Monday, June 17, 2013

ECONOMIA & IDEOLOGIA

No princípio deste ano realizou-se em San Diego a reunião anual dos economistas norte-americanos, e Paul Krugman comentou aqui um dos temas centrais discutidos: até onde a investigação económica é isenta da ideologia preponderante na mente do investigador? É um artigo interessantíssimo, como são, aliás, em geral todas as suas opiniões publicadas no Wall Street Journal ou no seu blog, The Conscience of a Liberal. Neste caso, porém, Krugman - confessadamente, um liberal no sentido norte-americano do termo -, coloca-se perante a pergunta recorrente - até onde é possível a objectividade na investigação no campo das ciências sobrepor-se à subjectividade decorrente da ideologia de quem investiga - a partir de um paper apresentado por dois outros economistas tendo como base as respostas dadas por um painel de economistas aquela questão.

Recordei-me deste artigo de Krugman quando li esta manhã que Francisco Louçã, prevê, vd. jornal i, que

"Num cenário de saída do euro será necessário um governo capaz de inspirar "confiança" às pessoas, já que os sacrifícios serão equivalentes aos "que os avós passaram na II Guerra Mundial. "No dia seguinte à saída do euro passamos a transaccionar em moeda estrangeira", aponta o economista, que prevê que nesse mesmo dia o novo escudo desvalorize cerca de 30% (uma estimativa considerada simpática por outros economistas presentes no debate). Ainda segundo o ex-líder bloquista, imprimir moedas e notas do novo escudo levará entre três a seis meses, o que vai fazer com que as trocas durante esse período inicial sejam efectuadas ainda em euros. Mas no dia-a-dia da população, a manutenção do euro em circulação pode complicar-se. "O que é que vai fazer o merceeiro de bairro ou que é que vai fazer o Soares dos Santos? Vão dizer que o multibanco está avariado porque é mau negócio ser pago em escudos e é bom ficar com euros em notas e moedas porque o euro vai valorizar" Mesmo que isto não aconteça, caso passem a ser permitidos levantamentos controlados de 50 euros por dia nos multibancos, nos dias seguintes à saída do euro, o economista prevê que passados dois meses deixe de haver notas de euros em circulação no país, já que toda a gente tentará ficar com o máximo da moeda antiga - que valorizará com a saída de Portugal.Também a inflação afectará o quotidiano das famílias portuguesas, especialmente nos produtos importados, como medicamentos e combustíveis. Um argumento que para Francisco Louçã justifica o receio da população de uma saída da moeda única e se sobrepõe às previsões dos economistas que apontam para um crescimento a longo prazo fora da zona euro."

Fica muito claro que as perspectivas de uma saída do euro traçadas por Louçã (e estas declarações sobre assunto não são novidade) são em grande medida opostas às de Ferreira do Amaral, que, tendo-se publicamente oposto à entrada no euro é agora muito combativo pela saída, argumentando que a manutenção de Portugal no euro é insustentável e o modus faciendi da saída negociável.

Tanto Louçã como Amaral se situam ideologicamente à esquerda, e Louçã mais à esquerda que Amaral. Não sendo extraordinário que, dentro do mesmo quadrante ideológico haja desencontros nos caminhos para atingir os mesmos objectivos, neste caso as posições dos dois professores de economia na mesma escola parecem também opostas nas melhores (ou menos más) soluções que propõem: Amaral, a saída do euro, Louçã, vejam bem no que nos iremos meter.

Não os juntando a ideologia, alguém já fez umas contas?

5 comments:

Unknown said...

Eu acho que a realidade já mostrou que o euro não foi uma coisa bem pensada e a fuga em frente que se anuncia para superar os erros na sua construção não augura nada de bom e, muito menos, de viável. Assim sendo, parece-me que deve acabar, mas acabar tal como foi criado, ou seja, os "iluminados" da UE que definiram as regras para a sua criação deveriam agora definir as regras para lhe pôr fim, acautelando/minimizando os prejuízos eventuais para a população.

rui fonseca said...

Isabel,

O euro surge naturalmente na construção do edifício da UE.
Seria possível a UE sem uma moeda única? Antes do euro existiu o sistema monetário europeu que sofreu vários ajustamentos, o mais significativo dos quais resultou da resposta às acções especulativas que aproveitavam as margens dentro das quais as diferentes moedas poderiam flutuar.

Sem uma correlação estreita entre as várias moedas uma união económica não faria sentido porque as desvalorizações monetárias decididas administrativamente equivalem-se a direitos alfandegários. E uma luta cambial no seio de uma união resulta, inevitavelmente, numa desunião.

E a desunião na Europa conduziu a guerras durante séculos com períodos muito breves de paz.

Foi para evitar uma nova guerra na Europa que os fundadores arquitectaram uma união que depois evoluiu para a UE. Foi para consolidar a União Europeia que nasceu o euro.

Mal pensado?
Não creio. Mas é inquestionável que não foi o seu lançamento acompanhado das instituições que consolidassem a União Europeia.

O euro é apenas o bode expiatório dessa falha por onde ameaça desintegrar-se a UE.

Mais vale a pena acabar com ele?
Esta pergunta pressupõe outra mais decisiva: Mais vale a pena acabar com a União Europeia?

Espero muito que não. No dia em que acabar a UE acaba a paz na Europa. Irromperá o racismo e o chauvinismo por toda a parte.

A UE está numa encruzilhada complicada, não há dúvida. Mas penso que o retrocesso, a desintegração, seria a pior das soluções.

Unknown said...

Não estou tão certa como o Rui de o euro ser o cerne da consolidação da paz no seio da UE.
O que acho é que no processo de construção europeia o salto para o euro surgiu como uma decisão política, de que os cidadãos foram afastados (nós em Portugal fomos), e um passo na construção de uma União Política. O que vejo actualmente defender-se é, já que o euro não corre bem sem essa tal união política, avancemos para ela. Do ponto de vista económico a UEM tem muitas falhas e não resistiu à primeira crise económica e financeira que surgiu. Não me parece que sejam os países periféricos e os seus povos (cujas economias não satisfazem as condições para que o euro seja uma zona monetária óptima) que tenham que suportar sózinhos os erros da construção do euro e, ainda por cima, que sofrer os insultos e humilhação dos países do centro. Não quero pertencer a uma união que me pretende tratar como colónia. Mas, também, não quero sofrer sózinha os custos de saída do euro, pois não somos só nós que temos responsabilidade pelos erros de construção do euro.
Acho que a UE corre o risco de se desintegrar por causa do euro, pondo em causa tudo o que foi construído até lá, e parece-me mais sensato dar um passo atrás no processo de integração do que avançar com mais integração...

Unknown said...

Não estou tão certa como o Rui de o euro ser o cerne da consolidação da paz no seio da UE.
O que acho é que no processo de construção europeia o salto para o euro surgiu como uma decisão política, de que os cidadãos foram afastados (nós em Portugal fomos), e um passo na construção de uma União Política. O que vejo actualmente defender-se é, já que o euro não corre bem sem essa tal união política, avancemos para ela. Do ponto de vista económico a UEM tem muitas falhas e não resistiu à primeira crise económica e financeira que surgiu. Não me parece que sejam os países periféricos e os seus povos (cujas economias não satisfazem as condições para que o euro seja uma zona monetária óptima) que tenham que suportar sózinhos os erros da construção do euro e, ainda por cima, que sofrer os insultos e humilhação dos países do centro. Não quero pertencer a uma união que me pretende tratar como colónia. Mas, também, não quero sofrer sózinha os custos de saída do euro, pois não somos só nós que temos responsabilidade pelos erros de construção do euro.
Acho que a UE corre o risco de se desintegrar por causa do euro, pondo em causa tudo o que foi construído até lá, e parece-me mais sensato dar um passo atrás no processo de integração do que avançar com mais integração...

rui fonseca said...

"Não estou tão certa como o Rui de o euro ser o cerne da consolidação da paz no seio da UE"

Mas eu não disse que o euro é o cerne da consolidação e da paz na UE. Se, de algum modo, me expressei mal, corrijo.

Uma moeda única, do meu ponto de vista, é um elemento essencial a uma união económica. Mas uma união económica não pode perdurar se não houver progressão no sentido de uma união política, ainda que mínima.

É a união política possível entre povos com culturas tão diferentes? É essa a questão a que os europeus têm de dar resposta em tempo oportuno. Isto é, antes que uma união sustentada apenas numa moeda única não fracture dramaticamente por falta de outros elementos de ligação.

É um problema complicadíssimo, temos de reconhecer, porque se a UE foi pensada e evoluiu para evitar outra guerra na Europa, seria um desastre igual se as razões que estiveram na origem de evitar uma guerra fossem elas mesmas as causas dessa guerra.

Mas não podemos pensar que isso não seja possível. Ao euro, neste caso, no entanto, não podem ser atribuídas as culpas que têm de ser imputadas a quem não soube ou não quis a continuidade da construção da UE.

Volte sempre.