Saturday, September 28, 2024

PODE UM (EX) BOMBEIRO INCENDIAR O MUNDO?

A pergunta não tem intuitos sensacionalistas porque decorre do muito diversificado sistema de eleição do presidente dos Estados Unidos da América, que não está sujeito a regras idênticas em todos os EUA e também não são claras as regras de validação da votação sobretudo nos casos de votação antecipada por correspondência, já a decorrer. Em qualquer caso persistem condições para emergirem dos resultados da votação em 5 de novembro confrontos irredutíveis, incompreensíveis na democracia mais antiga da era moderna e, ainda, a maior potência mundial. 

Em 21 de dezembro do ano passado, coloquei uma nota neste caderno de apontamentos -  BIBEN NÃO SERÁ REELEITO, TRUMP TAMBÉM NÃO - sustentada num artigo publicado aqui, "Why neither Biden nor Trump will be the next president".

Para já, metade da previsão (ou profecia?) está cumprida: Biden não será reeleito Cumprir-se-á a outra parte com a não eleição de Trump?
A 37 dias da data das eleições, as sondagens não colocam nenhum dos candidatos, Trump ou Harris, em posição claramente vencedor.
 
Pode ser qualquer um deles, segundo uma longa lista de sondagens publicada ontem em diversos media.
Para cerca de metade dos norte-americanos a incerteza evidenciada nestas sondagens é preocupante para os democratas, favoráveis à continuidade de um sistema democrático-liberal, para cerca de outros tantos, entusiastas de um poder presidencial autocrático, é excitante a expectativa de um retorno de Trump à presidência.
Em qualquer dos casos não é, maioritariamente, sentida pelos norte-americanos a ameaça para o futuro de uma Europa livre de autocracias a eleição de Trump, com a consequente promessa deste de terminar o apoio norte-americano à Ucrânia, entregando-a a Putin e que, faça Putin o que entender aos países  da União Europeia, terá a sua bênção. 

É a propósito desta incerteza que teve repercussão expressiva o facto do senador Michael McDonell, do  Nebraska, com antepassados irlandeses, católicos, democratas, se ter registado recentemente no GOP republicano por discordar dos democratas em temas fracturantes: aborto, opção de orientação sexual, imigração. Como o Nebraska nomeia os seus representantes no Congresso por votação no congresso do Estado, um voto do ex-bombeiro desequilibra o empate e favorece Trump que pretende alterar as regras de votação em vigor naquele Estado.
Este senador terá, entretanto, desiludido Trump, comprometendo o seu futuro político, recusando apoiar alterações quando as eleições se encontram tão próximas.


 
Por outro lado, Trump e as suas tropas já começaram a movimentar-se no sentido de inventar situações para negar a validade dos resultados das eleições se não as vencer. Em causa as regras de votação pelo correio, já em curso, um meio essencialmente utilizado pelos democratas.
Não obstante estas intenções mal disfarçadas de Trump, este está a indicar aos seus apoiantes que utilizem também eles a votação pelo correio.
 
 
Chegados aqui, agiganta-se a probabilidade de, num mundo mais do que nunca antes na história da humanidade, a estupidez humana poder auto destruir-se e destruir todos os seres vivos no planeta Terra. 
O voto do ex-bombeiro, como qualquer outra causa aparentemente irrelevante, pode atiçar o rastilho de uma guerra nuclear de consequências incomensuráveis. 

Ainda anteontem Putin voltou a ameaçar o Ocidente com o uso de armas nucleares.
Ora, declaradamente, Trump apoia Putin. 
E Putin não esconde a sua ambição de submeter a Europa democrática ao seu dicktat.

 
Mas há quem não acredite ou não queira acreditar.
O certo é que, por todo o mundo ocidental, se alarga a mancha dos extremismos, de esquerda e de direita.
Que se tocam, como se sabe. 
Aconteceu o mesmo há mais de cem e há mais de oitenta anos. Com uma enormíssima diferença: a criatividade destrutiva da espécie humana tinha então atingido limites ínfimos quando comparados com os que hoje estão ao dispor da estupidez humana.  
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Monday, September 23, 2024

ENGAWA NO CAM GULBENKIAN II

Na visita feita ao Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, vd. aqui, aberta anteontem para o público, depois de quatro anos em que foi encerrado por motivos de ampliação, a nossa apreciação ficou muito aquém das expectativas:

1 - Alargamento do espaço total - Os nossos muitos aplausos.
 
O espaço Gulbenkian prolonga-se agora até à Rua Marquês de Fronteira, em frente, do outro lado da rua, do Palácio Vilalba, onde esteve instalado entre 1946 e 2006 o Quartel General de Lisboa, e agora é sede da Provedoria de Justiça. (A propósito: por que despropósito foi transferida para o Palácio Vilalba a Provedoria da Justiça, certamente o menos relevante e influente na administração da Justiça em Portugal?)

Fica-se por saber que razões impedem a concretização do projecto - muito publicitado com imagens de ante visão dos resultados previstos - de ligação, por viaduto pedonal, do Espaço Gulbenkian ao, agora muito mal cuidado, ajardinamento do outro lado da Avenida Gulbenkian, e deste, também por viaduto pedonal, ao espaço em frente, que já foi parque de estacionamento, e agora é nada, assim como o terreno anexo onde existiu o restaurante Gôndola e uma vivenda, destruída, propriedade da Câmara Municipal.

2 - Ajardinamento do espaço alargado - Aquém do projecto do arquitecto Ribeiro Teles. 
Ainda assim, um aplauso.

3 - Arquitetura do CAM após expansão - Muito aquém das expectativas.
Quem visita o CAM verá muito divulgada a palavra "Engawa". Pronuncia-se, segundo nos disse uma das vigilantes, Engauá, ou sonoridade parecida.
Para saber o que é a (ou o?) Engawa, transcrevo da página do sítio (homepage) do CAM Gulbenkian:
 
"Temporada de arte contemporânea japonesa

Desde 2023 que a Temporada Engawa tem vindo a apresentar aos lisboetas um conjunto de artistas e pensadores do Japão e da diáspora japonesa, reunindo diversas colaborações com artistas e instituições culturais. Este programa investiga o modo como uma nova geração de artistas japoneses, num contexto de pressão social e psicológica, abraça uma diversidade de linguagens interligadas e considera o lugar da inteligência emocional como possibilidade de partilha para habitar o complexo mundo atual.

As obras que se apresentam no culminar desta temporada no CAM articulam-se e dialogam com o projeto do novo edifício, concebido pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, e com a ampliação do Jardim Gulbenkian. O título da temporada toma o nome de Engawa, que se manifesta no CAM sob a forma de uma magnífica pala inspirada nas casas tradicionais japonesas, o símbolo deste projeto arquitetónico, e que é visto como um espaço de transição para encontros e transformação.

Engawa pode ser tomado como uma metáfora para um «espaço liminar», uma ideia amplificada na década de 1980 no Japão e no mundo ocidental através do conceito de 間 [ma]. Esta noção de «espaço liminar» ou de transição materializou a possibilidade de um diálogo comum, refletida nos movimentos artísticos multidisciplinares do Japão a partir do pós-guerra, um período em que emergiu uma multiplicidade de histórias paralelas que questionavam a ficção da história oficial que construía a identidade japonesa.

Este capítulo da temporada desenvolve estes temas através de um programa de exposições de arte temporal, projetos site-specific e obras encomendadas a artistas a meio de carreira, cujo trabalho é apresentado pela primeira vez em Portugal. As suas práticas levantam questões fundamentais sobre a nossa coexistência com os mais variados tipos de entidades na presente era de transformações tecnológicas, sociais e políticas, proporcionando perspetivas sobre questões que nos afetam a todos relacionadas com os problemas sociais, históricos e ecológicos que o mundo enfrenta na atualidade.

Num profundo processo colaborativo com o contexto intercultural de Lisboa e Portugal, o programa tem como objetivo refletir sobre o modo como as inter-relações entre perceção e emoção criam outras realidades. Também se relaciona com as principais exposições inaugurais do CAM e outros eventos de artes performativas, abrindo novas vias para a compreensão das ligações entre o Japão e o resto do mundo. No seu conjunto, estas ligações produzem uma circularidade prolífica, entrelaçando significados e narrativas, com destaque para as relações entre Portugal, o Japão e o Brasil.

Em 2023, apresentámos obras do coletivo artístico 目[mé], e dos artistas Ryoji Ikeda e Lei Saito na Fundação Gulbenkian e noutros espaços da cidade. A temporada incluiu um programa de homenagem à participação japonesa no movimento Fluxus internacional, em particular a Mieko Shiomi, importante compositora japonesa deste movimento, bem como uma intervenção no bairro lisboeta de Marvila pelo coletivo Chim↑Pom from Smappa!Group (CPfSG), em parceria com o Alkantara Festival 2023.

Curadoria de Emmanuelle de Montgazon, com Rita Fabiana."

Perceberam? Ainda bem que perceberam. 
Eu também percebi. Só não vejo como é que a vedeta de toda a transformação operada no CAM - "uma magnífica pala inspirada nas casas tradicionais japonesas" - seja tão admirável. 
Problema meu. 
Aquilo não não é uma pala, é uma enormidade, que, além do mais, não descobre porque reduz a visualização do espaço do jardim em frente. 
 
4 - Organização do Espaço Interior do CAM  - Para mim, incompreensível.
É incompreensível que tenham criado um espaço (escavado no solo) destinado à exposição permanente da Colecção de Arte Moderna da Gulbenkian, e acessível no canto esquerdo mais distante, o acervo (supomos que parte dele) da Colecção, em expositores rolantes. Obviamente, não rolantes a pedido de cada curioso.

5 - Exposição temporária de Leonor Antunes, ocupando todo o espaço principal do CAM - É um exagero que, tanto julgo saber, nunca antes tinha sido concedido a outro artista plástico.
Resulta melhor em fotografia que entre os objectos pendurados. 
 

 

PORTUGAL AO NATURAL

O Ministério da Educação está a exigir em tribunal a uma professora de Matemática perto de 350 mil euros, depois de ter descoberto que leccionou a disciplina ao longo de mais de três décadas sem ter nunca tido habilitações que lho permitissem fazer." ..."Leccionou Matemática sem ter curso durante décadas. Estado exige-lhe 350 mil euros" ..."Torna-se co-autora de manuais escolares não só para alunos mas também para professores, alguns dos quais certificados pela Sociedade Portuguesa de Matemática, e é então que passa a contar no seu currículo com mais um mestrado, desta vez em Álgebra, Lógica e Fundamentos."

E ainda há quem considere a Matemática uma questão de solução complicada!
A esta senhora professora (ninguém pode negar que foi, e ainda é, professora) deveria ser atribuído um doutoramento "Honoris Causa" por reconhecido mérito pelos seus pares e pelos pais dos alunos que ensinou.

Houve burla qualificada da senhora professora?
Admitamos que sim.
Mas a repetida, negligência de todos quantos deveriam ter confirmado, desde a primeira admissão da candidata ao ensino, a autenticidade dos documentos que apresentou, não é menos grave, do ponto de vista dos resultados (geralmente maus) dos alunos que a burla de alguém que, afinal, parece ter demonstrado competência durante mais de três décadas.
 
A notícia não dá conta dos sucessos ou insucessos dos alunos desta professora. A avaliação de pais e pares não é irrelevante mas pode não corresponder ao resultado de avaliações independentes, que não foram, mas deveriam ter sido, feitas. 

Foi, e ainda é, por decisão do sr. Mário Nogueira, que a classe dos professores do ensino secundário, jubilosamente aceitou, que a progressão na carreira é feita com base nos anos de serviço. A apreciação do mérito não se coaduna com a forçada igualdade de competências de todos os que, por gosto ou necessidade, querem, ou aceitam, ser professores. 

Saturday, September 21, 2024

ARGENTINA

Um casal simpático. argentinos, altos, saídos há pouco tempo da casa dos cinquenta, em viagem pela Europa, além do mais com passagem por Lourdes.

- Como vai a Argentina, agora com Milei na Presidência?
- Melhor, mas não tanto quanto podia ser se Milei tivesse maioria na Câmara Alta (Senado) e na Câmara Baixa (Deputados) mas não tem. As reformas possíveis têm melhorado a situação. 
- Como explica a queda da economia argentina depois de ter sido uma das mais prósperas?
- O roubo, há muito roubo, o sistema de justiça não funciona, comprado pelos que roubam ...
- Mas quem rouba?
- Os políticos. Há muita prata (muito dinheiro) a circular e a fugir do país. Há muitos ladrões, sabes? Com Milei como Presidente, a situação está a melhorar ... Há menos políticos a roubar.
- Como é que está o vosso sistema educativo?
- Mal, muito mal, não há responsabilização, não há disciplina, os estudantes têm liberdade para fazerem o que quiserem.
- Contudo, segundo o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), o sistema de ensino na Argentino posiciona-se acima do português ...
- Ah, sim, mas é assim tão mau o o sistema de ensino em Portugal?
- Pior que na Argentina, se a classificação do PNUD está correcta.No ranking do índice de desenvolvimento do PNUD Portugal ocupa a 42ª posição e a Argentina a 47ª, tendo Portugal melhor classificação na esperança de vida à nascença e no rendimento médio, em termos de paridade de poder de compra, e pior na educação.
- É curioso ... Quem lidera o ranking?
- A Suíça ocupa a primeira posição, a Noruega, a Islândia, Hong Kong (China), Dinamarca, Suécia, Alemanha, Irlanda, Singapura, Austrália e Países Baixos, Bélgica, Finlândia, Lichtenstein, Reino Unido. Nova Zelândia, Emiratos Árabes Unidos (petróleo)...
- E a Coreia do Sul, que lugar ocupa?
- O 19º, a seguir ao Canadá. O Luxemburgo e os Estados Unidos da América, completam a lista dos vinte primeiros. Na Argentina, segundo este ranking, parece existirem problemas no sistema de saúde e na distribuição da riqueza. 
- O sistema de saúde é mau. Nós temos o nosso seguro de saúde pago pela nossa empresa, pessoalmente não temos razões pessoais de queixa. Mas a política de portas abertas, que Milei quer contrariar, é responsável pela pressão sobre os serviços médicos pagos pelo Estado, em grande parte pelos  imigrantes vindos de outros países vizinhos que recorrem a esses serviços médicos e se dispõem a trabalhar a qualquer preço.
- Quer dizer que Milei se propõe imitar Trump em questões de imigração. 
- É isso mesmo.
- Apoiariam Trump se votassem nos Estados Unidos.
- Sem dúvida. 
- Vão passar por Lourdes, já estiveram em Fátima, já passaram por Roma. Visitaram o Papa Francisco, um Papa argentino?
- Não, não. O Papa é muito político ...
- Não entendo ...
- Não considerou falsos os resultados na Venezuela e ilegítima a reeleição de Chaves.
- Mas pediu que fossem analizados os resultados.
- Não chega. O Papa é muito político.
- Ontem ouvi que o Papa voltou a considerar o aborto um mal que tem de ser condenado e a imigração uma necessidade que deve ser facilitada.
- Uma no cravo, outra na ferradura. É muito político. Não gostamos dele. É argentino, mas na Argentina era um desconhecido. Agora que o conhecemos, não gostamos dele. Diz ele que quer uma igreja dos pobres, se assim continua todos ficarão pobres. Não, não gostamos dele. É muito político.

FLORESTA: ESTADO A MAIS? ESTADO A MENOS

João Miguel Tavares,
jmtvares@oulook.com
 
Escrevo-lhe porque, lendo o seu artigo de hoje, discordo em grande parte, para não dizer em quase tudo, o que escreve sobre a floresta em Portugal. O que, para mim, destoa da assertividade que, geralmente, observo nos seus textos.

1 - Ir a Aquilino Ribeiro para sustentar as causas do flagelo dos incêndios em Portugal é usar um argumento requentado invocando uma rebelião dos povos na Beira pela florestação dos baldios nos finais de 40 do século passado; portanto, há mais de oitenta anos.
Li o Quando os Lobos Uivam há sessenta e seis anos e o texto integral da acusação e defesa de Aquilino Ribeiro, Editora de Liberdade e Cultura de São Paulo, prefaciado por Adolfo Casais Monteiro.
Se escrevo isto é para que saiba que me documentei há muitos anos sobre o assunto da florestação dos baldios, circunstância que também ocorreu nas redondezas da aldeia onde nasci.
Acrescento, para salvaguarda de presunção de interesses próprios, que trabalhei no sector da produção de pasta e papel até há mais de 20 anos e nenhuma ligação pessoal ou outra mantive com o sector depois de então.
 
2- Depreendo do que escreve que o excesso de florestação em Portugal tem as suas profundas raízes numa política errada do "Estado Novo". Raízes, certamente robustas para se manterem, crescerem e se acrescentarem durante mais de oito décadas. Causa primordial desta política errática: a intromissão do Estado num assunto que não lhe devia dizer respeito. 

3 - Se podemos estar  de acordo que à Estado a mais em vários sectores da actividade económica em Portugal, não posso estar mais em desacordo consigo do que neste da estatização da propriedade florestal (mas também da agrícola e, hélas!, também, em certa medida, da urbana);
Sabe o J M Tavares quantos proprietários florestais existem em Portugal?
Mais de 300 mil, um número semelhante aos Estados Unidos da América.
O Estado português, ao contrário do sueco, do finlandês, etc., é proprietário de uma pequeníssima parte da área florestada. Dir-me-á que, mesmo assim a deixa arder porque não cuida dela, o que é verdade mas uma condição não implica a outra.
Não, J M Tavares, não há Estado a  mais na floresta portuguesa; há Estado a menos e uma pulverização da propriedade florestal privada que ninguém defende porque, sem dimensão económica crítica, é indefensável.

4 - O que há é falta de competência e coragem política para redimensionar a estrutura fundiária em Portugal de modo a garantir-lhe interesse económico bastante que possa garantir a sua defesa.

5 - Acrescento ainda que há uma confusão total em Portugal com a inclusão das plantações de eucaliptos (que não são floresta) com povoamentos mistos de pinheiro, eucalipto, acácias (ninguém parece reparar no crescimento das acácias) e outras espécies resinosas ou folhosas.

6 - A terminar diga-me, sff, defende uma propriedade rústica vocacionada para o pastoreio com erradicação de todas as espécies não autóctones, como aquela pela qual se bateram os beirões há mais de oitenta anos? Se não, o quê?

Atentamente
Rui Fonseca

PS - Se tiver pachorra leia o que sobre o tema escrevi há 18 anos, aqui

Thursday, September 19, 2024

SERIA MILAGRE

Em 10 de Julho de 2006, anotei aqui , neste caderno de apontamentos o seguinte:

"A floresta mediterrânica, predominantemente povoado por resinosas, de elevado potencial combustível, é obrigada a viver os meses de Verão em clima quente e seco, num forno.
Em Portugal, essas condições climatéricas são, geralmente, exacerbadas por uma estiagem mais prolongada. É normal, portanto, que a floresta arda.O que é anormal é que arda tanto.
Já muita gente e muitos relatórios explicaram as causas da desgraça e avançaram com terapêuticas para a combater, ainda que, relativamente a este último ponto, haja por vezes substanciais divergências.
Ano após ano, promessa atrás de promessa governamental, investem-se milhões em meios de ataque, em tudo excitantes aos que mobilizam as tropas para a guerra, e o resultado são fífias quando, no pior dos casos, não são bombeiros e populares carbonizados pelos incêndios que combatiam.
Quem não andar completamente distraído, decerto pode observar que a generalidade das nossas florestas é povoada por matos e resíduos secos à espera de um fósforo. Os acessos são, na maior parte de casos, extremamente difíceis, mesmo para viaturas adequadas.

A todas as razões que tornam a floresta portuguesa extremamente vulnerável acresce uma que potencia uma grande parte delas: a extrema pulverização da propriedade rural em Portugal a norte do Tejo. Portugal tem mais de 300 mil proprietários florestais, um número idêntico em valor absoluto ao dos Estados Unidos da América.
Não há, por esta razão preliminar, condições que permitam defender a floresta, porque não há possibilidade de rentabilidade que suporte essas condições. Toda a actividade económica para ser competitiva e possa sobreviver, pressupõe uma dimensão mínima crítica, e esta, claramente, não existe, na generalidade dos casos, na exploração florestal em Portugal.
De modo que só por milagre a floresta em Portugal deixará de arder mais e mais cada ano que passa, até à sua quase extinção.Enquanto não for reconhecido que os investimentos no combate devem ser canalizados para a defesa, continuaremos a ter fogos cada vez mais extensivos.
O problema é que uma defesa eficaz da floresta passa, necessariamente, pela alteração profunda da estrutura fundiária actual.E aí é que reside o busílis da questão: tal alteração pressupõe a tomada de medidas que só um acordo de regime poderia suportar. Mas parece que ninguém quer dar um passo nesse sentido.
Guardadas as inevitáveis diferenças, a questão é em tudo idêntica àquela que está subjacente, na maior parte dos casos, à falta de produtividade da nossa agricultura.
Sem que o Mi(ni)stério da Agricultura pareça dar por isso."
 
18 anos depois não tenho nada a alterar.

Mas devo acrescentar que, sendo falta de dimensão económica crítica em muitas propriedades rústicas. florestais ou agrícolas, a razão da ausência de meios de defesa próprios, deveria ser incentivado o emparcelamento.
Mas acontece o contrário: para além do apego sentimental de muitos proprietários às suas terras. a sua transacção, sujeita a impostos e encargos notariais, torna-a desinteressante para os proprietários mini-fundiários, que olham para o valor líquido e observam que é quase nada
Ouço e leio que o governo promete ajudas à reconstrução dos edifícios e alfaias destruidas pelo fogo.
É o menos que pode fazer.
Para o mais ninguém parece querer por as mãos no fogo. 
O Presidente Marcelo, por outro lado, assobia o Tiro Liro Liro e tira mais umas selfies.

Friday, September 13, 2024

O JOGO DA CABRA CEGA

"Estudo do Observatório Permanente da Justiça apurou que 15% dos magistrados têm burnout. Há pelo menos 100 profissionais ausentes por ano devido a problemas de saúde, incluindo a mental."

Não admira que a cabra cega, com tantos que participam no jogo, a puxá-la cada um para o lado dos seus próprios interesses, esteja tonta de tantas voltas que dá às cegas.
São voltas a mais, e ninguém, dos que podem alterar as regras do jogo, arrisca mexer uma palha.
E a cabra continua, naturalmente, a desequilibrar-se.

De saída do cargo, a Procuradora-Geral da República Lucília Gago reafirmou perante os deputados na Assembleia da República o que já tinha afirmado numa entrevista de Vitor Gonçalves para a RTP3 há algum tempo: o Ministério Público tem intervindo de forma irrepreensível e não deve ser alterada a sua estrutura orgânica, a sua independência funcional, nem os processos de intervenção. 
Resumidamente, segundo Lucília Gago: a profusão de críticas de que o MP tem sido alvo carecem de racionalidade e a observação feita pela Ministra, Júdice, da Justiça sobre a necessidade de  “arrumação da casa (do MP )“ foi precipitada.

Da Ministra Júdice não se ouviu, desde então, mais nada sobre o assunto. Percebe-se a ausência interventiva de Júdice sobre a questão  considerando que Lucília Gago será substituida a curto prazo.
Mas já não se compreende a ausência de notícias sobre o assunto mais abordado pelos partidos concorrentes nas últimas eleições legislativas: a contundente corrupção. Porquê? Por que razão todos os, que de um modo ou outro, sacaram a mesma arma arma, agora se calam?

É neste contexto que a substituição de Lucília Gago assume a maior relevância para o progreesoo social e económico porque não há crescimento económico e social se o pilar da Justiça se apresenta deteriorado pelo tempo e pelas agressões que tem sido e contiua a ser vítima de interesses privados com desprezo total dos interesses da sociedade como um todo.

A proposta de nomeação cabe ao governo, a nomeação, ao Presidente da República.
Lucília Gago foi nomeada por Marcelo Rebelo de Sousa por proposta de António Costa, primeiro-ministro, substituindo Joana Marques Vidal. A suspeita de que a nomeação de Gago e a não renovação do mandato de Marques Vidal pode não ser mais do que isso, uma suspeita de nomeação de alguém maleável, uma característica que notoriamente Marques Vidal não possuía.

Espera-se que seja quem for próximo PGR compreenda que a “casa” do Ministério Pública requer uma arrumação total, para usar a expressão da Ministra Júdice.
E que, atendendo à proximidade do fim do seu mandato, o Presidente da Republica se capacite, uma vez por todas, que o nome do próximo ou próxima PGR seja o que for consensual entre os principais partidos,
abstendo-se de impor a sua própria opinião.

Durante os dois mandatos como PR, Marcelo Rebelo de Sousa opinou muito sobre a Justiça mas não soube ou não foi capaz de influenciar a mudança do rumo errático da Justiça em Portugal. E agora é tarde.
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Thursday, September 12, 2024

FALAR CLARO

Grande Entrevista: - Gouveia e Melo - Os portugueses conheceram-no pelo seu trabalho no processo de vacinação da COVID 19. É atualmente Chefe do Estado Maior da Armada.

Foi assim que Vítor Gonçalves entrevistou Gouveia e Melo, muito sobretudo porque tem sido muito referenciado como possível próximo Presidente da República. Uma hipótese que praticamente teve a sua origem logo que foi reconhecidamente bem sucedida a sua capacidade e determinação de organizar o combate civil a um fantasma que assustou a generalidade dos portuguses e, afinal, quae todos os povos do mundo: a pandemia “covid 19”. 
A ciência tinha feito um trabalho notável na criação de vacina contra o flagelo, ainda que muitos a tenham descreditado. Uma vez criada a vacina, tratava-se de organizar o combate operacional com a arma disponibizada pela ciência. Gouveia e Melo, uma vez incumbido de organizar e dirigir esse combate, foi, inquestionavelmente, bem sucedido e os portugueses, em geral, reconhecm-lhe esse mérito. 

Não sendo muito evidente que outra personalidade possa, mais reconhecidamente, assumir funções para presidir à República, Gouveia e Melo tem vindo a ser colocado pelas sondagens como preferido pelos portugueses para a função. Haverá outros com estatura e mérito equiparado. Talvez Guterres, se Guterres se dispuser a candidatar-se renunciando às actuais funções de Secretário-Geral das Nações Unidas para as quais foi eleito até meados de 2026; as presidenciais em Portugal ocorrerão em Janeiro de 2026.

Vítor Gonçalves perguntou a Gouveia e Melo se pensa em candidatar-se à presidência da Republica.
Insistiu na pergunta alterando-lhe, repetidamente, a forma sem alterar o objetivo de ouvir de Gouveia e Melo uma resposta precisa. Não conseguiu: Gouveia e Melo, invocando razões da sua condição militar, escusou-se a dizer não e, pelas mesmas razões, não se afirmou candidato enquanto não chegar o tempo que, segundo ele, ainda não chegou para assumir publicamente uma posição sobre a possibilidade de ser candidado em Janeiro de 2026.

Vítor Gonçalves deslocou a entrevista para uma questão também, se não ainda mais, relevante nas actuais circunstâncias de iminência de um enfrentamento bélico generalizado na Europa face à escalada da ofensiva russa na Ucrânia susceptível de envolver a NATO.

Devem os portugueses envolver-se num eventual confronto da Rússia contra qualquer país da NATO?
Resposta inequívoca de Gouveia e Melo: sim. Sei que ninguém quererá ouvir que tropas portuguesas participem numa guerra. Os militares não gostam da guerra. Mas não podem ignorar que ou nos defendemos ou seremos esmagados. Não podemos, não devemos, renunciar a combater se as ameaças de confronto se concretizarem. Devemos preparar-nos para essa hipótese e falar claro aos portugueses. É fundamental falar claro.
Gouveia e Melo foi, a este respeito, muito claro. 
Duvido que outro eventual candidato seja capaz de tanta clareza acerca de um assunto incómodo, impopular, porque preferirão continuar a assobiar para o ar.