultou em nova mais-valia de 128 mil euros. As duas operações geraram ganhos superiores a meio milhão de euros (530 mil euros). O investimento terá sido realizado em 2001, no mesmo aumento de capital em que o presidente da República, Cavaco Silva, investiu na SLN. A FLAD comprou 1,133 milhões de acções e o próprio Rui Machete deu ordem de compra de 22 650, segundo uma listagem a que o i teve acesso.
O investimento da fundação, que se estendeu a outros bancos, aconteceu porque o BPN tinha uma "remuneração muito interessante". E gerou um "resultado muito interessante que adveio de duas coisas: de que os rendimentos distribuídos eram muito bons e de que nos retirámos atempadamente".
Rui Machete não diz a quem a FLAD vendeu, mas justifica a decisão. "A razão é muito simples: não estávamos satisfeitos com o modelo de gestão do banco, tínhamos sérias dúvidas quanto a isso e quisemos fazê-lo de uma maneira discreta e sempre com a cooperação do Dr. Oliveira Costa, que nunca se recusou a isso." Apesar da desconfiança, "não tive nunca conhecimento de situações que me levassem a suspeitar que estavam a ser cometidos crimes até ao momento em que foi feita a carta ao Banco de Portugal e ajudei a cumprir a obrigação."
A convite de outros accionistas, Rui Machete continua a liderar o conselho superior, órgão que descreve como consultivo. Acompanhou o processo de substituição de Oliveira Costa por Abdool Vakil e mais tarde por Miguel Cadilhe, as tentativas de reestruturação do grupo e as primeiras denúncias feitas ao Banco de Portugal das fraudes no BPN, ainda sob a gestão privada da SLN e pouco antes da nacionalização, em Novembro de 2008. Ainda hoje não é possível fazer as contas à factura do Estado no BPN (ver págs. 8 e 9) , mas admite-se que possa oscilar entre 3500 milhões e 6500 milhões de euros.
Rui Machete, através da FLAD, esteve também envolvido no Banco Privado Português (BPP), mas este investimento não teve bons resultados. A fundação era accionista da Privado Holding, dona do BPP, com 2,6%, e no final de 2008 tinha aplicações de 5,5 milhões de euros. Com a intervenção estatal e posterior insolvência, a FLAD teve de reconhecer perdas e ainda é credora em 1,5 milhões de euros do BPP.
A gestão de Rui Machete na FLAD, da qual saiu em 2010, mereceu duras críticas de um antigo embaixador dos Estados Unidos em Portugal. Num dos telegramas divulgados pelo "Expresso" no âmbito do caso Wikileaks, Thomas Stephenson defendia que tinha chegado a hora de "decapitar Machete". O embaixador americano em 2008 acusava a fundação de gastar 46% do seu orçamento de funcionamento nos seus gabinetes luxuosos decorados com peças de arte, pessoal supérfluo, uma frota de BMW com motoristas e custos com pessoal que incluíam despesas em roupa.
Mas o trio Oliveira Costa, Miguel Cadilhe e Rui Machete aparece ligado também aos polémicos perdões fiscais concedidos entre 1987 e 1990, no segundo governo de Cavaco Silva. Oliveira Costa era então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e Miguel Cadilhe ministro das Finanças. O assunto teve direito a comissão de inquérito parlamentar presidida por Rui Machete que ilibou Oliveira e Costa de quaisquer suspeitas na concessão de perdões fiscais de muitas centenas de milhares de contos."

Rui Machete vendeu acções da SLN ao BPN com ganho de 150%
Cristina Ferreira 02/08/2013 - 07:09
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros nega ter vendido à Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento os títulos da instituição de Oliveira Costa que tinha comprado para a sua carteira.
aqui
Machete comprou acções por metade do preço

Tuesday, July 23, 2013

UM SAMBA SANTO NA PRAIA

- E a senhora Raquel é católica, protestante, adventista, ou não tem religião?
- Olha rapaz, vou aos protestantes porque gosto muito dos cânticos deles. Vivo sozinha há muitos anos, e sinto-me bem no meio de toda aquela gente a cantar. Alivia-me a tristeza, sabes?
- É protestante, portanto?
- Não, acho que não. Também vou à igreja, lá acima, e levo sempre azeite para o santíssimo ...
- Então é católica? 
- Ah! Também já fui duas ou três vezes aos adventistas, mas não gostei. Não sei porquê, mas não gostei.
- Senhora Raquel, tenho que escrever aqui no boletim de recenseamento qual é a sua religião ... se tiver religião... Não é obrigada a ter.
- Ora essa. Tenho, claro que tenho...
- Diga-me, então, se faz favor que religião lhe devo indicar aqui no seu boletim.
- Só posso ter uma, é isso?
 
Não lhe soube responder, e já não me recordo em que ficámos. Na hipótese "Outra" cabiam todos os credos não cristãos e o mais errado seria inscrever a senhora Raquel num clube residual e heterogéneo a que, de modo algum, pertencia.  
 
Recordei-me desta cena antiga ao ler hoje no Economist a explicação da acelerada perda de crentes da Igreja Católica mesmo onde a sua presença é mais forte. Uma explicação que remete para várias causas conhecidas e debatidas, umas há muitos anos, outras de erupção recente. Para além daquelas que decorrem dos seus dogmas ou do comportamento dos seus membros, é manifesta a dificuldade da Igreja Católica em contrariar a progressão de outros ritos promovidos por técnicas e meios de marketing religioso que, essencialmente, em nada se distingue do marketing político ou comercial.

As viagens papais podem travar a progressão daquela tendência, e a aproximação física do Papa Francisco à multidões, se decorre em parte da sua idiossincrasia, é um meio, aliás arriscado, de promoção da sua missão pastoral. Até onde irá (ou deixarão ir) Francisco neste envolvimento no seio de multidões incontroladas?

Será que, de repente, o veremos a sambar na praia?, pergunta o Economist.
 

Monday, July 22, 2013

LUSÊXIT

Dívida pública portuguesa sobe para 127,2% do PIB até Março. É a terceira maior da UE e a sexta que mais subiu no primeiro trimestre.
A 10 de Março de 2013 anotei aqui,
"...,  nestas condições, se os devedores não podem pagar na totalidade as suas dívidas, a renegociação das dívidas é inevitável e os credores não poderão esquivar-se a corrigir as suas contas. E nós, a nossa vida." 
  
Repito-me,

Enquanto subsistir o encravamento de uma solução que torne a redução dos encargos da dívida para níveis suportáveis, a dívida continuará a crescer imparavelmente e a retoma económica continuará irremediavelmente comprometida.

A necessidade de renegociação da dívida, ou a mesma coisa com outro nome, é incontornável e, obviamente, depende em grande medida da capacidade negocial dos negociadores portugueses. Essa capacidade negocial só terá a força máxima se representar a maior maioria política possível. A recente ruptura das negociações para um compromisso interpartidário não constitui apenas um revés para CS porque levará, sobretudo, a uma solução que inevitavelmente será a curto prazo imposta pelos credores com custos acrescidos em consequência da fragilidade dos negociadores portugueses.

Há alguém que discorde disto?
Há, e são muitos.
Uns, para quem renegociar é claudicar.
Outros, para os quais claudicar é subscrever um acordo sobre uma estratégia comum sobre o assunto. E assim se prolonga o estado exangue do país.   

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Wolfgang Münchau assina hoje no Financial Times mais uma das suas habituais análises, desta vez, e mais uma vez, dedicada à dessintonia entre as medidas pretendidas por Wolfgang Schäuble e aquelas que os gregos, realisticamente, podem aceitar cumprir. A dois meses de eleições na Alemanha aquilo que Merkel e Schäuble não querem sequer ouvir é qualquer proposta grega de mais um hair cut da sua dívida pública. E, o entanto, essa possibilidade perfila-se cada vez mais como uma inevitabilidade.

Para Münchau colocam-se três questões acerca do imbróglio grego: Seria economicamente racional para Atenas seguir as directivas do sr. Schäuble? Atenas deverá preparar-se para sair do euro? Ou deverá declarar-se insolvente dentro da zone euro?

Portugal, dizia-se, não é a Grécia.
Talvez não. Mas os partidos políticos - todos, sem excepção - continuam afanosamente a trabalhar no sentido de superarmos os gregos.

Sunday, July 21, 2013

EM LEGÍTIMA DEFESA

"Cavaco vai manter o governo", anteviu ontem à noite o comentador-porta-voz-não-autorizado da presidência da República, o que não é uma antevisão por aí além. Ao PR, depois da sobreposição dos interesses partidários  na mesa das negociações não resta mais que uma alternativa: reconhecer o revés da tentativa e passar adiante sem mais reparos. O governo está no pleno exercício das suas funções, e a remodelação proposta (ou a propor pelo governo) não tem que ser anunciada publicamente pelo PR. A eventual constituição de um governo de iniciativa presidencial foi já repetidamente considerada pelo PR como não constitucional desde a revisão de 1982. A convocação de eleições antecipadas ficou ainda mais distante desde a rejeição na AR da moção de censura proposta pelos Verdes.
 
No entanto, receio que Cavaco Silva não vai deixar de ceder à tentação de aproveitar a oportunidade para desancar* naqueles que, explicita ou implicitamente, se opuseram imediatamente à sua proposta de um acordo de salvação nacional invocando, sem rodeios, a sobreposição dos interesses partidários. Foi neste sentido uma das suas intervenções a partir das Ilhas Selvagens, um dia antes da ruptura das negociações anunciada pelo secretário-geral do PS, é improvável que não volte ao tema hoje à noite.
 
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Correl . -  (Para memória futura) Parceiros sociais pedem acordo célere, consistente e realista para evitar consequências imprevisíveis

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* Não se confirmou. CS ignorou os adversários do compromisso. Fez bem.

OUTRA

Repositório da crise
Henrique Monteiro
Uma vez que o Presidente da República fala hoje à noite, mesmo a tempo de ser comentado pelo professor Marcelo e pelo engenheiro Sócrates, convém trazer à memória de onde vem esta crise.Quando começou? É um mistério! Se nos referirmos á última que conhecemos foi inegavelmente com a demissão do professor Gaspar e a birra do doutor Portas. Mas se nos interrogarmos de onde vêm essa demissão e essa birra, teremos de ir mais atrás.
E vamos.
1) Portugal chegou tarde e a más horas à construção do Estado Social, culpa do Estado Novo que negou,além da liberdade, direitos essenciais;
2) No PREC, vários direitos a que não correspondiam quaisquer deveres foram estabelecidos e constitucionalizados com o voto do PSD e do PS.
3) Em 1978, perante o descalabro financeiro ( o Governador do Banco de Portugal telefonava ao primeiro-ministro a dizer que no dia seguinte não havia dinheiro) o FMI foi chamado para ajudar o país a re-entrar nos eixos; havia um Governo PS/CDS que acabou prematuramente, seguiram-se governos de iniciativa presidencial;
4) Quando o atual Presidente foi ministro das Finanças do Governo Sá Carneiro (AD), interrompeu a política da desvalorização progressiva do escudo (desenhada, entre outros, por um senhor que foi prémio Nobel, Paul Krugman) para fazer o que se costuma chamar "política de bacalhau a pataco".
5) Em 1983, a coligação PS/PSD foi obrigada a chamar o FMI de novo. Houve medidas duras, fome, desemprego e salários em atraso;
6) Em 1986 Portugal entrou na então CEE, atual União Europeia. Foi o 11º país (a Espanha entraria no mesmo dia, compondo a Europa dos 12). Hoje são 27;
7) Em 1987 o país teve o primeiro Governo de maioria absoluta, com Cavaco e o PSD; com o dinheiro da Europa, não houve estratégia para o país salvo... obras públicas. A política das obras permite duas coisas importantes para os partidos - movimentar milhões de euros e criar emprego rápido. Uma segunda vertente foi aumentar o número de funcionários públicos e os seus salários, como forma de comprar paz social.
8) Cavaco quis colocar o país no que chamava "o pelotão da frente". O Governo que o substituiu, do PS com Guterres, não tinha maioria, mas governou quatro anos. A ideia fundamental desse Governo foi... fazer mais obras (acabar e concretizar as que vinham de trás, como a EXPO 98, e fazer o célebre Euro 2004 com 10 estádios) e... aumentar o número de funcionários públicos.
9) Guterres consegue um empate no Parlamento em 1999. Sem maioria, consegue entrar no Euro logo no início, em 2002  (o tal "pelotão da frente"), mas demite-se pouco depois. É substituído por um Governo PSD/CDS que Governa entre 2002 e 2005 (termina já com Pedro Santana Lopes, depois de Barroso ir para Bruxelas), avisando que o país estava "de tanga" e que ia reformar o Estado. Nunca o fez. Mas aumentou os impostos e o Euro 2004 com 10 estádios correu lindamente, embora Portugal perdesse a final.
10) Santana cai porque o então Presidente, Jorge Sampaio, dissolve o Parlamento. Nas eleições, o PS ganha as eleições com maioria absoluta.
11) O Governo Sócrates avisa que vai reformar o Estado e reequilibrar as contas públicas. Mas a principal ideia é fazer... obras públicas. Há auto-estradas para todos os gostos, prevê-se um aeroporto novo e avança-se para o TGV. Ainda assim, com menos linhas do que tinha previsto Barroso. De qualquer modo, aumenta os impostos, nomeadamente o IVA.
12) A crise financeira de 2008 coloca a nu a irresponsabilidade económica do Estado português (o PIB não chega a crescer 1% em média nessa década) e a loucura de certa banca - v.g. BPN, BPP, etc. O Governador do Banco de Portugal de então (atual vice do banco Central Europeu), Vítor Constâncio não deu por nada. Mesmo assim, e apesar da crise, em 2009, sendo ano de eleições, o Governo de Sócrates aumenta substancialmente os funcionários públicos. Depois é obrigado a uma série de Planos de Estabilidade e Crescimento, que foram trazendo cortes salariais, aumentos de impostos e austeridade. Ao quarto plano, o Passos Coelho achou que podia fazer diferente e não permitiu que o PEC fosse aprovado. Sócrates chama a troika (FMI, BCE e UE),  demite-se e o PSD ganha as eleições e faz uma coligação com o CDS.
13) Este é o atual Governo. Ao contrário dos outros sabe que não tem dinheiro para fazer obras públicas nem para comprar a paz social com aumentos de salários. Como esse parecia ser o desígnio nacional, não podendo fazer isso, não sabe o que fazer, exceto aumentar impostos (só IVA aumentou quase 50% desde de 2002; na restauração o aumento foi de quase 100%).
14) Os partidos aqui mencionados a partir de 1976 informaram-nos ontem que tinha perspetivas substancialmente diferentes sobre o país.
Perceberam?

A PARÓDIA

Toda,
AQUI


Saturday, July 20, 2013

BEBA ÁGUA DO VIMEIRO,

o partido está primeiro,
 
e corria o risco de se partir se algum compromisso de salvação nacional fosse subscrito pelo seu secretário-geral. Mário Soares, porta voz de todos os que ameaçavam abandonar o partido se algum acordo fosse subscrito pelo PS, manifestou imediatamente a sua satisfação pelo anúncio da ruptura das negociações. O conjunto de medidas apresentado pelo PS, uma versão apressadamente adaptada da moção apresentada por Seguro ao Congresso, é um documento pensado com o objectivo de ser divulgado logo que a pretendida ruptura das negociações fosse anunciada. 
 
O documento apresentado pelo PSD, sendo menos panfletário que o do PS, amarra-se a objectivos precisos que eliminavam a priori a possibilidade de negociações de objectivos de princípio. Aliás, não é perceptível como pode a persistência do PSD com medidas também contestadas publicamente pelo CDS acomodar-se com a entrega a Paulo Portas da responsabilidade pelas negociações com a troica, a reestruturação do Estado, e  a supervisão da gestão das pastas da Economia, da Solidariedade e Segurança Social e da Agricultura e Mar, se o PR vier, como tudo indica neste momento, a aceitar a remodelação que lhe tinha sido proposta.
 
Sabemos, agora, que o compromisso de salvação nacional estava comprometido à partida pelas segundas intenções do PS e do PSD. Não se conhece ainda o documento apresentado pelo CDS. Mas sendo conflituantes os objectivos, reconfirmados por Passos Coelho na AR durante a discussão da moção de censura, e também, logo depois no Conselho Nacional do PSD, de continuidade da política financeira prosseguida com Vítor Gaspar, e que suscitou a demissão de Paulo Portas, não sabemos que compromisso existe entre Passos Coelho e Paulo Portas de salvação da actual coligação.  
 
Saberá o PR?
Paulo Portas aceitou revogar tudo o que disse além da irrevogabilidade da demissão que apresentou?
Este governo durará até ao próximo tropeção nas contradições entre a determinação cega do primeiro-ministro e a determinação táctica do vice-primeiro ministro para não desaparecer da cena política e reduzir o partido à expressão mais simples.
 
Assim vai a salvação de Portugal.

Friday, July 19, 2013

ENCOSTADOS ÀS CORDAS

Ouvem-se os discursos do trio e somos levados a pensar que a troica já saiu de jogo. Há compromisso, não há compromisso, o mais provável, neste momento, é não haver compromisso nenhum. O PR recebeu esta tarde os membros do trio em audiências separadas mas já estava informado pelo seu observador nas reuniões das posições de cada um e da mais que provável impossibilidade de um acordo entre eles. Para já.

Um dia destes, e independentemente da evolução dos acontecimentos nos próximos dias, haverá na pior das hipóteses, a emergência de um segundo resgate antes de meados do próximo ano, e, na hipótese mais benigna, um imprescindível apoio - programa cautelar - pós troica. Em qualquer dos casos, dificilmente qualquer dos membros do trio poderá escapar a um compromisso conjunto perante a troica (ou o duo UE/BCE). Isto é, o compromisso, agora internamente impossível, será possível, quando as circunstâncias o exigirem, imposto pelos credores.

E, no entanto, ouvem-se os protagonistas e os comentadores políticos avençados, e quase de nenhum lado a mais ligeira referência à troica. Tudo parece passar-se como se a troica não existisse, como se a liberdade de cada um dos partidos do trio não estivesse condicionado, imediata ou mediatamente, pelas exigências da troica.

Dizia ontem António Costa no programa em que é avençado que à proposta de compromisso do PR falta um pilar e, porventura, sobra outro: falta a referência à renegociação do memorando de entendimento e estará a mais a marcação de eleições antecipadas com um ano de antecedência. Numa edição marcada pela unanimidade dos participantes, a opinião de AC foi subscrita por Pacheco Pereira e Lobo Xavier. Parece que a todos escapou neste consenso pelo contrário um pressuposto fundamental: que, quaisquer que sejam as negociações com a troica, é fundamental um consenso entre as três principais forças partidárias acerca da estratégia a curto e médio e prazo, a ser, eventualmente, executada pelos três em tempos diferentes.

Não havendo consenso, e acabo de ouvir que não houve compromisso, os partidos vão agora acusar-se mutuamente sem se quererem aperceber que todos (eles e nós) estão encostados às cordas.
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Correl. - Bases para um compromisso de salvação nacional (PSD)
Compromisso de salvação nacional (PS)
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Mais cedo ou mais tarde um compromisso interpartidário alargado será imposto pela evolução da realidade politica (CS / discurso de ontem - 21/7)
 

Thursday, July 18, 2013

O REGIME NÃO SE AGUENTA



"O regime não se aguenta se não houver um julgamento a sério do BPN ..."

"Aguenta, aguenta"
Aos tombos, como um ébrio inveterado, mas aguenta-se.

E, no entanto, acumulam-se persistentemente as dúvidas acerca da probidade com que alguns negócios foram realizados na sequência da maior fraude financeira observada em Portugal,
mantendo-se os responsáveis impunes à espera que os crimes prescrevam.

Ontem, soube-se que podem atingir 800 milhões de euros os valores a pagar pelo Estado português ao BIC por indemnizações decorrentes de processos judiciais pendentes à data do contrato de privatização. Na segunda-feira tinha sido tornado público a apresentação ao Estado - vd aqui - de uma factura do BIC de 100 milhões de euros por aquele motivo.

E o nosso espanto não pode ser maior: Como é que alguém competente e de boa fé pode subscrever um contrato que responsabiliza o Estado por contingências ilimitadas desvinculando o Estado da capacidade de defesa dos seus direitos em tribunal entregando essa capacidade, que deveria ser inalienável, a terceiros?

Como é que pode ser julgado legal um negócio que amputa o Estado do direito primordial de defesa?

Wednesday, July 17, 2013

ACERCA DAS SUBTILEZAS DA BURRICE

Ouço na rádio o noticiário das seis da tarde e o líder do PSD considerar que todas as negociações
pressupõem cedências entre as partes envolvidas, admitindo que possa haver acordo na redução da legislatura e eleições antecipadas em meados do ano que vem. Aquela hora, pareciam elevadas as hipóteses de o acordo de salvação nacional ser fechado ainda hoje.
 
Duas horas depois, o noticiário das oito reduzia em baixa o optimismo transmitido às seis e dava conta que PS e PSD estavam desencontrados acerca dos badalados cortes de 4 vírgula-já-ninguém-sabe-quantos milhares de milhões de euros, teimando o PSD nos cortes e o PS na oposição  aos ditos.
 
Visto por um observador externo não obnubilado por qualquer devoção partidária, a teima parece uma burrice. Sabe-se que os cortes em questão são uma imposição da troica. Tanto PSD e CDS como o PS assinaram um compromisso com a troica. Parece ao cidadão comum que a teima tem uma solução óbvia: que os três discutam em conjunto com a troica a impertinência das suas exigências e o PS convença os troicos das suas razões.
 
Aliás, se não houver agora acordo entre o trio e a troica, será imposto pela troica um acordo mais tarde ou mais cedo. Porque, das duas, uma: ou eleições antecipadas em Setembro detonariam um segundo resgate; ou o após troica não dispensará um apoio externo, qualquer que seja o nome que venha a ter. Em qualquer dos casos, os apoiantes não dispensarão a renovação dos avales dados pelo trio há dois anos.
 
Quaisquer outras razões, se existirem, escapam ao cidadão comum partidariamente ingénuo.
 
 
 

TÁXI! TÁXI!

 
 

Monday, July 15, 2013

SALOMÃO E O PROFESSOR MARCELO

Alguém,  um dia,  disse que o professor Marcelo sabia de tudo mas não sabia mais nada. E a laracha tem vindo ao longo dos anos a mostrar-se uma pérola de vaticínio certeiro. Com efeito, Marcelo é um campeão holístico, capaz de reunir e relacionar todo o saber deste mundo e do outro. Mas não passa disso. As suas intervenções televisivas são, geralmente, lições aos políticos que ele, Marcelo, desistiu de ser depois de alguns revezes mal encaixados, cumprindo a sentença de quem sabe fazer, faz, quem não sabe, ensina.
 
Mas tem muitos fiéis e atentos espectadores e, faltaria à verdade se dissesse que não o ouço sempre que esteja em casa ao domingo à noite. Hoje Marcelo falou da comunicação do PR, que considerou uma boa ideia em teoria mas estragada na prática. A ouvi-lo perorar esta contradição nos termos - qualquer teoria só é válida se vingar no confronto com a prática -, percebi-lhe alguma instabilidade no discurso, pouco habitual nele. 
 
Polémico quanto baste, Marcelo é normalmente muito seguro nas afirmações que faz. Foi, portanto, com muita estranheza que o ouvi ontem citar o rei Salomão para contar, erradamente, a história das duas mulheres que se reclamavam mãe de uma criança. Segundo Marcelo, Salomão teria decidido cortar a criança ao meio dando metade a cada uma. A versão é outra e exemplar da lendária sabedoria do rei Salomão que entregou a criança à mulher que disse preferir ver o seu filho entregue à outra mulher a vê-lo cortado ao meio.  
 
A história vinha a propósito da decisão do PR que, com a intenção de ser equidistante nas condições postas para a negociação do acordo de salvação nacional, terá matado qualquer possibilidade de acordo ao fixar uma data para eleições antecipadas. Ora é muito óbvio que se CS não tivesse fixado esse assunto na discussão do compromisso que pediu ao trio, o PS, que vem reclamando há já algum tempo eleições antecipadas, a curto prazo, ter-se-ia, liminarmente, oposto a negociar sem que sobre esse ponto houvesse um acordo prévio. CS amarrou o PSD a um dos pilares do acordo entregando aos partidos as condições de negociação do que é essencial e urgente: uma política conjunta de relacionamento com a troica extensível ao período subsequente no relacionamento com a UE e o BCE. O PS já aceitou esse pilar; PSD e CDS não têm nenhuma vantagem em recusá-lo a não ser para uso como moeda de troca durante as negociações.

Percebe-se mal que, sendo Marcelo o génio que dizem ser, tenha contado da história que tornou a sabedoria justiceira de Salomão lendária uma versão absurda. Tão absurda quanto os fundamentos da  sua opinião quanto à realização de eleições antecipadas no próximo ano.

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Correl. - Marcelo nas última semanas só vê porcos a andarem de bicicleta em Portugal

Sunday, July 14, 2013

DIAS DE BRUMA

Depois de uma semana tórrida a inversão térmica reduziu o horizonte visível. A meteorologia parece, deste modo, pautar-se pelo andamento político dos últimos dias. Segundo os meteorologistas, a situação climatérica de nebulosidade irá manter-se amanhã e depois, o sol voltará a brilhar em céu azul quarta e quinta-feira, haverá outra vez nuvens na  sexta-feira  que desaparecerão nos quatro dias seguintes, deixando brilhar o sol. Para depois, não se comprometem os meteorologistas.
 
Há cerca de duas horas ouvi na rádio que ainda hoje, ou, mais provavelmente, só amanhã, se reunirão os representantes do trio que subscreveu o acordo com a troica para iniciarem as negociações do acordo de salvação nacional pedido pelo PR. Nenhum dos líderes estará presente. Quer isto dizer que, na melhor das hipóteses, quarta ou quinta-feira saber-se-á se alguma base de entendimento é possível, ou, pelo contrário, as negociações encravaram irrevogavelmente, e a bruma descerá sobre o país.
 
Um dos pontos que ameaça o entendimento pretendido é a realização de eleições antecipadas em meados do próximo ano, após o termo do acordo e a saída da troica. Seguro já aceitou, implicitamente, este ponto da proposta do PR atirando a bola para o campo de Passos Coelho. A explícita reacção  deste na AR sobre o mesmo assunto, contrária à proposta do PR, pode ter duas leituras mas só uma interpretação lógica. Passos Coelho pode ter começado por discordar da proposta do PR para depois ceder, funcionando essa cedência como moeda de troca por outra do PS. Ou Passos Coelho decide não transigir numa matéria que ele considera sem cobertura constitucional, aborta o acordo, e assume ónus da ruptura com as consequências políticas que essa atitude terá junto do eleitorado flutuante.
 
Passos Coelho (e o país) tem toda a vantagem em aceitar eleições antecipadas no próximo ano: primeiro, porque desarma Seguro do único argumento que este dispõe com base consistente, segundo, porque dispõe de um ano para governar o país suportado por um acordo consensualizado; Se no fim desse período, a situação do país tiver experimentado melhorias visíveis, tem todas as possibilidades de ganhar as eleições; se, pelo contrário, a situação económica e social continuou a deteriorar-se, não terá nenhuma hipótese, por falta de mérito, de ganhar as eleições daí a mais um ano.
 
Não sei se Passos Coelho e os seus assistentes farão uma leitura idêntica. O que sei é que, até agora, a estratégia que adoptou desde que tomou posse, sustentada numa auto suficiência absurda, sobretudo em tempos de crise galopante que atravessamos, lhe reduziu drasticamente a margem de manobra.
 
O país precisa que o PS participe num acordo que também protege a sua capacidade de governar quando chegar de novo a sua vez. Mas precisa também que Passos Coelho perceba, de uma vez por todas, que o seu governo está condicionado pelo acordo subscrito pelo trio com a troica e que do trio faz parte o PS, que , ele, Passos Coelho nada inteligentemente quase ignorou durante dois anos.
 
Passos Coelho já deveria ter promovido as reuniões entre os três partidos com a participação dos respectivos líderes. Não o fez, uma atitude que não augura nada de bom. Começa muito mal.

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Correl . - PS vai votar a favor da moção de censura.
A moção de censura será, tudo leva a crer, derrotada. Ao votar a favor da moção dos Verdes, o PS escolhe o lado daqueles que já rejeitaram participar nas negociações de um acordo de salvação nacional e investem na estratégia de quanto pior, melhor. Do PS, que se disponibilizou para participar nessas negociações, esperava-se que se abstivesse, tanto mais que a discussão e votação da moção decorre no momento em que as negociações estão em curso. O que confirma que o jogo político em Portugal não se compadece com coerências de corpo inteiro, mesmo quando o país se encontra sob protectorado estrangeiro.

Saturday, July 13, 2013

Friday, July 12, 2013

DISCURSOS POLÍTICOS DISLÉXICOS

Ouço diversos intervenientes em debates televisivos e parece que a ninguém ocorre esta realidade incontornável,
 
os três partidos que subscreveram o memorando de entendimento com a troica terão, que, irrecusavelmente, subscrever um acordo que garanta o imprescindível apoio após o termo do actual acordo em meados do próximo ano,
 
sendo, consequentemente, obtusa a pergunta mais recorrente nestes debates: o acordo é possível?
 
É, irremediavelmente, possível.
Esta semana que vem ou numa das próximas semanas. Independentemente da data em que vão ocorrer eleições antecipadas. Nenhum credor concorda em prorrogar, e muito menos alargar  um crédito, dispensando qualquer dos avalistas do crédito inicial.

E não há alternativa?
Há. Romper o acordo, como reclama o PCP e o BE, e seja o que eles não sabem nem calculam o que iria acontecer.

 

PASSOS EM FALSO

Vi parte da transmissão  televisiva do debate de hoje. Pelo que vi, sou levado a concluir que não se distinguiu do tradicional show televisivo do qual os intérpretes tentam tirar o maior proveito possível para as suas hostes e para as suas imagens públicas individuais, e onde os interesses do país são subalternizados, ainda que todos os discursos garantam que, acima de tudo e de todos, colocam os interesses nacionais. De original, apenas a presença de todos os ministros na AR.
 
Estes confrontos parlamentares, quando na agenda política o PR inscreveu a urgência de um consenso entre os três partidos que subscreveram o memorando de entendimento com a troica que permita cumprir os compromissos assumidos e, provavelmente, renegociá-los, de modo a garantir a saída do país, em meados do próximo ano, da unidade de cuidados intensivos em que se encontra sem elevados riscos de recaída grave, não ajudam ao atingimento do objectivo. Deveriam ser anulados?
De modo algum. Mas teria sido mais avisado que este debate tivesse sido adiado.
 
Consenso implica cedências de parte a parte, e os recuos tornam-se sempre mais indigestos quando as divergências partidárias, os ataques recíprocos, os radicalismos verbais, são amplificados pelo poder comunicativo ímpar da televisão. Em todo caso, julgo ter percebido que há de parte dos três partidos subscritores do acordo de ajuda externa a vontade de concertarem posições quanto ao essencial da mensagem do PR. Uma explicação possível para esta perspectiva estará no reconhecimento de que, por detrás das palavras do PR, se encontram avisos de Berlim, Frankfurt e Bruxelas retinidos depois do comunicado de demissão de Paulo Portas.
 
Num ponto se adivinha, contudo, uma divergência que pode colocar nas mãos de Passos Coelho a batata quente que o PR entregou a A J Seguro. Este lembra a condição de eleições dentro de um ano (o que significa que admite essa condição inscrita na mensagem do PR); Passos reclama o direito de o seu governo completar o mandato por se encontrar suportado por uma maioria na AR (contrariando a proposta do PR).  
 
Passos ou aceita, e engole um estranho sapo não democrático assinando esse compromisso, ou assume o ónus de frustrar o consenso, e, neste caso o mais provável é que veja terminado o seu mandato ainda mais cedo. Neste aspecto, o show de hoje não lhe foi favorável.

Thursday, July 11, 2013

A INCONSCIÊNCIA DOS SITIADOS

"All polls indicate that institutional parties should have no difficulties in forming a government at the next elections." - vd. - aqui
 
Como?

Recorro ao "Margens de Erro" e a sondagem mais recente citada aponta para  PS: 33.9%, PSD: 23.7%, CDU: 13.2%, CDS-PP: 9.1%,BE: 8.9% .

Outros resultados: 57% (contra 33%) acham que "um governo de coligação entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda" não "seria capaz de responder aos desafios que Portugal está a viver", 40% acham que "chegaremos a Junho de 2014" "melhor"ou "muito melhor", enquanto que 32% "pior" ou "muito pior", 66% acham "devem-se fazer as eleições no seu período normal" (contra 31% que querem legislativas com autárquicas).

Não. Não concordo que os partidos não teriam dificuldades em formar governo, que pudesse governar. Mas, para além disso, existe todo um conjunto de condicionamentos, que CS referiu ontem, que tornam não recomendáveis as eleições em Setembro próximo.
 
Também não concordo que um governo de coligação alargada restrinja a possibilidade dos portugueses descontentes com a governação de terem um partido institucional em quem votar. Todos os partidos têm um conjunto relativamente estável de votantes fiéis. Os restantes, flutuantes, que decidem os resultados das eleições são, regra geral, mais perspicazes, porque não são ideologicamente marcados, para analisar o comportamento de cada partido dos coligados.
 
Do meu ponto de vista, a decisão de CS só peca por tardia, o que a torna a solução mais complicada.
CS não deveria ter dado posse ao segundo governo (minoritário) de Sócrates quando já era muito evidente o crescimento incontido das dificuldades estruturais da economia portuguesa, nem do governo de Passos Coelho sem a integração nele do PS, negociador e primeiro subscritor do acordo com a troica.
 
Coligações fazem-se em quase todo o lado. Em Portugal falham porque os políticos portugueses, em geral, têm da democracia um conceito de confronto permanente onde não há lugar para qualquer consenso.
 
Aliás, é por demais evidente que, frequentemente, subordinam as suas convicções políticas às suas tácticas politiqueiras. Geralmente defendem enquanto governo o que atacaram enquanto oposição.
Se o PS ganhasse as eleições em Setembro teria o PSD e o CDS à perna replicando a mais que esperada táctica do PS logo que, estupidamente, PC&PP desvincuram o PS das responsabilidades executivas do acordo que o anterior governo negociou.
 
Portugal confronta-se com uma crise que não será ultrapassada enquanto continuarem as práticas políticas do passado. CS, com o discurso de ontem, forçou uma saída que é uma reprimenda forte ao PSD e ao CDS e uma oportunidade ao PS para governar em Setembro do próximo ano um país menos destroçado.
 
Mas, o resultado final, evidentemente, depende sobretudo da capacidade dos partidos abdicarem parcialmente dos seus interesses privativos colocando os interesses do país acima deles.
No fim de contas, só a obnubilação partidária pode explicar que, perante uma ameaça externa (troica, credores, FMI, UE) não haja uma união natural na capacidade de defesa dos sitiados. E digo capacidade natural porque é instintiva em todas as espécies, e a espécie humana não é excepção, a tendência para a reunião do grupo perante qualquer ameaça externa.
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Marcelo Rebelo de Sousa: Cavaco "deu estalo à classe política
CDS tem “posição construtiva” em relação à proposta de Cavaco
Ribeiro e Castro diz que Presidente da República foi "sério e rigoroso"
Ferro Rodrigues: Presidente gerou situação "gravíssima" e tenta pôr PS entre espada e a parede  Pedro Silva Pereira acusa Cavaco de "deixar bomba atómica"
Pedro Santos Guerreiro: “Isto não é puxão de orelhas é um par de estalos”Lobo Xavier acusa Cavaco Silva de "instaurar o caos"
BNP: Mercado está a fazer uma “interpretação benigna” da decisão de Cavaco Silva
Citi: “Crise política em Portugal está longe de estar terminada”
Dijsselbloem: "É prematuro dizer que Lisboa vai deixar o programa"
"O Governo foi colocado em mobilidade especial"
Passos, Portas e Seguro abertos a negociar

QUAL DESTAS PALAVRAS OS SENHORES NÃO ENTENDEM?

"Boa noite,
Na semana passada, todos fomos confrontados, de forma inesperada, com uma grave crise política. Os efeitos fizeram-se sentir de imediato no aumento das taxas de juro e na deterioração da imagem externa de Portugal.
Desse modo, os Portugueses puderam ter uma noção do que significa associar uma crise política à crise económica e social que o País atravessa.
Num quadro desta gravidade, impõe-se que todos atuem de forma serena e ponderada, avaliando com bom senso e sentido de responsabilidade quais as soluções que, pela sua credibilidade e pela sua consistência, melhor servem o interesse nacional.
Esta crise política é diferente de todas as outras que Portugal conheceu no passado. Ocorre num momento em que estamos vinculados a um exigente Programa de Assistência Financeira estabelecido com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, instituições que nos têm vindo a emprestar os recursos necessários ao financiamento do Estado.
Assumimos o compromisso de pôr em prática, até junho de 2014, um conjunto de medidas visando a redução do desequilíbrio das contas públicas e a adoção das reformas que garantam a melhoria da competitividade da produção nacional.
O Programa de Assistência Financeira permanece em vigor, sendo a sua execução rigorosa uma condição indispensável para a nossa credibilidade no plano externo e para a obtenção dos financiamentos de que o País precisa.
Em face da perda de credibilidade e de confiança gerada pelos acontecimentos da semana passada, diversas vozes, de vários quadrantes, têm considerado que a atual crise política só poderá ser ultrapassada através da dissolução da Assembleia da República e da convocação de eleições antecipadas para finais de setembro.
Ouvi os partidos políticos com representação parlamentar e os parceiros sociais, que manifestaram opiniões muito divergentes sobre esta matéria.
No momento em que Portugal atravessa uma das fases mais críticas da história do seu regime democrático, é meu dever, em primeiro lugar, esclarecer os Portugueses sobre as consequências da realização de eleições antecipadas na conjuntura que vivemos.
Falta menos de um ano para o fim do Programa de Ajustamento a que nos comprometemos com as instituições internacionais e que temos vindo a executar desde junho de 2011, com pesados sacrifícios para os Portugueses.
Iniciar agora um processo eleitoral pode significar um retrocesso naquilo que já foi conseguido e tornar necessário um novo programa de assistência financeira. Os sacrifícios dos Portugueses, em parte, teriam sido em vão.
Durante mais de dois meses teríamos um governo de gestão limitado na sua capacidade de tomar medidas e de defender o interesse nacional. Nas últimas eleições para a Assembleia da República, entre o anúncio da dissolução do Parlamento e a posse do Governo mediaram 82 dias.
Por outro lado, os Portugueses devem ter presente que a realização de eleições antecipadas, mesmo se estas ocorressem no mês de setembro, implicaria que o Orçamento do Estado para 2014 só entrasse em vigor, na melhor das hipóteses, em finais de março do próximo ano.
O Orçamento do Estado de 2014 e o momento da sua entrada em vigor são determinantes para que Portugal possa regressar aos mercados e obter os meios financeiros indispensáveis ao financiamento da economia e do Estado e para encerrar com êxito o atual Programa de Ajustamento.
A falta de Orçamento do Estado agravaria, de forma muito significativa, o risco de Portugal ter de recorrer a um novo programa de assistência financeira. Este novo programa seria provavelmente mais exigente e teria condições mais gravosas do que aquele que atualmente está em vigor, com reflexos diretos – e dramáticos – no dia-a-dia das famílias. Além disso, não há sequer a garantia de que os parlamentos nacionais dos diversos Estados europeus aprovassem esse segundo resgate financeiro.
Existe uma outra razão, que a generalidade dos Portugueses desconhece, e que desaconselha a realização de eleições a breve trecho. Em 2014 irão vencer-se empréstimos a médio e a longo prazo, que contraímos no passado, no valor de 14 mil milhões de euros. Ora, um dos nossos credores, o Fundo Monetário Internacional, impõe, nestas situações, uma regra: com um ano de antecedência relativamente à data de vencimento dos empréstimos, o Estado devedor tem de possuir os meios financeiros necessários para efetuar o reembolso. Em palavras simples: Portugal tem de assegurar, nos próximos meses, a totalidade dos meios financeiros para proceder ao pagamento dos empréstimos que se irão vencer em 2014.
Por outro lado, a realização imediata de eleições legislativas antecipadas poderia comprometer a conclusão positiva da 8ª e da 9ª avaliações da execução do Programa, previstas para este mês de julho e para final de setembro, o que pode conduzir à suspensão da transferência para Portugal das parcelas dos empréstimos que nos foram concedidos.
Um cenário de eleições legislativas, no atual contexto, seria extremamente negativo para o interesse nacional. A terem lugar proximamente, as eleições iriam processar-se num clima de grande instabilidade financeira e seria muito elevado o grau de incerteza e a falta de confiança dos agentes económicos e dos mercados no nosso País.
Os sinais de recuperação económica surgidos recentemente iriam regredir e o investimento, que tão decisivo é para a retoma do crescimento e para a criação de emprego, continuaria adiado.
Com o acentuar da incerteza própria de um ato eleitoral nesta conjuntura, seria difícil reconquistar a confiança dos mercados a tempo de concluir com êxito o Programa de Ajustamento, em junho de 2014.
O risco de termos de pedir um novo resgate financeiro é considerável. No caso de um segundo resgate, a posição de Portugal ficaria muito desvalorizada tanto na União Europeia como junto de outros países com os quais mantemos um intenso relacionamento económico.
Além destas razões de ordem económica e financeira, existem também motivos de natureza política que desaconselham a realização imediata de eleições antecipadas.
As eleições, se tivessem lugar já no próximo mês de setembro, processar-se-iam num clima de grande tensão e de crispação entre as diversas forças partidárias, como os Portugueses têm vindo a observar. Isso tornaria muito difícil a formação, após o ato eleitoral, de um governo com consistência e solidez.
No momento atual, as eleições legislativas antecipadas comportam o sério risco de não clarificarem a situação política e, pelo contrário, podem contribuir para a tornar ainda mais confusa, mais precária e mais instável.
Era da maior importância que os partidos políticos adotassem, desde já, uma atitude de maior abertura ao compromisso e ao trabalho em conjunto para a resolução dos complexos problemas que Portugal terá de enfrentar no futuro.
Portugueses,
Tendo exposto ao País o que penso da atual situação e as razões pelas quais considero ser indesejável a realização imediata de eleições legislativas, quero apresentar agora o meu entendimento sobre a solução que melhor serve o interesse nacional.
No contexto das restrições de financiamento que enfrentamos, a recente crise política mostrou, à vista de todos, que o País necessita urgentemente de um acordo de médio prazo entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, PSD, PS e CDS.
É esse o caminho que deveremos percorrer em conjunto. Darei o meu firme apoio a esse acordo, que, na atual conjuntura de emergência, representa verdadeiramente um compromisso de salvação nacional. Repito: trata-se de um compromisso de salvação nacional.
O Presidente da República não pode impô-lo aos partidos, até porque um acordo desta natureza e deste alcance só terá consistência e solidez se contar com a adesão voluntária, firme e responsável das forças políticas envolvidas.
Terão de ser os partidos a chegar a um entendimento e a concluir que esta é a solução que melhor serve o interesse dos Portugueses, agora e no futuro.
Com a máxima clareza e com toda a transparência, afirmo que esse compromisso deve assentar em três pilares fundamentais.
Primeiro, o acordo terá de estabelecer o calendário mais adequado para a realização de eleições antecipadas. A abertura do processo conducente à realização de eleições deve coincidir com o final do Programa de Assistência Financeira, em junho do próximo ano.
Em segundo lugar, o compromisso de salvação nacional deve envolver os três partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento, garantindo o apoio à tomada das medidas necessárias para que Portugal possa regressar aos mercados logo no início de 2014 e para que se complete com sucesso o Programa de Ajustamento a que nos comprometemos perante os nossos credores.
A posição negocial de Portugal sairia reforçada, evitando novos e mais duros sacrifícios aos Portugueses.
Em terceiro lugar, deverá tratar-se de um acordo de médio prazo, que assegure, desde já, que o Governo que resulte das próximas eleições poderá contar com um compromisso entre os três partidos que assegure a governabilidade do País, a sustentabilidade da dívida pública, o controlo das contas externas, a melhoria da competitividade da nossa economia e a criação de emprego.
É essencial afastarmos do horizonte o risco de regresso a uma situação como aquela que atualmente vivemos.
Estou consciente das dificuldades políticas de alcançar este acordo, reconheço a dimensão do esforço que os dirigentes partidários terão de fazer, mas não tenho dúvidas de que ele constitui a solução que melhor serve o interesse nacional e que garante, a qualquer governo, as condições necessárias para enfrentar os problemas do País.
Desde que exista, à partida, vontade e espírito de cooperação entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento, e desde que estes coloquem o interesse nacional acima dos seus próprios interesses, creio que não será difícil definir o conteúdo em concreto desse entendimento. Mais ainda, um acordo desta natureza não se reveste de grande complexidade técnica e poderá ser alcançado com alguma celeridade, podendo recorrer-se a uma personalidade de reconhecido prestígio que promova e facilite o diálogo.
Darei todo o apoio a esse compromisso patriótico, na convicção de que ele irá contribuir, de modo decisivo, para a confiança externa e interna e será um fator de esperança para todos os Portugueses.
Irei contactar de imediato os responsáveis dos partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento para analisarmos a solução que proponho.
Portugueses,
Chegou a hora da responsabilidade dos agentes políticos. As decisões que forem tomadas nos próximos dias irão condicionar o futuro dos Portugueses durante vários anos.
O que está em causa é demasiado grave e demasiado importante. A existência de um compromisso de médio prazo é a solução que melhor serve quer o interesse nacional quer o interesse de todos os partidos, que poderão preparar-se para o próximo ciclo político tendo dado mostras aos Portugueses do seu sentido de responsabilidade.
Sem a existência desse acordo, encontrar-se-ão naturalmente outras soluções no quadro do nosso sistema jurídico-constitucional.
No entanto, se esse compromisso não for alcançado, os Portugueses irão tirar as suas ilações quanto aos agentes políticos que os governam ou que aspiram a ser governo.
Recordo que o atual Governo se encontra na plenitude das suas funções e que, nos termos da Constituição, como disse, existirão sempre soluções para a atual crise política. Contudo, os Portugueses devem estar conscientes de que nenhuma dessas soluções dará as mesmas garantias de estabilidade que permitam olhar o futuro com confiança igual à da proposta que acabo de apresentar.
Depois de tantos sacrifícios que foram obrigados a fazer, depois de terem mostrado um admirável sentido de responsabilidade, os Portugueses têm o direito de exigir que os agentes políticos saibam estar à altura desta hora de emergência nacional.
Acredito que as forças políticas colocarão o interesse nacional acima dos seus interesses partidários, até porque todos estão conscientes da gravidade extrema da situação em que nos encontramos.
Quero, por isso, terminar manifestando a minha confiança no espírito patriótico das forças políticas e, acima de tudo, a minha esperança num futuro melhor para todos os Portugueses.
Boa noite."