Thursday, May 31, 2012

O LANCE DE DRAGHI

No dia 20 deste mês, Wolfgang Münchau deduzia num artigo publicado no FT que a única forma de evitar uma corrida aos bancos está na centralização bancária e na garantia dos depósitos. Transcrevi essa proposta aqui. No dia 26 coloquei duas notas, a segunda das quais aqui, comentando um extenso editorial do Economist que concluía que um federalismo limitado, que será sempre um exercício complicado, é a única possibilidade de salvar a zona euro. E que, para além de outros passos nesse sentido federativo mínimo, é nuclear a centralização da supervisão bancária.

Hoje é notícia que Mario Draghi, preocupado com a evolução do sistema bancário espanhol, defende a centralização urgente da supervisão bancária dos grandes bancos europeus, retirando-a aos bancos centrais nacionais. Draghi vai, aliás, mais longe, afirmando que a supervisão espanhola subestimou a dimensão das imparidades do Bankia (vd aqui) tornando clara a sua desconfiança relativamente aos responsáveis pelo Banco de Espanha. Deduzo que, se tivesse que decidir hoje, por idênticas razões, Draghi jamais teria aceitado como seu vice o ex-governador do Banco de Portugal*.

Sintomaticamente, saíram de Espanha 66,2 mil milhões de euros em Março, ultrapassando todos os recordes. Por outro lado, é indisfarçável  que o descontentamento do BCE atinge o governo de Rajoy acusando-o de ter actuado da pior forma possível sendo previsível que esteja para breve o pedido de intervenção externa de modo a estancar a degradação da situação caracterizada por uma economia em recessão, o recorde mundial do desemprego e uma crise financeira de contornos ainda imprecisos mas, indubitavelmente, preocupantes para o sistema global.

O cerco aperta-se. Chegou a hora dos líderes da União Europeia decidirem sobre aquilo que têm sistematicamente adiado. Draghi já moveu uma peça importante neste jogo de desfecho imprevisível em que ou ganham todos alguma coisa ou se perde a União Europeia e tudo o mais que essa perda desencadear.
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* É frequente ouvir-se da parte daqueles que pretendem desculpabilizar Constâncio da parte gorda que lhe cabe pelo descalabro dos níveis de crédito importados pela banca portuguesa, que alimentaram os mais diversos desvarios de uma economia de fantasia, com as dramáticas consequências que o tempo pôs a descoberto, argumentando que aconteceu o mesmo até nos EUA onde a Fed costuma levar estas questões a sério. A crise financeira espanhola e a exposição das negligências do supervisor parecem reforçar o argumento pró-Constâncio. Mas não reforçam, antes confirmam que, cá como lá, seja onde for, se o banco central não interveio como e quando devia no sentido de barrar a caminhada para o desastre, as respectivas economias estão fragilizadas, o sistema financeiro em perda acelerada de credibilidade, o sistema financeiro global ameaçado. Acresce que, para lá da falta de controlo dos níveis de crédito importados sem alertas nem avisos por parte do banco central, o ex-governador do Banco de Portugal fez que não viu aquilo que era demasiado evidente para ele e a sua equipa não verem. Refiro-me, evidentemente, ao BPN, esse mostrengo medonho que nos roubará largos milhares de milhões de euros este ano e muitos mais nos próximos. Mas também ao BPP, e, noutro sentido, ao BCP, até à própria Caixa Geral de Depósitos, hoje considerada um sério risco para as contas do país.
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Correl. - Todos cometemos erros porque concedemos demasiado crédito ... O Banco de Portugal falhou porque deveria ter imposto limites. (António Rodrigues, ex-administardor do BCP quando presidia Jardim Gonçalves )
   

SÁDICO E EUNUCO, E ENGANADO*

Oliveira Martins é comummente reconhecido como competente e eficiente. Desde que passou a presidir ao TC são frequentes os relatórios que dão conta de ilegalidades e irregularidades cometidas pelas administrações públicas centrais, regionais e locais. Irregularidades e ilegalidades que prejudicam gravosamente os interesses do estado, o que significa que  assaltam impiedosamente os bolsos dos contribuintes.

Mas são de um sadismo atroz. Primeiro: Porque, por natureza ou distracção legal, revelam os estragos mas não os previnem; Segundo, porque raramente os infractores são condenados e, quando eventualmente o são, as penas são de galinha. 


Quer isto dizer que, depois de tanta discussão acerca da enorme carga  para os contribuintes que resultou da criação de uma mirífica ideia chamada Scut (o melhor de dois mundos - nem financiamento do estado nem portagens para os utilizadores), depois das negociações para acabar com elas e reduzir a carga fiscal insuportável que as famigeradas Scuts impunham, o TC foi analisar os resultados das negociações, calculou-lhe as consequências, e, ao retardador, como é da praxe, vem declarar que, se estávamos a ser tramados, agora, que os contratos foram renegociados, passamos a ajoujar com mais impostos ainda.


É a vida!

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É demais.
Quem é que disse que somos muito diferentes dos gregos? Diferentes, talvez. Mas não muito.

Wednesday, May 30, 2012

O JOGO DA CABRA CEGA

Agora que tinha ganho a Taça de Portugal,  o Tribunal da Relação de Coimbra condenou nesta quarta-feira o presidente da Académica, José Eduardo Simões, a seis anos e meio de prisão para presidente da Académica, confirmou ao PÚBLICO o seu advogado, Rodrigo Santiago.


Lembra-te, Briosa, que o Supremo faz descontos.

NÂO É UM DIAMANTE

Para quem nasceu no seio de uma sociedade livre, a democracia afigura-se-lhe como um valor imperdível mesmo que as principais estruturas do seu travejamento apresentem fissuras expostas e seja frequente rangerem-lhe as articulações. Se o desenvolvimento humano é incipiente ou retrocede, se a justiça não vai além de um arremedo, a democracia estiola e acaba por sucumbir aos pés da demagogia. 

Em grande parte das sociedades mais desenvolvidas,  na Europa, na América do Norte, no Japão, onde a democracia prevalece, o crescimento económico estagna ou é negativo, o desemprego sobe imparável, o sistema financeiro ameaça implodir por ignição dos stocks ainda incalculáveis de activos tóxicos que espoletaram a crise nos EUA que depois se propagou à Europa descobrindo cascatas de vulnerabilidades que como cumulonimbos prenunciam temporais.

A situação política na Grécia e a sua próxima evolução constitui uma ameça à solidez da moeda única, e, por tabela, da zona euro, e até da continuidade da União Europeia, na sua actual configuração. Mas, se as perspectivas futuras dos resultados da roleta grega são angustiantes, a evolução da situação em Espanha e, nomeadamente, a evidência acumulada das fragilidades  do seu sistema financeiro, não é menos preocupante.

Há, portanto, hoje um cocktail feito de desespero dos desempregados a que pode vir juntar-se um caos financeiro global se, para lá da pendência grega se seguir uma onda de impacto com uma dimensão muito superior.

É neste contexto que a dúvida se instala, os demagogos rejubilam, os inimigos da democracia crescem, paulatinamente por agora, eleitoralmente por quase toda a parte, porque aqueles que a crise cilindra não vislumbram o mínimo sinal de um futuro melhor. 

Philip Roth imaginou em "The plot against America" que sociedade norte-americana resultaria de uma vitória de um simpatizante nazi nas eleições presidenciais que, putativamente, teria disputado com Franklin Roosevelt. Inimaginável, considerará quem considerar que as raízes da democracia norte-americana mergulham no ADN de liberdade que mobilizou os colonos que lançaram os alicerces da nação.

Inimaginável mas possível se a democracia permitir que os cidadãos se percam no turbilhão que um terramoto financeiro pode provocar.

Em grego moderno, democracia é apenas um termo antigo. A democracia grega dos tempos modernos é jovem e descuidada. Volúvel, portanto, e disponível para outros encontros. Repito-me: Putin deve andar a rondar-lhe a porta.

Tuesday, May 29, 2012

OFERTA DE EMPREGO

Apesar das taxas de desemprego na Europa e nos EUA terem subido para níveis não registados há muito,
há países onde empresários, segundo os resultados de um inquérito da ManpowerGroup realizado em 41 países junto de 40 mil empregadores, responderam que têm dificuldades em recrutar electricistas, canalizadores, pedreiros, sobretudo,  mas também engenheiros e vendedores. (vd aqui)

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Alguns destes resultado são surpreendentes, outros nem tanto. Brasil, Índia, México, China, são países com níveis de emigração elevados. Mas, tem de reconhecer-se que não é frequente depararmo-nos com emigrantes brasileiros, indianos, mexicanos ou chineses ocupados com as capacidades mais procuradas segundo o inquérito da Manpower. 

Estarão os centros de emprego em Portugal cientes desta procura, sobretudo em países da União Europeia, e a diligenciar a colocação de desempregados da construção civil nesses países?
Pode ser politicamente incorrecto dizê-lo mas o desemprego provocado pela quebra de actividade na construção civil e obras públicas veio para ficar por muito tempo em Portugal.
E a mobilidade do trabalho na União Europeia é um pressupostos da sua criação.

A VOLTA DOS CORONÉIS

- Como é que a Grécia pode sair do euro?
- A Grécia não sai do euro. Os gregos querem continuar com o euro. Até Alexis Tsipras diz que quer manter a Grécia no euro.
- É o que ele diz. Mas também diz que vai rasgar os compromissos assumidos no âmbito da ajuda externa. 
- Ele nunca será primeiro-ministro.
- E porquê? Se vencer as eleições, como indicam as sondagens, terá um bónus de 50 deputados, atribuído pela Constituição ao partido vencedor. Se ultrapassar os 33% dos votos, o parlamento grego é composto por 300 deputados, consegue a maioria absoluta. Mas ainda que não atinja os 33% e se fique pelos 30% que lhe dão as sondagens, contará, de longe, com a maior representação parlamentar. Em qualquer caso, o governo que sair das eleições de Junho não pode deixar de contar com o Syriza. 
- Admitamos que será como dizes. Admitamos, então, que ele, como tem prometido, renega a dívida.
O que é que acontece?
- A Merkel tentará convencê-lo a pagar alguma coisa para que a Grécia se mantenha na zona euro. Como nenhum membro pode ser expulso nem decidir sair unilateralmente, haverá negociações e revisão de compromissos. É o que o Tsipras quer. Mas se as eleições forem ganhas por um qualquer dos outros, mais tarde ou mais cedo haverá revisão dos compromissos assumidos com a troika. A Grécia não consegue suportar a carga que lhe colocaram em cima. E que ela deixou. Aliás, passa-se o mesmo com Portugal. A carga é menor mas mesmo assim é insuportável. 
- Mas se a Merkel (isto é, os alemães, porque a Merkel, também ela, dança conforme a música que lhe tocam os eleitores) se a Merkel recusar?
- Teremos o caldo entornado. O Tsipras não pode recuar tudo. Se a Merkel não recuar nada, o rato sem saída, atira-se ao gato. Pede ajuda aos russos (a Putin), sai da NATO, e imprime dracmas. Por exemplo. Temos que admitir que não sendo o tipo tolo de todo terá já pensado em tudo isso.
- A Grécia ficará isolada.
- Por uns tempos. Depois, essa fase de isolamento passa. A menos que ...
- ... a menos que o caos se instale, e voltem os coronéis.
- É uma hipótese. Os norte-americanos não vão ficar especados à espera que os europeus reajam.
Os europeus estão demasiado velhos para reagir. O problema da Europa é a velhice.
- Voltam os coronéis, portanto.
- Já disse. É uma hipótese. Ainda há muitos coronéis na Grécia.   Podemos não acreditar neles, mas que os há, há.

Monday, May 28, 2012

LAGARDE, AOS GREGOS


Ajudem-se! Habituem-se a pagar os impostos que devem!

Christine Lagarde não podia ter sido mais dura para com aqueles que na Grécia não pagam impostos, e são muitos. Mas são sobretudo os lucros chorudos e as enormes fortunas que se escapam até pelas complacentes malhas constitucionais.  

Ninguém, em geral, gosta de pagar impostos, mas os gregos geralmente não os pagam.
É, aliás, sintomático desta idiossincrasia grega o facto de mais do que reclamar o povo que os armadores e outros enormíssimos senhores paguem o que devem pagar entenda que devem ser os outros europeus a pagar-lhes as contas. O líder do Syriza, Alexis Tsipras, que pode sair vencedor das eleições de Junho, promete rasgar os acordos que valeram até agora a ajuda externa à Grécia sem que, também ele, prometa seja o que for no sentido de moralizar a sociedade grega em matéria de cumprimento das obrigações fiscais.*

Christine Lagarde disse mais: São mais preocupantes os problemas das crianças que vivem na África subsariaana do que os problemas dos gregos.

Quem duvida?
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*Act.- Dizendo isto não digo que seja possível à Grécia cumprir integralmente os compromissos assumidos no âmbito do acordo de ajuda externa contando apenas com o crescimento das receitas fiscais.
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África é o continente mais deficitário em alimentos.
É preciso uma revolução na agricultura em África, defende o Economist desta semana.

CRESCE E APARECE

"Precisamos de políticas de crescimento e emprego!", ouve-se por todo o lado.
Mas que emprego? Ninguém diz, provavelmente porque ninguém sabe.
Primeiro, a concorrência oriental, depois a concorrência de leste, forçaram o encerramento ou a deslocalização das indústrias de confecções, calçado, e outras actividades de baixa tecnologia. Depois, quando o crédito se esgotou, parou a construção e obras públicas, alguma vez, em qualquer caso, teriam de parar.

E agora, que emprego para quem está desempregado daquelas actividades ou ainda não teve actividade alguma? Que esperança pode ter esta gente no futuro próximo em Portugal? 

O jornalista fez a pergunta que se impõe ao Conselho dos Doze do Expresso Economia: "Desemprego na construção, comércio e restauração pode ser substitutuído? Por que actividades"  ( 26 de Maio - Os mágicos da criação de emprego).
E os mágicos, como é da arte, responderam  com truques de linguagem.
São doze, faltou um, mas nenhum deu uma, uma sequer, para a caixa.
Por exemplo,

O eterno superdotado jovem com um promissor futuro, ex-ministro das Finanças, saiu-se com esta: "Programas para substituir desemprego por empregos de emergência, que não dispensam a urgência de compreender e corrigir as graves inviabilidades que acumulámos ao longo de duas décadas".
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Um dos ex-ministros da economia que tivemos ao longo de duas décadas, voltou a repetir: "A solução para o desemprego é o investimento em actividades com futuro e mercado. O investimento requer confiança e competitividade. A emergência requer aceleração das reformas e maior cuidado no apoio aos atingidos pela crise" .

Outro ex-ministro das Finanças garante que "A recuperação do emprego depende do crescimento"

A velha senhora do Banco de Portugal sugere: "Medidas de emergência seriam uma ilusão. Alternativa: criar um mercado de trabalho moderno, assente em mecanismos de reputação baseados no mercado, e simplificar as relações laborais ao abrigo de um contrato único" 

Um que não foi mas gostaria ter sido ministro da Economia afirma que "Sem uma estratégia não sairemos do atoleiro em que estamos metidos"

O Cassandra de serviço permanente recomenda "As das chamadas "políticas activas" com o limitado alcance que têm"

Quem é que, estando desempregado, lendo os depoimentos destes mágicos, não emigra?

PORTUGAL AO NATURAL

Simplesmente execrável!

O governo vai obrigar-nos a pagar dívidas de Aprigío Santos no montante de 130 milhões de euros.

Quem é Aprígio dos Santos?
É um escroque.
Uma parte significativa da austeridade  que estamos a suportar (os que estão, porque há muita iniquidade na austeridade), destinou-se ou vai destinar-se ao pagamento das burlas e outras habilidades de escroques que continuam, e continuarão à solta. O Aprígio é um deles.

Sunday, May 27, 2012

E TOCA O MESMO

"Há dez mil casas por estrear no perímetro da cidade do Funchal. ... E há cada vez mais lojas fechadas"
"Numa das encostas viradas para poente, um condomínio de 60 moradias T3 geminadas, com garagens para três carros e banheiras de hidromassagem, parece abandonado, debaixo do cartaz que anuncia "um sonho tornado real" por 189 mil euros e financiamento garantido a 100% pela Caixa Geral de Depósitos"
"A Madeira tem uma população pouco maior do que os Açores (com 245 mil habitantes)"  
(Expresso/Revista - 19 Maio)

Este é mais um exemplo do desvario que percorreu Portugal nas últimas décadas, turbinado pela demogogia política, pela ganância dos banqueiros, e pela irresponsabilidade daqueles que deveriam ter prevenido o desastre e, por incompetência ou pusalinimidade, deixaram correr o marfim.

E nem mesmo depois da casa arrombada se colocam trancas na porta. A liberalidade do financiamento ao imobiliário a 100%, incluindo algum para os móveis e mais algum para umas férias lá fora, subsiste da forma mais descarada.   

Os caixeiros (delegados do governo nomeados administradores da Caixa) não só continuam as mesmas práticas que levam o banco do Estado a pedir capitais públicos (i.e., dos contribuintes) para recapitalizar o mastodonte, como requisitaram isenção de medidas de austeridade para o seu funcionalismo, alegando encontrarem-se num mercado concorrencial. Um argumento risível que, se neste país se prestasse mais atenção a quem domina o bolo do que a quem domina bola, teria sido vaiado por todas as bancadas.

Se a Madeira tem uma população de cerca de 245 mil habitantes, não erraremos muito se estimarmos que o número de famílias será, quanto muito, um terço, cerca de 80 mil. Segundo o artigo publicado na Revista do Expresso há, só no perímetro do Funchal, cerca de 10 mil casas por estrear, ou seja 12,5% do número de famílias. A quem contavam os caixeiros e os banqueiros que fossem vendidas tantas casas na Ilha quando financiaram a construção e agora financiam a compra? Contavam com a rede do Estado, i.e., com o dinheiro dos contribuintes para os safar quando rebentasse a bolha.

Outro exemplo: Pergunta o jornalista do Expresso, em entrevista publicada no suplemento Economia de ontem, ao presidente do Santander Totta, "O que pode ser feito para resolver este problema (que mais o preocupa, o desemprego)". Responde o presidente do Santander Totta (um banco integralmente detido pelo Santander, o maior banco espanhol e um dos maiores do mundo) : " ... um programa especial que permita (aos desempregados) apresentar projectos à banca a serem encaminhados para um instituto que prestaria uma garantia pública".

Os colectivistas idolatram o Estado, os liberais chupam-lhe oportunidades até ao tutano. Destes, banqueiros e caixeiros não dispensam o conforto das tetas públicas. Sem qualquer resquício de pudor.

Saturday, May 26, 2012

POR QUE É QUE A CHINA CRESCE TANTO?

Porque investe muito.
Contrariamente à ideia muito generalizada que o seu crescimento é devido essencialmente às exportações.
A China é também um grande importador.

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c/p  Economist

A HORA DA VERDADE

O cerco aperta-se. Aos resultados da repetição das eleições na Grécia que podem colocar a extrema esquerda no poder e destroçar um sistema financeiro já fortemente abalado, juntam-se as notícias do progressivo agravamento da situação dos bancos espanhóis, com particular destaque, pela sua dimensão, o Bankia, já parcialmente nacionalizado.

Segundo El País, o relatório do Bankia publicado ontem avisa os accionistas que podem perder tudo se não reforçarem as suas participações. Em 2011 as perdas do Bankia atingiram os 2979 milhões de euros, um valor que estrondosamente contrasta com o lucro de 305 milhões que havia sido apresentado há três meses.
Em consequência destes resultados e das exigências impostas pela UE o Bankia pede agora que o estado espanhol injecte 19 mil milhões de dinheiro público, que se somarão aos 4465 milhões que já recebeu. As contas foram visadas pelos auditores que, no entanto, registaram reservas. Os activos tóxicos do Bankia decorrentes essencialmente de financiamentos ao sector imobiliário elevam-se agora a 30950 mil milhões; o volume de activos tóxicos detidos pelo BFA (Banco Financiero y de Ahorros) é ainda mais elevado mas as suas contas ainda estão a ser objecto de reformulação. Como o BFA consolida nas suas contas os resultados do Bankia, o montante dos activos tóxicos contabilizados no BFA já atingem os 41500 milhões antes da reformulação em curso das contas do BFA. 

Este é apenas um exemplo (embora, em princípio, o mais saliente em Espanha), das primeiras previsiveis consequências de uma derrocada de um grande banco sobre um sistema com diversos níveis de interdependência.

É neste contexto resultante de uma política de irresponsabilidade resultante da conivência entre a ganância dos banqueiros e a demagogia dos políticos, que a União Europeia tem de decidir se vai prosseguir no sentido da integração política ou do desmantelamento da obra edificada até agora.

Ontem, comentei o contexto em que tal decisão tem de ser tomada, e resumi algumas afirmações contidas num longo artigo (mais um entre centenas) que o Economist já dedicou ao tema. Curiosamente, enquanto o futuro de Portugal passa pela Europa, por melhor que seja sucedida uma política atlantista que muitos defendem, jornalistas, comentadores, analistas, políticos da oposição e do governo, esgotam e esgotam-nos o tempo com temas com que costumavam vender os tablóides.  

No fim de contas, pensarão muitos, que podemos nós fazer para impor seja o que for à dona da loja, a senhora Angela Merkel? Merkel, por opção ou inevitabilidade, tornou-se protagonista da crise, oxalá não seja protagonista do início do desmembramento da União e do conflito cultural que ele desencadear.

Cito, a seguir, um resumo da segunda parte do referido artigo do Economist:

"A Alemanha é culpada da crise? Muito, segundo alguns entusiastas federalistas. Para o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble, a moeda única foi à partida uma passada no caminho para uma integração plena da Europa. Mas
para lá chegar é preciso haver harmonização fiscal e centralizar o poder de decisão, a Comissão Europeia deverá ser eleita e devem ser atribuídos novos poderes ao Parlmento Europeu. Contudo, não é oportuno avançar quando o euro está à beira do colapso e os eleitores serão coagidos a votar numa situação ameaçadora. Com o tempo, a Europa voltará a crescer e  as novas instituições ganharão legitimidade."

"Aproveitar a crise do euro como uma oportunidade para federalizar a UE provocaria um equívoco eleitoral. A geração do pós-guerra que via na UE um baluarte contra um novo conflito báelico está a a desaparecer ... Hoje não é evidente que os europeus sintam o mesmo...O projecto de Constituição foi abortado, o Parlamento Europeu está muito distante."

"Uma outra versão de um super estado europeu consistiria na aceitação da continuidade das políticas nacionais mas aumentar o poder de controlo do governo de cada país sobre os outros. Contudo, a crise do euro veio demonstrar que
as decisões colectivas são muito difíceis e os países mais pequenos receiam a influência excessiva dos maiores. Se Berlim paga as facturas e diz ao resto da Europa como devem comportar-se, arrisca-se a fomentar um nacionalismo destruidor e uma animosidade contra a Alemanha. Por outro lado, reforçaria a propensão para a saída dos membros mais liberais na perspectiva económica"   

"É por isso que defendemos um caminho que limite a partilha da carga da dívida e a transferência de soberania. ... A zona euro necessita de um sistema global de supervisão bancária (uma ideia que Wolfgang Munchau adiantava há dias no FT, que comentei neste caderno), recapitalização, garantia dos depósitos, e regulação. Os governos da zona euro serão capazes de dominar e reduzir as suas cargas fiscais se houver mutualização da dívida acima de determinados limites (outra ideia já várias vezes adiantada por alguns economistas). Mas em qualquer caso a resposta não é transferir tudo para a UE." 

"Haverá (mesmo assim) mudanças enormes. Os políticos deixarão de pressionar os bancos nacionais para apoiarem empresas nacionais (inviáveis) ou comprar obrigações do tesouro. Os bancos deixarão de ser espanhóis ou alemães mas progressivamente europeus. Trata-se de uma integração limitada à finanças quando as fronteiras económicas há muito foram abolidas" 

"A integração fiscal pode também ser limitada. Não há necessidade para Bruxelas se ocupar dos impostos sobre o consumo nem de toda a dívida de cada estado membro. O que é preciso é que os países sobreendividados tenham acesso ao crédito e que os bancos tenham uma carteira de activos não principalmente ligados às circunstâncias de um  país."
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"Até agora, Angela Merkel tem-se oposto a todas as formas de mutualização ... Se adoptasse a sugestão (do Economist, e não só), a Alemanha pagaria pagaria mais do que paga pela sua dívida, subsidiando os credores em risco, mas não seria uma federalização total da dívida. ... Estas emissões de dívida conjunta não contrariariam as restrições constitucionais da Alemanha."

"Mesmo assim uma versão limitada de federalismo é complicada. Um regulador bancário único pode exigir alterações  aos tratados, que pode ser dificultada pelo facto de dez membros da UE não fazerem parte da zona euro..."

 "...Uma questão subsiste para além de tudo isto: Estarão os alemães, os austríacos ou os holandeses suficientemente solidários com os italianos, os espanhóis, os portugueses e os irlandeses para pagar a conta? Pensamos que eles teriam interesse nisso. Chegou a hora da verdade para os líderes europeus, e especialmente para Angela Merkel, decidirem"

Friday, May 25, 2012

PARA ONDE VAIS UNIÃO?

"Um versão limitada de federalismo é uma solução menos má que uma implosão do euro" 

É a mensagem chave do Economist desta semana num artigo sobre a opção que a União Europeia não pode deixar de tomar quando as circunstâncias, cada vez mais próximas, não consentirem mais paliativos.

Há muito tempo, e várias vezes anotei neste caderno, que não vislumbro outra alternativa para a Europa se não uma fórmula de federalismo mínimo se a União Europeia, onde o peso da Alemanha é preponderante, quiser continuar a existir. Contudo, segundo a edição do semanário Der Spiegel, citada aqui, o governo alemão prepara-se para apresentar um plano de seis pontos de solução para a crise, de entre os quais a criação de zonas francas nos países mais fragilizados. É cada vez mais claro, se esta notícia se vier a confirmar, que Merkel quer continuar a adiar o confronto inevitável com a realidade. 

É por demais evidente que o avanço para o federalismo, mínimo que seja, exige uma passada que não será fácil dar, não só pela compatibilização de valores culturais estruturantes de uma maior integração política como pelo lastro de nacionalismo ainda preponderante num continente historicamente sempre muito repartido. Por outro lado, é na defesa desses valores culturais que reside o factor mais determinante para a continuação da construção europeia. Uma construção que necessita agora de colocar o telhado sob pena de se desmoronarem as estruturas erguidas durante mais de cinco décadas.

Segundo os resultados de uma sondagem revelados ontem, o Syrisa aumentou para 30% a sua posição nas intenções de voto na repetição das eleições dentro de 3 semanas e é cada vez mais evidente que os gregos vão esticar a corda até aos limites da ruptura, convencidos de que a construção europeia não pode prescindir deles. Há muito tempo que também referi neste caderno de apontamentos que a questão grega é, mais de que uma questão financeira (ainda assim crítica pelos reflexos desastrosos mas incalculáveis que uma bancarrota grega poderá determinar) uma questão política. Se a União Europeia deixa cair a Grécia, seguramente que a apararão os norte-americanos (já é hábito virem os norte-americanos solucionar os desaguisados entre europeus) ou os russos. O Expresso do fim-de-semana passado dedicou um longo artigo a esta perspectiva. O que é estranho é que a questão da importância geoestratégica seja preponderante e, continue,  aparentemente, a ser quase ignorado nos comentários dos mais citados analistas internacionais.
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Cito, a seguir, algumas das afirmações do artigo do Economist que comecei por referir:
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"A Chanceler Angel Merkel continua a argumentar que a ameaça do colapso do euro é fundamental para obrigar os governos a prosseguirem com as reformas. Mas esta diplomacia arriscada está a corroer o futuro do euro..."
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"No verão passado o Economist defendeu que para travar a espiral descendente da Zona Euro era necessário que os bancos fossem recapitalizados, que o BCE tivesse capacidade de suporte ilimitado ao sistema financeiro, e terminasse a obesessão germânica pela austeridade ... Lamentavelmente, (tal não aconteceu) ... e a crise aprofundou-se" 

"Nos meses mais recentes concluímos que, quer a Grécia saia, quer a Grécia se mantenha no euro, um resgate exige mais. Se o que se pretende é banir o espectro de uma colapso, a zona euro tem de juntar esforços e, em conjunto, garantir liquidez aos seu maiores bancos e emitir eurobonds para partilhar o esforço da dívida ... A evolução para o federalismo preocupa muitos europeus. É um jogo, mas chegou a hora de arriscar alguma coisa.  Rumores de corrida aos bancos na periferia da Europa colocou depositantes e inestidores em alerta. A zona euro necessita de um plano"    
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A propósito da existência ou não de um plano de contingência para a eventual saída da Grécia, que o comissário europeu para o comércio Karel de Gutch disse esta semana estar em preparação, mas que o comissário das finanças Olli Rehn negou, ouvi na rádio há cerca de uma hora de Gutch reafirmar a existência desse plano porque, segundo ele, seria uma grande irresponsabilidade que esse plano não existisse. Parece evidente, e comentei nesse sentido.
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"Está o euro livre de um colapso? Mesmo os mais entusiastas da moeda única reconhecem agora que o euro foi mal introduzido e pior encaminhado ..."
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"Os que defendem o colapso do euro imaginam um divórcio amigável. Cada governo será livre de decretar que os contratos internos - depósitos e empréstimos, preços e salários, passarão a ser denominados nas novas moedas nacionais. Para evita corridas aos bancos, especialmente nas economias mais frágeis, haverá um período de encerramento e limitação aos levantamentos. Para evitar fugas de capital, haverá controlos impostos pelo governo" 
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"Tudo bem, excepto a desconfiança das pessoas de que a mudança traria mais benefícios que prejuízos ... desencadear-se-ia uma cascata de falências e de processos judiciais. Os governos com défices orçamentais seriam obrigados a reduzir drasticamente as despesas e a imprimir moeda" 

" E este é o cenário optimista. Muito provavelmente, haveria um colapso global dos mercados bolsistas, corridas aos bancos, e o colapso global no fim de tudo. As desvalorizações nas economias mais frágeis e a apreciações nas economias mais robustas seriam desvastadoras para os produtores nestas. O controlo de capitais é ilegal na UE  e o colapso do euro não está previsto na lei, pelo que toda a união entraria num limbo de ilegalidade ... Resumidamente: sem movimento livre de mercadorias, pessoas e capitais, pouco sobraria da UE "
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"O colapso do euro seria uma prenda para os populistas, anti globalização, como Marine Le Pen .."  

"A zona euro enfrenta hoje problemas muito profundos. Os bancos e os seus governos serviram-se uns aos outros como bêbados em sexta-feira à noite. ... (agora) quando as taxas de juro da dívida subiram e as economias estagnam os empréstimos são impagáveis ... "

"Estas as razões pelas quais concluímos que os membros da zona euro devem partilhar a carga da dívida global. A lógica deste raciocínio é muito simples: O problema da zona euro não é o elevado nível da dívida pública (cerca de 87%) contra mais de 100% nos EUA, mas o facto de estar fragmentada. Do mesmo modo os bancos não são demasiado grandes considerando a globalidade da UE, mas para cada governo individualmente considerado."

"Para sobreviver, a Europa tem de se federalizar mais: o que está em causa é quanto mais." 
(Continua)

Thursday, May 24, 2012

O QUE É QUE NOS FALTA?

Há dias dizia-me o L., que Portugal tem um dos mais elevados índices de tractores por área cultivável ,  a propósito do meu deslumbramento com a actividade agrícola visível em toda a Suíça, que voltei a anotar aqui há uns dias atrás. Entre a quietude da paisagem musicada pelos chocalhos dos bovinos, a vibração incessante dos tractores, lembrando-me as abelhas nestes dias floridos à procura do néctar. E, como há muitas décadas atrás, quando atravessámos a Suíça pela primeira vez, o mesmo cheiro a estrume.
Atravessa-se Portugal de norte a sul, do litoral para o interior, e encontra-se aqui e ali um tractor que mexe, outro que vai pela estrada, a pecuária é escassa, o estrume invisível.

Não consegui confirmar* a informação, mas , segundo um dos quadros de um conjunto da autoria de J. César das Neves, que L. me enviou, em 2003 havia em Portugal 1136,5 tractores por cada 100 km2 de terra arável; no Reino Unido 883,6, ou seja menos cerca de 78% da densidade tractorial em Portugal.

Mas se não encontrei dados que confirmassem a nossa superior mecanização agrícola, a que, inversamente, corresponde uma baixíssima produtividade global no sector, encontrei aqui uma notícia publicada há um ano acerca do número de acidentes com tractores em Portugal que nos coloca em segundo lugar deste negro ranking, logo (tinha que ser) a seguir à Grécia. Para tanto acidente, de algum modo deve existir um elevado número de tractores em Portugal. É curioso, aliás, que sendo Portugal e a Grécia os dois países da UE com maior dependência alimentar do exterior sejam aqueles onde há maior número de acidentes com tractores.
.
A nossa dependência alimentar do exterior não é, portanto, consequência de falta de investimento na mecanização do sector. Então, o que é que falta? Dimensão média da propriedade agrícola**. Qualquer actividade económica requer dimensão competitiva susceptível de atrair mais capacidade humana. 
Com o tempo, a estrutura da propriedade fundiária tem vindo a alterar-se, mas de forma muito lenta, considerando o intervalo que é necessário colmatar. 

A ministra da agricultura prometeu há já algum tempo tomar medidas que atalhem caminho nesta evolução lenta. Depois foi o silêncio.
Da ministra e dos tractores. Que apesar de frequentemente parados, produzem número acidentes quase record. Vá lá saber-se porquê.
  ---
*Num relatório sucinto do INE dos resultados do Recenceamento Agrícola de 2009 (Trata-se da 2ª maior operação censitária realizada em Portugal, que envolveu uma equipa de 2 100 colaboradores e um custo estimado de 16,9 milhões de euros.) nenhuma indicação é dada acerca do número total de tractores recenceados naquele ano nem feita qualquer comparação com os outros países da União Europeia.

Entre 1999 e 2009 observou-se um aumento da mecanização, comprovado pelo facto de 6 em cada 10 explorações disporem de tractor próprio, mais duas do que em 1999. Outro indicador de melhoria das condições de mecanização foi o aumento observado no número de tractores por 100 hectares de SAU, que passou de 4 para 5 unidades em 2009.
Nas explorações com menos de 1 hectare de SAU, apenas duas em cada 10 explorações possuem tractor,
aumentando para 5 quando se consideram as unidades produtivas entre 1 e 5 hectares de SAU. Apenas nas explorações com mais de 10 hectares se verifica a existência de mais de 1 tractor, em média, por exploração, ultrapassando os 2 tractores nas explorações com mais de 200 hectares de SAU.
**
...nos últimos dez anos desapareceram 112 mil explorações e a respectiva superfície recuou mais de 450 mil hectares. A dimensão média das explorações agrícolas aumentou 2,5 hectares em termos de Superfície Agrícola Utilizada (SAU), situando-se em 11,9 hectares. Todavia, cerca de 75% das unidades produtivas ainda exploram menos de 5 hectares de SAU. A paisagem agrícola alterou-se significativamente, reorientando-se para sistemas de produção extensivos: diminuíram as terras aráveis, aumentaram as pastagens permanentes, que já ocupam metade da SAU e reduziu-se o número de efectivos pecuários. O retrato do agricultor típico reforça a importância social desta actividade, em que 80% do volume de trabalho agrícola é realizado pela mão-de-obra agrícola familiar. No entanto as empresas agrícolas, que representam apenas 2% do universo das explorações, são já responsáveis pela gestão de 25% da SAU.

Wednesday, May 23, 2012

ADVOGADOS


Uma barata tonta (1)

JN - 07-05-2012

Três antigos bastonários da Ordem dos Advogados ligados ao negócio das arbitragens (essa justiça privada e clandestina tão zelosamente promovida pelo actual governo) vieram atacar-me pessoalmente por eu ter criticado a ministra da justiça no programa da SIC «Conversas Improváveis», onde dissera que ela é uma barata tonta e uma pessoa traiçoeira em quem não se pode confiar.

António Pires de Lima, que já não se lembra dos insultos que dirigira a António Guterres, José Sócrates, Alberto Costa e Alberto Martins, veio dizer ao semanário Sol que eu devia «andar a puxar uma carroça em Lisboa». Ele, que há uns anos comparou o Ministério Público à Gestapo de Hitler e à PIDE de Salazar e que antes do 25 de Abril fora advogado de uma das mais ferozes forças de repressão da ditadura, defendeu a actual ministra afirmando que ela «tem feito o possível, o que não pode é fazer milagres». Confessou ainda «ter a maior consideração» por ela e desejou-lhe «boa sorte». Ámen!

Júlio Castro Caldas, sócio do chefe de gabinete da ministra, veio também a público afirmar que ela fora alvo de uma «pública injúria com intenção de ofender» - um acto para o qual nem «o histrionismo de carácter, estimulado pelo talk-show, é atenuação suficiente». Castro Caldas tem motivos para vir em socorro da ministra, pois, além de interesses comuns nas arbitragens, foi nomeado por ela para a Comissão de Revisão do Código de Processo Civil. Também tem motivos para me atacar dessa forma descabelada pois, em tempos, escrevi um artigo sobre um bastonário da OA que fora alvo de uma participação de um juiz por se ter descoberto em plena audiência de julgamento que na véspera ele tinha reunido com as testemunhas do seu cliente, suspeitando o juiz e o advogado da parte contrária que essa reunião fora para as industriar. Claro que Castro Caldas foi absolvido pelo conselho Superior da OA, quando Júdice era bastonário, pois, em regra, esse tipo de comportamento só constituía infracção disciplinar quando visava advogados mais modestos, de preferência da província.

José Miguel Júdice que, enquanto bastonário da OA, tentava, entre outros negócios, vender submarinos ao governo, veio rasgar as vestes em público, dizendo que eu ultrapassei «todos os limiares da boa educação» por ter feito as declarações que fiz «contra uma senhora que está a desempenhar o seu papel da melhor maneira que pode e sabe». Refira-se que Júdice aumentou e muito a sua fama de «bem educado» pela forma elevada como em tempos tratou o bastonário Rogério Alves, o presidente do Conselho Superior, Luís Laureano Santos e o seu vogal, Alberto Jorge Silva, por lhe terem instaurado um processo disciplinar por, em declarações públicas, exigir que o estado consultasse sempre a sua sociedade de advogados. Também contribuiu para a sua láurea de boa educação, a forma elegante como passou a referir-se a outra «senhora», a antiga ministra da justiça Celeste Cardona, depois de o então ministro da defesa, Paulo Portas, ter preterido o cliente do escritório de Júdice na compra dos tais submarinos.

Júdice, que se demitiu do PSD para ir ganhar dinheiro com José Sócrates e António Costa (de quem foi mandatário à Câmara de Lisboa) quando Luís Marques Mendes era presidente do partido, terá agora de fazer muitos mais exorcismos públicos como este para voltar a estar em condições de facturar como na altura em que Durão Barroso e Santana Lopes chefiaram o governo. Recorde-se que, nesse tempo, o escritório de Júdice recebia, só de uma empresa pública, dois milhões de euros por mês (um milhão em cada 15 dias), supostamente, por assessoria jurídica. Por outro lado, a sua boa formação está lapidarmente evidenciada numa entrevista ao JN, em que, pronunciando-se sobre a Zona Ribeirinha do Tejo, para cuja administração José Sócrates acabava de o nomear presidente, disse: «Aí sinto-me um ginecologista. Trabalho onde espero que muitos se divirtam».

Enfim, são três antigos bastonários que, por inconfessados interesses pessoais, não hesitam em atacar publicamente o bastonário da OA em exercício, unicamente para cair nas boas graças do poder político. Estranha noção de dignidade, a deles.

Uma barata tonta (2)

 2012-05-14

Na semana passada respondi a três antigos bastonários que me atacaram por eu ter chamado barata tonta à ministra da Justiça. Hoje respondo a Miguel Sousa Tavares que disse que, com essa crítica, eu dera um tiro na cabeça. Na minha! Descontando a imagética, vamos ao que interessa.

No Wikicionário a expressão «barata tonta» significa «pessoa confusa, pessoa desorientada» e na lista de expressões idiomáticas da língua portuguesa da Wikipédia significa «perdido, desorientado, sem saber o que fazer». Essa expressão já foi aplicada, sem alarido, a uma ministra da Educação de José Sócrates e à presidente do Brasil Dilma Rousseff. Vejamos então por que a aplico à ministra da Justiça.

Toda a sua atuação tem sido a de uma pessoa perdida e desorientada que se guia pela instabilidade dos seus estados de alma e pelas manchetes dos tabloides de Lisboa. Estes falam em corrupção? Logo ela anuncia que vai acabar com a «impunidade absoluta» da corrupção (como se isso dependesse de um ministro). Acusam o seu arqui-inimigo Isaltino de Morais de tentar atrasar um processo? Logo ela vem dizer que vai acabar com os expedientes dilatórios. Em vez de pôr os tribunais a decidir mais depressa e de punir quem abusa do direito, ela quer punir todos indiscriminadamente, cortando direitos mesmo a quem os exerceu corretamente, pois isso rende muito numa opinião pública em processo acelerado de fanatização.

Duarte Lima não pode ser extraditado para o Brasil? Ignorando a Constituição ela vai à TV dizer que sim. Os crimes do «estripador de Lisboa» já prescreveram? Ela afirma que vai aumentar os prazos de prescrição (embora depois se focalize mais no processo de Isaltino). Há julgamentos por furtos de valores insignificantes enquanto os grandes roubos ficam impunes? Logo ela anuncia que vai onerar os custos da Justiça para as vítimas desses pequenos delitos, assim desviando a atenção dos golpes de milhões dados sobretudo por antigos dirigentes do PSD que não foram a julgamento e sobre os quais ela nunca disse uma palavra. É convidada para ir à cerimónia de abertura do Congresso dos Advogados? Vai, agride moralmente quem a convidou e, numa insólita falta de respeito por todos, foge atabalhoadamente da cerimónia mal acabou o seu discurso com medo da resposta daquele que tão «corajosamente» acabara de atacar.

Muitos solicitadores de execução, incluindo o antigo presidente da respetiva Câmara, ficam com o dinheiro dos cidadãos e das empresas? Ela anuncia publicamente que há fraudes no sistema de apoio judiciário da OA, enxovalha publicamente os advogados e - pasme-se! - alia-se aos solicitadores no órgão de fiscalização das execuções. O Tribunal Constitucional tem um processo importante para o Governo? Ela pressiona-o publicamente para decidir no sentido que mais lhe convém. O bastonário critica-a? Ela retira à Ordem 1.400.000 euros anuais provenientes das custas judiciais pagas pelos clientes dos advogados. Fala-se que há uma justiça para ricos e outra para pobres? Logo acorre a dizer que é preciso acabar com essa diferença, como se não fosse, ela própria, a discreta advogada de alguns dos ricaços de Portugal.

A MJ é uma barata tonta também porque cria deliberadamente na opinião pública a ideia de que o mal da Justiça se deve apenas às leis e não também aos magistrados. Ela não tem uma palavra para o facto de estes se terem apropriado da justiça, violarem todos os prazos para praticar os seus atos processuais, demorarem, por vezes, anos a proferir as suas sentenças ou a decidirem recursos. Atente-se: em 1960 cada juiz concluía por ano 1069 processos, em 2000 esse número tinha baixado para 522 e em 2010 já só ia em 387 processos. E o que é que ela faz para corrigir isso?

E já não falamos da vergonha de tentar criminalizar o chamado enriquecimento ilícito em total violação da Constituição; de as prisões voltarem a estar a abarrotar; de as declarações dos arguidos no inquérito (mesmo perante os acusadores) valerem como prova em julgamento; de o juiz de instrução poder aplicar medidas de coação mais pesadas do que as pretendias pelo próprio MP; dos julgamentos sumários para crimes gravíssimos; da prisão obrigatória para crimes pouco graves; etc..

Uma ministra que assim age é ou não uma barata tonta?

CRESCER, OBVIAMENTE SIM. MAS COMO?

Ouvi ontem uma entrevista na Atena 1 a Silva Lopes acerca das consequências para Portugal de uma eventual saída da Grécia da Zona Euro. Naquele modo de responder muito seu, respondeu que tudo depende do perímetro da firewall que a União Europeia decidir levantar* se o sinistro ocorrer: Se passar por Lisboa, ficamos defendidos, se fica por Badajoz, estaremos condenados a sair no mês seguinte aquele em que a Grécia sair. Parece óbvio. Já me parece menos óbvio que a União Europeia consiga levantar a tal firewall  de protecção a Espanha se não forem activados mecanismos suficientemente eficientes, que hoje não existem,  para combater um sinistro com dimensão espanhola. E, se vierem a existir, é pouco provável que não protejam Portugal considerando a nossa relativamente pequena dimensão no contexto ibérico e os níveis de integração económica e interdependência financeira entre os dois países.

Uma firewall, por definição, é uma barreira preventiva não uma força de combate. Acontece que essa firewall não existe, se existisse a sua cobertura seria conhecida e teria um efeito dissuasor contra as turbulências do sistema financeiro que hoje não tem. E esse é o problema com que a Zona Euro se debate no imediato: sem mecanismos suficientemente preventivos, os efeitos de uma corrida aos bancos na Grécia, será, racionalmente seguida de um comportamento idêntico dos depositantes em bancos espanhóis e portugueses, pelo menos. Se a Zona Euro (entenda-se, se a Alemanha &Cª) pretendem mesmo vir a adoptar a tal firewall pareceria mais sensato que não deveriam deixar atear as chamas na Grécia.

Portugal não tem nenhumas condições para evitar o colapso financeiro e económico se a União Europeia deixar de lhe conceder o apoio necessário. O nosso nível de envidividamento não permite ir aos mercados nos tempos mais próximos. Só o crescimento económico (como é que isso se consegue?)
nos pode devolver a capacidade para dispensar a ajuda externa. Por outro lado, sem crescimento económico não há emprego. Aliás, pode mesmo haver crescimento económico e não haver crescimento do emprego.

 Hoje, reunem-se em Bruxelas os líderes europeus. Ao jantar, segundo a imprensa, será servida a discussão da compatibilização da austeridade com o crescimento económico, e, consequentemente, da solvência dos países membros da Zona Euro a médio prazo. Merkel, antes de sair de Berlim, reafirmou que a discussão da mutualização da dívida (eurobonds) está fora de questão. Entretanto, ao mesmo tempo que a Espanha se debate com o crescimento dos juros da dívida pública, a Alemanha consegue as taxas de fiananciamento de sempre: 0,07%!

Não há firewall, e os investidores (chamem-lhe especuladores, se quiserem) não acreditam que venha a existir. Insiste Merkel que a mutualização da dívida incentivaria os endividados a afrouxarem com as reformas estruturais. E não parece que seja hoje que, ao jantar, a façam mudar de opinião. E a bancarrota grega, fará?

Também hoje se discute na AR um proposta de resolução do PS (vd aqui) para o crescimento e emprego.
É um documento que, apesar de muitas generalidades, deveria merecer a atenção do governo para, a partir dele, construir um plano de acções concretas que possam impulsionar o crescimento no contexto actual. Um plano que se determinasse pelas nossas capacidades, independentemente do que possa vir a resolver a senhora Merkel e os seus apoiantes.

Passos Coelho errou, já o referi neste caderno de apontamentos,  ao deixar o PS fora do barco do governo. Tem agora uma oportunidade para o comprometer com um plano que possa reanimar os portugueses.
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* Em itálico, as frases que retive das respostas de Silva Lopes. 

Tuesday, May 22, 2012

OCDE OUTLOOK

XEQUE MATE

Amanhã reunem-se os líderes europeus, pela primeira vez depois das eleições presidenciais em França e da primeira volta das legislativas na Grécia. Mesmo desconhecendo os resultados na segunda volta das legislativas gregas, todos os participantes sabem que a Grécia, independentemente dos resultados deste segundo escrutínio, não vai cumprir os programas de austeridade que lhe estão a impor. Nem a Grécia, nem Portugal, nem os que mais adiante se apresentarão na fila dos aflitos.

Hoje, a OCEDE junta-se ao coro daqueles que reclamam a emissão de eurobonds para salvar a Zona Euro, a União Europeia, e o sistema financeiro internacional de um abanão de consequências incalculáveis. Os gregos sabem que se forem ao fundo não irão sozinhos e não será o Syrisa, se por hipótese sair vencedor no próximo mês, que alterará os dados fundamentais que já são conhecidos: ou há uma alteração radical das posições alemãs ou o euro, que prometeu ser o cimento de uma união política europeia, estilhaçará uma união que começou a ser contruída há mais de sessenta anos.

Percebem-se as intenções de Merkel ao rejeitar liminarmente a emissão de eurobrigações e de todos os instrumentos que possam garantir a estabilidade da união europeia à custa do contribuintes alemães. Percebem-se pelo receio de que o controlo desse eventual custo lhe escape e que, consequentemente, possa embarcar numa espiral de irresponsabilidade colectiva sem meios para a conter.

O que está, fundamentalmente, em causa nesta encruzilhada é uma opção eminentemente política: ou a União Europeia progride claramente para a união política, que não estaria isenta de sérios conflitos, com orgãos de governo eleitos democraticamente, e a soberania de cada membro transferida para esse governo federal, ou, repito-me, adeus euro, adeus União Europeia.

Encontrar-nos-emos por aí a combater-nos uns aos outros.

Monday, May 21, 2012

DEUTSCH-AUSGANG

E como é que se sai disto?, pergunta-me o amigo L.
Não sei. Mas o grandessíssimo imbróglio é que aqueles que sabem, ou deveriam saber, não sabem, ou parecem não saber, por onde lhe pegar.

Em entrevista publicada na "Der Spiegel"citada aqui, Krugman volta a reafirmar que a saída da Grécia do euro é inevitável com as medidas adoptadas até agora. Ontem, Wolfgang Münchau, em artigo publicado no FT, que resumi aqui, apontava como única alternativa para evitar a corrida aos bancos na Grécia e, por contágio, em Espanha, e sabe-se lá mais aonde, retirar os bancos - todos os bancos - do controlo de cada país membro para que a garantia dos depósitos passe a ser europeia. Uma medida que teria um alcance idêntico ao das eurobonds (a união nas responsabilidades financeiras) que os alemães têm até agora peremptoriamente recusado.

Entretanto, Jörg Asmussen, alemão, membro da comissão executiva do BCE garante que não há nenhum plano B para a Grécia porque só há um plano A - a Grécia continuar no euro, corroborando assim as declarações de Olli Rehn, em contrário das do seu colega na Comissão Europeia, De Gutch (vd aqui).
Acrescentou Asmussen de forma sibilina: o euro é "âncora da estabilidade" no actual período de crise ... apesar das dificuldades, a Alemanha ainda obtém vantagens por pertencer à moeda única."
Pode retirar-se da afirmação de Asmussen que a Alemanha dirá adeus ao euro se deixar de obter vantagens?

Percebe-se que a Alemanha não queira (ou qualquer outro membro da Zona Euro) vir a ser culpabilizada pela saída da Grécia. Mas se à Alemanha deixar de interessar o euro  e voltar ao marco, a animosidade gerada por esse abandono será proporcional às dificuldades em que se encontrarão os que ficam, e serão enormes.

As feridas das guerras na Europa no século passado estão saradas mas subsistem algumas cicatrizes mais ou menos profundas. Um eventual desmembramento  da União Europeia determinará a sua extinção. No dia em que isso ocorrer, são terrivelmente elevadas as probabilidades do início de um conflito civilizacional sobrepondo-se as diferenças culturais aos interesses económicos e sociais comuns.
Quais serão nesse dia as vantagens da Alemanha em estar isolada, senhor Asmussen?

Sunday, May 20, 2012

A ÚNICA POSSIBILIDADE DE EVITAR UMA CORRIDA AOS BANCOS

segundo Wolfgang Münchau

(Resumo do artigo publicado hoje no FT)

As distorções na competitividade entre os membros da zona euro são importantes, mas no curto prazo, vou ignorá-las por três razões:  Primeiro,  porque as diferenças não são tão significativas como por vezes se diz. A Alemanha entrou na zona euro com uma taxa de câmbio sobrevalorizada; Segundo, os desequilíbrios resultantes dos défices e superavites entre os países tem vindo a reduzir-se ainda que de forma lenta. Acredito que o objectivo de inflação do BCE é muito baixo e os desequilíbrios irão atenuar-se na medida em que a Alemanha terá custos de produção acima da inflação média; Terceiro, a falta de competitividade pode levar à miséria mas não determina necessariamente um colapso.

Apenas um mecanismo pode levar a um colapso da zona euro: uma corrida generalizada aos bancos em vários países. Um país soberano detem mecanismos que lhe permitem controlar esse perigo de modo eficiente, antes e depois: através da garantia dos depósitos, restrições aos levantamentos bancários, e injecções de liquidez de emergência. Mas a eurozona não é um estado.

A melhor forma de pensar acerca de corridas a bancos é o 1983 model de Douglas Diamond and Philip Dybvig, professores norte-americanos de finanças, para os quais uma corrida aos bancos é uma de diferentes reacções racionais de termo de um contrato de depósito. Enquanto os bancos emprestam a longo prazo, os depositantes podem retirar os seus fundos de um momento para o outro. Se um grupo de depositantes levanta os seus depósitos, os bancos lidam nkrmalmente a situação, mas se os levantamentos execedem certos patamares os bancos deixam de ser auto suficientes. 

Uma corrida aos bancos pode ser, portanto, inteiramente racional. Mervyn King, governador do Banco de Inglaterra, disse uma vez que pode não ser racional o princípio de uma corrida aos bancos mas é racional participar numa.
De acordo com este princípio é normal que os depositantes gregos e espanhóis levantem o seu dinheiro dos bancos. Se, além disso, há especulação acerca da saída Grécia da zona euro, então é racional que os gregos retirem o seu dinheiros do país.

Se a Grécia sair da zona euro, é quase certo que sejam impostos controlos na circulação de capitais e o congelamento dos depósitos. Uma vez que os custos de transferência de fundos entre Atenas e Frankfurt é negligenciável, a transferência constitui uma segurança gratuita contra uma eventualidade catastrófica. Seria economicamente irracional que os depositantes gregos mantivessem os depósitos na Grécia.
Depois há Espanha. Um depositante no Bankia confronta-se com a seguinte questão: O balanço do banco dá uma ideia rigiorosa dos riscos assumidos pelo banco? É credível a garantis dada pelo governo espanhol? É agora seguro o Bankia depois de ter sido parcialmente nacionalizado?

As minhas respostas são "não", "não" e "não". Na falta de uma garantia europeia, a Espanha tem um problema similar ao da Irlanda. O estado espanhol é incapaz de garantir suficientemente o seu sistema bancário. A recusa dos auditores assinarem as contas do Bankia levanta muitas suspeitas acerca das suas praticas contabilísticas, que provavelmente não se confinam ao Bankia. Não há, no caso de Espanha, um risco imediato de saída da zona euro - o risco reside nos bancos. . 

Segundo a imprensa, na semana passada os espanhóis levantaram cerca de mil milhões de euros do Bankia - menos de 1% dos depósitos. Não se trata,  por enquanto, de uma corrida aos bancos mas pode ser o começo de uma . E, segundo Mervyn, é racional participar nela.

O que torna tão letal uma corrida aos bancos na eurozona é o seu enquadramento legal. O artigo 66 do Tratado Europeu estabelece que a liberdade de movimentosde capitais apenas pode ser suspensa relativamente a países terceiros. Pode ser invocado para suspender as transferências para a Suiça mas não para a Alemanha. Esta uma das razões pelas quais uma saída da zona euro não pode ser realizada legalmente dentro da UE.  

A única política que pode credivelmente enfrentar uma ameaça de corrida aos bancos na zona euro seria uma garantia alargada a toda a zona euro. Por outras palavras, é preciso retirar os bancos - todos os bancos - do controlo dos seus países.   

Evidentemente este esquema não resolveria todos os problemas da zona euro mas alteraria a dinâmica que a pode destruir.

ACORDOS EM CAMP DAVID


A notícia do dia são os acordos de ontem no âmbito do G8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá e Rússia) em Camp David. Vladi­mir Putin fez-se representar por Dmitry Medvedev. Os acordos, basicamente três, envolveram o  compromisso de a União Europeia, à semelhança dos EUA, promover o investimento, nomeadamente em educação e infraestruturas, e, consequentemente, incrementar o emprego, pressionar o Irão a abandonar o projecto nuclear para fins bélicos, intervir concertadamente de modo a impedir a escalada do preço do petróleo. Foi ainda considerada como muito desejável a continuidade da Grécia na Zona Euro.

O objectivo de relançar o crescimento das economias mais desenvolvidas, agora em estagnação, é condicionado à limitação da despesa pública. Como é que isso se consegue, é uma questão sem resposta explícita ou implícita nas declarações publicadas nos media.

Para além de algumas contradições e omissões, eventualmente sanáveis, destes acordos, há uma falha insanável flagrante que continua a caracterizar estas reuniões do G7+1 (Rússia) - a ausência da China -, e uma persistente anomalia democrática, - a falta de representatividade da Zona Euro (limitada a 3 membros) ou da União Europeia (limitada a 4 membros). Sem a China não há solução para o imbróglio que uma globalização sem regras representa, sem uma representatividade democrática da União Europeia, a União Europeia não é perdurável.

Nada de realmente novo nestes acordos, portanto. Muito provavelmente, não passarão à História.

Históricos, mas inconsequentes quanto ao objectivo da perdurabilidade da paz entre árabes e israelitas, foram os Acordos de Camp David assinados por Anwar Sadat, do Egito, e Menachem Begin, de Israel, em 17 de setembro de 1978, convidados Jimmy Carter, que permitiram a assinatura do Tratado de Paz Israelo-Egípcio em 26 de março de 1979. Sadat não estava mandatado para representar todas as partes em conflito. Carter viria a ser alguns anos mais tarde Nobel da Paz, em grande parte aos esforços desenvolvidos para promover estes acordos que, posteriormente, viabilizaram outros, sem que a paz tenha até hoje sido alcançada .

Obama foi um Nobel da Paz prematuro. Talvez as negociações da semana passada possam contribuir para a sua reeleição em Novembro mas é muito duvidoso, mas não por culpa dele, que ultrapasse Carter na promoção da união entre vizinhos.

Ouço, frequentemente, que "aos americanos não interessa uma moeda de reserva concorrente do dólar, logo também não vêem com bons olhos a emergência de uma união política europeia".
Não penso que esta ideia tenha qualquer fundamento. Não são os norte-americanos que impedem a construção europeia. Somos nós, europeus, que ameaçamos, de um modo ou de outro, deitá-la abaixo.

Saturday, May 19, 2012

COM CARTA DE PREGO


Olli Rehn, vice-presidente da Comissão Europeia e responsável pelos assuntos económicos e financeiros afirmou ontem em Londres, contariando as declarações prestadas pouco antes pelo comissário para o comércio, Karel De Gutch, que não está a ser preparado pela Comissão e pelo BCE qualquer plano de contingência para eventual saída da Grécia do euro e que, antes pelo contrário, estão a trabalhar na base do cenário de se manter. (aqui)
.
Aparentemente, De Gutch terá cometido uma inconfidência que Olli Rehn, de forma muito enfática, se apressou a desmentir. Porque não é admissível que a Comissão não esteja a preparar planos para todos os cenários concebiveis emergentes dos resultados da repetição das eleições legislativas gregas dentro de menos de um mês. É imperioso que o faça, e se o cenário A, como garante Olli Rehn é a continuidade da Grécia a bordo, não pode deixar de ter preparado um plano alternativo B (ou B1 e B2) que suporte a saída com a minimização possível dos custos dessa saída para gregos e troianos. 

Como explicar, então, as declarações de De Guth, admitindo publicamente aquilo que até agora tinham sido apenas rumores de bastidores?

"Para intimidar os gregos!"
"É um vergonhosa pressão sobre os eleitores gregos!", ouvi aqui e ali, mas sobretudo à esquerda.
Será?

As sondagens realizadas mais recentemente dão uma progressão significativa ao bloco da extrema-esquerda que se propõe rasgar os acordos de ajuda externa, remover as políticas de austeridade e não arredar o pé da Zona Euro. Uma sondagem publicada ontem apontava para resultados algo diferentes desta tendência, ao prever a vitória dos conservadores, seguidos de perto pelo Syriza e à distância pelos socialistas, e o crescimento dos neo-nazis. Nada de muito novo, portanto.

É, portanto, muito natural que a Comissão, por portas travessas faça saber aos gregos que se desejam continuar a contar com euros nas mãos não podem arriscar os seus votos em propostas que não podem rasgar  de forma unilateral os compromissos assumidos em seu nome. A Syriza não garante aos gregos senão uma viagem para um futuro ignorado apesar dos cânticos das sereias que vão a bordo.

A eventual saída da Grécia seria um terramoto para a Grécia, com fortíssimas réplicas para a Europa, e, ainda destruidoras, para o Mundo. Mas se continuarem mergulhados num caos social e político que não permite qualquer diálogo fiável, acabarão por hipotecar a sua liberdade dada em garantia da sua subsistência 

Friday, May 18, 2012

NEM ELE SABE

Ouço na Antena 1, já perto da meia noite, um excerto de uma entrevista a João Ferreira do Amaral, que, como sempre, responde à pergunta repetida vezes sem conta e estafadamente repedita da forma conhecida: Sim, não deveríamos ter entrado no euro; sim, deveremos sair do euro o mais rapidamente possível, de forma programada e ordenada.

E como é que isso se pode fazer?
Hélas! Uma pergunta nova!
Não sei, responde Amaral, ainda não pensei nisso.

Parece incrível mas é verdade. O guru da saída não sabe onde ela fica. Saberá, pelo menos, calcular, ainda que de forma imprecisa, os custos e os benefícios da saída vis-a-vis os custos e os benefícios da continuidade na Zona Euro? Se sabe, até hoje, não disse.

As previsões de Amaral acerca da inevitabilidade da saída de Portugal (entre outros) da Zona Euro   até podem vir a concretizar-se. Amaral gosta de comparar o consenso político, que se tornou tabu, à volta da imprescindível permanência no euro à obesessão cega do antigo regime relativamente à guerra colonial que acabou numa descolonização precipitada e, portanto, desastrosa.

É uma comparação atraente mas sofista. Amaral sabe bem, porque tem idade para isso, que a questão colonial era indiscutível porque o país vivia em regime de ditadura. Hoje, quem é que proíbe Amaral de dizer as suas razões? Ninguém. Aliás, é frequentemente convidado para dizer aquilo que pensa acerca de uma matéria importantíssima par o país. E diz. Sempre o mesmo.

O que Amaral não diz, porque não pode dizer é que país teríamos hoje se Portugal não tivesse aderido à Zona Euro. E não pode porque a economia e a política não são ciências experimentais; O que Amaral deveria dizer é como se poderá processar a tal saída programada e ordenada do euro, que ele advoga, e os benefícios e os custos dessa saída.

Por que é que não diz? Porque não sabe.

Thursday, May 17, 2012

EMPREGAR É FÁCIL

Ainda que sejam cada vez mais raros os momentos que dedicamos às entrevistas, comentários, frente-a-frente televisivos, enjoativamente repetitivos, de vez em quando abrimos uma ou outra excepção, geralmente se os intervenientes não têm presença sistemática e programada. Ontem ouvimos o anterior lider da bancada socialista, Francisco Assis, pronunciar-se sobre a calamidade do desemprego e a sua proposta para a combater.

Afirmou Assis que o problema não é especificamente português, nem sequer europeu, porque o desemprego tem vindo a crescer em todo o mundo ocidental, com raras excepções, entre as quais a Alemanha. Não sendo um problema privativamente nosso, a solução tem de ter uma solução que passa por repartir o emprego dos empregados também pelos desempregados,  a nível global.

No campo das boas intenções a proposta é merecedora de aplausos. Aliás, várias vezes tenho anotado neste caderno de apontamentos, que um dia não haverá trabalho para todos (Agostinha da Silva dizia, "um dia não haverá trabalho para os meninos") e que, progressivamente, a relação entre a oferta de trabalho e a procura (emprego) conduzirá, necessariamente, ou a) redução dos horários de trabalho, ou b) ao crescimento da subsidiação dos desempregados, o que, no limite, corresponderá ao pagamento daqueles que trabalham, pelo prazer de trabalhar, aos que, voluntariamente ou não, estarão vitaliciamernte desempregados. Resumindo: ou todos trabalham menos tempo para poderem todos (os que quiserem) trabalhar ou o estado social é indispensável à coesão e à coexistência pacífica das sociedades.

O busilis da questão, contudo, está, como é das regras, nos detalhes. Os ajustamentos sociais são sempre inevitavelmente lentos e raramente pacíficos. Como é que Assis pensa que pode distribui-se o mesmo por mais, a contento de todos, se a divisão não se circunscrever à sua área doméstica de decisão? 

Era a pergunta que o moderador deveria ter feito uma vez que o seu opositor no frente-a-frente não a fez.
E ficámos na mesma.

Todos os governos anteriores aumentaram o número de funcionários públicos frequentemente para além do que as necessidades reais exigiam. À política de subemprego para conter os níveis de desemprego declarado juntou-se a prática do compadrio entre companheiros e camaradas partidários. O actual, para reduzir depressa a despesa pública não extinguiu os orgãos redundantes do Estado (as badaladas gorduras), como prometera, mas reduziu os salários. Quando o crédito se esgota a realidade submersa acaba por inevitavelmente mostrar-se.

Não sei se é para aí que Assis queria apontar, mas se propõe o subemprego como forma de resolver o problema do desemprego, estará indiscutivelmente a apontar para a estagnação económica e para o subdesenvolvimento social.  

Wednesday, May 16, 2012

REFERENDO NA GRÉCIA, JÁ!

Em 27 de Março de 2010  escrevi aqui isto, a propósito de uma eventual saída da Grécia do euro e, em consequência disso, da União Europeia:

"... Só vejo uma alternativa para a desmobilização deste confronto anunciado: Colocar (aos gregos), através de um referendo, a possibilidade de escolher entre a manutenção no euro sujeitando-se às medidas do catálogo ou voltar à moeda nacional com as consequências fácilmente previsíveis. Quanto mais tarde tal acontecer maior será a probabilidade de vingar a segunda hipótese."

Quando no último dia de Outubro do ano passado, Papandreu, então primeiro-ministro grego, surpreendeu tudo e todos quando anunciou um referendo às condições da ajuda externa, e, implicitamente, à continuidade da Grécia na Zona Euro e na União Europeia, contrariando o movimento de oposição e pressão gerado na altura entre os restantes membros da UE e do FMI, que levou Papandreu a retirar a sua intenção e mais tarde a resignar e aceitar um governo de transição liderado e constituido por tecnocratas, escrevi aqui

".... Se os gregos responderem, Sim, de forma claramente maioritária, Papandreou prossegue mais confortado, a Grécia continuará no caminho que, então, por maioria escolheu, permanecerá na UE e na Zona Euro, a União Europeia suspirará outra vez de alívio. Se votarem, Não, tudo pode acontecer, incluindo mais uma derrocada incalculável do sistema financeiro global. Mas mais: É bem provável, como já algumas anotei neste bloco de notas, que, perante a iminência da saída da Grécia da UE e do Euro, mas também da Nato, os europeus e os norte-americanos, agora de forma conjugada, não tenham alternativa senão voltar a rever a ajuda externa à Grécia e, obviamente, de todo o modelo de solução do imbróglio financeiro em que o Ocidente se meteu. "

Hoje, lê-se no Financial Times que os principais líderes europeus estão a tentar que a repetição das eleições gregas a realizar em meados do próximo mês seja entendida como um referendo à continuidade da Grécia como membro da Zona Euro, o que, sendo uma jogada de alto risco, pode trazer de volta os eleitores que votaram contra as condições impostas pelo resgate mas que desejam manter o euro como moeda do seu país.
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Afinal a jogada que Papandeu se propõs fazer há sete meses atrás, e que aqui, neste bloco de notas, considerei muito oportuna.



Corr.- Governo interino da Grécia diz que Merkel sugeriu um referendo sobre o euro. A Chanceler desmente.
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UM DESEJO CHAMADO CARRO ELÉCTRICO

Ouço na Antena 1 uma reportagem acerca do insucesso do projecto "carro eléctrico" lançado em 2009 pelo governo de então com o objectivo de reduzir a dependência energética do país aumentando o consumo de energias renováveis.

Três anos depois, os números parecem incontroversos acerca do fracasso do objectivo traçado: Há apenas cerca de 250 carros eléctricos em circulação, menos da quarta parte do número de postos de abastecimento (que estará acima do milhar), dos quais quase metade se encontram avariados, alguns vandalizados. 

Ouvido um "especialista" na matéria, a opinião emitida foi arrasadora: o projecto não tinha viabilidade, serviu apenas como bandeira de propaganda do partido no poder. Será mesmo assim? Não sei. O que sei é que o carro eléctrico que entre nós não pega está previsto pegar e acelerar em outros sítios do planeta.
É o que se deduz de um gráfico publicado recentemente no Economist.



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Aqui: Há três anos, o governo chinês anunciou políticas de promoção de vendas de carros totalmente eléctricos: 500 mil em 2015; 5 milhões em 2020. No ano passado fora vendidos apenas 8 mil carros eléctricos, praticamente todos para as frotas do Estado. Apesar de tentadores subsídios - em Shenzhen, foram oferecidos aos consumidores 120 mil yuans, cerca de 15 mil euros, por veículo - os carros eléctricos são mais caros que os movidos a gasolina ou gasóleo. A falta de postos de recarga das baterias é outro inconveniente. Segundo a McKinsey, a China desceu de terceiro para o quinto lugar no ranking mundial dos produtores de carros eléctricos mas pode recuperar nos Plug in hybrid, uma tecnologia em desenvolvimento. 

A propósito: Quantos veículos eléctricos se contam nas frotas do Estado português? Provavelmente, nenhum. A suspeita do  especialista ouvido pela Antena 1 pode ter algum fundamento: o carro eléctrico é bom para os outros.