Sunday, June 30, 2013

OS ESTÁDIOS DA IGNORÂNCIA - SEGUNDA PARTE


Quando, há onze dias atrás, escrevi aqui um apontamento a partir de um vídeo que circula na net - Não, não vou ao Brasil para ver a Copa do Mundo de futebol!, - estava longe de supor que a repulsa da jovem brasileira Carla Dauden prenunciava uma revolta onde a embriaguez futebolística seria um dos cartazes mais exibidos pelos manifestantes. O futebol não deixou de ser o ópio do povo brasileiro mas os sintomas de repulsa são agora demasiado evidentes para serem ignorados, confirmando assim  que a consciência cívica se alastra quando os níveis de pobreza se reduzem.

Dilma Rousseff não vai assistir à final da Copa das Confederações, Brasil - Espanha, temendo uma vaia de consequências imprevisíveis no Maracanã. O que não deixa de ser, aparentemente, paradoxal
é a queda brutal da popularidade de Dilma nos últimos dias, precipitada a partir de um facto inicial - aumento das tarifas dos transportes públicos em algumas cidades - de que Dilma não é, certamente, mentora e propulsionado, além do mais, por críticas aos investimentos exorbitantes para o campeonato do mundo de futebol do próximo ano.

Apesar desta vaga anti futebol despesista, o Maracanã vai encher-se com mais de 60 mil entusiastas da bola e muito orgulhosos do seu escrete canarinho, a grande maioria dos quais gostaria de lá ver Dilma para lhe dedicar uma monumental vaia. O estádio da ignorância, tal como cá, tem ainda dimensões bem superiores aquelas que a consciência colectiva de uma democracia adulta consente.

Saturday, June 29, 2013

SE ASSIM FOSSE

O PR disse hoje acreditar que a meta do défice programado pelo governo (5,5%) para 2013 vai ser cumprida e desvalorizou os números do primeiro trimestre, que apontam para um saldo negativo de 10,6 por cento. "Os números que foram recentemente avançados pelo Governo parecem apontar nesse sentido. Não devemos prestar muita atenção ao primeiro trimestre, porque, como todos sabemos, há ali um problema contabilístico, que resulta da contabilização do aumento do capital do Banif como défice". "Como economista", considera  que "é um erro" o gabinete de estatística da União Europeia (Eurostat) "fazer esse tipo de contabilização".
O erro da consideração dos empréstimos intermediados pelo Estado para recapitalização de alguns bancos (Banif, BCP, BPI, CGD) decorre do erro da obrigatoriedade dessa intermediação imposta pela troica. E, quanto a este aspecto, a grande maioria está de acordo.

Contudo, não se percebe como pode o Governo conseguir atingir o défice de 5,5% no fim deste ano, mesmo considerando o agravamento provocado pela entrega ao Banif de 700 milhões de euros durante o primeiro trimestre. Segundo a aritmética aplicável, para que tal desiderato fosse possível seria necessário que durante os três trimestres restantes o valor médio do défice não excedesse os 3,8%.

Sem a entrega ao Banif o défice teria ficado em 8,8%.
Mesmo considerando que a projecção do défice não é linear porque em contabilidade pública não há periodificação de encargos, a redução necessária para atingir os 5,5% no fim do ano lembram uma celebração de fé  religiosa do ministro Vítor Gaspar onde nem as perspectivas económicas nem os custos da dívida parecem poder ajudar à missa.   

Friday, June 28, 2013

O JOGO DA CABRA CEGA

Ouço no noticiário das 19 horas que, segundo notícias publicadas no Negócios online, o Tribunal Constitucional se prepara para rejeitar o recurso de Luís Filipe Menezes sobre a sua candidatura à Câmara Municipal do Porto. Acrescenta a notícia que esta decisão não é ainda definitiva e a Menezes assiste ainda a possibilidade de recurso ao mesmo TC. Menezes, por outro lado, já terá afirmado que ninguém o impedirá de candidatar-se.

A relevância desta decisão do TC, se vier a confirmar-se, não se limita às eleições para o município portuense mas a todas as eleições autárquicas onde ocorrem situações idênticas aquelas que levaram Menezes a apresentar recurso ao TC das decisões dos tribunais de primeira e segunda instâncias. O primeiro acórdão que vier a ser proferido pelo TC sobre o assunto será, obviamente, aplicável a todos
os outros casos idênticos.

O que mais espanta neste caso, já de si originalmente espantoso pelo endosso pelos deputados de um assunto político para os tribunais, é ainda a continuada fuga de informações prestadas ou consentidas pelos senhores juízes.

Espantoso é ainda que de um acórdão do TC possa haver recurso para o mesmo TC.

Finalmente espantoso é o desplante de Menezes ao declarar não ser sua intenção submeter-se à decisão do TC, para o qual recorreu, se ela lhe for desfavorável.
 
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A notícia do Negócios é, afinal, tão vaga que não permite saber quais os fundamentos desta eventual não aceitação do recurso e, portanto, dos seus efeitos, sobre recandidaturas em autarquias diferentes daquelas onde os candidatos atingiram os limites de mandatos.
A confusão adensa-se.
Correl . - Seara e Menezes com sortes diferentes (29/06)

Thursday, June 27, 2013

PEANUTS PÚBLICOS

Quaisquer  pequenas lesões nas contas do Estado são trocos quando comparadas com os grandes atentados, como, por exemplo, o BPN, os swaps, os submarinos. Em todo o caso, muitas parcelas pequenas totalizam valores consideráveis. Por outro lado, são indicadores da ausência de critérios mínimos de racionalidade na utilização dos dinheiros públicos.

Quem chega á entrada da Reserva Natural da Portela do Homem entre as onze da manhã e as seis da tarde encontra três cobradores envergando coletes reflectores e placas identificadoras penduradas ao pescoço. O trânsito é tão escasso que nos permite uma conversa ocasional com os três funcionários sem atrasar o atendimento de alguém.

- Bom dia! Quanto custa entrada?
- Só euro e meio, se tivesse entrado antes das onze entrava de borla, disse o primeiro cobrador enquanto me entregava o recibo e recebia o euro e meio.
- Hoje é dia de greve geral, não é? Vocês não aderiram à greve?
- Não podemos, esclareceu o segundo cobrador. Ganhamos tão pouco que um dia a menos faz-nos falta. Não podemos perder um dia que seja.
- Percebo que trabalham para o Intituto de Conservação da Natureza ...
- É como diz.
- E residem aqui no Gerês ...
- Não senhor. Somos de Vila Real.
- De Vila Real?
- Sim senhor de Vila Real, confirmou o terceiro cobrador.
- E vão e vêm todos dias?
- Tem de ser, fomos desterrados... Não temos outro remédio.
- E quanto tempo gastam na viagem?
- Hora e meia para cada lado, mais ou menos.
- É duro.
- Se é.

Atravessámos a Reserva Natural até à fronteira sem nos determos na barragem de outra equipa de três cobradores  a receber um euro e meio e a conversar com um espanhol com dúvidas.

Se a intenção do ministério da agricultura e etc., é contribuir com estas cobranças para a redução défice, alguém se deve ter enganado redondamente nas contas.

Wednesday, June 26, 2013

UM PAÍS A DORMIR NA FORMA

O título da notícia é equívoco porque as diligências feitas pelos jornalistas do i  limitaram-se aos órgãos directamente dependentes do governo central  da República e não abrangem, portanto, os órgãos do poder regional e local nem outras entidades públicas ou maioritariamente públicas. Se na investigação do i tivessem sido incluídas as câmaras municipais e as juntas de freguesia os resultados seriam arrasadores.

Já várias vezes apontei neste bloco notas que a falta de transparência das contas da administração pública, a sistemática desobediência à legislação em vigor na matéria em questão, a sobranceira indiferença com que as auditorias do  Tribunal de Contas são tidas pelos responsáveis por irregularidades ou ilegalidades por eles cometidas, a inimputabilidade geral que campeia por todo o lado, constituem um dos principais factores de menorização da democracia em Portugal.  
Agora, quando país se enche de outdoors com figurões colocados em cada esquina para caçar o voto que lhes garante a glória doméstica, quantos deles se recandidatam sem ter apresentado contas? Haverá algum que o tenha feito? A recandidatura a novos mandatos deveria ser impossibilitada aos faltosos.

Percebe-se que o governo (este ou outro qualquer) defronte enormes dificuldades para reestruturar o Estado quando tem pela frente interesses corporativos monopolistas mas já não se percebe, por exemplo, por que razão dos 27 órgãos directamente dependentes do ministério da agricultura, nem um sequer apresentou relatório de actividades relativamente a 2012 e só 9 apresentaram plano de atividades para 2013; ou por que é que nenhum dos 5 órgãos do ministério da defesa apresentou o relatório de actividades de 2012 nem o plano de actividades para 2013. Por que é que os responsáveis, que não podem ignorar isto, consentem tanta indisciplina e se tornam,  implicitamente, coniventes destas ilegalidades?
Por incompetência ou por falta de capacidade de comando.

Tuesday, June 25, 2013

O PIÃO DAS NICAS

"Durão Barroso é o fomentador da expansão dos radicalismos na Europa."
 
Obviamente, a acusação não é minha mas - vd.  aqui - do senhor Arnaud Montebourg, ministro francês da indústria do governo presidido pelo senhor François Hollande. Há dias atrás tinha-se Hollande encrespado com o senhor Barroso a propósito da eventual exclusão do áudio visual das conversações para a criação da zona económica entre EUA e União Europeia, mas o desaguisado parecia sanado com as explicações de Barroso. Agora, o ataque de Montebourg veio reacender a animosidade dos franceses pela Comissão Europeia, atribuindo-lhe as culpas pelos desastres causados pela política de austeridade que, segundo eles, foi gizada e é comandada a partir de Bruxelas.
 
Marie Le Pen, que recentemente bateu de novo os socialistas em eleições parcelares intercalares num território tradicionalmente socialista, regozija-se - vd. aqui - com esta escaramuça no seio da União Europeia, que ela se propõe abandonar quando um dia for presidente da República Francesa. Segundo as sondagens mais recentes, o partido de extrema direita que Marine lidera nunca esteve tão próximo desse resultado inconcebível ao mesmo tempo que a popularidade de François Hollande caiu nas ruas da amargura.
 
O senhor Hollande poderia, se tivesse espinha dorsal suficiente, responsabilizar Merkel,  a Alemanha e os amigos do norte se queria sacudir a água do capote e eleger um bode expiatório das suas próprias incapacidades. Mas Hollande é um pusilânime e um confronto, mesmo que discreto, com Merkel exigiria dele temeridade incomparável com o envio de tropas para o Mali, uma ousadia notável, segundo o senhor Mário Soares, que não se lembra de outra.

Precisando de um bode expiatório das suas desventuras, o senhor Hollande e seus amigos viram no senhor José Barroso o exemplar à mão de semear que lhes convinha. O senhor Barroso, enquanto presidente da Comissão Europeia "pinta poco" nas políticas impostas aos membros da zona euro e, muito particularmente, aqueles que estão sob resgate ou por lá perto. Aliás, foi com esse objectivo que se lembraram dele no directório regido pela senhora Merkel, que, efectivamente, decide e os outros obedecem.

O senhor José Barroso só é importante para ele próprio.

Monday, June 24, 2013

E SE OS JUROS SOBEM?

A evolução das taxas de juro efectivas (yields) das dívidas soberanas dos países do sul da Europa tem sido um dos poucos resultados apresentados como sucesso das políticas fiscais e monetárias adoptadas pela União Europeia, e, muito em particular, na zona euro. Essa evolução, com flutuações que até agora têm provocado reacções de sinais contrários consoante o quadrante em que se posicionam (simplificadamente, pró ou contra a política de austeridade) os políticos e comentadores da praça, tem, inequivocamente, observado uma tendência decrescente.
A essa tendência se têm agarrado aqueles que acreditam, se confiarmos  nas suas declarações ou opiniões públicas, que o problema da dívida pública é solúvel apenas com a prossecução de uma política de equilíbrio orçamental e do tempo previsto, e entretanto alargado, para fazer inflectir o crescimento da dívida.
Subsistia interminável discussão, e eis senão quando, o senhor Ben Bernanke  o homem incumbido, na qualidade de Chairman da Reserva Federal dos EUA, de informar as decisões de política monetária tomadas pelo board de Governadores que integram o Sistema da Reserva Federal - Fed - espantou os mercados ao anunciar a redução dos estímulos à economia norte-americana, o que, em termos práticos, significa a redução das compras de dívida norte-americana e, consequentemente, a redução da liquidez e o aumento dos juros.
Consequentemente, além de outras convulsões que estas declarações provocaram à volta do mundo,
"Os juros da dívida portuguesa estão esta segunda-feira em forte alta, em linha com o comportamento das obrigações europeias e de outros países, com os investidores a continuarem a reduzir a exposição aos activos de dívida devido aos receios que a Reserva Federal diminua a compra de obrigações." - aqui.
Se para muitos, entre os quais me permito incluir-me, é inviável a inflexão da dívida externa considerando a insuficiência de potencial da economia portuguesa a médio prazo e o custo crescente da dívida, parcialmente bonificado pelas condições dos empréstimos da troica, duvido que reste alguém com um mínimo de conhecimentos de aritmética que continue a acreditar que a inflexão é possível mesmo que a tendência decrescente das taxas de juro se inverta.
Não. Alguma coisa tem de acontecer.
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Sunday, June 23, 2013

DIVÓRCIO À VISTA

Dizia há dias o PR que o FMI deveria ser dispensado de participar na resolução dos problemas com que alguns países da União Europeia se encontram confrontados, porque existem entre os membros da UE compromissos mútuos cujo cumprimento deve ser resolvido exclusivamente entre eles.

Praticamente, ninguém comentou. E, no entanto, a questão é primordial num debate que se pretenda sério acerca do futuro da União Europeia. A intervenção do FMI na troica não foi imposta pelo FMI mas implicitamente solicitada pela Alemanha com o objectivo de servir de amortecedor na resolução de um conflito em que, sem o envolvimento do FMI, Merkel seria obrigada a assumir o papel de carrasco dos países membros caídos na ratoeira da dívida externa. Não conseguiu livrar-se da fama, e o relatório do FMI, ao assumir erros grosseiros nos resgates à Grécia, precipitou as dessintonias que há muito eram públicas entre os membros da troica.
 
O El País publica hoje um artigo - El largo adiós a la Troika - que relata com detalhe suficiente a evolução mais recente das fricções entre os troicos denunciadas pelo cruzamento de declarações progressivamente contundentes, erros flagrantes, resultados que vão de mau a pior e, em última instância, apontam para um divórcio à vista no horizonte ... "Morte à troica", resume mordaz um alto funcionário em Bruxelas perante o desenvolvimento dos programas em países como a Grécia e Chipre, abocanhados pela depressão, e em menor medida Portugal e Irlanda, que têm diante de si uma longa travessia do deserto. O FMI já sinalizou claramente a sua futura saída da troica. A Comissão conta os dias para que isso ocorra. Há condições mais que suficientes, se os governos o pretenderem, para que as instituições europeias tenham plena responsabilidade dos resgates, disse José Manuel Barroso".    
 
Hoje, é opinião praticamente unânime que a chamada do FMI para a troica nem ajudou a solução do imbróglio de algumas dívidas soberanas europeias, porque as receitas do FMI não são adequadas a um espaço económico com moeda única (e têm também fracassado em outras circunstâncias) nem reduziu a conflitualidade de interesses, compromissos e obrigações entre os membros fortes e os fragilizados da União Europeia, e, principalmente, da zona euro.  
 
Melhorarão as relações entre os europeus depois da saída do FMI, terminando as ameaças de desintegração da UE? Não por isso. As receitas do FMI agradaram a alemães e companhia do norte enquanto os resultados não demonstraram que fracassaram. Ao reconhecer o fiasco, o FMI deixou de poder desempenhar o papel que lhe estava atribuído. Saindo o FMI, e não sairá a curto prazo, nada de relevante, por esse motivo, se alterará na actual correlação de forças prevalecente na UE. O futuro da União Europeia, no entanto, ficará ainda mais dependente da decisão que os alemães tomarem quanto ao preço que estarão dispostos a pagar para evitarem que a UE se desintegre.   

Saturday, June 22, 2013

UM MUNDO AINDA PRISIONEIRO DE BANCOS INTOXICADOS

"The world is still being held hostage by its rotten banks" é o título do artigo assinado por John Plender publicado no Financial Times de hoje. E, em subtítulo, Plender previne: "É provável que esteja em gestação outra crise financeira ainda mais devastadora da economia global ".
 
E porquê? 
Plender está longe de ser original nesta previsão dramática, muitos outros analistas vêm afirmando o mesmo há já algum tempo. O que há de novo no artigo de Plender? Um conjunto de informações recentes que reforçam as tendências em que se sustentavam os receios anteriores. Nomeadamente, uma caracterização sucinta mas incisiva dos sinais de fragilidade do sistema bancário britânico, historicamente um dos maiores bastiões da finança internacional.

Curiosamente, mas também sintomático de que a auto confiança dos banqueiros da City já conheceu melhores dias, no próximo dia 1 de Julho tomará posse do cargo de Governador do Banco de Inglaterra um canadiano, Mark Carney, o primeiro estrangeiro a ocupar o cargo desde a fundação do Bank of England. Carney, que foi governador do Banco Central do Canadá até agora, é casado com uma inglesa, fez um mestrado e doutorou-se em Oxford.

Às costas dos governadores dos principais bancos centrais do mundo continua a pesar um dilema que, em consequência dos interesses em confronto, continua a arrastar-se sem solução à vista e pode determinar uma crise financeira, desta vez imparável: o moral hazard que assiste aos banqueiros o direito de executarem operações de alto risco ou de risco mal avaliado, embolsando os ganhos estratosféricos que deles resultarem, e remetendo a factura das perdas aos contribuintes quando os resultados dão para o torto.

Se, por outro lado, como afirma Plender, parece não existir disponibilidade política para novos resgates nos EUA, se é reduzida essa disponibilidade na Alemanha, principal protagonista da zona euro, e é muito limitada a capacidade de suportar novos resgates à custa do aumento de impostos no Reino Unido, uma nova crise causaria danos muito mais gravosos na economia global. O Reino Unido e grande parte da Zona Euro parecem determinados em repetir os erros que já infligiram ao Japão 23 anos de estagnação, mas com mais riscos financeiros.

E acrescenta: Dito isto, Mr. Carney enfrenta um grande conjunto de desafios na sua qualidade de novo governador do Bank of England. Os balanços dos maiores bancos britânicos ainda registam valores que atingem 400% da economia, portanto, longe de uma situação confortável.

Por todo o mundo os bancos estão sobrecarregados de dívidas soberanas potencialmente tóxicas.

Enquanto os desenvolvimentos recentes (na reformulação das regras do sistema financeiro) são demasiadamente modestos para causar algum optimismo, o mundo continua refém dos bancos eventualmente insolventes e dos lobbies poderosos, relativamente aos quais os governos se mostram excessivamente deferentes. Deste modo, a economia global e os contribuintes de todo o mundo continuarão seriamente ameaçados. 

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Correl .- (23/06) Ministros das Finanças da UE terminam reunião sem acordo nos resgates dos bancos
"O Reino Unido ... (argumenta) que já tomou medidas suficientes para proteger os seus bancos da falência.". Só porque contratou Carney, o George Clooney das finanças, para governador do Banco de Inglaterra? Ou só british humour?


 

Friday, June 21, 2013

POUCO MADURO

Os portugueses contestam tudo?
 
"Um dos grandes problemas em Portugal é que "tudo é contestado", "não conseguimos colocar-nos de acordo quanto aos processos credíveis de apuramento dos factos que devem servir de base às nossas decisões públicas".

Quem é que não consegue? Os portugueses? Que portugueses? A generalização das culpas é a forma  mais comum de desresponsabilização dos culpados. Se o primeiro-ministro não tivesse dispensado o PS da execução conjunta do memorando que o anterior governo negociou e coassinou, a contestação seria bem menor e os acordos necessários mais viáveis.

A contestação a que se assiste, e que muito provavelmente irá recrusceder se a União Europeia mantiver o actual estado de sonambulismo a caminho do abismo, é tão normal quanto era esperada pelas consequências dos compromissos assumidos com a troica, alguns dos quais não foram nem serão cumpridos.

Depois, e independentemente das esperadas consequências de uma política imposta do exterior, com resultados em grande parte desastrados, o governo, para além das evidentes argoladas em que tem caído, tem-se explicado mal aos portugueses. Poiares Maduro prometia colmatar uma falha evidente neste governo mal suportado. É por demais evidente que não tem correspondido às expectativas.

Quando num país onde uma larga maioria da população é ajoujada com aumentos de impostos que atingem em alguns casos o confisco, quando o desemprego é imparável e a pobreza alastra, e continuam a acontecer com frequência casos como este, quando os maiores crimes de colarinho branco continuam por julgar, à espera de prescrição, é, ainda assim, muito reduzido o grau de contestação popular.

E a contestação interpartidária é a resultante natural da ambição do poder pelo poder de estar na ribalta. E, lamentavelmente, não há excepções relevantes a esta regra que condena o país a um futuro cada vez mais sombrio.
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Correl. - (22/06) "O gabinete do ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, vai passar a reunir todos os dias – à excepção das quintas-feiras – com os jornalistas." - vd  aqui. Mas que grande petisco!
 

Thursday, June 20, 2013

NO PAÍS DOS SUBSÍDIO DEPENDENTES

O Presidente da República promulgou diploma dos subsídios de férias e, como seria de esperar, sujeitou-se a críticas generalizadas dos partidos da oposição, dos sindicatos, da opinião pública em geral. O líder do PS, naturalmente estranhando a pressa, quer que o PR justifique a promulgação apressada  daquele diploma. E nestas tricas políticas se esvai o ponto crítico da questão.
 
Já várias vezes, ao longo de mais de cinco anos de apontamentos neste bloco de notas, defendi que a prática do pagamento de subsídios é absurda, tem vários inconvenientes e só é admissível na mente colectiva de um povo habituado a viver entre uma panóplia exuberante e pródiga de subsídios. Não se tivesse essa instituição tão impregnado no imaginário português e uma designação que é, realmente, um insulto não teria tido a aceitação atenta e obrigada que tem.
 
Repito-me: Os "subsídio de férias" e "subsídio de Natal" não são subsídios mas parte integrante e não distinguível a nenhum título do salário. Nem a etimologia da palavra nem o seu sentido mais corrente, por outro lado, têm qualquer afinidade com a utilização que lhe é dada naqueles casos. Etimologicamente, "subsídio" procede do latim "subsídíu-" (linha de reserva, na ordem de batalha); reserva, tropas de reserva, reforço, socorro; fig., ajuda, apoio, sustentáculo, assistência, meio de remediar, recursos, lugar de refúgio, asilo".
 
Os chamados "subsídio de férias" e de "subsídio de Natal" deveriam ser integrados no salário anual e este deveria ser pago em doze mensalidades. Se assim fosse, para além de uma maior racionalidade da gestão da tesouraria das empresas e do Estado, não haveria agora esta penosa série de guerrilhas acerca de se paga ou não paga, quando paga e quanto paga aquilo que, afinal, seria regularmente pago se não lhe tivessem dado o nome, neste caso, insultuoso de subsídios.
 
Se assim fosse não teria o governo decidido, inconstitucionalmente, cortar estes "subsídios". Se tivesse cortado, teria sido obrigado a assumir que estava a cortar salários e não, disfarçadamente, cortando-os, cortando "subsídios". 
 
Por outro lado, uma mente certamente abalroada por tanto subsídio à volta, lembrou-se mandar dividir a pensão anual dos reformados por catorze prestações, chamando a duas delas "subsídio de férias" e subsídio de Natal".  E, evidentemente, o governo achou que, também os subsídios aos reformados (outro insulto, que, neste caso, é também anedótico já que os reformados estão permanentemente em férias ...) tinham de ser cortados, cortando-lhes realmente as pensões.
 
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Um dia, já lá vão muitos anos, reuni com a comissão de trabalhadores da empresa, que empregava na altura cerca de quatro mil pessoas, e propus-lhes que aceitassem que fosse discutida com os sindicatos uma proposta no sentido de integrar os subsídios de férias e de Natal nos salários anuais e o pagamento do total em doze mensalidades. Porquê? Porque, do ponto de vista da tesouraria da empresa, evitaria o desembolso em duplicado em épocas do ano em que a facturação decrescia dramaticamente. Por outro lado, os trabalhadores receberiam anualmente o mesmo, o que lhes permitiria fazer uma gestão mais racional dos seus rendimentos ao longo do ano. Acrescentei ainda que essa era a prática na quase totalidade dos países onde se localizavam os nossos concorrentes e clientes. A proposta foi rejeitada por unanimidade. Ainda hoje não encontro outra explicação para a aceitação pelos sindicatos de uma parcela do salário a título de subsídios como se  tratando de uma dádiva de uma entidade empregadora paternalista senão a que comecei por referir: a tradição subsídio dependente da sociedade portuguesa a todos os níveis.

Wednesday, June 19, 2013

ESTÁDIOS DA IGNORÂNCIA

Não, não vou ao Brasil para ver a Copa do Mundo de futebol!,

garante Carla  Dauden,  brasileira, directora de fotografia nos EUA, e denuncia os gastos absurdos de um povo atormentado por problemas sociais em tão larga escala que nem o ciclo de prosperidade recente tornou menos evidentes.
 
"O mundo tem que saber o que realmente está acontecendo" num país que vai gastar milhares de milhões de dólares para a organizar o mundial de futebol em 2014 e os jogos olímpicos em 2016. Só o mundial de futebol pode custar aos contribuintes brasileiros 30 mil milhões de dólares “mais do que o que custaram os três últimos mundiais juntos”  – e tudo num país que ocupa o 85º posto no ranking de desenvolvimento humano, onde "13 milhões de pessoas passam fome”, onde o “analfabetismo pode atingir os 21%” e “onde muitas pessoas morrem à espera de tratamento médico”. “Esse país precisa de mais estádios?"
 
Não precisa.
A denúncia de Carla não vai parar a máquina em vias de montagem com os entusiasmados aplausos de uma embriaguez quase geral. Só a consciência cívica colectiva de um povo sabe avaliar até que ponto o seu país precisa de mais estádios. Lamentavelmente, e pelas razões apontadas no vídeo, o povo brasileiro, à pergunta de Carla, responderá esmagadoramente que sim, que precisa de mais estádios. Só mais tarde, quando a factura for apresentada a pagamento, os brasileiros perceberão que os tinham enganado nas contas.

Fala a experiência própria, Carla.
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Correl. - Protestos violentos regressaram em São Paulo.

Tuesday, June 18, 2013

UMA MOEDA DE PÍRRICO

"It is a sad story", escreve Martin Wolf  a concluir "The toxic legacy of the Greek crisis", o seu artigo de hoje no Financial Times. E é.
 
Quando se ouve ou lê aqueles que a todo o transe procuram justificar a obcecada posição do ministro das Finanças Vítor  Gaspar,  e a repetição do mesmo pelo primeiro-ministro, de que a volta aos mercados é o santo e senha da recuperação plena da soberania perdida, somos levados a concluir que ou não sabem fazer contas ou estão hipnotizados pelo mago de Berlim.
 
Martin Wolf segue neste seu artigo uma abordagem de Simon Wren-Lewis, professor em Oxford ao relatório de avaliação crítica do Fundo Monetário Internacional. E as conclusões dessa avaliação crítica não podem ser mais claras: O FMI reconhece que   as medidas impostas à Grécia, por evidente  impossibilidade de incumprimento  não  não acabaram com o drama grego. Mas ainda pior que isso, provocaram uma crise na Europa com consequências ainda bem longe de estarem limitadas.
 
É improvável que Vítor Gaspar ou alguns dos seus assessores não tenham lido este e outros artigos, curiosamente geralmente da autoria de economistas norte-americanos ou do Reino Unido, que repetidamente vêm denunciando as políticas erradas adoptadas na União Europeia para ultrapassagem da crise. Portugal não é a Grécia. Pois não. Mas há muito tempo que já se percebeu que vai pelo mesmo caminho.
 
O euro continua hoje a valorizar-se contra as principais moedas mundiais, cotando-se a 1,34 contra o dólar. Fora isso, tudo mal.
 
 
 
 

 

 tells the story in an excellent blog post. He draws on a  of the programme for Greece agreed in May 2010. Here is the report’s summary of the failings: “Market confidence was not restored, the banking system lost 30 per cent of its deposits, and the economy encountered a much-deeper-than-expected recession with exceptionally high unemployment. Public debt remained too high and eventually had to be restructured, with collateral damage for bank balance sheets that were also weakened by the recession. Competitiveness improved somewhat on the back of falling wages, but structural reforms stalled and productivity gains proved elusive.”

     
While the programme forecast a 5½ per cent decline in real gross domestic product between 2009 and 2012, the outcome was a fall of 17 per cent. According to the OECD, the association of high-income countries, real private demand fell by 33 per cent between the first quarters of 2008 and 2013, while unemployment rose to 27 per cent of the labour force. The only justification for such a depression is that a huge fall in output and a parallel rise in unemployment is necessary to force needed reductions in relative costs on to a country that is part of a currency union. Since the Greeks want to remain inside the eurozone, they have to bear the resultant pain.
Yet even this cannot justify one aspect of the programme. The International Monetary Fund is supposed to lend to a country only if its debt has been made sustainable. But it was not, in the least, as a host of commentators pointed out at the time. Instead of making debt sustainable, the programme merely let many private creditors escape unscathed. In the end, a reduction in debt to private creditors was imposed. Yet Greek public debt remains, arguably, too high: the IMF forecasts it at close to 120 per cent of GDP in 2020. This debt overhang will make it hard for Greece to return to the markets and to economic health. Deeper debt reduction is still needed.
All this tells us depressing things about the politicisation of the IMF and the inability of the eurozone to act in the best interests of its weaker members. But the Greek crisis, alas, also had two global results.
First, inside the eurozone, the fact that Greece was the first country to fall into trouble cemented the view of northern Europeans that the crisis was fiscal. For Greece was, indeed, a case of remarkable fiscal profligacy, with net public debt at more than 100 per cent of GDP even before the crisis. But elsewhere the position was quite different: private borrowing was the root cause of the crisis in Ireland and Spain and, to a lesser extent, in Portugal. Italy’s public debt was high, but not because of recent profligacy. By deciding that the crisis was largely fiscal, policy makers could ignore the truth that the underlying cause of the disarray was irresponsible cross-border lending, for which suppliers of credit are surely as responsible as users. If the culpability of both sides – lenders and borrowers – had been understood, the moral case for debt write-offs would have been clearer.
Second, the Greek crisis frightened policy makers everywhere. Instead of focusing efforts on remedying the collapse of the financial sector and reducing the overhang of private debt, which were the causes of the crisis, they focused on fiscal deficits. But these were largely a symptom of the crisis, though also, in part, an appropriate policy response to it. As I have noted, in June 2010, shortly after the first Greek programme, leaders of the Group of 20 leading countries, meeting in Toronto, decided to reverse the stimulus, declaring that “advanced economies have committed to fiscal plans that will at least halve deficits by 2013”. A sharp tightening followed (see charts). Policy makers justified the shift with supportive academic research: the view that fiscal contraction could be expansionary was an encouragement; the view that growth would fall if public debt grew too high was a warning.
What looked, until mid-2010, to be a burgeoning recovery from the nightmare of the “Great Recession” was aborted, notably so in the UK and eurozone. The greater success of the US in surviving austerity was probably due to its more aggressive clean-up of the financial sector, greater acceptance of deleveraging by households and its more aggressive monetary policy, particularly relative to the eurozone’s. If the latest forecasts from the OECD are right, eurozone GDP will be lower in the fourth quarter of 2014 than it was in the first quarter of 2008 and a mere 0.7 per cent higher than in the first quarter of 2011. Did fiscal tightening cause such a weak recovery on its own? Certainly not. But it removed a still desperately needed offset to the contractionary forces emanating from crisis-hit private sectors.
What makes this story depressing is that it was unnecessary. At first, it might have made sense to fear the Greek crisis was the first outbreak of a fiscal-crisis pandemic. Yet it soon became clear that countries with their own floating currencies could still sell public debt at ultra-low interest rates. This was partly due to “quantitative easing” by their central banks. Possessing a central bank of your own gives a government a degree of freedom in managing its response to a financial crisis. For such countries, the time for rapid structural fiscal tightening comes only after the private sector starts to eliminate its structural financial surpluses. That would not be so soon after the crisis. It would also require prior restructuring of the financial sector and writedowns of excessive private debt.
In brief, the Greek crisis proved a triple calamity: a calamity for the Greeks themselves; a calamity for the popular view of the crisis inside the eurozone; and a calamity for fiscal policy everywhere. The result has been stagnation, or worse, particularly in Europe. Today, we have to recognise that the huge falls in output relative to pre-crisis trends may well never be recouped. Yet the reaction of policy makers has not been to admit the mistakes, but to redefine acceptable performance at a new, lower level. It is a sad story.

Monday, June 17, 2013

ECONOMIA & IDEOLOGIA

No princípio deste ano realizou-se em San Diego a reunião anual dos economistas norte-americanos, e Paul Krugman comentou aqui um dos temas centrais discutidos: até onde a investigação económica é isenta da ideologia preponderante na mente do investigador? É um artigo interessantíssimo, como são, aliás, em geral todas as suas opiniões publicadas no Wall Street Journal ou no seu blog, The Conscience of a Liberal. Neste caso, porém, Krugman - confessadamente, um liberal no sentido norte-americano do termo -, coloca-se perante a pergunta recorrente - até onde é possível a objectividade na investigação no campo das ciências sobrepor-se à subjectividade decorrente da ideologia de quem investiga - a partir de um paper apresentado por dois outros economistas tendo como base as respostas dadas por um painel de economistas aquela questão.

Recordei-me deste artigo de Krugman quando li esta manhã que Francisco Louçã, prevê, vd. jornal i, que

"Num cenário de saída do euro será necessário um governo capaz de inspirar "confiança" às pessoas, já que os sacrifícios serão equivalentes aos "que os avós passaram na II Guerra Mundial. "No dia seguinte à saída do euro passamos a transaccionar em moeda estrangeira", aponta o economista, que prevê que nesse mesmo dia o novo escudo desvalorize cerca de 30% (uma estimativa considerada simpática por outros economistas presentes no debate). Ainda segundo o ex-líder bloquista, imprimir moedas e notas do novo escudo levará entre três a seis meses, o que vai fazer com que as trocas durante esse período inicial sejam efectuadas ainda em euros. Mas no dia-a-dia da população, a manutenção do euro em circulação pode complicar-se. "O que é que vai fazer o merceeiro de bairro ou que é que vai fazer o Soares dos Santos? Vão dizer que o multibanco está avariado porque é mau negócio ser pago em escudos e é bom ficar com euros em notas e moedas porque o euro vai valorizar" Mesmo que isto não aconteça, caso passem a ser permitidos levantamentos controlados de 50 euros por dia nos multibancos, nos dias seguintes à saída do euro, o economista prevê que passados dois meses deixe de haver notas de euros em circulação no país, já que toda a gente tentará ficar com o máximo da moeda antiga - que valorizará com a saída de Portugal.Também a inflação afectará o quotidiano das famílias portuguesas, especialmente nos produtos importados, como medicamentos e combustíveis. Um argumento que para Francisco Louçã justifica o receio da população de uma saída da moeda única e se sobrepõe às previsões dos economistas que apontam para um crescimento a longo prazo fora da zona euro."

Fica muito claro que as perspectivas de uma saída do euro traçadas por Louçã (e estas declarações sobre assunto não são novidade) são em grande medida opostas às de Ferreira do Amaral, que, tendo-se publicamente oposto à entrada no euro é agora muito combativo pela saída, argumentando que a manutenção de Portugal no euro é insustentável e o modus faciendi da saída negociável.

Tanto Louçã como Amaral se situam ideologicamente à esquerda, e Louçã mais à esquerda que Amaral. Não sendo extraordinário que, dentro do mesmo quadrante ideológico haja desencontros nos caminhos para atingir os mesmos objectivos, neste caso as posições dos dois professores de economia na mesma escola parecem também opostas nas melhores (ou menos más) soluções que propõem: Amaral, a saída do euro, Louçã, vejam bem no que nos iremos meter.

Não os juntando a ideologia, alguém já fez umas contas?

Sunday, June 16, 2013

OLHEM PARA O LADO, SENHORES!

Enquanto por cá os dois principais protagonistas políticos insistem no confronto a propósito de tudo e de nada, em Espanha, Rajoy e Rubalcaba, que, desde Maio do ano passado, não têm sido vistos juntos, trocam discretamente informações e discutem estratégias de ataque aos problemas mais ingentes de Espanha, a sempre latente ameaça da ETA, o posicionamento de Espanha relativamente à União Europeia  e, muito principalmente, sobre a forma de persuadir a hegemonia alemã a travar as suas imposições de austeridade aniquiladora.
 
Em consequência da aproximação de Rajoy às propostas de Rubalcaba resultou esta semana o primeiro grande pacto de legislatura em matérias onde em Espanha  nunca tinha havido grandes desencontros entre governo e oposição. Aliás, também em Portugal, até à ocorrência da explosão da crise, as relações com a União Europeia foram sempre regidas pela mesma pauta. A assinatura pelo trio do memorando de entendimento com a troica foi, no entanto, o último acto dessa actuação conjunta, em consequência da opção desastrada do primeiro-ministro, homologada pelo PR, de desvincular o Partido Socialista de participar na execução do programa que tinha negociado e sido o primeiro subscritor. Foi o segundo grande erro do PR, já tinha errado quando deu posse ao segundo governo minoritário de Sócrates. Cavaco Silva deve a sua impopularidade de hoje, para além da erosão  de uma crise indominável, principalmente a estes dois consentimentos desastrados. 
 
À absurda opção inicial  do primeiro-ministro, e digo absurda porque só pode ter sido mobilizada por uma qualquer espécie de embriaguez de poder, prosseguiu o chefe do governo obsessivamente por um caminho de confronto com o partido que, afinal de contas, tinha sido o principal responsável pelo beco em que já nos encontrávamos em 2010. Lamentavelmente, nem a troica nem o PR exigiram a continuidade da vinculação formal do PS à execução do programa de ajuda externa, nem o governo envolveu, minimente sequer, o PS nas discussões de análise de avaliação da troica. As pseudo tentativas de consenso do actual primeiro-ministro não são mais que uma réplica da tentativa aparente de Sócrates quando, após ter sido incumbido de formar  o seu segundo governo, convidou numa tarde apressada todos os partidos a integrarem, ou apoiarem, o executivo minoritário do PS.
 
Por outro lado, ao contrário de Rubalcaba, que vinha insistindo há largos meses num pacto alargado de regime em Espanha, o líder do PS tem-se notabilizado sobretudo pela vacuidade das suas propostas, pelo prosseguimento de uma estratégia, que o professor Marcelo lhe recomenda, de fazer de morto. E a quem tenha ainda a veleidade de recordar a premência de um consenso nacional acerca das posições a tomar relativamente à troica, à União Europeia, ao FMI, e a todos quantos nos submetemos, respondem os socialistas, comunistas, bloquistas, e demais istas  que o tempo dos consensos já foi.

Voltará após as eleições que eles reclamam?
Alguma coisa mudará com novas eleições, sem dúvida, mas não mudará esta  partidocracia feita exclusivamente de confrontos tendo como motivação única o poder de se instalar no poleiro.

Saturday, June 15, 2013

ALFAMA SARDINHA

"O que se passa em Alfama é uma vergonha para a cidade.
Lixo por todos os lados, as ruelas e vielas cheias de urina e vomitado, os vendedores de sardinhas em esplanadas nojentas a enganarem os clientes com sardinhas estragadas, ardidas. Um nojo. Uma vergonha que os lisboetas não entendem e, muito menos, os turistas de navios de cruzeiros e outros que, enganados, por lá andavam às dezenas.
Já no ano passado foi a mesma coisa. E no ano anterior…e no anterior…sempre com o apoio da Câmara, do Turismo de Lisboa e com o nosso dinheiro.
Esta Alfama não tem nada a ver com a minha cidade."
 
JM Vieira
 
Não fomos à Alfama este ano. Nem no ano passado, nem no anterior, para ser mais preciso, há já alguns anos que não vamos a Alfama durante as festas da cidade. Mas recordo-me bem dos apertos de magotes de gente animados que se empurravam, pelas ruas entre prédios que continuam em estado de conservação lamentável, sem outra razão visível para além de andar por ali porque sim, e dos estaminés improvisados nos largos onde melhor que se podia esperar encontrar era um lugar para sentar e aguardar pela chegada de uma sardinhas manhosas trazidas por gente geralmente mal disposta ao fim de longos e aborrecidos tempos de espera. Desistimos.
 
Outro cliché das festas da cidade de Lisboa são as marchas de Santo António, continuação de uma invenção pífia de Leitão de Barros há oito décadas atrás. Pela espreitadela que dei à transmissão feita pela televisão confirmei que continua o mesmo espectáculo sem raízes populares respeitáveis, sem alma, repetidamente ridículo. Concebidas no tempo em que o regime de então pretendia também enquadrar a arte popular segundo os seus padrões estéticos, as marchas populares de Lisboa continuam a vestir o figurino desenhado há oitenta anos sem se dar conta que está cada vez mais desbotado em cada ano que passa.
 
Onde continuam, tal como ontem, a marcar presença nos palanques as autoridades oficiais, aparentemente maravilhados com o desfilar zonzo dos marchantes.

O TRIUNFO DOS PORCOS, EDIÇÃO PORTUGUESA

Friday, June 14, 2013

1984, EDIÇÃO REVISTA

Estavam indignados com o conhecimento da NSA norte-americana dos dados relativos às chamadas telefónicas considerando essa intromissão na vida privada um atentado aos mais elementares direitos de privacidade dos cidadãos. Disse-lhes, mas não os convenci, que o que estava em causa era uma hierarquia de direitos conflituantes: o direito à privacidade e o direito à segurança. E que só os norte-americanos podem decidir que parte da sua privacidade estão dispostos a sacrificar para garantir a sua segurança contra o terrorismo. E que o assunto é demasiado complexo para poder ser ajuizado de ânimo leve e ao sabor das sensibilidades políticas de cada um. Em última instância o que não está em causa é a capacidade de os cidadãos de um país livre decidirem, democraticamente, os caminhos por onde querem livremente ir.
 
E serão poucos os que rejeitarão algum trade-off entre dois direitos tão importantes e sensíveis quando conflituantes. 
 
A propósito, o Washington Post, reconhecidamente liberal no sentido norte-americano, dedica hoje a sua habitual coluna "Five myths about" à privacidade, da autoria de Daniel J. Solove professor de Direito na Universidade George Washington, especialista no assunto 
 
 
Resumidamente:
 
1 - A recolha de números de telefone e a duração das chamadas e outros dados globais não é assim tanto uma ameaça à privacidade.
Não é verdade. A recolha de milhões deste tipo de dados pessoais permite elaborar um perfil completo das conexões sociais e profissionais em todo o país. 
 
2 - A vigilância deve ser secreta para nos proteger.
O público deve conhecer as linhas gerais das actividades de vigilância de modo a poder avaliar se o governo está a utilizar o equilíbrio apropriado entre os direitos à privacidade e à segurança. 
 
3 - Só aqueles que têm, alguma coisa a esconder poderão estar preocupados acerca da sua privacidade.
Ainda que uma pessoa não tenha nada de ilegal a esconder, numa sociedade livre, esta pessoa não tem que justificar cada acção sua que possa ser considerada suspeita pelas autoridades incumbidas da vigilância.
 
4 - A segurança nacional exige maiores sacrifícios do direito à privacidade.
Muita gente preocupada com as implicações da vigilância na sua privacidade está disposta a ceder algum direito de privacidade desde que a vigilância esteja sujeita a controlos apropriados, limitações, e que haja supervisão e reporte institucionalizada.   
 
5 - Os americanos não estão muito preocupados com a intrusão do governo na sua privacidade.
Não temos que escolher entre preservação da privacidade e a prevenção do terrorismo. Temos de decidir que graus de vigilância e responsabilidade deverão haver quando o governo vigia os cidadãos.
 
 

Thursday, June 13, 2013

EM DEFESA DE MERKEL

Quando, há quase um ano, Draghi afirmou  "BCE fará o que for necessário para defender o euro, e isso será suficiente"  e avançou com o Programa OMT de compra ilimitada de dívida soberana dos países do euro sujeitos a um resgate formal, como era esperável, os mercados estabilizaram e o BCE não interveio.
 
Entretanto, o Bundesbank levantou a questão da inconstitucionalidade da eventual obrigação imposta
aos contribuintes alemães no caso do BCE adquirir dívida que não venha a ser paga pelos países devedores. A decisão do Tribunal Constitucional é crucial para a evolução da zona euro, podendo, no caso de julgar inconstitucional a capacidade do BCE  intervir como prometeu Draghi, provocar uma crise na União Europeia de consequências dramáticas para o seu futuro.
 
Curiosamente, Merkel está decidida a defender a posição do BCE contra a do banco central alemão.
Razão pela qual num artigo hoje publicado no El País se compara a sua atitude à de Helmut Kohl, na sua  persistência pela equiparação do marco alemão de leste ao de oeste na Alemanha reunificada, mais tarde no Tratado de Maastricht e de Helmut Schmidt na sustentação do Sistema Monetário Europeu.
 
Entretanto, por artes que nem todos os mágicos deste mundo certamente dominam, o euro, uma moeda ameaçada por turbulências constantes numa União Europeia economicamente estagnada e financeiramente desequilibrada, consegue o, aparentemente, improvável ao valorizar-se no espaço de um ano contra as outras principais moedas.
 
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Sobre o mesmo tema: vd in Economist :
Germany and the euro. The euro zone looks anxiously to Karlsruhe
 
 

Wednesday, June 12, 2013

QUANDO A TROICA SAIR

Já muita gente percebeu, mesmo muitos daqueles que nos querem fazer crer no contrário, que  após a prevista saída da troica dentro de cerca de um ano, a situação de soberania limitada  não se alterará significativamente. Por várias razões, a mais decisiva das quais é a impossibilidade de Portugal se lançar do trapézio nos mercados sem rede. A indefinição da situação da união política europeia irá continuar a arrastar-se entre promessas de avanços e ameaças de recuos, a união bancária, o seguro global dos depósitos, a supervisão central do sistema financeiro, se progredirem nas reuniões continuarão adiadas sine die. A esperança numa mudança radical da atitude alemã perante as crises dos outros a partir das eleições gerais de Setembro é tão mirífica quanto as expectativas goradas na eleição de Monsieur Hollande.
 
Se a evolução do contexto europeu não é prometedora de avanços significativos na integração política, receando os outros, mais declaradamente o Reino Unido e a França,  a ameaça de uma hegemonia alemã e os alemães um contágio inflacionista de uma convivência que não possam controlar com os países, do seu ponto de vista, indisciplinados; se a situação económica na Europa continuar deprimida pelo contexto de indefinição política que continua a erodir as instituições da União; se a evolução da situação económica em Portugal não se perspectiva capaz de gerar riqueza suficiente para quebrar a progressão incontrolada da dívida, se as receitas extraordinárias resultantes de privatizações não contrariaram o crescimento de endividamento público, e o que sobra é muito menos representativo; se a instabilidade social se agrava à medida que a resistência à crise se esgota, desanimando o investimento, - qual a probabilidade de Portugal ir aos mercados e sustentar-se sem o apoio da troica?
 
Nenhuma.
Se, dentro de uma ano, a troica sair, na melhor das hipóteses será o BCE que ditará as regras para manter a rede sem a qual Portugal se estatelará sem apelo nem agravo. Portugal, dentro ou fora da zona euro, só poderá reerguer-se se produzir mais. O problema de Portugal não é o consumo excessivo, ainda que sejam por demais evidentes sinais de algum desregramento público e privado, o problema é a insuficiência produtiva que decorre da insuficiência de investimento produtivo. E este não acorre onde o contexto social apresenta crispações evidentes, onde o consenso é repelido pela ânsia partidária generalizada de chegar ao poleiro, mesmo nos degraus inferiores da capoeira*. Onde democracia em situação de crise dramática é entendida como confronto ideológico e não procura de plataformas do entendimento essencial ao investimento produtivo.
 
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* Repito-me: a plantação intensa por todo o país de outdoors gigantes promovendo as caras dos candidatos  às autárquicas de Setembro/Outubro é sintomática desta ânsia desmedida de poder a conquistar pela propaganda partidária. Quem paga e para quê tamanho estendal? Os contribuintes pagam 42 milhões via OE, e o resto por outras vias. A reforma administrativa do país prevista no memorando de entendimento resumiu-se a quase nada. Também neste caso, quando a troica sair continuará tudo na mesma como quando entrou.
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Correl . - Cavaco pede à Europa que autorize regime fiscal especial para o sector exportador português
O Tribunal Constitucional alemão está analisar a legalidade do programa de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE), um plano decisivo para Portugal regressar aos mercados e conseguir financiar-se no período pós-troika, conta esta quarta-feira o Diário Económico. - vd aqui 

Tuesday, June 11, 2013

EURO IDEIAS

O jornal i  publica hoje "O labirinto das ideias sobre o euro" de Pedro Lains de refutação da premissa assumida pelo governo no preâmbulo do "Documento de Estratégia Orçamental 2013-2017":
 
"A crise das dívidas soberanas expôs os desequilíbrios macroeconómicos e vulnerabilidades acumulados em alguns estados participantes na área do euro. Portugal foi um deles. Mas as causas últimas da crise nacional residem na incapacidade de adaptação da sociedade portuguesa às realidades da vida económica e financeira na área do euro."
 
E, a propósito, cita Vítor Bento, "um economista que se tem mostrado identificado com as correntes escolhas de política financeira, (e que) publicou recentemente um livro (Euro forte, euro fraco) que abre com um pensamento em tudo semelhante": Depois de reconhecer a importância do contexto internacional na crise do euro, escreve que "a sua origem genética está nas contradições intrínsecas da própria zona", a saber, "a moralidade social prevalecente no Norte da Europa tende a ser mais exigente com o cumprimento de normas e, nomeadamente, fiscais [?] Nos países do Sul, a moralidade social é mais tolerante com este tipo de desvios comportamentais".
 
Há no texto de Pedro Lains uma interrogação inicial (Quando Vítor Bento nos diz que em Portugal prevalece uma "moralidade social tolerante com desvios fiscais", não se apercebe que está apenas a fazer um juízo de valor com implicações sobre a verdadeira possibilidade de Portugal estar no euro?) e uma afirmação final (Afinal o crédito foi tanto adquirido como oferecido e os ofertantes, isto é, o sector financeiro, tem de estar dentro e não fora da análise das causas da crise do euro, assim como da sua solução) que sintetizam bem as diferenças de leitura das causas da crise  entre Lains e Bento, e que, grosso modo, determinam a fractura entre duas correntes de julgamento dos motivadores da crise.
 
Da leitura do livro de Bento não retirei que haja necessariamente uma conclusão identificável com  aquela que o ministro das Finanças expressa no DEO. Em todo o caso, a pergunta de Lains é perturbante porque o texto da responsabilidade de Vítor Gaspar permite-a sem margem para dúvidas: se há na sociedade portuguesa "uma incapacidade de adaptação às realidades da vida económica e financeira na área do euro", por que bulas se insiste em querer estar nele?
 
Ou a razão é diferente e os culpados são outros (um edifício inacabado derrubado pela ganância dos banqueiros de braço dado com a demagogia política) ou a nossa presença no euro não passa de um exercício de masoquismo por incapacidade congénita de observar padrões de comportamento a que fomos (ou somos?) rebeldes.

Monday, June 10, 2013

PONTOS NOS IS

Já aqui tenho anotado neste caderno que se ouvem vezes sem conta acusações infundadas de ter a adesão de Portugal à União Europeia implicado o desmantelamento da agricultura e pescas do nosso país. E que, acrescentam essas vozes repetidamente retransmitidas, Portugal é hoje um país mais dependente de importações de bens alimentares em consequência da política agrícola perversa da União Europeia.

O que não é verdade.
Só quem desconhece em absoluto em que situação se encontravam a agricultura e as pescas em Portugal há 40 anos pode inconscientemente afirmar que os fundos comunitários destruíram a  nossa auto suficiência alimentar. Tal não significa que os fundos recebidos tenham sido geralmente bem aplicados na reestruturação daqueles sectores, que não tenha havido práticas condenáveis na atribuição e utilização dos fundos, que Portugal tenha obtido as melhores condições possíveis nas negociações conduzidas pelos sucessivos ministros, que os ministérios da agricultura e pescas se tenham reestruturado de modo a fazer aquilo que deviam. Mas se culpas houve, e ainda há, elas terão de ser procuradas nos nossos cartórios.

Na edição da sexta-feira passada, o semanário "Sol" publicava um protesto do engenheiro agrónomo Sevinate Pinto pelas afirmações completamente descabidas feitas pelo senhor Miguel Sousa Tavares sobre o nível de auto suficiência alimentar de Portugal antes e depois das entradas de fundos comunitários direcionados à reestruturação, redimensionamento e equipamento do sector primário em Portugal. Por ignorância, já que não é suposto haver má fé, Miguel Sousa Tavares escreveu alguns dislates que, se podem relevar-se ao cidadão comum que, inconscientemente retransmite muito do que ouve desde que lhe anime o ego insofrido, são imperdoáveis a um jornalista com um currículo notável.

Hoje, o Presidente da República elegeu como tema central do seu discurso em Elvas o sector agrícola, uma escolha que parece pertinente no Alentejo, comparando com algum detalhe a evolução da agricultura em Portugal  nos seus mais relevantes indicadores económicos e sociais, refutando fundamentadamente a ideia completamente errada que a adesão à União Europeia determinou um retrocesso dramático nos sectores da agricultura, silvicultura e pescas. Bem pelo contrário, apesar de estarmos ainda aquém do que devíamos e podemos produzir, a evolução foi claramente muito positiva.

Espera-se que o senhor Miguel Sousa Tavares tenha lido o que escreveu o senhor Sevinate Pinto se lhe é alérgica a leitura do que disse o senhor Cavaco Silva.

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Correl. - Contributo do PR

A CRISE ACABOU

"O ministro da Economia anunciou hoje o fim da crise em Portugal e disse que a questão agora é a de saber "quanto é que a economia portuguesa vai crescer". Em Aveiro, onde se deslocou para presidir à assinatura de vários protocolos de investimento disse que "a crise acabou" e que se vive "um ponto de viragem" na economia, porque "já não se fala em recessão e em investimento zero". "O Governo herdou um défice das finanças públicas totalmente descontrolado e cheio de operações extraordinárias, a economia em terreno negativo e o aumento do desemprego", frisou." - aqui
 
"Este é o momento para o investimento" - aqui
 
"Este é o momento mais adequado para investir em Portugal" - aqui
 
"Têm de compreender que a crise na Zona Euro acabou" - aqui


 

Sunday, June 09, 2013

MUITO ÚTIL OU BASTANTE INÚTIL?

"Quando Vítor Gaspar sair...virá outro ministro das Finanças que estará queimado ao fim de pouco tempo, e assim sucessivamente. Independentemente dos Governos/Protagonistas temos que ajustar a Despesa Pública directa e indirecta ao total das receitas fiscais e não fiscais recorrentes, agora que esgotamos praticamente as receitas extraordinárias, as receitas das privatizações e a capacidade de endividamento. Gaspar é criticado como foi Ernâni Lopes em 1983-84. Qualquer ministro das Finanças que seja obrigado a conduzir um processo de ajustamento duro em consequência dos excessos de despesa acumulados em 15anos ficará desacreditado face à população atingida. Vale a pena mudar quando isso é um sinal errado?"

Em meados de Outubro do ano passado, José Miguel Júdice dizia numa entrevista publicada aqui, que comentei aqui: "Gosto de chamar ao professor Gaspar 'Miguel Vasconcelos' [...] Vasconcelos era o homem que quem mandava em nós acreditava que devia estar a governar. Não acho que (Gaspar) seja perverso, acho que faz o que tem a fazer e merece todos os elogios num país onde ninguém faz o que tem de fazer". 

Sibilinamente,  Júdice atribui a Merkel o lugar de Filipe IV de Espanha e a Gaspar a responsabilidade de governar Portugal por ser esse o desejo de quem manda em nós, i.e., Merkel, e porque Gaspar faz o que tem de fazer, isto é, o que o mandam fazer. A ideia de que Vítor Gaspar estava claramente subordinado às directivas de Merkel/Schäuble já estava então a transbordar dos quadrantes políticos da esquerda para grande parte daqueles que constituem o suporte tradicional dos partidos da maioria que apoia o governo. Hoje são poucos os que vêm a terreiro defender Gaspar, e a farpa de domingo passado de Marcelo Rebelo de Sousa, considerando Vítor Gaspar bastante inútil, é muito sintomática da generalizada falta de credibilidade do actual ministro.

Não apenas porque a sua imagem aparece aos olhos da generalidade dos opinion makers como excessivamente colada ao diktat alemão mas também pelas contradições em que tem caído nos últimos tempos, para além da degradação de alguns indicadores socialmente críticos, dos quais o nível de desemprego é o mais sensível, muito para além das previsões do memorando de entendimento e das suas revisões.

É hoje consensual que o programa de assistência foi mal negociado (ou mal desenhado, dá no mesmo). O próprio ministro afirmou isso mesmo, recentemente. E a pergunta óbvia saltou por todo lado: Mas só agora é que ele viu isso? E a suspeita confirma-se: toda a sua intervenção ao longo destes dois anos foi determinada, além do mais, por esta sua incapacidade preliminar de não ter denunciado o erro no desenho do memorando de entendimento.

Outro ministro das Finanças faria o mesmo porque o memorando tem de ser cumprido? Não é provável. Cada ministro é,  parafraseando o filósofo, ele e as suas circunstâncias. Ele, não seria o mesmo e as circunstâncias estão-se a alterar.

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Correl .- CDS quer saber por que razão Gaspar nunca acerta
Finanças detectam novo buraco nos submarinos

Saturday, June 08, 2013

RECTIFICATIVOS

Respondendo à pergunta de um deputado da oposição, ontem, na AR, durante a discussão do Orçamento Rectificativo, o ministro das Finanças afirmou que o cumprimento do défice, apesar da desanimação dos últimos indicadores conhecidos referentes ao primeiro trimestre do ano referidos pelo deputado, é possível porque o crescimento económico vai contribuir para o atingimento daquele objectivo maior. O ministro atribuiria ainda, noutra ocasião, às condições atmosféricas desfavoráveis a continuação da redução do investimento, com particular incidência nos atrasos provocados na construção civil. 
 
Depois de ter anunciado há duas semanas atrás o "momento do investimento", Vítor Gaspar já conta com o alvoroço investidor até ao fim deste ano nas contas que faz para cumprir os compromissos assumidos com a troica. O que, reconheça-se, se não é uma boutade meteorológica talvez seja uma aparente rectificação da sua fé. Aliás, vem-se assistindo nos últimos tempos a declarações diversas rectificativas de posições que antes eram declaradas inamovíveis. Depois de madame Lagarde ter chamado a atenção para as consequências menos recomendáveis dos excessos nas  políticas de austeridade adoptadas na União Europeia, o FMI que ela geralmente dirige, fez agora mea culpa e reconhece ter havido falhanços notáveis no primeiro plano de resgate à Grécia. Mas a Comissão Europeia, que se tem notabilizado por andar atrasada no curso dos acontecimentos, já veio discordar fundamentalmente - vd aqui - deste relatório do FMI.

Domesticamente, e ainda durante a sessão plenária de ontem  de apreciação do Orçamento Rectificativo, os deputados Miguel Frasquilho do PSD e João Almeida do CDS pediram ao Governo maior determinação nas próximas negociações com a troica juntando-se à oposição que exige a renegociação do memorando. Mas de pouco valem estes discursos para telespectador ver. Falta a este Governo, além do mais, o suporte político que deveria ter sido mantido pelos três partidos que subscreveram o memorando de entendimento. Falta também a este ministro das finanças convicção numa política diferente, apesar de ligeiro rectificativo nas suas declarações recentes.

O áugure  professor Marcelo considerou Vítor Gaspar, na sua prelecção de domingo passado, um membro bastante inútil deste governo. Foi mais uma cena degradante, que não deveria ter tido a oportunidade de acontecer, e que nos remete para a fábula do burro e do leão moribundo, salvo o devido respeito pelos protagonistas. O primeiro-ministro não ouve nem vê isto?

Friday, June 07, 2013

UMA MAIORIA IMPOSSÍVEL

PS e PCP já valem 50 por cento juntos
 

O mais curioso dos resultados desta sondagem  é o aparente contrassenso entre a  popularidade de Portas, que se aproxima de Seguro, o tal que, na pitoresca recomendação do professor Marcelo, só tem de fazer de morto para ser o próximo-primeiro ministro,  e a impopularidade do partido que ele, Portas, lidera há mais de 12 anos, o que faz dele o decano destacado dos líderes partidários no activo.
 
Se a tendência persiste, o próximo governo não será suportado por uma coligação impossível PS/PCP mas por uma união de facto PS/Portas.

Correl. - Questionado se tinha feito um apelo a uma convergência de esquerda, António Costa riu-se escusou-se a desenvolver o assunto. Obviamente.

VISTO


Falávamos acerca das reservas de ouro do Banco de Portugal, da desvalorização que observaram depois de um relativamente longo período em alta, argumentando um que a sua venda teria contribuído para uma redução significativa da dívida, que poderia, seguindo a sugestão de Cadilhe, financiar as indemnizações de funcionários excedentários do Estado, outro que o valor em causa (na valorização máxima cerca de 17 mil milhões de euros) não seria assim tão relevante, outro que Governo não poderia dispor do ouro do Banco de Portugal, mesmo que quisesse negociar parte por depender essa decisão do BCE, outro ainda que o ouro tem, numa situação de crise grave, quando seria mais oportuno vende-lo, um valor psicossociológico perturbador de uma decisão racional. Tudo considerado, concluiu-se, é melhor não falar no assunto.
 
A propósito, ouviu-se uma história contada em tempos por pessoa reconhecidamente idónea:
 
Viviam-se tempos de aperto das finanças públicas, as reservas estavam esgotadas, o crédito externo negado, e o secretário de estado do tesouro, ouvidos os departamentos responsáveis e o Banco de Portugal enviou ao ministro das finanças uma proposta de alienação de alguma toneladas de ouro. Entendeu o ministro que o assunto transcendia as suas competências e endossou a responsabilidade da decisão para o primeiro-ministro. Em conselho de ministros, após discussão e ponderação demorada, foi unanimemente decidido remeter o assunto à consideração do presidente da república. Este, leu atentamente a proposta, e escreveu no sítio do costume: Visto. Datou e assinou.
E a venda fez-se, sem que alguém tivesse tomado a decisão de aceitar ou rejeitar a proposta.
 
se non e vero é ben trovato
 
 

Thursday, June 06, 2013

COMICHÃO DOS DADOS

Lê-se aqui que " o Governo pretende divulgar a identidade dos beneficiários de habitação social, ... e que para a Comissão Nacional de Protecção de Dados, a divulgação deste tipo de informação “abre o caminho a tratamento de dados de alto poder discriminatório […], ultrapassando, em larga medida, o objectivo de transparência e de acesso público à informação”... A proposta em causa integra um diploma de âmbito mais vasto, que prevê a publicitação, no site da Inspecção-Geral de Finanças, do nome dos beneficiários quer de subsídios públicos, quer de apoios comunitários."
 
Contra esta intenção do Governo, para além da Comissão de Protecção de Dados, já se levantaram o Comité Português de Coordenação da Habitação Social, a Cáritas, a Associação Nacional de Municípios, a Assembleia Regional da Madeira, comentadores e bloggers. Tudo em nome da salvaguarda do respeitável direito de privacidade dos cidadãos. Como é hábito, o Estado é acusado de abuso de intromissão.
 
Mas há confusão de entidades. O Estado não se intromete na vida dos cidadãos pela simples razão de que o Estado, sendo uma entidade abstracta, não tem capacidade volitiva. Quem se intromete, quando se intromete, são os tutores que gerem os interesses colectivos reunidos nessa entidade abstracta a que chamamos Estado. No caso em concreto, a proposta é do Governo central, legítimo até prova em contrário, que não pode ser oferecida pelo senhor Mário Soares, por exemplo.
 
Assim sendo, o que pode discutir-se é a hierarquia de direitos que neste caso se confrontam: a privacidade dos cidadãos vis a vis a defesa dos interesses comuns supostamente, pelo Governo, melhor defendidos pela divulgação de determinados benefícios que os contribuintes pagam.
E o mais que se pode afirmar, sem perder o equilíbrio na ponderação que o assunto merece, é: deve preponderar o direito à privacidade dos cidadãos contemplados com benefícios pagos pelos contribuintes sobre o direito destes terem conhecimento dos destinos dos impostos que pagam ou o contrário.
 
Vivendo num país onde o compadrio ainda comanda muitas decisões dos tutores colocados nos diferentes patamares do aparelho do   Estado, parece-me uma medida higiénica o conhecimento público dos dados tal como Governo o pretende. Até porque não têm que recear de serem publicamente conhecidos aqueles que são notavelmente desconhecidos.
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Correl. - Administration, lawmakers defend NSA program to collect phone records

Wednesday, June 05, 2013

CALL CENTER

Se há hoje alguma unanimidade acerca do memorando de entendimento assinado pelo trio com a troica é a de que ele foi mal desenhado ou mal negociado, e que as conversações com a troica subsequentes às avaliações de cumprimento, todas positivas até agora, segundo informações publicadas, se regem por uma inflexibilidade formatada em cartilha semelhante aquelas que são distribuídas aos atendedores nos call centers. A troupe da troica, ao que parece, por mais crassos que sejam os erros resultantes de algumas políticas que impuseram e evidentes os desvios observados, não arreda pé do que está escrito na cartilha. Chegam, vêm, concluem, comparam e despacham sem considerar que o ponto de partida estava deslocado e algumas variáveis nunca estiveram nos sítios onde as previram.
 
Nestas condições, não há pachorra nem argumentos que possam demover o agente do call center a mudar de posição. Por um lado, porque não pode exorbitar das suas competências, isto é, proceder de modo diferente do que manda a cartilha, por outro, porque do estrito cumprimento das normas depende a prorrogação do seu posto de trabalho.
 
Só há uma saída, que exige muita persistência e habilidade de persuasão: conseguir o acesso à chefia do turno. Normalmente resulta: os chefes sentem-se mais chefes quando lhes é dada a oportunidade de mostrarem as suas capacidades.
 
O relatório do INE sobre as Contas Nacionais  confirma que a actividade económica continuou a contrair-se a uma cadência superior às previsões do governo, resumindo-se numa quebra de 4% do PIB. Segundo as últimas estimativas do OCDE a dívida pública aumentará em 2014 para 132,1% do PIB e a taxa de desemprego rondará os 20%. A impossibilidade de redução da dívida para níveis suportáveis não é ainda reconhecida pelo governo, que, no entanto, não apresenta uma matriz de medidas que sustentem a coerência e a credibilidade da persistência na sua actuação. Uma actuação decorrente em larga medida do memorando de entendimento que até o ministro das Finanças já considerou, com incompreensível atraso, ter sido mal negociado. Até quando espera o governo que a situação se degrade para reconhecer a impossibilidade que há muito se mete pelos olhos dentro? Revê-se o governo nos superavits históricos observados na balança de comércio externo, mas é impensável que não tenha feito as contas e concluído quanto são insuficientes os valores observados para refrear o cavalgar dos juros e da dívida.
 
Dito de outro modo: até quando espera o governo para bater à porta da senhora Merkel e dizer-lhe que, obviamente, não podemos pagar a dívida que carregamos às costas e que, a continuar a aumentar a carga, demonstra a mais elementar lei da física que a base acabará por colapsar sem remissão possível?
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Correl. - FMI vai reconhecer erros cometidos na ajuda à Grécia.