Sunday, July 23, 2006

SALAMANCA

Quando o “Shopping” das Amoreiras foi inaugurado eu supus que o negócio não se aguentaria mais do que dez anos. Errei, redondamente. Não só o investimento se mostrou altamente rentável, pelos vistos, como, a partir de então, têm aberto outros centros comerciais por esse país fora, que é um nunca mais acabar. E, dizem os especialistas, ou os interessados, para o caso pouco importa, que há ainda espaço (negócio) para mais.

Na altura, eu conhecia já os “Shopping” de S. Paulo e de Montereal, e atribuía, então, o sucesso dos primeiros à necessidade das classes mais favorecidas terem de se refugiar em fortalezas comerciais, tendo em conta os índices de criminalidade na rua, e dos segundos, às temperaturas de Inverno que, se corre vento, se situam frequentemente abaixo dos vinte, e mesmo trinta, graus negativos.

Em Lisboa, felizmente, nem a criminalidade, por enquanto, nos inibe de andar nas ruas do centro da cidade a qualquer hora do dia, nem as temperaturas nos empurram para entrarmos num espaço fechado. Lisboa tem um céu azul inigualável, um rio lindo, uma localização ímpar. A baixa pombalina, apesar do traçado empertigado, é hospitaleira, e o Terreiro do Paço seria a praça mais bonita do mundo se o Dom José fosse cavalgar para outro lado. De qualquer modo, já foi uma conquista notável que tenham acabado com o parque automóvel. Tudo contado, as minhas contas apontavam para o fracasso dos centros comerciais fechados num país com tão acolhedor céu aberto. Para mim, o centro comercial natural de Lisboa estava nas suas ruas e o centro dos centros na baixa pombalina.

Passados todos estes anos, os “Shopping” enchem-se de multidões consumidoras, e não consumidoras, às horas em que Lisboa se esvazia e a baixa pombalina é um deserto.

Há dias, estivemos mais uma vez em Salamanca. Chegámos, eram horas de jantar, e fomos até à Plaza Mayor. É sempre um privilégio desfrutar o encanto de estar ali. A Plaza Mayor não tem o rio largo nem o desafogo do Terreiro do Paço mas, convenhamos, ganha, por isso mesmo, em aconchego. A sua arquitectura neo-clássica é mais delicada, a sua posição geográfica na cidade é mais centrípeta.

Mas, a grande diferença, é feita pelas pessoas. As pessoas que tocam e bailam as danças dos bairros, os jovens que cantam baladas, as pessoas que comem e bebem, e sobretudo as pessoas que se encontram para passear e conversar.

Por que razão te abandonam, Lisboa?

Saturday, July 22, 2006

CRAZY SEASON


Já comentámos que a desova das broncas se processa com uma regularidade impressionante ao longo do ano, mas é impossível não reconhecer que a safra tem estado a observar um pico acentuado durante estes últimos dias, talvez em consequência do calor que dilata os corpos e, inevitavelmente, nos amolece os miolos. E nem as sumidades escapam ao flagelo. São tantas e tão nutridas as broncas, dando aos jornais redobradas razões para existir, que não é possível listá-las e comentá-las aqui, ainda que de forma sucinta, porque ficaríamos sem tempo e espaço para outros assuntos menos divertidos.

Dois desses exemplares merecem, contudo, que aqui fiquem registados para a posteridade:

No primeiro caso, e a propósito da bronca mais geral que promete ser para lavar e durar, que é a confusão acerca da repetição das provas de Química e Física do 12º. ano, espanta qualquer cidadão comum que ainda leia jornais, que se um “parecer de catedrático de Aveiro sustenta que prova de Química não tem erros” , no PÚBLICO de 20/7, a “Sociedade Portuguesa de Química…logo a seguir ao exame denunciou a existência de um erro numa das perguntas…” , no EXPRESSO de 22/7.

A Sociedade Portuguesa de Química é suposto acolher o que de melhor as nossas faculdades de ciências formaram e ainda não morreu. Por outro lado, o ilustre catedrático, José Teixeira Dias, antes de avançar com o seu parecer, que pelos vistos lhe foi solicitado pelo Gave (Gabinete de Avaliação Educacional) puxa pelos galões, que não são estreitos:

- 40 anos de serviço, 26 na categoria de professor catedrático, como docente universitário e investigador na área da Química-Física Molecular;
- Fellow da Royal Society of Chemistry (FRSC) desde 1991, tendo-lhe sido atribuído o título de chartered chemist (cchem), após análise do seu curriculum vitae;

Termina o Prof. Teixeira Dias o seu parecer declarando que, na sua opinião, "esta prova não contém erros científicos”.

Para além de ser difícil entender, a não ser por razões de conspiração contra a Ministra ou evidente incompetência de quem estruturou as provas, que não tenha sido antecipado que duas provas desenhadas segundo modelos desiguais conduziriam, necessariamente, a resultados conflituantes, é ainda espantoso que profissionais altamente qualificados discordem acerca de um assunto numa área das ciências (ditas) exactas, em que são peritos, e que fazia parte de um exame apenas vestibular de cursos superiores.

Mais espantoso ainda é que a Ministra tenha perdido o equilíbrio no meio do furacão e lhe tenha dado vontade de chorar no Parlamento. Ela, que é socióloga, pelos vistos não suspeitou que nem as ciências exactas o são tanto quanto se dizem nem os seus profissionais tão peritos quanto deviam.

Se da Física e da Química se espera que suportem os alicerces materiais da nossa vida colectiva, ainda que algumas dúvidas sempre persistam como semente da descoberta, da Justiça precisamos, além do mais, serenidade.

Contudo, o que se passou, ontem, na Ordem dos Advogados, constituiu mais um dos deploráveis espectáculos com que os senhores agentes da Justiça vêm oferecendo ao sereno povo português:

José Miguel Júdice entregou hoje o seu colar de bastonário da Ordem dos Advogados por considerar que ele não deve ser usado por alguém que foi condenado - como foi o seu caso.
Numa audiência que ficou marcada pelo abandono da sala do conselho superior da Ordem dos Advogados, sem que Júdice tivesse terminado a sua defesa, o bastonário afirmou que nunca mais voltará a entrar na sede da Ordem, excepto para «velar colegas mortos».
A intervenção de Júdice provocou um ambiente dramático na sala, que permaneceu cheia de advogados mesmo durante as duas horas que se seguiram ao encerramento oficial da audiência, durante as quais o advogado continuou a falar.
Os membros do Conselho Superior da Ordem dos Advogados que estavam a julgar os processos disciplinares instaurados ao ex-bastonário José Miguel Júdice abandonaram a sala porque o arguido não acatou a meia hora imposta para fazer a sua defesa.
Apesar da saída dos membros do Conselho Superior da sala, às 15:50, Júdice teimou em continuar a fazer as suas alegações diante das cadeiras vazias, mas tendo atrás de si cerca de 150 apoiantes.
O Conselho Superior, presidido por Luís Laureano Santos, queria que Júdice fizesse as suas alegações num limite de tempo de 30 minutos, findo o qual perguntou ao ex-bastonário se ia acabar nos próximos 10 minutos, ao que este disse que não, pois precisava de mais tempo.
Não tendo Júdice manifestado intenção de encurtar as alegações, o presidente do Conselho Superior abandonou a sala, seguido de imediato pelos restantes 15 membros presentes na sessão.
O ex-bastonário continuou então no interior da sala a falar diante das cadeiras vazias, até cerca das 18:00.
O advogado e ex-candidato a bastonário João Correia, amigo e apoiante de Júdice, declarou aos jornalistas que com esta atitude dos membros do Conselho foram violados os direitos fundamentais de defesa de Júdice.
João Correia explicou ainda que, sendo Júdice alvo de dois processos disciplinares, teria direito a meia hora de alegações para cada um dos processos, o que perfaz uma hora, tempo que não lhe foi concedido.
Hoje, a leitura da proposta do relator dos dois processos disciplinares instaurados a Júdice demorou mais de três horas, tendo sido pedida a sua absolvição, alegando que o ex-bastonário desconhecia que estava a violar os Estatutos quando afirmou publicamente que o Estado devia consultar, quando precise, as três maiores sociedades de advogados de Portugal, incluindo a sua.
O ex-bastonário José Miguel Júdice ao expor a sua defesa para as cadeiras vazias do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, teceu várias críticas a este órgão jurisdicional e ao próprio bastonário, Rogério Alves.
Depois de três horas a ouvir os argumentos do relator dos dois processos disciplinares que lhe foram instaurados após duas entrevistas (Jornal de Negócios e RTP-2), informou que não ia cumprir os 30 minutos que lhe foram atribuídos para as suas alegações/defesa e que só saía da sala depois de dizer o que tinha para dizer ou sob prisão ou à força.
Júdice considerou que o presidente do Conselho Superior, Luís Laureano Santos, cometeu uma "violação estatutária censurável" quando "escarrapachou numa acta do Conselho" conversas mantidas com ex- bastonários.
Entendeu ainda que houve violação dos estatutos quando foi informado, apenas telefonicamente, para a instauração do primeiro processo relacionado com a entrevista dada ao Jornal de Negócios a 06 de Abril de 2005, bem como no segundo processo, de que soube pelos órgãos de comunicação social.
Na parte final da sua intervenção, Júdice declarou bem alto: "Esta não é a minha Ordem (dos Advogados)".
Durante as suas alegações, Júdice criticou o relator dos seus processos disciplinares, dizendo que aquele vogal do Conselho Superior demonstrou "não ter condições éticas, jurídicas e psicológicas para julgar nem uma manada, quanto mais advogados".
Falando sempre num tom acutilante, Júdice disse que voltaria a dizer precisamente o mesmo e pediu "encarecidamente" que lhe seja aberto outro processo disciplinar, mas agora como "imputável".
Isto, porque a proposta do relator Alberto Jorge Silva para o primeiro processo disciplinar instaurado a Júdice (por ter dito publicamente que o Estado devia consultar as três maiores sociedades de advogados sempre que precisasse) foi a absolvição, por considerar que o ex-bastonário não teve consciência da ilicitude da sua actuação face aos Estatutos da profissão.
No decurso da sua longa alegação, Júdice disse que não vai recorrer de qualquer sanção que lhe seja aplicada, nem mesmo da suspensão efectiva da actividade profissional.
No segundo processo que lhe foi instaurado, relacionado com uma entrevista de Júdice à RTP-2, o relator propôs uma sanção de quatro meses e 15 dias de suspensão da actividade profissional para o ex- bastonário.
Em tom sarcástico, Júdice respondeu à proposta do relator, dizendo: "Por amor de Deus, condenem-me a uma pena superior à advertência, expulsem-me da profissão se têm coragem".
Para o antigo bastonário, o relator dos processos mostrou "falta de coragem e dignidade" quando, depois do que disse dele, "apenas" propôs quatro meses e 15 dias de suspensão da actividade profissional.
Segundo Júdice, a Ordem dos Advogados está a ser "desprestigiada" pelo comportamento de alguns membros do Conselho Superior.
Entretanto, o Conselho Superior deverá emitir um comunicado sobre o sucedido.
Júdice começou hoje a ser julgado disciplinarmente pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados em dois processos, um dos quais por defender - em entrevista ao Jornal de Negócios, em 06 de Abril de 2005 - que o Estado, sempre que precise, devia consultar as três maiores sociedades de advogados do país, incluindo a PLMJ- AM. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados, da qual faz parte.
O Conselho Superior da Ordem, que julga Júdice, é o supremo órgão jurisdicional da OA e é composto por 20 membros, competindo-lhe, reunido em sessão plenária, "julgar os processos disciplinares em que sejam arguidos o bastonário, antigos bastonários e membros dos actuais Conselho superior ou do Conselho Geral".

JORNAL DE NEGÓCIOS 2006-07-22

Friday, July 21, 2006

A VENDA DA ALMA




Uma das poucas possibilidades lúdicas de esquecer o tempo em salas de espera de médicos, dentistas, fisioterapeutas e outras profissões com preocupações de literacia dos seus pacientes é a leitura de crónicas sociais em revistas do semestre passado.

Por falta de alternativas e algum “voyeurismo” a que ninguém escapa, há dias, numa daquelas salas de espera, pesquei uma destas revistas (Visão) que preenchia a capa com um título apelativo: “O negócio sexual em alta”, ou coisa parecida.

O artigo a que se reportava o título gordo de capa girava à volta de uma entrevista a uma antropóloga portuguesa, salvo erro com mestrado em Universidade inglesa com uma tese sobre a prostituição.

Esta antropóloga, que considera que a prostituição é uma actividade profissional como outra qualquer, realizou acções, por razões de reciprocidade (ela tinha obtido informações para o seu estudo junto de prostitutas, era natural que lhes oferecesse algum contributo) conducentes à sindicalização das profissionais do sexo naquele país. Além do mais, segundo ela, é absurda a ideia de ligar a prostituição à venda do corpo. Se a prostituta vendesse o corpo ficava sem ele, argumenta a antropóloga de forma não rebatível. A prostituta simplesmente aluga o corpo, como o modelo, como a actriz ou o actor, como o cantor aluga a voz, acrescenta, entre outros argumentos.

A prostituição é, portanto, um negócio e como tal deve ser jurídica e socialmente enquadrado. Acresce que é um negócio em franca expansão e susceptível de atrair pessoas de formação académica elevada. Interrogada sobre as indicações de que existem universitárias licenciadas, mestradas, e mesmo doutoradas, que se prostituem, confirmou que sim. A prostituição masculina, com configurações sociológicas semelhantes à feminina, encontra-se também em franca expansão. Só por razões de sociologia histórica se encontra menos desenvolvida que a sua congénere.

Não custa acreditar que o negócio é florescente. Há bem pouco tempo, os jornais noticiavam volumosos investimentos feitos pelos alemães em bordéis para receber o caudal esperado de clientes durante o Mundial de Futebol. A semana passada teve lugar em Lisboa uma “Feira do Erotismo” ou coisa parecida, nestas coisas nunca se sabe bem por onde passam as fronteiras do erótico e do pornográfico. Por essas estradas do interior do país vêm-se, cada vez mais, cartazes a publicitar casas de actividades eróticas e similares.

A antropóloga acha que é a falta de legalização da actividade que promove os negócios de tráfico de pessoas e outras actividades criminosas. A invocação para a legalização da actividade encontra, neste aspecto, argumentos paralelos aos invocados pelos defensores da legalização do comércio de drogas.

Sem indiciar qualquer ideia cínica preconcebida, a antropóloga insere a sua perspectiva na evolução inelutável da criação de novas oportunidades de emprego no sector de serviços. Ainda que essa oportunidade não faça deslocar o gabarito da duração dos dias e, portanto, a possibilidade de um aumento da produtividade do prestador de serviços não colidir com a redução de produtividade dos, ou das, clientes.

Naturalmente, como em tudo na vida, os negócios são números e estes requerem produtividade, o negócio sexual não escapa à relação entre o que factura quem factura.

Lamentavelmente, também neste caso, produtividade tem pouco a ver com produção, não crescendo aquela em função desta. E não havendo qualquer correlação, não há meio de promover o aumento da produtividade, produzindo mais ou produzindo melhor.

Tome-se, para melhor se perceber a situação, o exemplo das duas irmãs (ou dois irmãos) gémeas: uma dedica-se ao aluguer do corpo, usando a terminologia da antropóloga, no seu país de origem (a Trastilândia), aluga que se farta, factura muito pouco. A irmã, que a sorte conduziu à companhia de um maganate, na Goldilândia, aluga de vez em quando, factura em grande. A primeira dá um pequeno contributo para o reduzido PIB da Trastilândia, a segunda contribui bem para o enormíssimo PIB da Goldilândia. À maior produção da primeira corresponde uma produtividade reduzida; a uma produção espaçada da segunda corresponde uma produtividade excelente.

Como é possível a convergência real do PIB por habitante entre a Trastilândia e a Goldilândia de modo a que se reduzam as desigualdades de oportunidades entre as irmãs gémeas, supostamente iguaizinhas por dentro e por fora?

O tráfico humano entre a Trastilândia e a Goldilândia decorre daquela divergência inicial e não a reduz, mesmo que o negócio seja legalizado. De modo que a Trastilândia continuará como fornecedora de prestadoras (ou de prestadores) de serviços e os intermediários, que sempre continuarão a existir, terão a sua actividade legalizada também.

Aparentemente, a antropóloga não deve ter pensado nisto.

Também não pensou que se o negócio não implica a venda do corpo obriga à venda da alma. Porque a alma existe, se vai ou não para o céu é outro assunto.

Thursday, July 20, 2006

O FAQUEIRO NO FRIGORÍFICO



Quando, ontem, telefonei ao D. Canalizador a requisitar os seus serviços, perguntei-lhe, previamente, como é da praxe, com é que lhe corria a vida.
Respondeu-me que mal, os clientes não lhe pagavam, e ele, que se queria cumpridor para com os seus fornecedores, não tinha meio de honrar os seus compromissos.

Há noite, no Telejornal, ouvi a notícia de que o Governo decidiu promover os pagamentos electrónicos, de modo a reduzir drasticamente a emissão de cheques e, tanto quanto possível, a utilização de notas e moedas. E que vai dar o exemplo.

A medida é ambiciosa, útil a vários títulos, e só pode merecer aplausos.

Contudo, ao ouvir a notícia, não pude deixar de recordar as preocupações do D. Canalizador. Para ele, transferência electrónica ou outra, servia-lhe às mil maravilhas. O problema dele é não ver nada, via electrónica ou outra, a cair-lhe do lado do crédito na conta.

Portugal é, dos países da EU 15, aquele onde são mais longos os prazos de pagamento, e o maior relapso é o Estado. O ciclo vicioso em que se enredam as transacções comerciais em Portugal é, em muitos casos, engendrado pelo comportamento das instituições do Estado. A perturbação deste caloteirismo endémico na vida económica do país não se circunscreve à área financeira das empresas atingidas, porque ocupa grande parte do tempo dos responsáveis, oblitera as suas capacidades e prejudica os negócios a todos os níveis.

Sem esquecer que, electrónica ou não, qualquer transferência em Portugal fica a “flutuar” por conta dos bancos e para seu benefício, em média, três dias úteis. A medida, agora anunciada, poderá aumentar a “eficiência” do nosso já “eficientíssimo” sector financeiro mas não bulirá, minimamente que seja, com a produtividade da economia das empresas não financeiras. Passa-se o mesmo com os comboios: a emissão electrónica de bilhetes não aumenta a velocidade deles.

Quando Mustafá decidiu comprar um frigorífico e transportá-lo para os confins do Atlas, onde a electricidade não tinha chegado, a mulher, que tinha comprado um faqueiro de alpaca, decidiu guardar o faqueiro no frigorífico.

Que pode fazer o D. Canalizador, com um terminal, para pagar aos seus fornecedores por transferência electrónica, com dinheiro que não tem?

Wednesday, July 19, 2006

HÁ ALGO DE ESTRANHO NA TETA DA VACA


Os portugueses estão habituados a verem-se classificados, normalmente, entre os primeiros, nos rankings das coisas más. De vez em quando, uma ou outra notícia contraria esta nossa tendência crónica para cair no charco.

Este fim-de-semana fomos agradavelmente surpreendidos pelas notícias do “Expresso” que colocam o BPI em primeiro lugar, o Millennium em terceiro lugar e o Totta em quarto lugar, num ranking decorrente de um estudo da empresa britânica Lafferty, que conclui que “as agências bancárias portuguesas são as melhores da Europa”. O BES e a Caixa Geral de Depósitos (11º. e 12º. lugares, respectivamente) também se salientam no grupo de 75 bancos europeus analisados.

“Surpreendentemente”, acrescenta o Expresso, “a banca espanhola e a italiana é arrasada neste estudo.”

Ainda segundo o Expresso, no início da tarde de 6 de Julho, Horta Osório convocou uma conferência de imprensa para anunciar que fora escolhido para presidir ao Abbey Bank, o sexto maior banco inglês, do grupo Santander, o que “como é óbvio, fez a Europa abrir a boca de espanto”.

Evidentemente que isto são ninharias, quando comparado com a briosa actuação da equipa nacional no Campeonato do Mundo e o admirável quarto lugar obtido, após duas derrotas seguidas. Tivesse o treinador sido o Presidente do BPI, a táctica teria sido diferente e Portugal, talvez, tivesse arrebatado o primeiro lugar.

As notícias que "nos" colocam nos lugares cimeiros em matéria de atendimento bancário e liderança da banca, e põem a Europa, quiçá o Mundo, de boca aberta, só pecam por não surpreender. Já todos estamos habituados ao “Millennium” como “case study”, ao estonteante crescimento do Banco Português de Negócios, ao perfume cultural do dinheiro do Banco Privado, ao imparável nacional-futebolismo da expansão orgânica do BES, à apetência que o BPI suscita, à produtividade de um mastodonte chamado Caixa. Sem pretender desmerecer o génio que Horta Osório é, a verdade que nos exalta e nos assusta é que, ao lado dele, ombreiam, pelo menos, mais dez gigantes, todos portugueses.

Não sei se o relatório apreciou apenas a qualidade dos balcões ou se também os contou. Porque, como se sabe, temos muitos e bons: temos praças em Lisboa com um balcão bancário em cada esquina. E, às vezes, dois, ou mais.

Ninguém tem mais ATMs que nós. Zurique, ao pé de Lisboa, quanto a ATMs, é Barrancos em ponto grande.

E, “last but not least”, nenhuma outra banca ganha à banca portuguesa em rentabilidade.

Quem levantou a questão da legalidade da inclusão dos logótipos do BES e do Expresso no estandarte nacional ignorava, indesculpavelmente, por um lado, a honrosa participação do primeiro no décimo primeiro lugar do ranking, e por outro, o casamento, após arrufo, do BES com o Expresso, que os tornou inseparáveis para sempre. Se alguma coisa há a contestar é a isolada presença do BES na bandeira verde rubra. Por maioria de razão deveria lá estar o BPI, o Totta, a Caixa, e todos os restantes, que fazem deste Portugal pequeno um Portugal maior em cada agência bancária.

Uma questão, mesquinha, sobra de tudo isto: Como é que pode, e até quando, uma vaca escanzelada desfazer-se em tanto leite?

Sunday, July 16, 2006

O DESOVAR DAS BRONCAS


Por alguma razão de capricho estatístico, que a mim me escapa, as broncas desovam com uma regularidade impressionante: não há dia, por mais morno que seja, que não apareça uma. Nem todas têm o mesmo tamanho, o mesmo peso, a mesma peitaça, mas o desovar das broncas é tão estatisticamente provável como o nascer do sol. Não há sábado sem sol, nem domingo sem missa, nem segunda-feira sem preguiça, nem nenhum dia sem bronca mais ou menos gorda.

Uma explicação economicista, (estão na moda as explicações economicistas), desta impressionante regularidade da fertilidade das broncas, poderia encontrar-se na mão invisível dos chefes de redacção, que as fosse rateando, para nem enfartarem os leitores, num dia, nem os deixarem a ver navios no dia seguinte. Explicação pouco convincente, contudo, porque os jornalistas são, por natureza, incapazes de guardarem para amanhã as notícias que puderem publicar hoje.

Outra explicação, também economicista (provavelmente, não há outras), é a promoção da bronca, que consiste em vender, como bronca, aquilo que não passa de um acidente normalíssimo. Os jornalistas estariam, neste caso, a repescar a táctica dos ardinas, quando os havia, de apregoar “o desastre! olha o desastre!”, para vender, mais rapidamente, a carga que lhes derreava os ombros. Mas, também neste caso, a explicação não colhe, porque o que nos é oferecido diariamente é, pelo menos, um bom exemplar de bronca, que inequivocamente não é gato, mas lebre.

Com tanta regularidade, o desovar das broncas, tornou-se banal e há muito tempo que deixou de ser notícia. É, sobretudo, uma informação, do género da hora da maré-alta ou das farmácias de serviço, mas muito menos útil. Lê-se, comenta-se quando se comenta, e passa-se à frente.

O que é inevitável. Se alguém, por casmurrice, entendesse trinchar um desses bichos, ficaria ultrapassado pela dinâmica da desova: quem é que perde tempo com uma bronca passada quando surgem outras novinhas, em folha?

A título de exemplificação de todo este arrazoado cite-se um desses exemplares, recentemente desovado, notícia em quase toda a Imprensa, diária e não diária:


«A CÂMARA Municipal de Lisboa tem cerca de 1200 pessoas com contratos de prestação de serviços e avenças, dos quais 193 são assessores-executivos recrutados para gabinetes de vereadores com pelouros. Carmona Rodrigues é o recordista com 64 assessores, incluído um com a função de organizar os «Portos de Honra».

As notícias à volta deste exemplar adiantam mais pormenores, mas aquelas quatro linhas poderiam, apenas elas, desencadear uma salutar discussão acerca do sistema espúrio de governo municipal em Portugal.

Sendo executivos, os vereadores municipais coabitam em regime de adquiridos com os directores dos quadros das edilidades. Como o seu conhecimento técnico dos pelouros em que superintendem é geralmente reduzido, e muitas vezes nulo, não lhes resta alternativa se não acatar as propostas dos diferentes Sir Humphrey que lhes aparecem pela frente. Como estes Sir Humphrey são inamovíveis, os interesses que os engordam dão de sobejo para os vereadores que vão aparecendo. O sistema auto sustenta-se porque as diferentes facções políticas representadas na Câmara depressa reconhecem que os seus interesses pessoais (e partidários) passam pela conjugação dos votos. Assim se explica porque é que, sendo tão renhida a luta partidária para a conquista de lugares nos municípios, são raros os casos de conflitualidade partidária após a formação das Câmaras. Do mesmo modo se explica a longevidade dos “dinossauros municipais” e a inimputabilidade de todos os quadros superiores e vereadores das Câmaras.

Mas há mais quem queira comer do queijo. Os vereadores foram eleitos com a ajuda de partidários que não dispensam saborear algumas sobras, e fazem-nos assessores.

Esta tese é tão irrebatível quanto é certo que até o vereador Sá Fernandes, o tal que contestou as trocas e baldrocas acerca dos terrenos da Feira Popular e do Parque Meyer, e do Túnel das Amoreiras (por onde andam estes casos?) eleito com o apoio do Bloco de Esquerda, votou na votação unânime de nomeação de tantos assessores. Só à sua conta, Sá Fernandes terá dezasseis, todos em part-time, porque os ordenados aprovados não compensam a dedicação integral, ao que parece.

Temos assim que os senhores vereadores, que da poda sabem pouco, substituem os directores das Câmaras nas responsabilidades que a estes competiriam, e os assessores dos vereadores duplicam os técnicos que fazem parte dos quadros dos municípios.

Ninguém controla ninguém.

Mas amanhã já ninguém falará do assunto. Uma nova bronca desovará.
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Friday, July 14, 2006

DIREITOS USURPADOS

A discussão que algumas medidas reformistas do Governo suscitou entre os atingidos, a comunicação social e a opinião pública em geral, cunhou a expressão “direitos adquiridos”, que se generalizou e entrou também na discussão que a situação da segurança social tem gerado, a propósito das intenções do Governo de alterar os critérios de atribuições de pensões de modo a garantir sustentabilidade ao sistema.
Esta generalização tem vindo a colocar no mesmo saco situações que não são apenas substancialmente diferentes mas, sobretudo, invocam direitos que se colocam em planos completamente distintos, e, por conseguinte, distorce completamente a apreciação que deve fazer-se de cada uma delas.
Nos “Cadernos de Economia”, Jan /Mar 2006, o actual Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, diz-nos que “as despesas com as pensões e reformas com os trabalhadores do Estado atingem 57% da despesa correspondente ao Sistema de Segurança Social face a um número de beneficiários substancialmente inferior (17%)”.
É indesmentível, porque são vários os indicadores que concorrem no sentido de idênticas conclusões, que o Estado paga aos seus funcionários substancialmente acima da média paga pelo sector privado aos seus trabalhadores. Além disso, decidiram vários governos conceder a alguns segmentos da administração pública sistemas especiais de segurança social e assistência médica. E a todos eles, a reforma em idades aquém das que impôs ao sector privado.
Não admira, portanto, que, nestas condições, cerca de 1/6 dos beneficiários comam bem mais de metade do bolo.
Que a redução de parte de tanta benesse, imposta ou não pelas dificuldades financeiras emergentes da gestão muitas vezes desbragada dos dinheiros públicos, possa pôr os atingidos a clamar pelos seus “direitos adquiridos” pode perceber-se. A ninguém agrada a redução das vantagens. Mas conceda-se que “o sacrossanto princípio dos direitos adquiridos não é sacro nem é santo: ou é possível ou não é. E deixará de ser possível quando e onde deixar de haver recursos para pagar tais “direitos” conforme afirma J. A. Serra na mesma publicação. O que é inadmissível é que J.A.Serra, que foi membro de alguns governos pelo Partido Socialista, o afirme a propósito das pensões, as quais, se correm o risco de não ser honradas pelo Estado, é porque os dinheiros que compulsivamente lhe foram confiados, foram desbaratados em outros sorvedouros. Lamentavelmente, já se sabe, o pecado do Estado é a inimputabilidade, e a possibilidade de J.A.Serra afirmar o que afirma, neste caso, decorre dessa fatalidade que dá cobertura a todos os desmandos. A sua posição, sendo inadmissível, percebe-se: quem participou, de um modo ou de outro, na ruptura da segurança social, tem de encontrar argumentos, ainda que falaciosos, para justificar o buraco.

Se o Estado assumiu em alguma altura compromissos para com os seus colaboradores que, em dado momento, excedem as suas capacidades de solvência, não parece restar ao Estado alternativa se não recuar na sua prodigalidade. Nas empresas, o ajustamento faz-se consoante a sorte dos negócios e não há nenhuma razão moral para que no Estado não se proceda de igual modo.
O Estado é um prestador de serviços aos cidadãos, e o princípio da igualdade, constitucionalmente estabelecido, entre os cidadãos, implica que não pode o favorecimento dos funcionários públicos desfavorecer os que o não são. De outro modo, os impostos pagos pelos últimos não deixariam de crescer à medida do crescimento dos privilégios dos primeiros ao abrigo da discricionariedade do Estado, sem capacidade de reacção dos cidadãos, mesmo em democracia, se os governos se revezam e os privilégios se mantêm.
A questão da segurança social dos beneficiários ou ainda só contribuintes dos sistemas públicos de segurança social inscreve-se, inquestionavelmente, num plano bem distinto.Por imposição do Estado, os trabalhadores por conta de outrem e os empregadores, são compelidos a entregar mensalmente, actualmente, 34,5% do valor dos salários pagos. Parte desta verba, destina-se à formação do direito a uma pensão definida em função de critérios fixados pelo próprio Estado. O facto do pagamento das contribuições mensais tem exactamente a mesma configuração jurídica da entrega, com a mesma finalidade, a uma instituição seguradora ou de crédito. Não podem a instituição seguradora ou a instituição de crédito negar o pagamento da pensão nas condições acordadas, a não ser em caso de insolvência, com as consequências que daí decorrem. Mas, pelo menos nestes casos, aos credores foi dada a faculdade da escolha e a sorte da sua pensão dependeu dessa mesma escolha, que pode ser gerida ao longo do tempo.
Acontece que, no caso do Sistema de Segurança Social em Portugal, as dificuldades esperadas decorrem em grande parte, para já, do facto de não terem sido pagas pelo Estado, entre 1985 e 1995, “integralmente as verbas devidas ao correcto financiamento dos sistemas não contributivos”, cf. A. P. Metelo, DN, 2006-07-12. Significa isto que, para além de outros contributos em nome da solidariedade social, são exclusivamente os compulsivos contribuintes do Sistema de Segurança Social, que têm arcado e continuam a arcar com o pagamento das despesas de solidariedade social.
Seria, evidentemente, ingenuidade ou deficiente informação, pensar-se que o Sistema de Segurança Social não exige prementes medidas de reforma. Não é honesto, contudo, que se cataloguem da mesma forma direitos que têm substratos muito diferentes. A redução das pensões que vier a observar-se far-se-á, não como cessação de uma expectativa de direito mas como usurpação desse mesmo direito. Com uma escandalosa e anticonstitucional agravante: é a de que essa usurpação se faz, em grande parte, porque o contributo para a solidariedade social de todos os cidadãos a quem essa obrigação deveria ser exigida é imposta apenas a alguns.
Já se referiram os funcionários públicos.
Estranhamente, nenhum dos parceiros sociais levantou a questão da enormidade que decorre do tratamento desigual entre os trabalhadores do Estado e das empresas, em sede de concertação social, durante as últimas reuniões. Também ninguém falou do tratamento especial do sistema de segurança social das instituições financeiras. Porquê?
“ A minha razão de princípio, é uma razão de equidade social. Considero inaceitável, que, num Estado de direito em que há um comando constitucional no sentido de toda a gente estar submetida ao regime da Segurança Social, o sub-sistema dos bancários, o sector mais lucrativo esteja de fora” – Teixeira Pinto, Presidente do Millennium BCP, em entrevista publicada no “PÚBLICO” de 6/02/2006.
“É certo que a transferência desses fundos e das suas responsabilidades para o sistema público pode colocar problemas delicados de difícil solução, não podendo ser feita em prejuízo do sistema público. Mas nada justifica que, a partir de agora, os novos activos desses sectores não sejam integrados desde já no sistema geral, com os arranjos necessários em relação aos subsistemas privativos de base contributiva. Além do mais, trata-se de superar uma evidente inconstitucionalidade por omissão, que subsiste desde 1976!” – Vital Moreira, no PÚBLICO de 2/05/2006

Thursday, July 13, 2006

A METAMORFOSE DOS BESTIAIS

Notáveis dizem que Scolari não deve ficar

Granadeiro diz que Scolari não deve ficar. Santos Silva critica o brasileiro por “nunca se ter libertado do 4-2-3-1”. Vaz Guedes gostou de Podolski. Catroga gostava de ter Eusébio. Os Magriços de 66 venceriam a selecção actual. E Teixeira dos Santos diz que a auto-estima subiu. “Mas é passageiro”.
Jornal de Negócios 2006-07-13
A metamorfose dos bestiais

O patrão da FPF quer que o prémio pago aos jogadores (“heróis da bola”) seja isento de IRS. O Ministro das Finanças já disse (e bem) que não senhor, não vai haver isenção nenhuma. Esperemos pela confirmação, nestas coisas é mesmo preciso esperar para ver.

O que é insólito é que haja no Código do IRS uma hipótese de o pedido ser atendido, coisa amanhada no tempo do maior mãos largas Guterres, quando lhe calhou em sorte o tempo das vacas gordas.

Não se sabe se a ideia partiu das cabeças dos “heróis”, sobreaquecidas pela idolatria do povo e dos políticos que o fazem pacóvio, ou apenas da cabeça gemada do senhor Madaíl. De qualquer modo, nenhum "notável" apareceu a terreiro dizer que a isenção pretendida seria justa.

E se perguntassem ao povo através de referendo?

O povo diria sim, claro, isentem lá os “heróis”. O povo é pelo menos tão desprendido e pródigo como Guterres (e não só) quando se trata de governar o dinheiro de todos. Mas também é coerente na sua idolatria, e não nega nunca ao santo o pagamento da promessa. Como é que poderia o povo negar a isenção de IRS nos prémios dos “heróis”, por quem encheu as ruas de bandeiras e de euforia?

A racionalidade pós-guerra dos políticos e quejandos não quadra com o sentimento popular, ainda a inspirar os fumos da vitória, apesar das duas derrotas finais.

É por isso que os tempos quentes e húmidos de vacas gordas trazem sempre consigo o míldio que nos levará a colheita.

Tuesday, July 11, 2006

O ESTADO (DA COMUNICAÇÃO) SOCIAL

O Ouro do Rato - parte 3


O risco da ruptura financeira da segurança social está na ordem do dia e vai entrar no bolso dos portugueses desprevenidos ou compulsivamente confiantes. Para trás ficam esquecidos todos os desmandos feitos pelos sucessivos governos na gestão dos fundos que os trabalhadores e os empregadores lhes confiaram ao longo dos anos. Mais uma vez, a culpa morrerá solteira.

Com a maior displicência vêm agora os “caixas de serviço” dizer que o cofre está quase vazio e dele não pode sair mais do que entra. Na generalidade dos casos, a comunicação social acha bem e bate palmas.

Que o actual modelo de segurança social exige ser reformulado ninguém, de boa fé, pode por em causa. O que pode, e deveria ser indagado, é a legalidade de usurpação, não de direitos adquiridos como geralmente se pretende fazer crer, mas de valores que foram confiados, compulsivamente, a instituições geridas pelo aparelho do Estado.

Para além do roubo iminente (é impossível usar palavra mais adequada) o que mais choca, contudo, é a continuada frivolidade com que se continua a esbanjar os dinheiros públicos. Os exemplos, infelizmente, tendem para infinito.
Tem sido, pertinentemente, referido por alguns o caso da Scuts. Neste caso, contudo, esse esbanjamento tem de ser entendido em outro sentido ( haver mais equidade no princípio utilizador-pagador) ou em outras ocasiões ( os termos em que foram estipulados os contratos de adjudicação e concessão).
O esbanjamento claro e enequívoco está ao alcance de qualquer vista desarmada: obras autárquicas para patego ver e enriquecer empreiteiros e trauliteiros, aviões comprados e nunca desencaixotados, submarinos para quê, sindicalistas pagos pelos cofres do Estado, leia-se com o nosso dinheiro, o soba Alberto a pedir ajuda à República semanas depois de ter ameaçado com a independência da Ilha, o presidente da associação de municípios ameaçar correr à pedrada os fiscais das finanças que apareçam nas redondezas, o Ministério das Finanças a deixar escapar anualmente milhões pelo esgoto das prescrições, etc., etc, etc.
E, sempre, as incontroladas e insaciáveis sorvedoras empresas encostadas ao serviço público.
A CP&Cª, de entre todas, destaca-se pela cronicidade e pelos valores envolvidos. O Estado tem desperdiçado milhões e milhões naquela calamidade sem que o monstro apresente melhoras significativas. Para dividir os prejuízos dividiram o mostrengo. Discute-se tanto o projecto "alta velocidade" e a ninguém ocorre discutir o alto esbanjamento que a CP&Cª. representa para o erário público. O caminho de ferro, que deveria ser uma prioridade nos investimentos estruturantes neste País, nunca entrará nos carris se a CP&Cª. não for previamente desmantelada e vendida, nem que seja como sucata.
A RTP é outra vaca sagrada.
Recentemente (Publico de 6/7) lia-se que o “Estado foi autorizado a ajudar a amortização da dívida da RTP”
“ A Comissão Europeia considerou ontem legal a ajuda financeira do Estado português à RTP no quadro do plano de reestruturação definido em 2003 para a amortização da dívida de 1000 milhões de euros…Concebido até 2019, o processo de reestruturação prevê que o Estado indemnize a RTP pela quebra de receitas publicitárias…O Estado também injectou dinheiro na estação em 2004 aumentando o capital em 44,2 milhões…
Segundo as contas do Público, como receitas significativas, além da publicidade (cerca de 55 milhões de euros), a RTP recebe este ano do Estado a indemnização compensatória de 150 milhões, mais uma dotação de capital prevista de no acordo de 57,3 milhões e ainda uma verba suplementar de 56 milhões…
Bruxelas concluiu que a ajuda pode ser autorizada porque a “quase totalidade” da dívida da RTP é imputável ao “subfinanciamento constante das missões de serviço público” que lhe são pedidas.”

O conceito “serviço público” tem o seu quê de parentesco com a divindade: se existe, não se vê. A nossa devoção por ele (e a feliz doação da espórtula) tem de suportar-se no dom da fé, que não abençoa todos.

Há quem refira, como exemplos mais flagrantes de serviço público, a RTP Internacional, dedicada às comunidades emigrantes, e algumas encomendas do governo. A que o meu agnosticismo, neste caso, responde que melhor serviço, e a melhor preço, se conseguiria colocando essas missões a concurso.
De outro modo, quem pagará o serviço público serão os reformados, porque são eles que têm menos força protestativa. Têm a força do voto mas geralmente deixam-se embalar com doces e bolos.

Monday, July 10, 2006

A GAVETA DO SOCIALISMO E A OUTRA


O socialismo e a gaveta

A discussão sobre se o PS quando chega ao Governo vira ou não à direita é tão velha como a democracia portuguesa. Independentemente da sua bondade e adesão à realidade, na sua versão actual traz duas questões politicamente relevantes, que resultam menos do enquadramento ideológico da governação e mais da postura governativa (i.e. o enfrentar dos “interesses corporativos”). Uma primeira que tem a ver com a própria eficácia das políticas implementadas contra os interesses organizados sectoriais. A este propósito, recomendo vivamente o artigo que o Pedro Magalhães escreveu no Público há umas semanas. E uma segunda que remete para os riscos eleitorais de uma estratégia de governação que enfrenta a base social que tradicionalmente apoia o PS. Sobre este tema, escrevi um artigo na Revista Atlântico de Junho. “O Governo enfrenta um importante dilema: saber se deve continuar a fazer o que o realismo obriga a que seja feito, fragilizando a relação com a sua base social ou, pelo contrário, governar consolidando a sua ancoragem partidária e eleitoral. Enganar-se-á quem pensa que há uma solução win-win, assente num futuro de sucessivas vitórias eleitorais. O país ficará um pouco mais sustentável, mas quem vier depois terá como principal missão “juntar os cacos”. Está em jogo um trade-off entre realismo e sustentabilidade futura do PS, um trade-off que é também entre governabilidade e institucionalização da democracia. A opção tomada, sendo acertada, é de enorme risco. Um risco talvez apenas superado pela tentação para fingir que ele não existe.”

inserido por pedro adão e silva


A GAVETA DO SOCIALISMO E A OUTRA


Há uma condição incontronável para meter qualquer coisa numa gaveta: é a de que essa qualquer coisa exista. Uma outra, corolário desta, é a de que só pode tirar-se qualquer coisa de uma gaveta desde que essa qualquer coisa lá esteja.

De modo que, muito prosaicamente, a questão primordial é esta: o socialismo, enquanto altar de comunhão igualitária, vivifica-se sempre pelos votos da maioria emulada pelos seus princípios, ou, lamentavelmente, porque os fins justificam os meios, são tortuosos os caminhos para o socialismo?

O dilema de Sócrates é ter encontrado a gaveta vazia, não a do socialismo mas a dos tostões. Nenhum governo, nenhum PM, se for socialista, acha grata a tarefa de mandar apertar o cinto.

De modo que o PM não teve alternativa se não redefinir o Estado. As dificuldades financeiras têm algumas vantagens; os períodos de abundância, por outro lado, tendem a cobrir o lodo do cais.

Se não tivesse encontrado vazia a gaveta dos tostões, teria este PM aberto de par em par a gaveta ao socialismo, descurando o perímetro do cinto?

Talvez sim, talvez não. Mesmo que fosse essa a sua índole, seriam mais que muitas as vozes que clamariam contra o aperto e o risco da pressão partir a loiça...ainda que haja sempre alguém à espera da oportunidade de juntar os cacos.

SERIA MILAGRE - cont.

A culpa dos fogos na nossa floresta - ou melhor, a culpa da extraordinária dimensão e intensidade que alguns fogos assumem - é, sobretudo, da estrutura minifundiária da propriedade.»»Essa é a perspectiva estatista do problema. Seguem-se dezenas de projectos públicos de emparcelamento que não vão dar em nada. Ignora-se que a responsabilidade pela não existência de registos de propriedade, que torna impossível a concentração de terrenos num único proprietário, é do estado.
JM - Blasfémias
Olá JM!

Você é um radical, já se sabe. O Estado é, quanto ao JM, o culpado de tudo o que se passa debaixo do Sol, mesmo quando ele está de costas, ou sobretudo quando está de costas.
Mas, JM, você sabe que o Estado é uma entidade abstracta. Dizer que o culpado é o Estado é não dizer grande coisa. É uma forma fácil de chutar para canto. Aliás, neste aspecto, o JM enquadra-se bastante bem no perfil português típico: a culpa é dos outros, se for do Estado tanto melhor.
O pecado do Estado é sua inimputabilidade. Mas essa inimputabilidade é a resultante do nosso querer colectivo. E ou este se muda ou tudo continua na mesma.
De onde escrevo isto olho para a rua e vejo dois carros em cima do passeio. Estão sempre lá quando os donos estão em casa ou saíram noutros carros: um Jaguar e um Mercedes. Parece incrível, mas é verdade. Já reclamei várias vezes, ninguém liga. Fazem (quase) todos o mesmo aqui nas redondezas. A culpa é do Estado? A culpa é nossa.
Quanto à inexistência de um cadastro capaz da propriedade rústica e urbana, isso radica exactamente na nossa atitude colectiva de proceder. Não se iluda: a culpa é nossa. Enquanto em Portugal não nos consciencializarmos de que o laxismo do aparelho de Estado actua em conformidade com a nossa tendência colectiva para a bagunça, não mudamos nada.
É fácil, repito, mandar as culpas para cima do Estado. E depois? Que ganhamos nós em carregar para cima de um burro lazarento?
No dia em que alguém quiser promover a racionalidade económica da propriedade em Portugal cai-lhe em cima o Carmo e a Trindade. Estamos, colectivamente, muito longe de uma consciencialização generalizada do problema.
De uma coisa estou certo: quanto mais atiramos para canto, culpando o Estado e absolvendo-nos como se não fôssemos nós, em última instância os responsáveis, mais corremos o risco de perdermos o jogo em jogadas de bola parada.

SERIA MILAGRE

A floresta mediterrânica, predominantemente povoado por resinosas, de elevado potencial combustível, é obrigada a viver os meses de Verão em clima quente e seco, num forno.
Em Portugal, essas condições climatéricas são, geralmente, exacerbadas por uma estiagem mais prolongada. É normal, portanto, que a floresta arda.O que é anormal é que arda tanto.
Já muita gente e muitos relatórios explicaram as causas da desgraça e avançaram com terapêuticas para a combater, ainda que, relativamente a este último ponto, haja por vezes substanciais divergências.
Ano após ano, promessa atrás de promessa governamental, investem-se milhões em meios de ataque, em tudo excitantes aos que mobilizam as tropas para a guerra, e o resultado são fífias quando, no pior dos casos, não são bombeiros e populares carbonizados pelos incêndios que combatiam.
Quem não andar completamente distraído, decerto pode observar que a generalidade das nossas florestas é povoada por matos e resíduos secos à espera de um fósforo. Os acessos são, na maior parte de casos, extremamente difíceis, mesmo para viaturas adequadas.

A todas as razões que tornam a floresta portuguesa extremamente vulnerável acresce uma que potencia uma grande parte delas: a extrema pulverização da propriedade rural em Portugal a norte do Tejo. Portugal tem mais de 300 mil proprietários florestais, um número idêntico em valor absoluto ao dos Estados Unidos da América.
Não há, por esta razão preliminar, condições que permitam defender a floresta, porque não há possibilidade de rentabilidade que suporte essas condições. Toda a actividade económica para ser competitiva e possa sobreviver, pressupõe uma dimensão mínima crítica, e esta, claramente, não existe, na generalidade dos casos, na exploração florestal em Portugal.
De modo que só por milagre a floresta em Portugal deixará de arder mais e mais cada ano que passa, até à sua quase extinção.Enquanto não for reconhecido que os investimentos no combate devem ser canalizados para a defesa, continuaremos a ter fogos cada vez mais extensivos.
O problema é que uma defesa eficaz da floresta passa, necessariamente, pela alteração profunda da estrutura fundiária actual.E aí é que reside o busílis da questão: tal alteração pressupõe a tomada de medidas que só um acordo de regime poderia suportar. Mas parece que ninguém quer dar um passo nesse sentido.
Guardadas as inevitáveis diferenças, a questão é em tudo idêntica àquela que está subjacente, na maior parte dos casos, à falta de produtividade da nossa agricultura.
Sem que o Mi(ni)stério da Agricultura pareça dar por isso.

Tuesday, July 04, 2006

A METAMORFSE DAS BESTAS

Que as bestas de hoje podem ser bestiais amanhã e vice-versa já era por demais conhecido. Numa altura em que o futebol toma conta, quase por inteiro, da cabeça dos portugueses, não admira que o cabeçudo Scolari, de há poucas semanas atrás, se esteja a metamorfosear no mais esplêndido gestor de equipa, capaz de disputar a primazia do lugar ao imbatível Mourinho.

O que é admirável não é metamorfose em si, porque ela não existe: O Scolari não mudou. Simplesmente aquilo que nele era considerado um vício é agora uma reputada virtude.

Lagarta ou crisálida, desde que vença, é sempre uma admirável borboleta.