Sunday, November 11, 2018

A PARADA*




Nas semanas seguintes ao reaparecimento do quartel Boavida os jornais, os canais de televisão, as estações de rádio, as redes sociais, não largaram o tema enquanto não surgiram mais ondas de escândalos públicos, grandes desastres, locais ou remotos. Não no círculo social da coronela, onde o caso do quartel continuou a dominar as indignações sobre o clima de suspeita que se tinha derramado sobre todo o pilar de sustentação da soberania, as forças armadas. Havia um consenso unânime de que se impunha tomar medidas que devolvessem à imagem das forças armadas o prestígio maculado pelo caso quartel. Mas quais? A ninguém ocorria uma ideia forte, inabalável, até ao dia em que a coronela viu desfilar na televisão as tropas de uma potência nuclear asiática, entre os mísseis, os lança mísseis, os tanques, e muita metralha que nunca vira na vida, com um aprumo cadenciado a passo enérgico de ganso. E, no dia seguinte, antes que a discussão divergisse para propostas polémicas, saltou para cima da mesa a ideia que não a deixara dormir de noite.
Se queremos transmitir ao país uma impressão forte proponho que as forças armadas desfilem em parada na avenida mais emblemática do país.
Uma parada? E temos material, armamento, e gente para uma parada? A tropa está nas lonas, o que é que podemos desfilar senão pilecas? 
Metemos as polícias ...
As polícias são forças armadas?
Algumas estão mais bem armadas que algumas tropas...
E os bombeiros?
Os bombeiros estão armados?
São meios de combate, sabem melhor que ninguém o que é um teatro de operações ...
Parece-me bem que se incluam os bombeiros. Têm viaturas que fazem um vistaço.
E as bandas? Há muitas bandas, no exército, na marinha, nos aviadores, ...
Nas polícias ... os bombeiros não sei se têm ...
Devem ter. Nenhum quartel dispensa uma banda...

Foi aprovada a proposta e assumido o compromisso de todas garantirem o sucesso da ideia junto dos respectivos consortes e destes junto dos seus pares nas forças armadas e actividades correlativas. E que o desfile se realizasse também como homenagem daqueles que tombaram e dos que escaparam há cem anos na primeira grande guerra.

Se a coronela quando chegava a casa ao fim da tarde baixava dez centímetros  de altura, descalçando sapatos de salto alto que não dispensava fora de casa,  é porque entrava em modo sossegado.  Geralmente, o coronel já se encontrava em casa a dormitar no sofá em frente do televisor,  já cá estou, o coronel nem dava por ela. Se mantinha a altura exterior, era certo e sabido que a conversa da coronela com as amigas  criara esturro, e agora o coronel teria sermão e missa cantada à volta, compassada com o toque, toque, bem martelado dos saltos altos no chão da sala.

A PIC, Polícia de Investigação Criminal tinha sido a última a saber que o quartel Boavida reaparecera no mesmo  sítio de onde  desaparecera quatro semanas antes.  Uma pouca-vergonha, um enxovalho  para polícias, magistrados e  juízes, mas os militares é que continuavam  no ponto de mira da generalidade das notícias e comentários  que continuavam a infectar a opinião pública,  submergindo todos os escândalos que desde há anos se vinham acumulando e arrastando  entre sentenças e recursos intermináveis, e se mediam em milhares, muitos milhares de milhões encaminhados para corruptores, corruptos e coniventes.
Já se conhecia quem  devolvera o quartel à  procedência,  ninguém sabia, no entanto,  porquê, nem como, nem por quem, havia sido roubado.  Das suspeitas  que impendiam sobre o coronel, comandante e primeiro responsável  pela defesa dos homens e das estruturas do quartel, refutava a coronela a insinuação de acusação  que lia no mutismo das suas amigas,  alegando que o marido não dormira no quartel na noite do desaparecimento porque tinha família, dormira com ela  no apartamento que tinham comprado na cidade,  aliás, nenhum comandante dorme  nos quartéis, salvo em tempo de guerra, e por agora, para o bem de todos, felizmente reinava a paz.
Assim resumia a coronela a sua indignação  nas reuniões com as suas amigas,  casadas com oficiais superiores do quartel Boavida, corporativamente solidárias com a coronela, mas esperançadas que o Boavida tivesse perdido, irremediavelmente, as suas ambições de atingir o generalato, aumentando as probabilidades de abertura de vagas no comando do quartel, e no encadeamento das promoções até o topo da hierarquia  da instituição militar. E ela perderia a oportunidade de ser promovida pela inveja de amigos e conhecidos a generala.
Boavida!, disse a coronela do alto dos seus sapatos altos depois de duas voltas ao sofá onde o coronel dormia de olhos pregados no televisor, sem pestanejar quando a marcha da coronela passava à sua frente. 
Boavida! Temos que tomar medidas!, repetiu a coronela e uma palmada nas costas para acordar o coronel. Estremunhado, o coronel disse han?!, ao mesmo tempo que se voltava em posição de guarda para a eventualidade de evitar uma segunda palmada.
Temos quê?
Tomar medidas!, repetiu a coronela, parou a marcha e sentou-se ao lado do Boavida que se encostou a um canto do sofá para lhe dispensar o outro.
Olha Boavida, se não antecipas a tua defesa receio que não tardará que te embrulhem no rol dos culpados pelo duplo caso do desaparecimento e aparecimento do quartel e ...
E....
... E era uma vez um coronel Boavida, .... a tua carreira acaba, na melhor das hipóteses com passagem compulsiva à reserva.
Sonhaste isso?
Não, mas reflecti muito sobre o que se está passar.
E o que é que se está a passar?
Não lês os jornais? Não ouves as notícias na rádio e na televisão? Em que mundo é que vives, Boavida? Não sabes que o ministro se demitiu, depois de ter negado publicamente que não sabia da manobra do reaparecimento, e que o chefe maior do exército foi obrigado a seguir pelo mesmo caminho? Que não é credível que o chefe do governo não tivesse sido informado pelo ministro e o chefe do governo não tenha informado o chefe supremo?
Nem precisava, o chefe supremo sempre foi capaz, e continua, de ser o primeiro a saber  graças ao seu radar de larguíssimo alcance. Tenho a consciência tranquila, e tu sabes bem que tenho razões mais que suficientes para não ser acusado seja do que for. O quartel desapareceu e reapareceu à noite. Onde passo eu as noites? Com quem durmo?
Não te iludas, Boavida, dormindo contigo não faz de mim uma testemunha fiável nem nada garante que os culpados, se houver culpados, estiveram no quartel de noite, há grandes golpes que não são executados por quem os engendra. Há muita gente envolvida à procura de um scapegot (a coronela leccionava inglês e bode expiatório nunca lhe soara bem), e o sentinela preso não passa de um contrapeso para um escândalo com uma dimensão que é uma enormidade. 
Mas tens alguma pista, algum indício de quem cometeu o crime? Os do governo, que se dizem laicos, garantem que os factos são inexplicáveis e, portanto, milagres ... Assim sendo, como posso eu, coronel de infantaria, ser responsabilizado por algo inexplicável?
Acreditas em milagres, Boavida?
O governo acredita.
Deixou de acreditar, e demitiu o ministro e o chefe maior do exército. 
A mim, não me demite.
Mas afasta-te com uma passagem à reserva.
E porquê? Onde é que ouviste esse boato? Aposto que é coisa congeminada pelas tuas amigas, ou que se fazem passar por isso. 
Recordas-te do que disseste na comissão de inquérito?
Muito bem. Disse que não sabia nada acerca da forma como tinha sido retirado o quartel durante a noite, e que também desconhecia em absoluto como havia sido reposto, também durante a noite. Aliás, até prova em contrário, trata-se de factos inexplicáveis e que, portanto, continuarão inexplicados..
Isso é o que tu pensas, Boavida. A PIC, que foi gravemente ferida na sua reputação, tudo fará para descobrir o que se passou, como se passou, e quem foram os que tramaram a honorabilidade da instituição militar e da PIC, a última a saber da tramóia. 
Ainda bem. Subscrevo totalmente que a investigação tem de descobrir os culpados e que eles sejam condenados, doa a quem doer. Parece que foi assim que falou o chefe supremo e todos os chefes por aí abaixo. 
Não te esqueças que eras, e ainda és, o comandante do quartel roubado e devolvido. Mas mais grave do que isso, ou pelo menos tão grave quanto isso foram as tuas declarações na comissão de inquérito.
Declarei aquilo que sabia, isto é, nada. Aliás, ainda hoje estou para saber o que se passou.
Não disseste mais nada?
Não. Perguntaram o que é que eu sabia e eu respondi que não sabia nada.
Só isso?
Só. 
Não é o que consta por aí.
E o que é que consta por aí?
Que fizeste afirmações muito críticas a propósito da falta de meios de combate, da falta de preparação dos efectivos, que quando há meios não há guerras, e o pessoal, sem guerras para combater não tem que fazer, inventa encrencas?
Isso não é verdade. Disse, isso sim, que as forças armadas andam desmotivadas porque os efectivos são escassos e, em geral, mal preparados, e os equipamentos, na maior parte dos casos, são obsoletos, considerando a evolução tecnológica que, nem de longe nem de perto, temos acompanhado. Por outro lado, não sendo politicamente correto afirmar isto, é inegável que sem acção não há motivação e, salvo raras excepções, noventa e muitos por cento dos efectivos nunca enfrentaram uma situação de combate real nos últimos quarenta anos.
Não disseste mais nada?
De relevante, não.
Não disseste que na manhã seguinte ao desvio do quartel o oficial de dia tinha adormecido e acordado em casa de uma amiga?
Nesse caso falei off record ... Não me digas que os quadrilheiros não respeitaram o direito de reserva que invoquei... 
Digo, digo. E digo mais! A mulher dele já lhe pôs as malas na rua.
Mal feito. Se fez isso é porque não acredita em milagres. Tinha ideia que era crente. Casaram-se pela igreja, fomos convidados, se é crente e não acredita neste duplo milagre só confirma a originalidade deste imbróglio onde os laicos acreditam que houve milagre e os crentes juram que houve burla! Mas também te digo que foi o próprio oficial de dia em serviço no turno daquela noite que me disse, quando o interroguei para apuramento dos factos, que ignorava completamente o que se tinha passado, adormecera a fazer paciências e acordara em casa de uma amiga... É estranho, muito estranho sem dúvida, mas temos de considerar paranormal tudo o que se  passou naquela noite de muitos milagres.
Tens de concordar que nada disso abona a favor do prestígio das forças armadas em geral, do exército e do nosso quartel, em particular.
Até prova em contrário, todos os fenómenos relacionados com o desvio e a reposição do quartel são paranormais, não têm explicação científica, e creio que nunca vão ter.
Também consideras paranormal que um oficial de turno, responsável imediato pela segurança e defesa do quartel seja surpreendido pelo sono porque se entretinha com paciências e se borrifou para os procedimentos da ronda?
Não, neste caso não houve para normalidade mas normalidade ...
Essa é boa! É com essas e com outras parecidas que passa para a opinião pública a imagem de que temos uma tropa fandanga. Como podes tu, Boavida, admitir sequer que seja normal o desleixo onde é indispensável a disciplina? Como explicas esta contradição máxima?
Não ter que fazer, cansa...
O oficial de turno não tinha que fazer?
Pouco, quase nada, quando o perigo é muitíssimo remoto. Hoje, não passa pela cabeça de ninguém assaltar um quartel, os assaltantes preferem trabalhar nas ruas, nos transportes públicos. Hoje, os quarteis, como os bancos, quando são assaltados, são assaltados por dentro, percebes?
Então, se bem te entendo, Boavida, o nosso quartel foi assaltado por dentro...
O nosso quartel não foi assaltado, foi milagrosamente desviado...
Sem que o sacana do oficial de turno desse por nada, porque estava cansado de fazer nada, e adormeceu. Foi assim?
Até prova em contrário, parece que sim. 
Mas faz algum sentido?
Faz. 
Como explicas, tu, comandante do quartel a banalização do desleixo dos teus subordinados?
Explico porque os compreendo. Tenho cinquenta e cinco anos de idade, trinta e cinco de serviço, mais três anos do que aqueles que levamos de casados...
... E cansados um do outro...
Não disse isso. Aos vinte anos era alferes de infantaria. No dia em que, pela primeira vez, era comandante de um pelotão de trinta recrutas, senti o peso da responsabilidade de liderar e da honra de o fazer em funções de defesa da soberania do meu país. Nunca esquecerei esse dia, marcante na minha vida de oficial do exército. Tinha a coadjuvar-me um sargento, ele teria, nessa altura, mais uns dez anos de vida e de serviço militar que eu. Tinha a tarimba que me faltava, era um sujeito discreto, cumpridor e respeitador, aprendi muito com ele sem que o meu handicap de novato nas funções alguma vez tenha transparecido para os homens do pelotão. Suei como nunca tinha suado durante a formação na escola de oficiais, para, à frente do pelotão, manter o andamento imposto pelo sargento que, ao lado, imprimia o ritmo nas saídas para o campo em passo de corrida. Fisicamente esgotado pelas actividades planeadas para os recrutas, no fim de cada dia sentia-me satisfeito pela carreira que tinha escolhido. Quando cada pelotão terminava a formação geral e os via partir para as especialidades sentia que tinha dado a cada um qualquer coisa de mim. Até ao dia em que me assaltou uma dúvida danada: se teríamos transmitido aqueles rapazes, ou pelo menos a alguns deles, alguns valores cívicos e alguns princípios elementares de organização e combate, se lhes teríamos desempenado os corpos e, em alguns casos, as mentes, que poderia um dia esperar deles o país se fossem chamados a defender a nossa soberania em caso de eventual ofensiva externa? E, sem dúvida alguma, concluí que, em caso de chamada às fileiras, aqueles rapazes, que tinham perdido alguns meses das suas vidas com pouco proveito, se algum, para eles,  nenhum esforço de defesa poderiam dar ao país. O mundo tinha mudado, a arte da guerra tinha acelerado e nós continuávamos a marcar passo. Para remediar este contrassenso óbvio decidiram os que podiam decidir que terminasse a incorporação obrigatória durante um período curto e se recrutassem voluntários, contratando-os durante períodos longos, mas os constrangimentos subsistiram por falta de meios adequados...
Adequados a quê?
Boa pergunta, que suscita outra: de que forças armadas precisa o país? As que temos parecem-se mais com aquelas que se combatem em guerras civis intermináveis nas repúblicas das bananas do que as que estão preparadas para se confrontarem com um inimigo externo. Hoje os nossos efectivos são profissionais que, em larga maioria, utilizam os meios de combate em que anteriormente eram habilitados os de incorporação obrigatória, a diferença está no tempo desperdiçado a fazer as mesmas inutilidades.
Por esse andar, com essas ideias não vais longe ... 
Pois não ... Talvez me passem à reserva ... Não me desagrada a ideia da passagem à reserva como coronel, senhor coronel!, as estrelas estão reservadas para quem está contentinho com a sua inutilidade...
Mas que lutam pela afirmação da dignidade das forças armadas!
Oh! Oh!, ... Qual das tuas amigas te disse isso?
É convicção generalizada entre os militares, oficiais, sargentos e praças que ao desprestígio causado pelo burlesco caso do quartel devem as forças armadas opor a organização de uma demonstração de força e coesão.
Essa é boa! ... Gosto dela! E como, sabes?
Há várias hipóteses ... a mais falada é uma parada ... Ninguém falou contigo sobre isto?
Não, nada, estou a ouvir pela primeira vez ... Mas não me parece mal essa de uma parada, um desfile não é?
Pois, deve ser isso. O que é que temos para desfilar? Pergunto porque, a ouvir-te, o que temos parece que está tudo obsoleto e a cair para o lado.
Na infantaria andamos normalmente a pé, temos umas unimogs, um tanto gastas mas podem encobrir-se os efeitos da idade com camuflagem convincente, temos o colorido das boinas dos paras e dos comandos, na cavalaria os carros de combate, tanques que já mereciam a passagem à reserva, mas bem camuflados impressionam, a artilharia não tem lança mísseis para exibir mas com uns lança foguetes bem ataviados prova que ainda existe,  a desfilar fora de água, os marinheiros têm os fuzileiros e, a desfilarem armados, como é da praxe, botam figura, os outros marinheiros têm fardamento, galões e medalhas que brilham mais sobre o azul, os da aviação podem exibir-se numas piruetas aéreas, e que mais? As bandas, as bandas não podem faltar nas marchas...
Não são marchas, é uma parada.
Claro, claro, é uma parada. Não sei porquê, de repente lembrei-me das marchas...  E que mais podemos juntar? Não me ocorre mais nada. Das tuas amigas recolheste mais algumas dicas?
A polícia, aliás as polícias, por exemplo, são forças armadas, não são?
Sem dúvida. Venham as polícias!
E os bombeiros?
Evidentemente, os bombeiros. Como é que eu estava a esquecer-me dos bombeiros? Combatem o nosso maior e persistente inimigo. E com aqueles carrões vermelhos, as sirenes a apitar, sem aqueles carrões vermelhos perdia-se o melhor, o colorido da parada... Nunca imaginei que as nossas forças armadas tivessem tanto poder de combate... Invejo os comandantes de quartéis de bombeiros...
... ?
Têm um inimigo a combater, duro, persistente, traiçoeiro, enquanto nós, militares, amolecemos pela ausência de inimigos que nos despertem e dêem sentido à nossa missão. E, por adormecerem os militares no conforto da paz à sua volta, podem desaparecer e reaparecer quartéis militares sem que ninguém saiba como, pelo menos por enquanto...
Essa agora, levaste uma vida inteira a convencer-me que é em tempo de paz que as forças armadas se preparam para a guerra...e afinal...
Afinal subsiste a questão primordial: preparar em tempo de paz para guerra. Mas que guerra? Hoje, se colocarmos de fora a hipótese de um conflito mundial da qual resultaria, muito provavelmente, o extermínio total ou quase total da espécie humana continuarão a existir guerras civis, circunscritas, onde os militares não asseguram a defesa do país mas a dos interesses de facções que se digladiam e frequentemente resultam em genocídios. Não nos preparamos para um conflito mundial porque esse, se acontecer, colocará em confronto as potências nucleares, preparamo-nos, quanto muito, para integrar forças de intervenção em conflitos localizados ou defesa limitada da soberania no mar e no ar, por compromissos assumidos no grupo de defesa de países em que estamos integrados, mas, neste caso, o esforço requer um número muito reduzido de operacionais altamente especializados. Em resumo, grande parte dos efectivos das forças armadas prepara-se para uma guerra que não existe nem vai existir. Já os bombeiros, esses sim, esses têm uma guerra sempre a bater-lhes à porta todos os anos quando o calor aperta e a chuva não cai. É muito acertada, portanto, a ideia de fazer desfilar os bombeiros nessas marchas populares...
Não são marchas, Boavida! Trata-se de uma parada para resgatar o prestígio desgastado das forças armadas!
Lapsus linguae da minha parte que não desmerece a ideia da iniciativa muito bem prestigiada com a participação dos bombeiros.
Caíram-te no goto os bombeiros...
Era o meu sonho de menino. Se soubesse o que sei hoje tinha seguido a minha intuição, seria agora comandante de um quartel de bombeiros...
Disparate!
Disparate, porquê? Seria comandante de um quartel de forças armadas com um inimigo a assaltar-nos todos os anos... 
Consideras os bombeiros como parte das forças armadas?
Quem concebeu a ideia das marchas...
Da parada...
Isso, quem a concebeu considera, e não serei eu quem contrariará os idealizadores da procissão...
...?
... Em honra de quem, ninguém sabe quem nem como, operou o milagre do desaparecimento e reaparecimento do quartel...
És um caso perdido.
Talvez me encontre um dia destes como bombeiro comandante de um quartel de bombeiros...
...?
Não te agrada a ideia? A mim atrai-me. É um desafio para uma acção de combate a um inimigo que não desiste de nos derrotar. Como militares quem podemos confrontar? Não acredito, não quero acreditar, que a parada seja uma exibição de força perante o poder político. 

Ouvindo isto, a coronela descalçou os saltos altos.

(segundo episódio de QUARTEL BOAVIDA)