Sunday, November 13, 2022

AMOR RUSSO

JACQUES E O SEU AMO, de Milan Kundera, já cá mora em casa há muitos anos. Mas, de tamanho reduzido, quando passo a vista pelos livros à procura de algum que quero reler, este pequeno volume escapou sempre à minha atenção. Até ontem. 

E são surpreendentes, porque excessivamente actuais, as palavras, de Milan Kundera, que transcrevo da "Introdução a uma variação", homenagem a Denis Diderot em três actos". Substituam-se Checos por Ucranianos, e o cenário desta peça, em agosto de 1968, é, sensivelmente, o mesmo que começámos a ver pela televisão desde 24 Fevereiro deste ano.
 

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"Era o terceiro dia da ocupação. Seguia no meu carro, entre Praga e Budejovice (a cidade onde Camus situou O Equívoco), Por toda a parte, nas estradas, nos campos, nas florestas, viam-se soldados russos. Mandaram-me parar. Três soldados revistaram o carro. Concluída a operação, o oficial que tinha dado as ordens, perguntou.me em russo "Kak tchouvstvouye-tyece?", ou seja, "Como se sente? Quais são os seus sentimentos?". A pergunta não era nem malévola, nem irónica. Pelo contrário, o oficial acrescentou. " Tudo isto é um grande equívoco. Mas vai resolver-se. Devem saber que nós amamos os Checos. Nós gostamos de vocês!"

A paisagem devastada por milhares de tanques, o futuro do país comprometido durante séculos, os homens de Estado checos detidos, e o oficial de ocupação a fazer uma declaração de amor! Entendam-se, ele não quis, de modo algum, manifestar a sua desaprovação face à invasão. Todos diziam mais ou menos o mesmo que ele, a sua atitude não era ditada pelo prazer sádico de violadores, mas tinha como base outro arquétipo  - o do amor ferido. Por que razão os Checos (de quem gostamos tanto!) não querem viver connosco e como nós? Que pena ter sido necessário recorrer aos carros de assalto para lhes ensinarmos o que é o amor"

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Milan Kundera - JACQUES E O SEU AMO 



CELEBRAR A LIBERTAÇÂO NA UCRÂNIA

 

                        c/p -  Banksy unveils mural in Ukrainian town liberated from Russians

Tuesday, November 08, 2022

OS DEPLORÁVEIS

"They're racist, sexist, homophobic, xenophobic, Islamophobic" - Hillary Clinton - 9 de Setembro de 2016 
"Make no mistake — democracy is on the ballot for us all. " - Biden - Remarks by President Biden on Standing up for Democracy - 2 de Novembro de 2022   
 
"Os 25 norte-americanos mais ricos quase não pagam impostos" - aqui
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A.,

Perguntaste-me há dias se eu percebia porque é que metade dos brasileiros votaram em Bolsonaro e a outra metade, os mais pobres, em Lula, enquanto, grosso modo, nos EUA, os estados mais desenvolvidos, tanto económico como culturalmente, das orlas leste e oeste, votam nos "democratas", liberais, e os dos estados do interior, mais pobres  e menos instruídos, votam nos republicanos, conservadores e ultra-conservadores.

Do meu ponto de vista, tanto no Brasil como nos EUA, a divisão é fortemente determinada pelo nível geral de desenvolvimento económico e social e a geografia do voto reflete essa partilha. No Brasil votaram em Lula os estados onde, por múltiplas razões, são mais elevados os níveis de pobreza e o discurso (e a prática)  de Lula é mais direccionado para as necessidades de larga maioria das populações do norte e, principalmente, do nordeste do país. 
Bolsonaro, na recta final da campanha, ainda correu para o norte e nordeste a prometer políticas assistenciais, mas a promessa tardia já viu o pobre de costas.
No Brasil observou-se  voto útil em causa própria.
 
 
 

 
Nos EUA, pelo contrário, nos estados menos económico e culturalmente desenvolvidos, onde há ressentimento das comunidades rurais contra os privilégios, o cosmopolitismo,  dos grandes meios urbanos, a votação volta-se maioritariamente para os republicanos conservadores e ultra-conservadores que exaltam os valores antigos, contra a imigração, a homofobia, a prevalência do homem, a subalternização da mulher, a xenofobia, e, muito sobretudo, a fé num líder iluminado capaz de conduzir o rebanho segundo os desígnios prescritos nas escrituras sagradas. Não lhes importa a fuga dos multimilionários aos impostos, indignam-se com os impostos que pagam. Votam em promessas de retrocesso de um mundo que consideram a percorrer maus caminhos. E, consequentemente, apoiam Trump e os seus acólitos, que rejeita o estado de direito, as decisões dos tribunais, porque ninguém se pode posicionar acima dele, o deus dos deploráveis.  
 
Hillary Clinton considerou deploráveis estes que não votam em causa própria. Arrependeu-se no dia seguinte e Trump não largou o osso até ao fim da campanha. Hillary fez mal e, também por isso, perdeu a eleição em 2016. Deveria ter esclarecido os destinatários, devia-se ter batido pelas razões subjacentes à designação que usou. 
Biden, há dias, enfatizou o apelo à defesa da democracia, mas foi um apelo que serviu os interesses de Trump e seus correligionários que sabem que, deploravelmente, a democracia é precisamente aquilo que o deploráveis rejeitam.
Eles, Trump, Bolsonaro, Putin, Xi Jinping, ... e tantos outros porque a mancha do totalitarismo, da autocracia, está a alastrar como há noventa anos.

Sunday, November 06, 2022

O LÍDER PRÉ FEITO*

"Nasceu em Cascais. Os pais, naturais de Beja, trabalhavam como funcionários do Estoril Futebol Clube quando nasceu e viviam nas instalações do clube.

Com três anos, foi viver com os pais para Setúbal, onde frequentou a Escola Primária do Faralhão, na freguesia do Sado, uma escola construída em pleno período revolucionário. A infância foi passada entre a vivência “de rua” e a acompanhar a mãe nos trabalhos na agricultura, nas limpezas e nas obras. Houve momentos em que chegou a trabalhar com a mãe na apanha do marisco.

O 5.º e 6.º anos foram concluídos graças à telescola, mas foi na Escola Secundária da Bela Vista, por altura do seu 10.º ano, que contactou com a política como integrante das listas para associação de estudantes. Acabou o 12.º ano à noite já como trabalhador-estudante.

Já com o serviço militar obrigatório concluído, em Vila Nova de Gaia e no Porto, em 1991,  “desperta para a política partidária e junta-se à JCP”. Quatro anos depois já figura no quadro de funcionários da juventude comunista, onde também progrediu até à direcção nacional, comissão política e secretariado.

No último congresso, em Novembro de 2020, foi reeleito para os três principais órgãos da direcção do partido. tornando-se um dos poucos militantes a acumular funções nos órgãos mais restritos da direção comunista -- Comissão Política e Secretariado.

Casado e pai de três filhos, foi também eleito na Assembleia Municipal de Setúbal, cidade onde cresceu.

O futuro secretário-geral do PCP é apresentado pelo partido como um dirigente que “associa qualidade humanas próprias a uma experiência densa e diversificada”, um trabalho político de proximidade com todas as estruturas do partido, desde a juventude comunista aos órgãos mais circunscritos da direcção.

O PCP descreve o militante de há quase três décadas como um homem com “um percurso de vida dedicado à defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo português, por um Portugal com futuro, pelo ideal e projecto comunistas”.

Com excepção do título*, suceptível de revisão e melhoria, o texto deste apontamento está publicado aqui.