Ouço na rádio e leio
aqui que
novos manuais de Matemática e de Português lançam caos nas escolas. Numa mesma sala há alunos com novos manuais e outros com livros dos anteriores programas. Ministério diz que os anteriores manuais escolares continuam em vigor, os docentes avisam que "o caos gerado por esta situação vai reflectir-se nos resultados escolares".
Num país longe daqui, com um PIB/capita três vezes superior ao nosso, o Miguel, doze anos de idade, sétimo ano de escolaridade, começou as aulas no dia 2 de Setembro, e durante a primeira semana foram-lhe emprestados pela escola pública que frequenta (as escolas privadas são raríssimas e caríssimas) todos os manuais que necessita durante o ano lectivo. Abri um deles, e, na primeira contracapa está colocado um carimbo onde pode constatar-se que, naquele caso, o manual distribuído ao Miguel já serviu anteriormente para três outros colegas: o primeiro devolveu-o em estado considerado "novo", o segundo, também "novo", o terceiro "muito bom" o quarto "bom". Depois de três anos de uso, também eu considero que aquele livro está "bom". Compete agora ao Miguel tirar o máximo partido dos manuais emprestados e devolvê-los em condições de voltarem a ser emprestados a um colega mais novo.
Em Portugal, por várias razões, que se repetem ou se revezam, a abertura das aulas provoca todos os anos discussões, protestos, queixas, reclamações, o diabo a sete. Queixam-se os pais, os professores, protestam os alunos, fazem chantagem os sindicatos, o caos é a normalidade em Portugal. Ouço dizer que os manuais são caros, que muitas famílias não suportam os preços dos manuais, que há municípios que oferecem manuais, que é frequente a alteração de manuais. No caso que hoje é notícia, depreendo que os programas de português e matemática foram alterados - outra vulgar anormalidade - mas o Ministério afirma que os manuais anteriores continuam em vigor. E por que não? Alterou-se a matemática, alterou-se o português, salvo as alterações decorrentes do acordo ortográfico, relativamente às quais não deveria haver exigência de cumprimento rigoroso? Se os manuais são vendidos a preços insuportáveis para muitas famílias, por que razão não se adopta o sistema de cedência de manuais aos colegas mais novos (frequentemente, aos irmãos mais novos) sugerindo que aqueles que transitam entreguem os manuais às escolas?
São assim tão profundas as alterações introduzidas nos programas pelo Ministério que tornam inúteis os manuais anteriores? Ou, como quase sempre acontece, professores e pais dos alunos antecipam a continuidade do insucesso escolar e apresentam desde já razões que justifiquem as suas próprias responsabilidades?
Agora, que tanto se fala e tão pouco se pratica na reforma do Estado, é estranho que ninguém se atreva a realizar uma reforma imprescindível. A estrutura altamente centralizada do Ministério da Educação é ingovernável, e o caos é inevitável. Nenhum ministro, por mais pintado que seja, passa por lá sem sair queimado. Enquanto não houver uma descentralização de responsabilidades amarrada a objectivos fundamentais e fixados de forma precisa, também a educação continuará aos baldões em Portugal.
Descentralização que pressupõe o redimensionamento ´da administração local assumido no memorando assinado com a troica, que a cobardia partidária se escusou a fazer, não indo além de um arremedo dela com a redução do número de freguesias.
A citação é oportuna mas há entendimentos que são consensuais, isto é, congregam o senso comum, o da generalidade das pessoas.
Por exemplo, a sentença dos desembargadores do Porto que defenderam a tese de que a embriaguez aumenta a produtividade foi geralmente chacoteada e não ouvi ou li alguém que a defendesse.
A Constituição não é uma vaca sagrada e os juízes não estão acima da crítica ainda que estejam (mal) acima do escrutínio democrático. E é consensual que o mesmo texto pode ser interpretado (e é, as mais das vezes) de formas diversas por diferentes indíviduos igualmente encartados, a quem chamam constitucionalistas. Em Portugal a imagem dos juízes anda pelas ruas da amargura como provam recorrentemente as sondagens.
Aliás, é consensual que a justiça (a falta dela) é um dos maiores obstáculos ao reerguimento do País.