Friday, May 31, 2013

CONSENSOS SONSOS

Umas horas antes de ser afirmado por Mário Soares na Aula Magna que - vd aqui - apesar do Governo de Pedro Passos Coelho ter sido eleito já "não deve ser considerado legítimo", tendo em conta as repetidas manifestações de desagrado que têm tomado as ruas e por ter "ignorado a Constituição", mimoseavam-se na Assembleia da República os líderes parlamentares do PCP e BE, de um lado, e do PS, do outro, repetindo o refrão de sempre: o PS diz querer procurar um consenso à esquerda, como manda o seu patriarca, mas subscreve e prossegue uma política de direita logo que chega ao poleiro.
 
E percebe-se que assim seja.
Para o PCP, a sua aversão a uma coligação com o PS é uma questão de sobrevivência. No dia em que o PCP transigisse e aceitasse um acordo, mesmo que fosse apenas de incidência parlamentar, reduzir-se-lhe-ia a sua margem de contestação que é a sua assegurada fonte de rendimento político. Para o PCP acordos políticos com o PS, para serem subscritos pelos comunistas, teriam de indubitavelmente subordinar-se à ideologia comunista. Mário Soares ignora isto? Não ignora. Mário Soares, mesmo aos 88 anos de idade, precisa de palco para respirar. E aventura-se por onde lhe dá na real gana, convicto que terá sempre aplausos mesmo que a cena lhe saia frouxa.  
 
Ontem à noite, depois de ter ouvido tantas e tão entusiasmadas palmas, Soares deve ter regressado a casa satisfeito pela unanimidade contra a austeridade e o actual governo,  que dominou o encontro da esquerda que promoveu. Um consenso que, no entanto, abastardou as suas convicções democráticas ao reclamar - como o PCP e a CGTP - a prevalência das manifestações de rua sobre a vontade dos eleitores expressa segundo os princípios da democracia burguesa. Presume-se que o líder do PS não subscreverá a reclamação do seu histórico líder. Talvez por isso não compareceu no encontro. Nem ele nem o líder do PCP, obviamente.
 
E, obviamente, uma coligação à esquerda continua a não ser sequer uma miragem, porque não é imaginável sequer.
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Correl. - Membro do Governo de Passos Coelho faz campanha pelo PS ... por engano.
Ex-braço direito de Sócrates defende comentadores da direita
Porquê ler os clássicos
 

Thursday, May 30, 2013

ACERCA DO DOGMA DA ARTE CONTEMPORÂNEA












Na edição de hoje do El País é abordada a polémica suscitada pela representação de Espanha na Bienal de Veneza, um monte de 557 metros cúbicos de escombros transportados das proximidades em 100 viagens de barco de 45 minutos, que custará 400 mil euros, afinal de contas uma das menos caras do evento. O Vaticano estará representado pela primeira vez com - "Em princípio" -  que custará 700 mil euros, suportados totalmente por patrocinadores. O preço da representação portuguesa, o cacilheiro levado às costas do Trafaria Praia a partir do Tejo, confiada a Joana Vasconcelos é desconhecido: O patrocínio do Estado é de 170 mil euros mas o custo total do projecto será muito superior, segundo declarações da artista.
 
"Quando se pergunta a Lara Almarcegui, a artista espanhola representante de Espanha, pela polémica gerada em Espanha acerca do custo da sua instalação de seis toneladas de escombros, o sorriso  desaparece por uns minutos. “La verdad me da mucha pena tener que hablar de costes y no de arte. Las mismas críticas las he visto en Holanda y lo que generan es un odio al arte contemporáneo. Los recortes a la cultura traerán consecuencias que harán mucho daño”
 
A resposta de Lara Almarcegui é muito típica da atitude dos artistas contemporâneos a respeito da intocabilidade material das suas criações artísticas, reclamando o direito ilimitado de imporem não apenas os seus conceitos estéticos mas a indiscutibilidade do mérito das suas obras e do  preço que os outros, gostem ou não, terão de pagar por elas. E se, porventura, são interpelados, a resposta é uma acusação de enfileiramento reacionário dos interpelantes. Em síntese, uma sentença de santo ofício: Ou crês ou morres.
 

Wednesday, May 29, 2013

CADA POVO TEM OS ADVOGADOS QUE MERECE?

O senhor Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, afirmou ontem, usando uma daquelas tiradas desenfreadas que o caracterizam,  que o povo português  é também  responsável pela corrupção  instalada no país pelo facto de eleger os políticos, querendo dizer com isto o que disse Joseph de Maistre para reacender os ânimos contra-revolucionários da nobreza decapitada pela Revolução Francesa: "Cada povo tem o governo que merece".  Maistre defendia a restauração da monarquia hereditária, para ele uma instituição de inspiração divina. Não parecendo que Marinho Pinto tenha qualquer sugestão idêntica em mente, é forçoso concluir que o bastonário se terá explicado mal.

Diga-se em abono da verdade que esta afirmação do senhor Marinho Pinto está longe de corresponder a uma convicção isolada ou, quanto muito, rara. Bem pelo contrário, a culpabilização do povo pela crise, pela dívida, pública e privada, pelo consumo não contido dentro das suas possibilidades, pelos investimentos faraónicos ou excessivos, quando não também inúteis, é frequentemente disparada por quem, afinal de contas, tem de um modo ou de outro, culpas no cartório e importa-lhe generalizar responsabilidades para disfarçado descargo de consciência.

Tem Marinho Pinto, logo que a ocasião lhe dá palco, denunciado, mas sempre em abstracto, situações de corrupção envolvendo gente de classes dirigentes ou influentes, não poupando sequer agentes de justiça, e, nomeadamente, até os juízes. Desta vez decidiu-se a disparar sobre a populaça, pela elementar razão de ela exercer o dever cívico de votar. Mesmo entendendo, de modo benevolente, que Marinho pretendeu acusar aqueles que elegem políticos corruptos é manifesta a gratuitidade da acusação: só são eleitos os candidatos que a lei consente, não sendo, obviamente, o povo a entidade responsável por esse consentimento. Os responsáveis são aqueles que estipulam as leis e aqueles que fazem observar o seu cumprimento.

Os advogados, também eles, são parte envolvida e interessada no processo de consentimento ou contenção dos actos de  corrupção. Actuando nesta área do crime geralmente do lado dos corruptores e dos corrompidos, os advogados têm enormes responsabilidades na colocação de entraves ao julgamento e condenação exemplar dos criminosos. Fazem-no invocando e abusando do garantismo dos direitos consignados na lei, que a classe, de um modo ou de outro, confecciona ou ajuda a confeccionar.

Por mais engulhos que isso coloque à sua consciência, para a classe de que Marinho Pinto é bastonário o crime de corrupção, obviamente, compensa.
 

Tuesday, May 28, 2013

À ESQUERDA DA AUSTERIDADE

O iOnline publica uma entrevista ao senhor Mário Soares a propósito da reunião de esquerda das segundas categorias (Seguro prometeu mandar alguém, o secretário-geral do PCP não foi directamente contactado ...) que o ex-Presidente da República convocou para o próximo dia 30 na Aula Magna da Universidade de Lisboa e que pode ser lida aqui.
 
Antes de mais, concorde-se ou discorde-se, no todo ou em parte, das afirmações do entrevistado, há que reconhecer a tenacidade e a rebeldia de um homem que, ainda a recuperar de um grave acidente de saúde, aos 88 anos de idade continua, à sua maneira, um percurso de luta pelos seus ideais políticos nucleares de sempre, mesmo se esse percurso apresente não raras vezes sinuosidades e até evidentes contradições.
 
Nesta entrevista, é muito saliente que nem os anos nem a enfermidade lhe retiraram a sua capacidade argumentativa de sempre. Fixado na defesa de uma ideia, se lhe contraditam o discurso, desenvencilha-se, se não lhe convir ou não souber retorquir, remetendo a responsabilidade da resposta para terceiros. Sendo o tema central da entrevista a reunião na Aula Magna e o objectivo da reunião a luta conjunta da esquerda contra a austeridade, colocado perante uma questão incontornável, que lhe emperra a narrativa, responde, sem rodeios, "isso não é comigo" *
 
Mas, de toda a entrevista, no entanto, há uma afirmação de Mário Soares, que só colateralmente tem relação com o tema central,  que o jornal i usa como título e está a ser usada pelas citações feitas na imprensa em geral: Portas tem sido chantageado pelo Governo pelo governo por causa do processo dos submarinos e dos carros de combate Pandur. Quando, pela primeira vez, Portas admitiu que estava a ponderar se ficava ou não, o caso dos submarinos voltou à primeira linha. E isso obriga-o a continuar no governo. O medo é que manda na vinha... (supõe-se que, nesta última frase,  há erro de transcrição do jornal ou lapsus linguae do entrevistado).
 
Quando é quase unânime que o destino político de Passos Coelho depende da espada de Portas, aparece sorrateiramente Mário Soares  a  espicaçar Portas. Sabe-a toda desde pequenino, salvo unir a esquerda em Portugal.
 
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*Mas há um problema complicado. Há um ano, o sr. dr. defendeu que o PS devia romper com o Memorando da troika. Mas a verdade é que o PS não rompeu com o Memorando da troika. E isto pode conduzir-nos a um beco sem saída: este governo cai, já quase toda a gente o dá como moribundo, mas depois é substituído pelo PS, que vai ter de se submeter ao mesmo Memorando da troika?
Pois, mas isso não é comigo. Não tenho responsabilidades partidárias, hoje, nem as quero ter. Isso é com os partidos, com as centrais sindicais e com o povo, que é quem mais ordena.
 
 
 
 

Monday, May 27, 2013

O PREÇO DOS PEANUTS

Comparado com o custo que os portugueses pagam, e continuarão a pagar por muitos anos, pelo escandaloso caso do BPN, as inúmeras despesas suportadas pelos contribuintes sem qualquer outro critério para além da promoção pessoal dos que as realizam e, eventualmente, o recheio dos seus bolsos e dos seus coniventes, são, se consideradas individualmente, migalhas; somadas tantas parcelas o resultado é pesadíssimo para os contribuintes e impede outras acções socialmente meritórias.
 
Obviamente, porque o olho se arregala quando a carteira imediatamente não sente, muitas dessas obras ou acções socialmente inúteis compram o eleitor que, geralmente esquece, a sua condição de contribuinte. No caso das despesas autárquicas, a anestesia fiscal é total. Para o eleitor de uma autarquia toda a obra feita no local, mesmo a mais extravagante, é imaginariamente paga por um ser alheio e supremo qualquer. Repito-me: O único meio eficiente de incutir sentido crítico nos eleitores a nível local e regional seria de cometer às autarquias o poder de fixar impostos e a responsabilidade de os cobrar.
 
Mais um exemplo, a juntar a outros que tenho anotado de vez em quando neste caderno apontamentos:
 
Em Cascais, o senhor João Cordeiro, candidato à presidência da Câmara como independente apoiado pelo PS, iniciou a promoção da sua carreira política com uma sementeira de cartazes de largas dimensões por todo o concelho. O que se propõe fazer o senhor Cordeiro? Segundo o cartaz, liderar. E mais não diz o outdoor, para além de lhe mostrar o rosto,  muito conhecido, aliás, do tempo em que até, recentemente, foi (não sabemos se continua a ser) patrão incontestado do monopólio financeiro farmacêutico.
 
Nisto, não se distingue, a candidatura do senhor Cordeiro de outra candidatura independente liderada pela Dona Isabel Magalhães, que se apressou também a semear cartazes com um grande plano da senhora candidata. É esperável que, dentro de poucas semanas, o concelho de Cascais esteja forrado de cartazes, já que candidatos há muitos, da esquerda mais jurássica à direita mais disfarçada. Dentro de pouco tempo, o país estará saturado destes cartazes com figurões em cada esquina. Quem paga este estendal, quem paga? De um modo ou de outro, pagamos todos os que pagam impostos porque não há almoços grátis.
 
Também não se distinguem, geralmente, os candidatos das administrações incumbentes. Em Cascais, para além dos cartazes dos candidatos, há os cartazes de promoção desproporcionada de actividades que não valem, quando valem alguma coisa, o custo dessa promoção. Por outro lado, esperam anos e anos por recursos outras obras mais merecedoras mas com menos impacto no olho do eleitor esquecido da sua contribuição de contribuinte.
 
É o custo da política do show-off em Portugal.
 
 

Sunday, May 26, 2013

A REVOLTA DO PORTO

Rui Rio escreveu uma carta aberta ao Governo de Portugal reclamando o pagamento da assumida comparticipação do Orçamento do Estado no projecto de requalificação da Baixa do Porto, um compromisso que se traduz em 2,5 milhões de euros. Segundo o que ouvi ontem a um dos semanais televisivos comentadores políticos, o investimento do Estado será um décimo do investimento privado no mesmo projeto. Custa a acreditar, mas não tenho razão dados a contrapor. A carta aberta do presidente da Câmara do Porto já recebeu, entretanto, um significativo número de subscritores, de todos os quadrantes políticos. O Porto, afirmou Rui Rio, nunca esteve tão unido.
 
Para além da razão que assiste ao presidente da  edilidade portuense neste caso, o confronto público de Rui Rio com o governo maioritariamente suportado pelo seu partido demonstra que o desentendimento político entre as principais figuras do PSD  e o actual primeiro-ministro alastra em cada dia que passa, atrofiando irreversivelmente a capacidade governativa da coligação no poder, já ameaçada pela espada de Portas.
 
Passos Coelho afirmou há tempos que com ele "não haverá pântano" após a mais que previsível redonda derrota nas autárquicas, aludindo ao discurso de Guterres em situação semelhante, mas o termo do percurso político do actual primeiro-ministro não depende dele mas de Portas, já que o PR se abstém. Vendo a erosão política que corrói o PSD, Portas sabe que só por uma muito improvável radical alteração da evolução económica e social do país, este governo completará o seu mandato de legislatura, e que, Seguro só tem que esperar que o poder lhe caia nos braços.

A carta de Rio é também, para além de um protesto e uma reivindicação, um alerta a Portas: de que pode haver governo PSD/CDS para além do actual governo. Se Passos Coelho, em desespero de causa, não persistir na sua obsessão de entregar o poder a Seguro de mão beijada. Rui Rio, quando terminar o seu mandato autárquico no Porto não vai, seguramente, abandonar a política. E tem, mais que qualquer outro, capacidade e experiência para substituir Passos Coelho.

Saturday, May 25, 2013

O JOGO DA CABRA CEGA

Está na ordem do dia a discussão do número de efectivos que integram os quadros do Estado, central, regional e local. São de mais?, são de menos?, nem de mais nem de menos?, as divergências sustentam-se em comparações geralmente incomparáveis. E, no entanto, não há nenhum meio de medida que não resulte de uma comparação. Medir é comparar para avaliar.
 
O caso publicado hoje aqui* é apenas um exemplo da incapacidade do Estado realizar com oportunidade, e portanto com um mínimo de eficiência, uma das suas funções fundamentais: a Justiça. Não é possível erradicar de uma sociedade a possibilidade de alguns dos seus elementos praticarem crimes da mais diversa natureza mesmo dentro dos quadros do Estado. Não é, portanto, espantoso que um funcionário público, no exercício das suas funções, pratique actos que lesem os interesses de todos, salvo dos criminosos e coniventes. Há, sempre houve, e haverá criminosos dentro da organização do Estado.
 
Já é espantoso que um funcionário público seja acusado e punido por ter lesado o Estado em 5 milhões de euros com apenas três dias de suspensão, e no dia seguinte, por decisão sua, passe a trabalhar noutro departamento. Mais espantoso ainda, seria, se a anormalidade não fizesse a regra, se o Ministério Público levasse oito anos, oito!, para acusar o coio de vigaristas. Mas levou.
 
Agora, quantos anos levarão os tribunais a julgar? Entre a primeira instância e os recursos até ao Constitucional, se os arguidos tiverem roubado o suficiente para tanto, levará mais três?, quatro anos? Ninguém sabe, porque ninguém se responsabiliza nesta matéria.
 
Dizem as estatísticas que o número de agentes de justiça em Portugal, advogados, procuradores, juízes, excede largamente a média do conjunto dos países com que nos devemos comparar. O problema mais grave, contudo, não é esse. O mais grave é que sendo muitos de mais produzem muito de menos.

Há muita gente a dizer o mesmo, mas não aparece ninguém capaz de mudar o disco.
 
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*Um técnico superior do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), que foi acusado este mês de 52 crimes de corrupção passiva e 17 de fraude na obtenção de subsídio no âmbito de uma fraude que lesou o Estado em pelo menos cinco milhões de euros, foi punido disciplinarmente em 2005, quando foi descoberto o esquema que mantinha, com três dias de suspensão Em Dezembro de 2005, depois de uma auditoria ao seu trabalho ter culminado com a suspensão por três dias, o arguido deixou por iniciativa própria o Centro de Emprego de Penafiel, onde cometeu as irregularidades então detectadas, tendo no dia seguinte começado a trabalhar num outro centro de emprego, o de Lamego, onde é acusado de ter atribuído de forma fraudulenta mais de uma dúzia de apoios públicos, num valor que supera os 1,5 milhões de euros... Passados quase oito anos, o Ministério Público acusa 46 pessoas singulares e 21 colectivas por crimes como corrupção e associação criminosa, ocorridos entre 2001 e 2008. 

Friday, May 24, 2013

TRAFFIC

...
- E vamos à Europa!
- Vamos? Quem é que vai?
- O Estoril Praia.
...
- É o meu clube, claro. Vivo por cima do estádio... Desde que o Traffic tomou conta do clube, não há pai.
- O Traffic? O que é isso?
- São os brasileiros que compraram o clube ao João Lagos. A partir de agora vai ser vê-los chegar.
- Vê-los? A quem?
- Aos brasileiros. Brasileiros trazem brasileiros, está o senhor a ver o negócio que vai ser?
- Hum..., percebo.
- Para o Porto já venderam o Eduardo ... e o Licá está apalavrado.
- Assim fica o Estoril desfalcado.
- Qual desfalcado, qual quê! Saem estes, entram outros ... melhores ainda, claro. É o que faz o Pinto da Costa.
- ...
- Vendeu o Moutinho e o James Rodriguez por 70 milhões ao Mónaco ... O tipo é um espertalhaço mas os do Traffic têm uma grande vantagem ...
- Têm?
- Pois têm. Conhecem melhor que ninguém o mercado fornecedor, a América Latina, o Brasil, a Argentina, o Uruguai, o Paraguai ... É o que está a dar. 
- E, então?
- Então o Traffic importa, passa a importar mais malta dessa e vende-os ao Porto, ao Benfica, ... a clubes europeus, ... ao Sporting, não.
- Não? Por que não?
- Estão falidos. Vender é receber. Se não há massa não há palhaços ...
- E o que é que você, Fábio, ganha com isso?
- O senhor não gosta de futebol?
- Gosto.
- Tem clube, não?
- Não tenho, não.
- Então é por isso que não compreende.
- Não compreendo ...
- Não compreende os sucessos de um clube de futebol.

Thursday, May 23, 2013

ESTE É O MOMENTO DO INVESTIMENTO?

"E tomem nota: Este é o momento do investimento".

Assim, concluiu o ministro Vítor Gaspar a conferência de imprensa realizada esta tarde para apresentação do programa de incentivos ao investimento. Para além do ministro das Finanças e dos secretários de Estado do seu ministério, estava presente o ministro da Economia.  
 
O comunicado vai, naturalmente, suscitar comentários nos próximos dias, e é muito previsível que do lado dos partidos que apoiam o governo a afirmação de Vítor Gaspar seja publicamente aplaudida, procurando Paulo Portas, ainda que implicitamente, manifestar o seu agrado por ter sido Gaspar obrigado a corrigir a rota de intransigência financeira que formatou, até agora, o seu retrato político junto da opinião pública. Do lado da oposição, será o atraso das medidas a principal alvo das suas críticas.
 
Álvaro Santos Pereira, chamado a intervir por Vítor Gaspar no período de perguntas e respostas, pouco adiantou, nem tinha por onde, ao comunicado lido por Gaspar. Mas, inquestionavelmente, é ele o vencedor do dia ao ter antecipado a maior parte, se não a totalidade, das medidas hoje lidas pelo seu colega as Finanças.
 
Sobre a oportunidade deste anúncio de medidas e da eficácia do conjunto só o tempo permitirá avaliar. Vítor Gaspar gastou metade do seu discurso para justificar as razões pelas quais o anúncio de hoje não poderia ter sido feito antes. Os constrangimentos externos e internos não são hoje menores que eram antes. As nuvens negras continuam a adensar-se sobre a Europa.
 
Internamente, os impedimentos da justiça e da burocracia estão ainda bem longe de poderem garantir aos investidores a competitividade de confiança necessária para os atrair. A coligação que suporta o governo está por um fio que Portas pode cortar quando achar oportuno. A carta de missão dirigida à Caixa Geral de Depósitos, comprometendo-a no financiamento da economia produtiva, vai cair em mãos que, provadamente, não sabem fazer aquilo que o governo lhes quer incumbir. O prometido apoio do banco alemão para o desenvolvimento pode ser um presente envenenado: as empresas portuguesas não precisam tanto de financiamento; precisam, isso sim, de custos de financiamento que não  as tornem competitivamente inviáveis.
 
A sociedade portuguesa sofre de uma crise de confiança endémica que o confronto partidário sem tréguas potencia. Que confiança pode inspirar aos investidores estrangeiros uma sociedade onde a auto confiança anda de rastos?

CARTA ABERTA A PEDRO PASSOS COELHO

Circula na Internet desde Janeiro deste ano.
Chegou-me hoje por e-mail. Desconheço que em é a autora, salvo o nome com que subscreve.
Tenho repetidamente anotado neste caderno muito do que substancialmente esta carta contem
Por isso a transcrevo quase na íntegra.
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CARTA ABERTA A PEDRO PASSOS COELHO
...
 não sou hipócrita ao dizer frontalmente o que sinto, na pele daquilo que é hoje o meu estatuto: pensionista, reformada APÓS 49 ANOS DE TRABALHO. Mais anos do que aqueles que tens de vida, Pedro.
Falemos sério, Pedro. Porquê essa obstinada perseguição àqueles que construíram riqueza nacional ao longo de muitos anos de trabalho, enquanto tu, Pedro, crescias junto de pais que, creio, trabalhavam para tudo te darem, e que hoje não valorizas  como esforço enquanto cidadãos e enquanto pais?
Porquê essa perseguição obsessiva àqueles que construíram um país de verticalidade, de luta e resistência, enquanto caminhavas nas hostes dos boys de um partido disponível para compensar aqueles que gostam de “engrossar” a voz, mesmo que desrespeitando os que tudo fizeram pela conquista do espaço democrático, onde cresceste em liberdade? Uma liberdade conquistada, muito suada, e por isso ainda mais digna de ser respeitada.
Respeito, Pedro, é o que se exige por aqueles que hoje persegues, lesto e presto  sem sentido, como que procurando um extermínio que não ousas confessar.
Falemos sério, Pedro. É tempo de falares sério, apesar do descrédito em que caíste. E falemos sério sobre reformas, sobre pensionistas e sobre Segurança Social.
Não fales sobre o que desconheces. Não te precipites no que dizes.  Não sejas superficial, querendo parecer profundo apenas porque, autoritariamente, “engrossas” a voz. Não entregues temas tão complexos ao estudo de “garotos”, virgens no saber-fazer. Não entregues estudos a séniores que, vendendo a alma ao diabo, se prestam a criar cenários encomendados, para servirem os resultados que previamente lhes apresentaste, Pedro. E os resultados são, como podemos avaliar, desastrosos, Pedro. Económica e socialmente.
...

Vamos por fases cronológicas que te aconselho a estudar:
a)   Pedro, por acaso sabes que o sistema que hoje se designa por “Segurança Social” deriva da nacionalização – pós 25 de Abril – das “Caixas de Previdência” sectoriais, que antes existiam?
b)   Por acaso sabes, Pedro, que o Estado português recebeu, sem qualquer custo ou contrapartida, os fundos criados nestas Caixas de Previdência, a partir das contribuições dos trabalhadores e dos seus empregadores?
c)   Por acaso sabes que a Caixa Geral de Depósitos – Banco estatal de Valores e de credibilidade inquestionável – é, acrescidamente, património dos muitos reformados e pensionistas que hoje somos? É, Pedro, a CGD era o Banco obrigatório por onde passavam as contribuições destinadas às Caixas de Previdência, mas entregava a estas, as contribuições regulares, apenas 4, 5 e 6 meses depois. Financiando-se com estas contribuições e sem pagar juros às Caixas, Pedro? 

Por isso sou contra qualquer alienação da CGeral. Também está lá muito de mim. Um muito que deveria estar na Segurança Social nacionalizada…para ser bem gerida.

d)   Sabes por acaso, Pedro, que o Estado Português nunca reembolsou a Segurança Social pela da capitalização que conseguiu com a “nacionalização” das Caixas, como o fez aos Banqueiros?

e)   Saberás, Pedro, que a “nacionalização” das Caixas de Previdência” se deve à necessária construção de um verdadeiro Estado Social,  para o qual, maioritariamente, é a Segurança Social que contribui, sem as devidas e indispensáveis contribuições do Estado? Um Estado Social criado de base a partir dos “dinheiros” pertença daqueles que hoje são reformados e pensionistas. E que por isso exigem respeito pelo seu contributo mas, igualmente, exigem sejam bem geridos, porque ao Estado foram confiados contratualmente. Para me serem reembolsados mais tarde.

E boa gestão, Pedro, é  coisa que não vejo na Segurança Social, sujeita a políticas de bastidores duvidosas e para as quais nunca fui consultada.  Acredita, Pedro, os reformados, pensionistas e aposentados, sabemos o que dizemos quando afirmamos tudo isto, porque ainda temos muita capacidade – suportada por uma grande e valiosa experiência – para sermos um verdadeiro governo de bastidores. Com mestria, com sabedoria, com isenção e sem subserviências.

f)    Por acaso sabes, Pedro, que a dívida do Estado à Segurança Social é superior à dívida externa, hoje nas mãos da chamada “troika”?

Pois é, Pedro, a dívida sob o comando da troika é de 78 mil milhões de Euros, é? A dívida à Segurança Social, aos milhões de contribuintes, muitos deles hoje reformados, é de 80 mil milhões de dívida. Valor que cresce diariamente, porque o Estado é um mau pagador. Uma dívida que põe em causa não só os créditos/reembolsos aos reformados e pensionistas, na forma contratada, mas igualmente as obrigações/compromissos intergeracionais.

Porque estás tão preocupado em “honrar” os compromissos com o exterior e não te preocupas em honrar os compromissos para com os credores internos que são, entre muitos, os aposentados, os reformados e os pensionistas, antes preferindo torná-los no “bombo de festins” de um governo descontrolado?

Falemos sério, Pedro. Reabilita-te com alguma honra, perante um programa eleitoral que te levou, precocemente, ao lugar que ocupas. Um lugar de representatividade democrática, que te obriga a respeitar os representados. Também os reformados, aposentados e pensionistas votam.
...  Pedro, vou dar-te o meu exemplo, apenas como exemplo de muitas centenas de milhar de casos idênticos.
a)   Trabalhei 49 anos. Fui trabalhadora-estudante. E sem Bolonhas e/ou créditos, licenciei-me com 16 valores, a pulso. Nunca fui trabalhadora e/ou estudante de segunda. E fui mãe, num pais em que, na época, só havia 1 mês de licença de maternidade e creches a partir dos dois anos de idade das crianças. Como foi duro, Pedro. E lutei, ontem como hoje, para a minha filha, a tua Laura, as tuas filhas e muitas mais jovens portuguesas, terem mais do que eu tive. A sociedade ganha com isso. O Estado Social também tem obrigações pela continuidade da sociedade, pela contínua renovação geracional. Lutei, Pedro, muito mesmo e sinto muita honra nisso como me sinto orgulhosa do que conquistou a minha geração.

b)   Fiz uma carreira profissional, também ela dura, também ela de luta, numa sociedade que convencionou dar supremacia aos homens. Um poder dado, não conquistado por mérito reconhecido, Pedro. Por isso tão lenta a caminhada pela “Igualdade”.

c)   Cheguei ao topo da carreira, mas comecei como praticante. Sem “ajudas”, sem “cunhas”, sem “padrinhos” e/ou ajuda de partidos. Apenas por mérito próprio, duplamente exigido por ser Mulher. Um caminho que muito me orgulha e me enformou de

 Valores, Honra e Verticalidade. Anonimamente, mas activa e participadamente.

d)   No final da minha carreira profissional, eu e os meus empregadores, a valores capitalizados na data em que me reformei, (há dois anos) tínhamos depositado nas mãos da Segurança Social cerca de 1 milhão de Euros.

    Ah! É bom que se lembre que os empregadores entregam as suas contribuições para a conta do/a seu/sua funcionário/a. Não é para qualquer abutre esperto se apropriar dele. O modelo que Churchil idealizou – e protagonizou – após a 2ª guerra mundial. Uma compensação no desequilíbrio entre os rendimentos do Capital e os do Trabalho, e que foi adoptado em Portugal ainda antes do 25 de Abril.

   Quase um milhão de Euros, Pedro. Só nos últimos 13 anos de trabalho foram entregues 200 mil Euros à Segurança Social, entre mim e o empregador.

   A minha pensão vem daí, Pedro. De tudo o que, confiadamente, entreguei à gestão da Segurança Social, num contrato assinado com o Estado Português. E já fui abrangida pelo sistema misto. E já participei no factor da sustentabilidade, beneficiando o Estado Social.

e )Mas há mais, Pedro. A esse cerca de 1  milhão de Euros, à cabeça dos cálculos da minha pensão, retiraram  às minhas contribuições, à minha  “conta”, 20%, ou seja 200 mil Euros. Como contributo para o Estado Social. Para a satisfação do compromisso que devo para com as gerações seguintes. Para o Serviço Nacional de Saúde, para um melhor bem estar da sociedade portuguesa.
E o dinheiro que se encontra – em depósito – nas mãos do Estado português através da Segurança Social, é de cerca de 800 mil Euros. Que eu exijo bem gerido e intocável.

      f) Valor que, conforme os meus indicadores familiares (melhores  que a  média das estatísticas) da esperança de vida (85 anos em média), daria para uma pensão anual de 40.000€ actualizada   anualmente pela capitalização dos meus fundos. É bom que saibas que, sobre este valor, eu pagaria cerca de 16.000€ de IRS, fora os demais impostos. Mas, por artes de uma qualquer “engenharia financeira” nunca recebi nada disto.
Mas se aquele valor, que foi criado pelas contribuições de tantos anos de trabalho, estiver nas minhas mãos e sob a minha gestão, matéria em que fui profissional qualificada e com provas dadas, eu serei uma Mulher que poderá dormir descansada, porque serei  independente para mim e para ajudar filhos e netos, sem ter que acordar de noite angustiada.

É, Pedro, falemos sério e honra os compromissos que o Estado tem para comigo. Dá instruções ao Ministério da Solidariedade Social(?) para que me entregue o “meu dinheiro”. O MEU, Pedro!
E vou refazer contas:
a)   De modo frio, direi que o Estado tem que pôr à minha disposição os 100% de contribuições que lhe foram confiadas, ou seja, os cerca de 1 milhão de Euros.

b)   Arredondando, e muito por excesso, descontando os valores  de que já fui reembolsada, o Estado português deve-me 900.000€. É esta a verba que quero que o Estado português me pague, porque é este o valor de que sou credora.

c)   Gerindo eu esta verba podes crer, Pedro, que só com os rendimentos que obtenho da sua aplicação, e já depois de impostos pagos, terei mais do que o valor que tenho hoje como pensão. É simples, Pedro, e deixo de ser uma “pedra no sapato” dos governantes. Deixo de ser “um impecilho” na boca de “garotos” que não sabem o que dizem. E, de uma Mulher anónima com honra e verticalidade, que sou hoje, passo a ser uma Mulher rica, provavelmente colunável, protegida por todos os governantes, mesmo que a ética perca a sua verticalidade e a moral passe a ser podre.

Mas porque é tempo de falares sério, Pedro, fala aos portugueses a verdade sobre assuntos que nos interessa:

- quanto é que o cidadão e político Pedro Passos Coelho já descontou para a Segurança Social e/ou ADSE? - quanto receberias hoje de reforma se, conforme as excepções de privilégio na lei, te reformasses? - quanto descontam os deputados e demais políticos para a Segurança Social ou ADSE? - qual o montante de reforma a que têm acesso, privilegiadamente, e ao fim de quantos anos de exercício da política, independentemente da sua idade? - Quem, e quanto recebem de reforma vitalícia, ex-governantes e outras figuras políticas, só pelo exercício de alguns anos em cargos  públicos?- qual o sistema de Segurança Social que suporta estas reformas  e a quem pertence esse dinheiro? São os OE’S que o suportam, ou são os “dinheiros” daqueles que contribuíram e/ou contribuem para o Sistema? - sendo o Estado uma entidade empregadora, qual o valor da sua contribuição (%) para a ADSE ou Segurança Social, por trabalhador? E as contas, estão regularizadas?

Falemos sério, Pedro! Os reformados exigem a verdade mas, igualmente, exigem respeito, por nós e pelo nosso dinheiro que, abusivamente, vai alimentando o despesismo de um Estado que vive de mordomias elitistas, acima das capacidades do país. Isso sim, Pedro!!!!!!!!

A reformada,

M.Conceição Batista
Lx. 19/01/2013
PS – Aguardo que me seja entregue o meu dinheiro, conforme mencionei atrás. Tenho vida a organizar.

Wednesday, May 22, 2013

ROBIN TOBIN - 2

A taxa sobre transacções financeiras (FTT), objecto do meu apontamento de ontem, já vem de longe e ao assunto já dediquei vários comentários, o último dos quais em Setembro de 2011, aqui. Nele, registei a declaração de Duração Barroso de pretender a introdução da FTT em 2014. Se, como agora se prevê, a medida for avante, ainda que bastante mitigada relativamente aos objectivos iniciais, a Comissão Europeia averbará uma quase vitória, o que, nos tempos que correm, tem de se considerar um feito.   

Em complemento do que anotei ontem sobre o assunto, e reportando-me ainda ao artigo publicado no Financial Times, há ainda a realçar que os custos ou proveitos, consoante os observadores, previstos,  resultantes da FTT excedem largamente os valores calculados pela Comissão Europeia (entre  30 e 35 biliões de euros). E isto porque, apesar da aparente irrelevância da taxa unitária, os valores acumulados, em consequência da alta velocidade a que as operações se realizam, podem atingir níveis quíntuplos daqueles. É, então, muito provável que o volume de transacções se reduza, aumentando significativamente, por outro lado, o seu valor unitário. A Comissão Europeia calcula que, por exemplo, as operações com derivados observem uma contração de 75%.  
 
Com o objectivo de garantir fundos, são feitas diariamente dezenas de milhares de operações temporárias, por exemplo a venda de obrigações do tesouro com condição de recompra. A FTT tornará esta prática desinteressante. A discussão do assunto redireciona-se então para os efeitos da medida sobre a redução da liquidez do sistema, e, consequentemente, das deslocalizações das operações dos países onde a taxa se aplica para os outros.
 
Para alguns, mesmo não banqueiros, a FTT poderá ter um efeito gravoso sobre os custos das dívidas soberanas. (Um aspecto que, naturalmente, não pode deixar de ser considerado muito relevante se aquele diagnóstico se confirmar, sobretudo porque a introdução da FTT precederá a união bancária, a centralização da supervisão e da garantia dos depósitos).  
 
Porém, o maior obstáculo à introdução da FTT continua a ser a oposição dos EUA, podendo o Congresso retaliar com uma lei de banimento do cumprimento da directiva comunitária europeia tornando impraticável a liquidação da taxa sobre as transacções de activos detidos por residentes na zona euro realizadas em território norte-americano. Para complicar ainda mais o exercício, não há ainda consenso entre os diferentes membros da zona euro acerca do modelo aplicável.

(Nesta, como em todas as decisões que têm moldado a construção europeia, sobretudo depois da eurupção da crise, os anões esperam o anúncio da vontade da dona da casa).
 
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A proposta do Prof James Tobin 1972, quando se atravessava também um grande instabilidade financeira, não era original: Keynes tinha  proposto em 1936 uma pequena taxa sobre todas as transacções realizadas na bolsa. Os objectivos da FTT são, contudo, significativamente diferentes daqueles que motivaram a ideia de Keynes e a sua recuperação por Tobin. Nem Keynes nem Tobin poderiam imaginar que um dia as transacções financeiras se viriam a efectuar à velocidade da luz. Mas ambos já tinham constatado a tremenda dificuldade em fazer alinhar o sistema financeiro a nível global atrás de uma ideia por mais brilhante que seja.    

Tuesday, May 21, 2013

ROBIN TOBIN

Devem as transacções financeiras ser tributadas?
De tempos a tempos, a "Tobin Tax"  reemerge mais ou menos desfigurada mas o essencial dos seus propósitos mantem-se, redenominada recentemente de "Robin Tax" supondo-lhe como principal objectivo tirar aos ricos o que falta aos pobres. Curiosamente, são os britânicos os mais intransigentes opositores de uma ideia que relembra o mais popular dos seus heróis lendários.
 
Ontem, o Financial Times publicava de Ralph Atkins "Robin Hood Tax: A long shot", um longo artigo de que se depreende ter sido mais fácil a Robin Hood ter roubado aos lordes medievais para dar ao povo que implementar a taxa sobre transacções financeiras. Onze membros da zona euro - incluindo a Alemanha e a França, representando 1/6 da economia global - parecem determinados em
alterar o comportamento dos banqueiros e obter fundos para o financiamento dos orçamentos fiscalmente apertados. Confrontam-se, contudo, com dura e duradoura oposição dos banqueiros, alarmando com consequências catastróficas para os seus lucros e para o crescimento da economia. A entrada em vigor da tal taxa, prevista para 1 de Janeiro do próximo ano, parece depender agora de reduções substanciais nos seus limites iniciais.  
 
Há dois argumentos principais que justificam a taxa sobre operações financeiras (FTT):
 
1 - Os bancos devem contribuir mais para as finanças públicas, considerando os custos suportados pelos contribuintes nas operações de resgate do sistema nos últimos cinco anos.
2 - A FTT tornaria mais responsáveis os operadores financeiros. A ideia inicial, lançada nos anos 70 do século passado por James Tobin, pretendia aumentar os custos das operações especulativas e, deste modo, encorajar as aplicações a longo prazo. 
 
Nos últimos anos a actividade financeira acelerou-se dramaticamente com o uso de computadores a realizar as operações a alta velocidade, que se consumam em fracções de segundo. Em consequência, o valor nominal global das operações financeiras excede hoje largamente o valor real da actividade económica. O que permite pensar que o mundo seria melhor com menos fluxos de operações financeiras. Beneficiarão com a entrada em vigor da FTT apenas em alguns países aqueles que ficarão de fora? Respondem os defensores da FTT que a longo prazo (o UK, por hipótese) ficarão prejudicados porque não é possível um país viver apenas de transacções financeiras realizadas no seu território.
 
Warren Buffet e Bill Gates, são defensores da FTT, especialmente pelo seu propósito de obter receitas para combater a pobreza global. Aliás, em países como o Taiwan e Coreia do Sul, e mesmo em Hong Kong e até no Reino Unido - onde a "stamp duty" foi introduzido em 1694, uma forma limitada da FTT - as operações financeiras já são sujeitas a tributação. Segundo cálculos da Comissão Europeia o resultado da entrada da FTT elevar-se-á  a entre 30 e 35 biliões de euros. As taxas propostas  - 0,1% sobre  valor das transacções em acções e obrigações e de 0,01% para derivados - parecem modestas. Algumas operações, como as transacções pontuais de moeda e as emissões de acções e obrigações, ficarão isentas.
 
(Continua)
 
 

Monday, May 20, 2013

ONDE DEVE HAVER AUMENTOS DE SALÁRIOS

Em Portugal ou na Alemanha?
É de admitir que, sobre o assunto, hoje muita gente já tenha mudado de ideias em Portugal. Ainda assim, as reivindicações das organizações sindicais têm como objectivo natural melhores condições salariais, qualquer que seja a forma como elas se traduzam.
 
Paul Krugman, que a si mesmo se considera um liberal, o que na tradição norte-americana se traduz por esquerda política, escreve hoje em "The conscience of a liberal" a propósito dos salários alemães e da competitividade da economia portuguesa. Depreende-se do início do apontamento de Krugman que a questão lhe foi suscitada por um debate encurralado entre  Ryan Avent, Tyler Cowen e  Karl Smith sobre até que ponto uma política mais expansionista do BCE pode ajudar a recuperação dos países periféricos.
 
Segundo Cowen, uma tal política expansionista teria um efeito inflacionista na Alemanha e não determinaria um boom em Portugal. Krugman concorda com Avent e Smith que Cowen não está a ver o ponto crítico da questão ao focar a sua atenção sobretudo no nível de concorrência directa entre Portugal e a Alemanha e na dimensão das exportações portuguesas para a Alemanha. O que é mais relevante, segundo Krugman, é o facto de Portugal e Alemanha terem uma moeda comum e o que acontece na Alemanha influencia o valor dessa moeda (o euro) relativamente a outras moedas.
 
Afirma Cowen que um aumento dos salários na Alemanha resolve, quanto muito, um dos principais problemas da zona euro, corrigindo os preços relativos entre Portugal e a Alemanha mas isso teria menos impacto do que a redução dos salários nominais, demasiado altos, em Portugal.  
 
Pergunta Krugman: Os salários nominais são demasiado altos relativamente a quê? Um valor real resulta da comparação de dois valores nominais. E a resposta é clara: são demasiado elevados relativamente aos salários alemães. Argumenta Cowen que é pouco relevante a concorrência entre as economias portuguesa e alemã. Pois é. Mas imagina, Cowen, que os salários na Alemanha aumentam 20%. Imediatamente o euro desvalorizar-se-ia contra outras moedas, nomeadamente o dólar. E, consequentemente, as exportações portuguesas tornar-se-iam mais competitivas em todo o lado, e não só na Alemanha e restantes membros da zona euro. 
 
Ora isto, conclui Krugman, implica determinadas obrigações para a Alemanha, quer os alemães queiram quer não.
 
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Acontece que nem Frau Merkel quer (ou pode) concordar com Krugman nem o senhor Arménio Carlos com Cowen. De qualquer modo, há muito mais variáveis para além do valor do euro na equação da competitividade da economia portuguesa. Desde logo a insuficiência de potencial de crescimento no caso de uma eventual desvalorização do euro. Resumir a avaliação dos factores de competitividade da economia portuguesa ao valor relativo da moeda de transacção permite encontrar um (transitório) bode expiatório mas ignora os seus pontos mais débeis. O excessivo enfoque geralmente dado à competitividade monetária prejudica a análise dos constrangimentos reais da competitividade global da economia portuguesa.

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Há, porém, um efeito, cujo impacto seria muito relevante, de uma eventual onda inflacionista controlada, duradoura: o de resolver o problema das dívidas soberanas.  
 

Sunday, May 19, 2013

EM DEFESA DA CONVERSÃO DE DEPÓSITOS

- Sabes dizer-me se essa ameaça sobre os depósitos acima dos 100 mil euros vai avante por cá, um dia destes?
- Não sei, não. Mas o que se sabe é que o assunto está ser equacionado pela Comissão Europeia. Nuno Melo fez essa pergunta à Comissão que, em resposta, admitiu resgates internos (bail ins) de bancos insolventes envolvendo eventualmente a conversão dos depósitos acima de 100 mil euros em acções.  
- Mas isso é um roubo, não?
- Não acho. É uma medida arriscada mas, uma vez digerida, pode ser salutar. E, de qualquer modo, é uma prática aceite, naturalmente, em áreas de negócios não financeiros. Considerar essa medida um roubo é, no mínimo, um exagero de linguagem. Se a medida estivesse em vigor quando o escândalo do BPN, por exemplo, foi publicamente reconhecido, não estaríamos hoje, aqueles que nunca entraram sequer nas portas daquele ninho de ratos, a pagar uma factura pesadíssima.
- Essa é boa! Por acaso não tinha depósitos no BPN mas se tivesse continuaria a considerar a conversão dos depósitos em acções um roubo. Quem é que sabia o que se passava lá dentro?
- Muita gente. Desde logo todos os depositantes à procura de taxas de juro claramente muito acima das praticadas pela generalidade da banca. Quem cabritos vende ...
- Ninguém pode ser prejudicado por escolher as melhores condições do mercado.
- Depende ...
- Depende, como?
- Se vendes alguma coisa a alguém apenas em função do preço que esse alguém te oferece, e esse alguém, de quem és credor, cessa pagamentos, que fazes? Ou aceitas reduzir a dívida, prolongar o prazo de pagamento ou aceitas a conversão do teu crédito em acções, ou quotas, da entidade devedora. No limite, se a empresa não é considerada recuperável recebes a tua quota parte da massa falida, se houver.
- Um banco não é a mesma coisa ...
- Pois não. Por isso é que a medida não é isenta de riscos, bem pelo contrário. O que penso, no entanto, é que se a ideia for adequadamente conseguida, os riscos podem ser razoavelmente controlados, e o benefício do infractor (no jargão anglo-saxónico chamam-lhe moral hazard) consideravelmente reduzido.
- Já agora, sabes se quando falam em depósitos acima de 100 mil euros ...
- Realmente falam acima, mas quem sabe se não será também abaixo. Quando a maré sobe acima de níveis nunca antes atingidos quem é que pode garantir seja o que for?
- Concordo. Mas, admitindo que não tocam nos depósitos abaixo de 100 mil, que hipóteses temos de escapar ao corte? Ouvi dizer que se trata de 100 mil por titular. É verdade?
- Em princípio, sim. No fim, sabe-se lá.
- E há outras alternativas?
- Repartindo os depósitos por vários bancos, por exemplo.
- Que bancos?
- Boa pergunta. Não sei. O que sei é que uma medida destas deveria ser institucionalizada e nunca apresentada, como em Chipre, de um dia para o outro. Ora essa institucionalização, além do mais, deveria prescrever um conjunto de informações que permitissem aos clientes  avaliar o risco que impendem sobre os seus depósitos em cada banco.
- Teoria, meu caro. Quem é capaz de controlar aqueles tipos? Repara na incapacidade da justiça para responsabilizar os criminosos do BPN.
- Hum! Seriam obrigados a isso. Seriam obrigados a comprar a confiança que agora lhes é concedida à borla. Quando dão de lado lá estão os contribuintes para se colocarem debaixo.
- Fico na mesma.
- Ficamos.
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Correl. - Portugal’s banks fear ‘Cyprus virus’
 Heads of BCP and BES urge Europe’s leaders to moderate stance
(Financial Times)
BPI desmente Financial Times. Jornal publicou informação, que atribui a uma fonte do banco, de que houve depositantes a transferir dinheiro para cofres, com receio da taxa aplicada aos depósitos de Chipre (aqui)
 
CIP preocupada com a perda de confiança no sistema financeiro

Saturday, May 18, 2013

CARTA ABERTA A UM FUTURO PENSIONISTA

 
Silva Lopes tem como certo que o corte de pensões é inevitável para a sustentabilidade do sistema e o equilíbrio intergeracional. Admitamos que tem razão, que estamos perante uma inevitabilidade sem alternativa, que submerge quaisquer outras razões.
 
Mesmo assim, várias questões se levantam:
 
1 - Desde logo que critérios se devem adoptar no corte. As medidas adoptadas até agora por este governo carecem da mais elementar regra de equidade.
 
Se não, vejamos, de forma muito sucinta:
Até princípios da década de 70 o sistema era de capitalização e estava bem sustentado. Começou apenas por ser reservado ao funcionalismo público e alargou-se depois às maiores empresas. Sendo recente, tinha muitos contribuintes (ainda que só os fundos pagos pelos privados estivessem capitalizados) e poucos reformados. Com esses fundos investiram as caixas de previdência (havia várias) em prédios urbanos, indústrias pesadas (as celuloses, por exemplo), na energia (hídrica, sobretudo). Marcelo Caetano decidiu (e bem) alargar o sistema aos rurais, mas fê-lo a expensas dos fundos acumulados pelos contributivos do sector privado.

Veio o 25 de Abril, e o alargamento generalizou-se, não raras vezes de forma ilegal, resultante de conivências entre amigos e conhecidos. E depressa os valores capitalizados se evaporaram. Aliás, tanto antes como depois do 25 de Abril, os superavits do sistema escorreram também para colmatar os défices do orçamento, sobrecarregado, além do mais, pala guerra em África.
 
Quem pagou isto? Os contribuintes dos sectores privados, mas não todos. Os bancos, por exemplo, com excepção do Banco Totta, que pertencia ao Grupo da CUF, não contribuíram para a solidariedade social nem tinham as responsabilidades com pensões fundeadas e só, recentemente, foram obrigados a isso. Ainda agora, o sistema gerido pela Segurança Social é superavitário, segundo as últimas contas divulgadas pela Direcção Geral do Orçamento.
 
2 - Há vários sistemas, e a convergência não é apenas uma necessidade orçamental mas um imperativo constitucional elementar: a igualdade dos cidadão perante a lei.
 
3 - Para lá da diversidade de sistemas existiu e continua a existir diversidade de critérios.
 
4 - E subsiste a concessão de pensões em condições chocantes, para não utilizar adjectivo mais adequado. 

Uma só regra permite matar tantos coelhos bravos com uma só cajadada: Recalcular todas, mas todas!) as pensões e reformas tomando como base toda a carreira contributiva. E, a partir daí, atribuir a cada um consoante a sua quota calculada e a capacidade financeira disponível em cada ano.
 
Com uma ressalva: As pensões dos não contributivos devem ser pagos com impostos.
E, evidentemente, o Estado deve entregar as contribuições devidas que, indirectamente, continuarão a ser suportadas por impostos. Se assim fosse, teríamos o problema resolvido.
 
Só mais uma nota, esta relativamente ao que refere no seu comentário, quanto o retorno a um sistema de capitalização. Mesmo que fosse exequível, e não vejo como possa ser nas actuais circunstâncias, contenha o seu entusiasmo, caro JC Alexandre, pensando no que tem acontecido aos fundos de pensões em países onde o sistema vigora. Nos EUA, por exemplo, as derrocadas têm sido tremendas obrigando muitos pensionistas a voltarem a trabalhar ou a viver à míngua. 
 
E cá, veja o que acontece neste momento: Têm proclamado os paladinos do sistema de capitalização que o sistema, para ser seguro, deve ter três pilares. Um deles, são os fundos de pensões.
 
Caro J C Alexandre: Construímos na empresa onde trabalhei muitos anos o primeiro fundo complementar de pensões em Portugal. Sabe o que está a acontecer? Este governo decidiu, e o Tribunal Constitucional concedeu, que as pensões pagas através dos fundos complementares de pensões, geridos por entidades privadas, onde o Estado não mete prego nem estopa, sejam tributadas em CES como as pensões e reformas acima de 1350 euros. Quem é que, a partir de agora, vai continuar a confiar na solidez do segundo pilar?
 
Não sei se depois do que lhe deixo escrito continua a defender o sistema de capitalização.
No espaço de quatro décadas já houve dois assaltos ao sistema de capitalização em Portugal.
Daqui a mais quatro, quantos mais haverá? Presumo que, então, já terá atingido a idade de reforma.

Friday, May 17, 2013

SITUAÇÃO PÓS GOVERNO MAL DESENHADO

O Presidente da República convocou -vd. aqui - o Conselho de Estado para a próxima segunda-feira com uma ordem de trabalhos esotérica:   "Perspetivas da Economia Portuguesa no Pós-Troika, no Quadro de uma União Económica e Monetária Efetiva e Aprofundada". Numa altura em que os parceiros da coligação denunciam publicamente várias fracturas dentro do governo, é, no mínimo, estranha uma convocação com um propósito tão afastado das questões mais prementes.     
 
A contribuição para a sustentabilidade da segurança social, que erradamente tem vindo a ser apelidada de TSU, promete, como é já muito evidente, acabar com esta coligação. Premeditadamente ou não, o aparente desencontro de intenções entre o senhor Passos Coelho e o senhor Paulo Portas, a propósito das arremetidas contra pensionistas e reformados pode vir a acabar com um governo mal desenhado à partida. Se o memorando assinado pelo trio com a troica foi mal desenhado, o governo que teve a veleidade de o executar desenhou-se mal a si próprio, desde logo por ter desobrigado o principal desenhador do mal desenhado memorando.
 
Agora, que o tição, como era muito previsível à partida, queima quem sofregamente pegou no testemunho em chamas, Paulo Portas terá encontrado um álibi para ser ilibado de culpa do fim prematuro de um governo em desequilíbrio notório. No entanto, ainda que Paulo Portas se diga "politicamente incompatível com a TSU dos pensionistas" não é claro que isso signifique a não tributação extraordinária das pensões em 2014. Desde logo porque não se sabe de que tributação se trata quando se fala desta TSU. É um adicional à CES, surpreendentemente considerada constitucional pelo TC? É um imposto (definitivo) substituto de outro temporário, a CES? Nesta indefinição guarda Portas margem de manobra para romper a coligação no momento que mais lhe convier, intentando capitalizar entretanto do papel de advogado de defesa dos pensionistas e reformados.
 
As dificuldades deste governo, e as divergências entre os seus membros, não se resumem, contudo à tributação das pensões e reformas. Aquilo que torna o assunto tão crítico junto da opinião pública resulta da sua dimensão política traduzida no número de eleitores alvo, cerca de 3,5 milhões. Não é, todavia, adquirido que Portas consiga arrebatar uma parte muito significativa dos votos perdidos pelo PSD em próximas eleições. Pelo contrário, as sondagens mostram que o CDS não está a escapar-se à erosão de um governo obrigado, ou voluntariado em parte, a realizar um dirty job. 
 
Até onde estará disponível Passos Coelho a deixar afundar-se isoladamente? Se a confusão, deliberada ou não, construída acerca de uma TSU ainda não configurada, vier a dinamitar o governo, o PR será obrigado, contrariado, a convocar eleições. E, nesse caso, já se sabe quem será o indigitado a desenhar o próximo governo. O que não se sabe é como conseguirá ele fazer um desenho, se não bom, pelo menos aceitável.  
 ´
Valeria a pena que o Conselho de Estado trocasse impressões sobre o assunto.