Tuesday, July 31, 2012

AS REGRAS DO CLUBE

Nenhum clube tem vida longa se os sócios não obedecem a um conjunto fundamental de regras e comungam um naipe de valores que resumem a  razão de ser e garantem a perdurabilidade da associação.

A União Europeia é, de algum modo, um clube. Com regras fundadoras que foram sendo alteradas ao longo dos tempos, mas nem sempre respeitadas. Mesmo os sócios mais veneráveis não se coibiram algumas vezes de transgredir os estatutos, marimbar-se nas regras, e fazer vista grossa às transgressões dos outros. Até ao dia em que dessas falhas de cumprimento dos compromissos afloraram as consequências que desarticulam a união entre os membros e põem em causa a continuidade do clube.  

Como sempre sucede, ao desrespeito pelas regras sucedem-se sempre os confrontos de valores, acusando-se mutuamente os membros do clube dos vícios  alheios e invocando desculpas de mau pagador.

A Europa é um mosaico de culturas antigas e essa multiplicidade cultural é uma herança conjunta inalienável seja a que preço for. Mas a perenidade dessa heterogeneidade cultural não impede que os membros da união comunguem um conjunto de valores comuns que os mobilizem para a continuação da construção europeia. Há diferenças culturais entre gregos e alemães, espanhóis e austríacos, portugueses e finlandes, suecos e italianos, que não são nem devem ser comprimidas. Mas, por outro lado, não pode haver união onde não existam elementos fundamentais de integração do grupo. Se os gregos não são alemães, têm de existir factores de integração que os mantenham no mesmo clube.

Ora são esses factores de integração que mostram crescentemente sinais de erosão acelerada, precipitando o conjunto num caldo de confronto que pode voltar a trazer a guerra e a destruição da Europa. Jean-Claude Juncker alertou para este perigo na entrevista que concedeu anteontem, e a que me referi  aqui.

Repito-me: a questão europeia, muito mais do que o embaraço de uma crise financeira e económica é uma questão politica. Se não é sustentável que o descalabro das finanças públicas de alguns membros não seja suturado, também não é sustentável que essa operação esteja a permitir o financiamento a taxas de juro negativas dos mais ricos e a impor taxas insuportáveis aos mais fragilizados. Nenhum clube pode funcionar perduravelmente deste modo.

Se os europeus do norte, com particular destaque para os alemães, não compreenderem o que está politicamente em causa, a União Europeia será uma causa perdida a curto prazo e a Europa um continente em conflito bélico, mesmo que os líderes europeus mais destacados continuem a jurar defender a zona euro.
Porque ninguém continua a acreditar neles, incluindo Jean-Claude Juncker.

Monday, July 30, 2012

A INSUSTENTÁVEL INCERTEZA DO EURO

Os bancos alemães estão a reduzir drasticamente o financiamento aos países periféricos.
(Financial Times, hoje)

Nada que não fosse já conhecido.
Há muito tempo que os bancos do norte vêm tirando o cavalo da chuva protegidos pelas políticas do faz que anda mas não anda de Berlim e a passividade conivente de Paris e companhia. A ideia não pode ser mais evidente: se o euro falhar, e deste modo as probabilidades disso acontecer crescem em cada momento que passa, as imparidades que ainda seguram o sistema por arames deixam de ameaçar os balanços dos bancos do norte e colocam os do sul a contas com um banco central europeu para a periferia.

Parece maquiavélico demais em quem reafirma recorrentemente a sua vontade indómita de defesa da zona euro (e a União Europeia) mas não se vislumbram outros resultados possíveis deste processo que drena fundos do sul para o norte a juros negativos e são escassamente retornados a juros incomportáveis.

Já depois de ter iniciado este apontamento, ouço na rádio que  "numa entrevista a um jornal alemão, Jean-Claude Juncker criticou o facto de alguns políticos alemães se terem referido a uma eventual saída grega da moeda única.



O presidente do Eurogrupo entende que a Alemanha está por detrás do agravamento da crise e acusou o governo liderado por Angela Merkel de tratar a Zona Euro como uma «filial». Entrevistado pelo jornal alemão Suddeutsche Zeitung, Jean-Claude Juncker lamentou ainda que tenham vindo à tona antigos ressentimentos nacionais. Juncker criticou o facto de a Alemanha permitir que se faça política interna em torno da moeda única e, sem referir em nomes, considerou que há «políticos alemães» que começaram a falar numa eventual saída da Grécia do euro. Nesta entrevista que foi publicada na edição desta segunda-feira do Suddeutsche Zeiting, Juncker lembrou que a Alemanha diz que é preciso esperar pelo relatório da troika, mas explica o que deve constar nesse relatório.
O também primeiro-ministro luxemburguês defende que é preciso ter mais cuidado com o que se diz e lembra que uma saída da Grécia da moeda única não resolve a atual crise, mas afeta a reputação dos países da Zona Euro em todo o mundo."

Jean-Claude Juncker sabe do que fala. Mas aqueles a quem fundamentalmente se dirige, ouvem e continuam a assobiar para o ar.

Saturday, July 28, 2012

ROUBO E INIQUIDADE

Segundo o título principal do Expresso de ontem, para Passos Coelho, Gaspar e Portas, equidade não é igualdade. E não é. Mas equidade também não é arbítrio, nem mistificação. Se o Governo entende que há funcionários públicos são injustificadamente melhor remunerados que no sector privado, que disfrutam de estabilidade de emprego que no sector privado não é garantido, se, se, se, se ..., o que deve fazer é promover a correcção dessas disparidades  nos casos em que elas existem. Não está estabelecido em lado algum que um funcionário público incompetente, ou desleixado, ou desnecessário, ou seja o que for, não possa ser legalmente dispensado ou despedido consoante as razões presentes em cada situação a corrigir. Nem que os salários na função pública não devam ou não possam reflictir as condições do mercado de trabalho em geral. 

Se a intenção que esteve nos cortes salariais este ano fosse a promoção de um mais adequado ajustamento das condições salariais do funcionalismo público às prevalecentes no sector privado, esses cortes nunca poderiam ter o carácter transitório com que foram anunciados.

Mas há mais.
Há muitos que viram as suas pensões cortadas, e que tanto o Governo como os media insitem em ignorar, que foram forçadamente contributivos do regime geral da segurança social.
Não são funcionários públicos.
Não foram funcionários públicos.
Não usufruem de qualquer situação privilegiada relativamente a quem seja quem for.
As suas pensões foram calculadas em bases anuais que, por decisão cretina, foram dividas em catorze prestações mensais, a duas das quais estupidamente chamaram subsídios. Subsídios de férias a reformados!
Os reformados do regime geral da segurança social não recebem subsídios, recebem pensões a que contratualmente têm direito. Tudo o resto é incomensuravelmente absurdo.

Que razões justificam este confisco iníquo? Só o despotismo de quem lança mão daquilo que lhe está à mão, cometendo um roubo, que não tem outro nome.

Friday, July 27, 2012

UM ELÉCTRICO QUE SE CHAMAVA DA PRAIA DAS MAÇÃS

Há quatro anos escrevi aqui: "O eléctrico entre Sintra e a Praia das Maçãs era, há cinquenta anos uma pequena maravilha que funcionava..."

Deixou de funcionar.
Até que há uns dez anos a Câmara decidiu renovar tudo, incluindo uma vivenda que se encontrava abandonada junto ao início do percurso em Sintra. Gastaram-nos uns largos milhares, se não milhões, mas por razões técnicas as condições de segurança não permitiam que o eléctrico fosse além de um terço do percurso. Isto é, aquilo que a engenharia de há cinquenta anos tinha feito com uma perna às costas, a de hoje não sabe que volta dar-lhe.
 
Continua tudo na mesma E o romântico éléctrico da Praia das Maçãs continua inibido de ir à praia, à espera sabe-se lá de quê.
 
Há dias perguntei ao dono de um restaurante próximo da estação de chegada na Praia das Maçãs por que é que o eléctrico não funcionava.
- Roubaram os fios da linha. São de cobre, roubaram-nos. Agora o eléctrico não pode passar da Ribeira.
 
É uma explicação. Desculpam os ladrões de cobre a incompetência dos engenheiros.
Ainda bem que o TGV ficou nas cascas. Se tivesse nascido, não iria talvez além de Vila Franca.
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Act . - Anedoticamente, a CP convida aqui a Uma viagem pela Linha de Sintra, prolongada pelo passeio a bordo do simpático eléctrico da Praia das Maçãs, forma privilegiada de gozar as paisagens do Parque Natural e de Sintra Património da Humanidade.

Mesmo que o ridículo estivesse sujeito a imposto a CP não teria dinheiro para o pagar. Também por este lado, a CP está à vontade, portanto.

Act. - Boas notícias: O centenário elétrico de Sintra, uma imagem da identidade da vila, vai voltar a circular a partir de 3 de Agosto, depois de a Câmara Municipal ter investido 150 mil euros na reposição de cabos e na requalificação da linha.

A ECONOMIA DA ILUSÃO




À saída vila, uma casa que pela traça se adivinha ser pelo menos duplamente centenária e onde habitaram os donos de grandes extensões de terras fertéis nas redondezas. Por detrás da casa, adiantada até à rua, um jardim cuidado. Para lá do jardim, um parque, separado do resto da propriedade, relvado e pontuado com arbustos e canteiros de flores. Ao fundo do parque, uma construção recente, de aço e vidro, sobre uma base de betão armado. Para que fins terá sido plantado ali aquele edifício  que se destaca pelo contraste ao largo de uma vila com memória antiga?

É um centro de eventos. Principais fins: casamentos. 
Num país onde o número de casamentos anuais decresce e já é ultrapassado pelos divórcios no mesmo período, a indústria de eventos vai de vento em popa. 

Vai mesmo? 
Não temos razão de queixa, diz-nos o administrador, que nos surpreendeu quando sacávamos uma fotografia. Oferecemos um serviço diferente, de altíssima qualidade, que surpreende todos quantos são convidados a vir aqui. Por exemplo: Os noivos podem chegar de helicópetero. Se quiserem, evidentemente. Aterram ali, está a ver?

Vivemos acima das nossas possibilidades, ouve-se repetido vezes sem conta.
Vivemos ao lado das nossas possibilidades. Esgotamos os nossos escassos recursos colectivos numa economia de ilusão que vai desde as autoestradas do lá vai um, das casas desabitadas, dos estádios sem espectadores, até à pompa e circunstância de rituais decadentes.

Thursday, July 26, 2012

BIG MAC INDEX


Segundo o último Big Mac Index do Economist publicado hoje aqui o euro estará agora em equilíbrio cambial com o dólar.

Vale o que vale mas, utilizando algumas medidas expeditas, os resultados que tenho obtido conformam-se recorrentemente com este indicador mascote do Economist.

Apesar da desvalorização observada nas últimas semanas relativamente à divisa norte-americana, o euro está ainda acima do ponto de partida e bem longe do seu ponto cambial mais baixo. Não será por este lado que a casa virá abaixo. Pelo contrário, uma correcção do valor do euro relativamente às outras principais moedas e, nomeadamente, relativamente ao dólar, poderá ajudar a resolver os intrincados problemas com que a União Europeia se confronta.

Para Martin Feldstein, professor em Harvard, "uma queda brusca do euro pode salvar a Espanha do colapso". Veja aqui porquê.  

Wednesday, July 25, 2012

VIVER AO LADO

"Vivemos acima das nossas possibilidades , todos nós, disso não tenho dúvidas !
Ontem fui a ( ) um encontro de técnicos de ambiente. Desloquei-me de transporte público, para poupar e aproveitar melhor o tempo. Os comboios são bons, frequentes q.b. pontuais, têm ar condicionado, WC (limpo) e não são caros ( ) . Mas, fui o único a ir de transporte público . Todos os outros se deslocaram naturalmente de carro. Os transportes públicos estão vazios, nos Regionais viajavam alguns reformados, estudantes e...funcionários da CP (porque não pagam). Mas a gasolina está cara, não é? há uma crise ? ....a sério ? as pessoas preocupam-se em poupar ? quem ? onde ?...ambiente ?"
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Caro João,

Comungo inteiramente da tua reflexão mas não posso, por amor à verdade, deixar de confessar que, também eu, utilizo pouco os caminhos de ferro em Portugal. As pessoas respondem a incentivos e os incentivos à utilização da rodovia, preterindo a ferrovia vêm de longe. O crédito à compra ou substituição de automóvel e de outros investimentos domésticos foi promovido em deterimemto do investimento reprodutivo. Resultado: o caminho de ferro foi reduzido à expressão mais simples e o hábito da utilização do comboio perdeu-se.

No meu caso, e creio que é a situação de muita gente, o que não invalida de modo algum o teu exemplo e as tuas conclusões, a estação de caminho de ferro mais próxima fica a uns quatro quilómetros, a minha casa fica a quilómetro meio  da estrada principal, por onde poderiam passar autocarros de ligação à estação de CF, mas não passam. Se deixo o automóvel na estação para apanhar o comboio, pago mais pelo parque do que pelo bilhete numa viagem curta. Se a viagem é longa, as ligações disponíveis são complicadas. De Sintra à Figueira, de comboio, não se faz por menos de cinco horas, entre sair de casa e chegar ao destino, onde deixaram passar os comboios. Gastaram milhões na renovação do ramal e na reabilitação do túnel, e quando tudo estava pronto decidiram encerrar o ramal.

As pessoas, que em matéria de hábitos nem sempre optam pelos mais saudáveis, têm sido incentivadas ou mesmo coagidas a persistir nos mesmos erros.

Relativamente à afirmação - vivemos acima das nossas possibilidades - para além da vertente que abordaste do consumo doméstico, há um outro viver que não está ou não esteve acima das nossas possibilidades mas inquestionavelmente para além daquilo que uma sociedade responsável deveria ter consentido: os gastos públicos e privados em investimentos não reprodutivos. Refiro-me, concretamento, ao investimento em cimento que embebedou a sociedade portuguesa durante décadas. Os sucessivos governos centrais e locais investiram frequentemente para além do que a economia suportar com o propósito, entre outros, de ganhar votos. À fome de votos dos políticos juntou-se a ganância dos  banqueiros.

Mas também muitos portugueses embarcaram, foram incentivados a embarcar, no investimento desmedido em segundas habitações, ou mesmo terceiras e quartas habitações. Portugal tem, a seguir à Espanha, o maior rácio de habitações/famílias (cerca de mais 30% ). Porquê? Fundamentalmente por duas razões: uma porque efeito imitação (se o meu colega tem casa no Algarve, eu também quero ter); outra, porque a banca, também neste caso, favoreceu as actividades não transaccionáveis preterindo as actividades transaccionáveis. A história é demasiado conhecida, o espantoso é que, no essencial, continua tudo na mesma.

Tudo conjugado, as poucas poupanças dos portugueses não foram dirigidas ao crescimento  económico mas à ilusão económica. Como se isso não bastasse, a banca, toda a banca incluindo a banca do estado e o banco central, afundaram o país com crédito que emborcaram nos portugueses ou enriqueceram os comparsas (banqueiros, políticos,  construtores civis e a indústria cimenteira.

Por tudo isto, à afirmação - vivemos acima das nossas possibilidades - prefiro outra: a ininputabilidade dos banqueiros alimentou a demagogia dos políticos numa sociedade civicamente inconsciente.

Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal Americana, afirmava numa entrevista à Time em Dezembro de 2009 (foi considerado nesse ano "Person of the Year pela Time) que "Too big to fail is one of the biggest problems we face in this country". Nem sempre estou em desacordo com que dizem ou fazem os banqueiros. Neste caso, considero que se o moral hazard - o benefício ao infractor -, de que gozam os banqueiros acabasse este mundo seria muito melhor.

Tuesday, July 24, 2012

A ZONA EURO E O DILEMA DO PRISIONEIRO


David Woo e Anastasios Vamvakidis, estrategas do Bank of America, aplicaram  o Dilema do Prisioneiro à perspectivação do futuro da Zona Euro*.

John Nash, Nobel da Economia em 1994, é conhecido sobretudo pelo "Nash equilibrium" no campo da Teoria dos Jogos. Inspirado na sua vida, Russell Crowe filmou "A Beautiful Mind". O intrincado "Nash equilibrium" é geralmente explicado através do "Dilema do Prisioneiro": Dois indivíduos são presos acusados de um crime grave, de que se desconhece o autor. O investigador da polícia coloca-os em dois quartos separados e oferece a cada um deles as seguintes alternativas: se um testemunhar contra o outro, o denunciante é libertado e o outro apanha cinco anos de prisão; se ambos se calam, cada qual é preso durante um ano; se ambos confessarem, ficarão cada um deles três anos na cadeia.

O "Nash equilibrium" consiste na dedução de que, num conjunto de estratégias possíveis, nenhum jogador ganha alguma coisa alterando a sua estratégia unilateralmente. No exemplo dos prisioneiros, a melhor estratégia é, obviamente, aquela em que ambos não falam. Substituindo os prisioneiros pela Alemanha e Grécia, as opções serão "eurobonds" ou "no eurobonds" e, seguidamente, "austeridade" e "não austeridade".  Se Alemanha e Grécia não cooperarem em equilíbrio, a Grécia não aceita mais austeridade, a Alemanha não permite os "eurobonds". Sendo uma imagem simplificada de uma realidade muito complexa, reflecte a essência do problema: nenhuma das partes pode, unilateralmente, decidir qual a solução mais vantajosa para o conjunto. A união fiscal seria, neste caso, a melhor opção.
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Os investigadores do Bank of America calcularam os custos e benefícios de uma saída voluntária da zona euro para os países mais fortes e os mais fragilizados. Depois estimaram as hipóteses de saída organizada e o impacto no crescimento, taxas de juro dos empréstimos e o défice das contas públicas após a saída.

As conclusões são inesperadas: A Itália e a Irlanda têm mais vantagens em sair que a Grécia; A Itália apresenta boas possibilidade de sair organizadamente, e aumentará a sua competitividade, de crescimento e redução do défice. Por outro lado, a Alemanha, sendo aquela que te maiores possibilidades de sair organizadamente é aquela que tem menores vantagens em sair porque verá o crescimento cair, os custos dos empréstimos subirem, e o défice agravar-se.

Partindo destes resultados, Woo e Wamvakidis prevêem que o jogo europeu se desenrolará em três períodos: primeiro, a Itália decide se sai ou fica. Se decidir não pagar, a Alemanha paga para a Itália ficar, e a Itália perguntar-se-á novamente: "Devo sair ou ficar?". O "Nash Equilibrium" vai no sentido de Itália sair no primeiro período, comprometendo o futuro da zona euro.
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* cit. em Euromonitor 
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Correl. - Cataluña acudirá al fondo de rescate La Generalitat es el tercer Gobierno autónomo que decide acogerse al Fondo de Liquidez La deuda catalana asciende a 42.000 millones de euros, la más alta de España (El País)

El consejero catalán de Economía, Andreu Mas-Colell, en el Parlament.

Monday, July 23, 2012

O ALIBI DOS TRAFICANTES DE SUBPRIME



Eles atacam por todos os lados - na web, nos media, pelo correio, em publicidade distribuida porta a porta - nenhum meio que possa atingir as vítimas lhes escapa. São os traficantes de uma espécie de droga, a que chamam outro nome, mas produz efeitos paralelos: ilude a realidade, transmite (dizem) aos tomadores uma sensação de euforia transitória, torna-os dependentes e acaba por destroçá-los.

Como os traficantes de droga, os traficantes do crédito fácil ao consumo argumentam que não obrigam ninguém a endividar-se, que as pessoas devem ser responsáveis, que só compra quem quer. Aliás, nem se esquecem de advertir as vítimas de que, eles, valorizam também a responsabilidade e, por isso recomendam que se tenha em mente que, sempre que gastar, terá de pagar, pelo que deverá sempre: saber quanto deve, utilizar o crédito com ponderação, planear os seus gastos, controlar e equilibrar as contas;

Um tratado de hipocrisia em menos der três linhas.

Mas há alguém neste mundo que sabe quanto deve, utiliza o crédito com ponderação, planeia os gastos, controla e equilibra as contas, e aceita ofertas de crédito a 20,4%! e, noutros casos mais?

E ninguém denuncia isto?
Para que queremos um serviço público de televisão com dois canais à disposição se, em matéria de consumo, o que faz diariamente e em horário nobre são coisas abjectas como o "Preço Certo"?

A ganância do subprime continua imperturbável perante a passividade do Governo e do Banco de Portugal.
Os contribuintes serão mais tarde obrigados a pagar mais contas.
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Obs. - Coloquei cópia da publicidade do Barclays que acaba de ser colocada na minha caixa do correio. 
Mas o Barclays não é único. Creio mesmo que não há excepções. Os traficantes de crédito fácil (o subprime, lembram-se do nome?) andam todos por aí por todo o lado.

Sunday, July 22, 2012

UM DOUTOR A SÉRIO NÃO É FÁCIL DE ENCONTRAR


Há dias, a notícia das retribuições miseráveis oferecidas a enfermeiros para trabalhar no SNS em regime de "outsourcing" foram motivo de pasmo e escândalo. De forma mais avulsa, têm aparecido ultimamente anúncios de baixos salários oferecidos a licenciados à procura de emprego, que chocam a opinião pública.

A informação do IEFP divulgada ontem resume e quantifica aquilo que já se sabia: Sem investimento reprodutivo não há crescimento económico sustentado, sem crescimento económico sustentado não há emprego qualificado. Durante mais de uma década, banqueiros e políticos direccionaram as poupanças (exíguas) dos portugueses e o crédito importado sem critério para investimentos de encher o olho aos votantes e os bolsos aos comparsas. Resultado: Cresceu exponencialmente a dívida, pública e privada, o país perdeu parte da sua já incipiente actividade industrial, o crescimento foi praticamente nulo, na ressaca da bebedeira os bancos vêem os incobráveis a subir imparavelmente, os contribuintes são chamados a pagar-lhes as contas, os mais velhos reformam-se quanto antes, os mais jovens e válidos emigram. E, por enquanto, continua tudo praticamente na mesma, salvo o crédito que deixou de escorregar como escorregava pela garganta funda dos embriagados. Ainda assim, persistem as ofertas de crédito ao consumo a juros que andam entre os 20 e os 30%! Um tipo de pechincha que embebedou muita gente e a que o Banco de Portugal continua a fazer vista grossa.

E, agora?

Agora, enquanto neste país não for colectivamente apercebido que mais do que os diplomas valem as competências, o facto de um serralheiro ganhar mais do que um licenciado em direito põe meio mundo assombrado. E, no entanto, não há nada mais natural neste mundo. 

Se os licenciados abundam num país que reduziu o seu nível de actividade reprodutiva e escasseiam os serralheiros, é compreensível que os serralheiros sejam mais bem pagos que os licenciados. Por que não? Se a automatização tende a substituir os processos administrativos e tecnológicos mas em menor medida as tarefas manuais dificilmente automatizáveis, os serralheiros, enquanto forem poucos, não terão mãos a medir. 

Por outro lado, o mercado do trabalho em Portugal continua segmentado e existe, sobretudo no sector público, uma rigidez que não permite a admissão suficiente de competências porque não existe a necessária demissão das incompetências: enquanto as últimas continuam não ameaçadas pelo despedimento, as primeiras ou esperam e desesperam, ou acabam por emigrar.
De qualquer modo, e já tenho apontado várias vezes isto neste caderno de apontamentos, enquanto os portugueses não tiverem a consciência cívica de que um diploma não vale por si mas por aquilo que o seu titular tem capacidade para fazer com ele, que a anedótica utilização de um título indevido é uma das causas do nosso atraso social,  e que um chorrilho de doutores da mula ruça não faz crescer um país, a sociedade portuguesa continuará a espantar-se com o facto de poderem ganhar mais aqueles que são mais úteis, mesmo não sendo licenciados e muito menos doutores.
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Um dia, entrei numa oficina de reparação de automóveis, porque alguma coisa estava encravada no motor da minha viatura. Disse ao que ia ao primeiro oficial que me apareceu, e ele chamou, alto e bom som, para o fundo da oficina: Oh! Doutor! Chega aqui!

Apareceu um rapaz de fato de macaco, sorridente, pedindo desculpa de não cumprimentar, tinha as mãos cobertas de óleo.

Percebi depois que se chamava José Joaquim Doutor. Um Doutor, a sério, como poucos.

Saturday, July 21, 2012

O COMBOIO ESPANHOL

A situação financeira de Espanha está ao chegar ao ponto em que o discurso de negação de Rajoy será irremediavelmente submergido pela evidência de uma realidade que todo os dias descobre mais uma parte dos seus problemas, insolúveis por meios próprios. As taxas de juro da dívida soberana superam os limites suportáveis no mesmo dia em que foram aprovados os créditos europeus para a recapitalização dos bancos subcapitalizados.

Depois da banca, são agora as comunidades autonómicas que se confrontam a curto prazo com dificuldades no cumprimento dos compromissos assumidos, e seis delas perfilam-se para pedir ajuda, seguindo o exemplo de Valência. Em consequência, os investidores estão agora convencidos que também a Espanha não escapará ao resgate total, juntando-se à Grécia, à Irlanda e Portugal, e daí o comportamento dos mercados.

Mas se Portugal não é a Grécia, mas também não é a Irlanda, a Espanha não é também nenhum dos outros. Pela sua dimensão, o rombo em Espanha será demasiado profundo e extenso para ser reparado com meias medidas e bom comportamento.

A Espanha é o entroncamento onde o combóio da UE vai ser forçado a decidir se avança, e se integra, ou recua, descarrila e se desconjunta. O resgate total de Espanha irá, mais tarde ou mais cedo convocar os europeus a decidirem de forma clara se a União deve ser federal. Uma decisão que terá forçosamente de ser tomada por via genuinamente democrática pela primeira vez na vida da UE, ou não será, realmente, decidido nada sustentável. Uma decisão entre a soberania limitada das nações membros e o regresso de cada uma às suas tamanquinhas. Uma decisão simples para uma questão extremamente complexa. Difícil mas que se torna mais inadiável em cada dia que passa.
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O El País de hoje publica aqui um artigo - La Bankia Autonómica - que aborda o problema das sociedades com autonomia de direitos não balizados por deveres paralelos. Lê-se, e é inevitável a comparação com tantos outros casos conhecidos e a dúvida enorme: É possível haver uma Europa com cidadãos europeus? Acredito que sim. Acredito que é possível se houver uma alteração radical do sistema financeiro que alimentou tanto desatino. Nenhuma demagogia é sustentável se ao demagogo escassearem os fundos com que compra os votos.
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"Clarividente, un veterano político valenciano del PP pronosticaba hace seis meses: “Si fuéramos una caja de ahorros ya nos habría intervenido el Banco de España, pero por fortuna no lo somos”. Llevaba razón en lo primero, pero no en lo segundo. Hay quien ha comparado a la Comunidad Valenciana con Grecia. Y motivos no faltaban para establecer semejante paralelismo. Dos sociedades endeudadas, despilfarradoras, con una economía ligada a la especulación del ladrillo y donde ser corruptos, lejos de ser un estigma social, era la aspiración de no pocos.

Pero la similitud con una entidad financiera casa mejor con la realidad. La Comunidad Valenciana, en ese sentido, se parece mucho más a Bankia que a la península helénica. Ambas se levantaron sobre mentiras, presumieron de lo que carecían, construyeron todo un estilo de vida alrededor de la burbuja inmobiliaria, engañaron y mintieron a sus clientes/ciudadanos, derrocharon en proyectos absurdos y perfectamente prescindibles, actuaron de forma corrupta y corrompieron y se endeudaron sin tasa ni medida. Y al final, por desgracia para sus accionistas, Bankia ha sido nacionalizada, y la Comunidad Valenciana, rescatada. 

Cómo se ha podido llegar hasta aquí es una pregunta que empieza a responderse en el mismo instante en que la megalomanía de los dirigentes del PP, hinchados de ambición, soberbia y codicia, empezaron a levantar un parque de cartón piedra como Terra Mítica, un aeropuerto sin aviones como el de Castellón y le pagaron un fortunón a Bernie Ecclestone para que les organizara un gran premio de fórmula 1. Querían poner la Comunidad Valenciana en el mapa, ser la vanguardia de España y de Europa. Y, a golpe de talonario, lo consiguieron. Lo que nunca esperaron visionarios como Eduardo Zaplana o Francisco Camps, verdaderos artífices de tan fugaz fulgor, fue ver como su obra era objeto de escarnio, burla y sátira en todos los medios de comunicación de referencia del mundo o la desaparición de entidades financieras como Caja Mediterráneo, Bancaja y el Banco de Valencia en medio de un escándalo de proporciones mayúsculas y de la desesperación de sus impositores y accionistas que han contemplado desesperados como sus ahorros se iban por el desagüe de la incompetencia de unos gestores nombrados por los políticos de turno.

La Comunidad Valenciana ha sido testigo de toda clase de escándalos, una tierra saqueada por promotores y cargos públicos que creyeron en la infinidad del negocio del ladrillo. Tanta indecencia solo se hizo insoportable para una sociedad cuando la crisis económica alcanzó a todos porque, hasta ese momento, se mostró pasiva e incluso permisiva con actuaciones tan delirantes como las protagonizadas por el expresidente Camps.

El acceso de Alberto Fabra a la presidencia de la Generalitat y su política de tolerancia cero con la corrupción llega tarde. Las arcas públicas estaban quebradas desde hace mucho tiempo. Una quiebra a la que no ha sido ajena un pésimo sistema de financiación autonómico que ha perjudicado notablemente a los valencianos; pero esta no es excusa suficiente para explicar la postración en que se encuentra el gobierno valenciano que, desde hace tiempo, viene fiando su suerte a unos hisopanobonos que no llegarán. El ministerio de Hacienda ha tomado el control financiero de la Generalitat. Tal que hizo con Bankia.

Friday, July 20, 2012

CONVERSA DE BANQUEIROS

Afirmou ontem o senhor Fernando Ulrich, presidente do executivo do BPI que a decisão do Tribunal Constitucional é perigosíssima para o futuro de Portugal.  O senhor Ulrich referia-se, obviamente, à declaração de inconstitucionalidade dos cortes dos salários e pensões na função pública, e ainda, os geralmente esquecidos pelos media, e mais do que nenhuns outros inconstitucionais, cortes das pensões dos que foram no sector privado compelidos a entregar a gestão das suas pensões ao regime geral da segurança social. 

Independentemente do julgamento que cada qual possa fazer da decisão do TC, é inquestionável que não é por via de uma decisão iníqua do governo (aquela que atinge apenas uma parte da população) que se corrigem eventuais distorções nas condições laborais entre trabalhadores da função pública e do sector privado. Mais: tal decisão, julgada inconstitucional pelo TC, atinge muita gente que nunca foi funcionário público. Também é inquestionável que as medidas de austeridade não atingem muitos que nunca foram chamados a comparticipar para a solidariedade social (os banqueiros e a generalidade dos bancários, por exemplo, que, mesmo depois de integrados no regime geral da segurança social garantiram a continuidade iníqua dessa excepção). 

Mas é, sobretudo, inquestionável que se há austeridade porque o estado inchou para além do que lhe tolerava razoavelmente a barriga, porque os portugueses gastaram acima das suas possibilidades (um refrão que uns cantam sem perceber a letra que outros, sabidos, inventaram), porque  a construção civil atingiu os limites do desatino e as obras públicas sustentaram no poleiro políticos de meia tigela, quem é que, por conivência, lhes deu asas se não o senhor Ulrich e os seus companheiros de corporação?

Foram os senhores banqueiros coagidos pelos governos central e locais a participar no financiamento de investimentos públicos sem retorno e despesas inúteis? Algum membro do governo grego impôs ao senhor Ulrich ou ao senhor Oliveira da Caixa a obrigação de emprestarem dinheiro à Grécia? Alguma vez o senhor Ulrich e os seus companheiros na associação corporativa do ramo mandaram o senhor Salgueiro acordar o senhor Constâncio para que ele desse conta do ninho de ratos que se chamou BPN?

Pois é, senhor Ulrich. Os senhores banqueiros, aqui e em muitos outros sítios deste mundo, portaram-se mal. E continuam. Quem fez o pior, quem colocou este país de patas para o ar, senhor Ulrich, foi também o senhor e os seus confrades. Quem colocou em sério risco a continuidade da zona euro, a sobrevivência da União Europeia, provavelmente até a sustentabilidade do actual sistema financeiro mundial, não foram os senhores juízes mas os senhores banqueiros.

Os senhores juízes têm muitas culpas no cartório mas não têm esta.
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Act.- Direitos do BPI afundam para 0,2 cêntimos e acentuam desequilíbrio face às acções A queda das acções, se se acentuar, pode colocar em risco o sucesso do aumento de capital, pois não será racional os investidores subscreverem novas acções a 0,50 euros se estas cotarem abaixo deste valor na bolsa.


Thursday, July 19, 2012

FACTURA, PRECISA?

Ausência de factura vale multa de até 3.750 euros.

O que noutros países é prática indiscutida, em Portugal é objecto de programas de rádio e televisão para auscultar a reacção dos portugueses em geral sobre novas medidas para promover a equidade  reduzindo a evasão fiscal. E, evidentemente, as medidas são contestadas pela generalidade dos incluídos no seu âmbito, e, sem surpresa, pela maioria dos consumidores que, por interesses recíprocos, muitas vezes se conluem com os fornecedores.  

Se alguma surpresa existe nestas medidas anunciadas ontem, ela reside na absolvição tácita de todas as fugas praticadas antes (até agora não era obrigatório o pagamento de IVA nos casos abrangidos?), e  das fugas que vierem a ser praticadas até ao fim deste ano, e ainda na absolvição tácita"sine die" de todas as fugas que vierem a ser praticadas a partir de 1 de Janeiro de 2013 pelos sectores não abrangidos por agora. 

Por outro lado, surpreende a insistência em práticas que já provaram a sua ineficiência no passado. 
Os clientes são, novamente, aliciados pelo fisco a pedirem (ou a exigirem) aos fornecedores facturas dos bens ou serviços adquiridos mediante a dedução fiscal até 250 euros em sede de IRS em troco de um confronto que tende a azedar as relações entre eles. Algum (a) cliente de um (a) cabeleireira, por exemplo, passa a exigir uma factura ao profissional que usualmente não a emite, quando com a conivência entre ambos é reciprocamente mais vantajosa que a eventual vantagem em sede IRS? Algum cliente se senta na cadeira do cabeleireiro onde vai há anos, à mesa do restaurante onde habitualmente almoça, ou entrega a reparação do carro a um profissional em quem tem confiança há muito tempo, e se dispõe a partir do próximo ano a exigir factura que nunca exigiu?
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Mas o que é mais intrigante nestes anunciados propósitos da administração fiscal é a revelação de que até ao próximo ano a emissão de factura não é obrigatória e que, a partir dessa altura, apenas abrange um número limitado de actividades.
E os outros?
As profissões liberais, por exemplo? Os advogados estão dispensados?
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Não. Claramente, o secretário de estado que anunciou estas medidas não conhece o país que também governa. Ao pretender que os consumidores façam aquilo que compete aos fiscais do seu ministério ignora uma regra básica: se continuas a usar os mesmos processos obtens os mesmos resultados.
Por que razão insiste esta gente na invenção da roda e não copia as melhores práticas em vigor há anos para combater a fraude e a evasão fiscal?
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Nunca saí dum restaurante num país do mundo desenvolvido sem que a factura me fosse apresentada para pagamento. Como é que eles fazem? É assim tão difícil saber como, e fazer o mesmo, senhor secretário de estado dos assuntos fiscais?

Wednesday, July 18, 2012

SOMOS (QUASE) TODOS LESADOS

Leio no Público on line que "advogado de lesados do BPN defende criação de comissão para negociar com pequenos investidores as indemnizações que estes reclamam, evitando, desse modo custos de justiça, porque mais tarde ou mais cedo o estado vai pagar".
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O estado vai pagar? O estado não paga nada! Quem paga sou eu, e todos quantos são atingidos pelo fisco, que, apesar de provadamente zarolho, é mais eficiente que a justiça, que dorme a sono solto. Aliás, lesados e duramente lesados do BPN, somos todos os que pagam impostos, além de outras contas com outros nomes mas os mesmos efeitos, para tapar o nauseabundo buraco. Escapam os que se aboletaram e continuam impunes; pagam, sobretudo, os que nunca franqueram as portas do mostrengo.

Houve gente que, ouvindo a canção que lhe cantaram, acreditou que é possível haver manteiga no nariz do cão, e entregou as massas ao bandido? Há sempre incautos ingénuos que trocam por nada o que têm, levados pelo conto vigário. Mas são poucos e pouco têm. A esmagadora maioria dos que procuraram o BPN fizeram-no conscientemente porque era público que essa coisa que se chamava um banco oferecia vantagens que só poderiam ser arriscadas. Só o governador do banco central e a sua equipa não via, não ouvia, não sabia.

Há tanta manifestação, e nenhuma suficientemente atroadora para acordar a justiça.
Eu, que nunca participei em manifestação pública alguma, se uma tal manifestação fosse convocada, seria dos primeiros a chegar ao local de saída. Porque essa seria a manifestação que falta.

Tuesday, July 17, 2012

DOM JANUÁRIO E OS PESTICIDAS

Ouço na Antena 1, esta manhã, que Portugal "está a abusar de pesticidas ilegais" ( cf aqui) e, mais adiante o Bispo das Forças Armadas afirmar que "este governo é profundamente corrupto" (cf aqui). Eu vejo tudo, garante dom Januário.

O que há de comum entre uma notícia e outra? A ausência de detalhes. Ficámos a saber que em Portugal se usa e abusa na utilização de pesticidas ilegais que, naturalmente, prejudicarão a saúde dos cidadãos. A rádio pública, preguiçosamente, limita-se a ler a notícia que lhe chegou sem averiguar e informar os ouvintes, que lhe pagam os serviços, que pesticidas ilegais estão a ser abusivamente utilizados. Aquele pequeno trabalho, que daria à notícia o valor acrescentado que lhe falta, não foi feito.

Quanto a Dom Januário, que se acostumou a levar a sua frontalidade para lá das fronteiras do razoável, acusa estes tipos (sic) do governo de serem corruptos, ressalva depois que serão alguns, mas não diz quais são nem de que actos de corrupção os acusa. É grave, é muito grave, que o senhor bispo acuse publicamente um grupo, aliás restrito, sem especificar. Se o fizesse, prestaria um inestimável serviço ao país, onde a corrupção tomou o freio nos dentes e não se estanca com meias denúncias. Não o tendo feito, colocou o governo inteiro sob suspeita.

Noutros tempos, quando a honradez era uma palavra em uso, o senhor bispo seria convidado pelos atingidos a dizer o que soubesse, e que é suposto não ter ouvido em confissão, sob pena do direito daqueles o convocarem para um duelo se a justiça estivesse, como geralmente está, a dormir.

A alternativa não seria aquela que conduziria à sentença mais justa mas pelo menos havia mais tento na língua e menos voracidade dos políticos. Assim, sem justiça desperta nem o receio de um tiro certeiro, estamos condenados a viver numa sociedade onde a honra e a vergonha estão em vias de extinção.

Monday, July 16, 2012

UM ESCÂNDALO GLOBAL

O Expresso calculava na sua edição de anteontem que o "JP Morgan perdeu cinco pontes Vasco da Gama a negociar derivados" . A ponte Vasco da Gama é, sem dúvida uma boa unidade de medida mas não é a melhor em avaliações de burlas, roubos, e outras trafulhices financeiras em geral. Mais adequado será avaliar o rombo no JP Morgan usando como termo de comparação a maior vigarice financeira em Portugal que se chamou banco português de negócios.

Comparado com o bpn, as perdas do JP Morgan com negócios de derivados de crédito no segundo trimestre de 2012 (equivalentes a 3,61 mil milhões de euros) equivalem-se a sensivelmente metade dos desfalques, ainda em progressão, engendrados pelos inteligentes do bpn. Uma ninharia, portanto, se considerarmos que o JP Morgan é um dos maiores bancos do mundo e o bpn um ninho de ratos. Ainda, segundo as contas do Expresso, estas perdas do JP Morgan equivalem-se a metade do défice público de Portrugal em 2012, os ratos do bpn, se algum dia as contas estiverem feitas, tiraram-nos dos bolsos um valor equivalente à totalidade do défice deste ano.

E, no entanto, nem as dimensões deste roubo público nem a incompetência da justiça para julgar os culpados mobilizam o protesto social que um escândalo destas dimensões deveria atingir se houvesse consciência cívica colectiva do que está em causa.

Noutro aspecto crítico desta questão são comparáveis os casos do JP Morgan e do bpn e, de um modo geral, todo o sistema financeiro mundial: o benefício do infractor, moral hazard no jargão anglo saxónico. Que significa que os banqueiros estão autorizados a jogar com o dinheiro dos depositantes nas mais diversas operações, embolsando lucros e bónus, além de outras vantagens gordas, mandando pagar a conta aos contribuintes quando as jogadas que fazem dão para o torto.

Escandalizam-se os banqueiros com a designação metafórica de banca de casino para este tipo de operações mas quem tem boas razões para se indignar são os clientes e os donos dos casinos . No casino, as jogadas são visíveis, os resultados evidentes, as perdas ou os lucros são da conta exclusiva de quem joga e do casino onde joga. Na banca de casino nem as jogadas são visíveis, nem os resultados evidentes, e os jogadores ganham sempre enquanto não perdem os contribuintes.

Um escândalo global a que ninguém põe cobro.

Sunday, July 15, 2012

TEORIA LOUÇÃ E PRÁTICA PASSOS COELHO

A expressão é do primeiro ministro e foi  por ele usada durante o recente debate na AR sobre o estado da nação. Passos Coelho, a propósito  de uma intervenção do líder do BE, ironizou com a "Teoria Louçã": "estou falido e não tenho como pagar, mas tenho um amigo que tem crédito que eu não tenho. E digo-lhe para ele ir pedir um empréstimo, pagar os juros que eu depois quando tiver dinheiro pago-lhe, mas não os juros". (cit aqui). A ironia primária do PM foi, esperadamente, aplaudida entusiasticamente pelas bancadas que apoiam o governo.

Louçã, que abafa muito dos seus discursos mais válidos quando os embrulha na opacidade da demagogia, tinha, na sequência do julgamento de inconstitucionalidade dos cortes e pensões da função pública e das pensões dos regime geral  da segurança social (pensionistas do sector privado), apontado para outras alternativas de redução défice e, nomeadamente, os juros agiotas da dívida pública.

Louçã não disse, no entanto, como é que podem ser evitados os juros que representam, de longe, a fatia maior da despesa do estado. Renunciamos à dívida e, consequentemente, aos juros? Ou solicitamos renegociações, com as diferentes mas inevitáveis consequências que qualquer destas opções implica? Louçã, se pretende ser levado a sério,  não pode ficar-se pelo enunciado de propostas sem lhes pesar os efeitos. Nem pode o seu discurso ser um conglomerado de tiradas que não tecem uma estratégia coerente de interesse público, para além dos interesses políticos próprios do bloco que lidera condicionados por uma ideologia radical.

Mas a ironia fácil de Passos Coelho, neste caso, não foi menos demagógica que a de Louçã. Porque o PM sabe bem que i) Portugal não pode pagar a carga da dívida e dos juros se não houver renegociação que aligeire significativamente essa carga; ii) que essa situação foi em grande medida fomentada pelos banqueiros credores que, ao privilegiarem os lucros e os bónus a curto prazo, esconderam os riscos; iii) que a situação engendrada está a penalizar fortemente os membros mais fragilizados e a beneficiar escandalosamente os outros, dentro de uma união que provadamente deixou de o ser; iv) que o sistema que permitiu o descalabro continua praticamente intocado e os seus mentores confortavelmente incólumes; v) que a UE não tem viabilidade de continuidade dentro dos parâmetros  em vigor.

Passos Coelho sabe, não é crível que não saiba, que "Insanity is doing the same thing over and over again, expecting different results" - Albert Einstein. O seu antecessor, pelos vistos não sabia. Esperava-se que Passos Coelho tivesse aprendido.

Saturday, July 14, 2012

MAIS VALE TARDE

Há cerca de um ano, antes da formação do actual governo, apontei neste bloco de apontamentos, na sequência de outros no mesmo sentido, que a situação excepcionalmente crítica do país impunha que o novo governo dispusesse do mais amplo ampoio possível na Assembleia da República, e que o vencedor das eleições não deveria deixar de fora nenhum dos subscritores do acordo de ajuda externa. Não o entendeu o novo presidente do executivo e o PS, que apoiou o governo anterior, grandemente  (mas não único) responsável pela situação de bancarrota, ficou confortavelmente de fora. 

Anotei ainda que um governo PSD/CDS não ultrapassaria o meio do período da legislatura e que só um governo dos partidos do arco governamental teria, eventualmente, condições de suporte político bastante para suportar os ventos ciclónicos que os efeitos da crise iriam soprar. Um ano depois da tomada de posse do actual executivo as probabilidades desta previsão quase óbvia redobraram. 

Como se não bastassem as múltiplas contestações sociais, para as quais o PS olha de lado e assobia para o ar, a vulnerabilidade exposta do pivot político do executivo está a acelerar um processo de desgaste rápido que era previsível desde a primeira hora. De dentro e fora do partido os sintomas de inquietação e discordância são em cada dia que passa mais notórios. Anteontem foi o vice-presidente do PSD da distrital do Porto a sugerir a saída de Miguel Relvas (sugestão que entretanto já mereceu a reprimenda pública do presidente da Câmara de Gaia), ontem Bagão Félix afirmou que, se fosse o seu caso, já teria pedido a demissão para facilitar a tarefa do primeiro ministro, hoje ouço na rádio que Paulo Portas criticou implicitamente Passos Coelho afirmando que nenhum membro do governo deveria entrar em polémicas (com o presidente do Tribunal Constitucional).

A braços com projecções do défice que se afastam flagrantemente dos objectivos orçamentados e dos compromissos assumidos, com o crescimento do desemprego para além das estimitativas  mais pessimistas, com a deterioração da situação económica, onde só a balança comercial trouxe boas notícias, com a decisão do TC a complicar-lhe a vida (ou a simplificar-lha, no entender de alguns), o governo entra numa fase crítica antes do impacto pleno dos cortes salariais nas contas dos portugueses atingidos pelas medidas de austeridade. A acrescentar a tudo isto, que é muito, os sintomas de desintonia entre os parceiros do governo são cada vez mais evidentes. Só assim se explica a crítica pública de Portas a Passos Coelho.  

O primeiro ministro convidou, durante o comunicado à AR do estado da nação, o PS a juntar-se ao governo na preparação do OE para 2013. Sugeriu, deste modo, um convite ao PS para entrar num governo ampliado?
Não creio.
Não creio, mas creio que deveria fazê-lo.

Friday, July 13, 2012

O EXPLICADOR ESTÁ DE SAÍDA

Em entrevista da Antena 1 o senhor Presidente do Tribunal Contitucional disponibilizou uma interpretação pessoal do acordão do tribunal a que preside que julgou inconstitucionais os cortes decretados pelo Governo de salários e funções à função pública e de pensões do regime geral da segurança social.

Se o julgamento do TC foi geralmente considerado justo, por sustentar que aqueles cortes estavam feridos da falta de equidade que a Constituição garante a todos os cidadãos; se a não retroactividade dos efeitos desse julgamento não foi objecto de contestação significativa, ainda que os argumentos que sustentam a inconstitucionalidade dos cortes não possam ser invocados para sustentar a não retroactividade dos seus efeitos; se a inconstitucionalidade não deve ser, ainda que transitoriamente, admitida; se o julgamento do TC obriga o Governo a procurar medidas substitutas que possam colmatar os pagamentos consequentes desse julgamento,
são algumas considerações que o acordão pode suscitar mas não podem alterá-lo.

Não se percebe, portanto, por que motivos o senhor presidente do TC entendeu dar público testemunho da  interpretação pessoal que faz de um acordão que, a partir do momento em que é aprovado, não tem outros autores que não seja o colectivo de juízes que compõem o TC. Dito de outro modo, o acordão tem vida própria, e não depende sequer do voto contra ou das declarações de voto deste ou daquele juíz membro do Tribunal Constitucional.

Dito isto, não se contesta a perspectiva do juíz presidente Rui Moura Ramos mas a redundância da sua explicação pública. Porque, das duas uma: ou os termos do acordão são inequívocos, e quaisquer explicações são desnecessárias; ou o juiz presidente entendia que os termos do acordão, no momento em que foi julgado pelo colectivo de juízes, não eram inequívocos, e deveria diligenciar para que fossem clarificados antes de julgados.

Argumentou o juiz presidente Rui Moura Ramos, em abono da sua intervenção como ocasinal explicador, que o primeiro ministro tinha reagido a quente e feito uma leitura distorcida do acordão. Exorbitou das suas competências. Ripostou de imediato o primeiro ministro afirmando que o juiz presidente do Tribunal Constitucional disse o que disse porque está de saída. E ele?

Excedeu-se nos termos e condenou-se no campo das intenções. Se o juiz presidente Moura Ramos não estivesse de saída seria coagido na sua liberdade de julgar ou, ainda que redundantemente, explicar, pelo executivo?   

Thursday, July 12, 2012

PAGAS DESCONTADAS

"El Constitucional portugués declaró ilegal suprimir pagas extras a funcionarios" -  (El País)

Poucos dias depois do Tribunal Constitucional português ter declarado inconstitucionais os cortes nos salários e pensões da função pública e nas pensões do sistema geral de segurança social, o governo de Espanha anunciou o corte do subsídio de Natal aos funcionários públicos além da redução dos "moscosos" (número de dias, para elém das férias anuais, que os funcionários podem utilizar para tratar de assuntos pessoais).     

O El País de hoje noticia hoje a decisão do TC português e coloca um link para o texto do acordão:   "Consulte aqui aquí los argumentos del Tribunal Constitucional de Portugal contra la reducción de pagas a los funcionarios".

Nada garante que o processo invalidado, ainda que só parcialmente, em Portugal venha a percorrer um caminho paralelo em Espanha, mas é altamente provável que venha a ser impugnado pelos atingidos ou por um grupo de deputados às Cortes com fundamentos idênticos aos invocados junto do TC português.

A reacção popular já começou ontem:  “Primero fueron a por los mineros. Ahora nos vienen a estrangular a nosotros”. Cientos de funcionarios salen a las calles de Madrid para protestar contra los recortes. Los empleados públicos califican las medidas de Rajoy como "un acoso" hacia ellos.

Ao dispensar os socialistas, em grande parte responsáveis pela situação em que a Espanha se encontra, do governo do Estado numa situação de excepção, Rajoy cometeu o mesmo erro capital de Passos Coelho. Poderia pelo menos ter evitado este, mas nem isso.
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Correl. - Depois do anúncio das medidas de austeridade, La situación de la deuda española en los mercados sigue sin aclararse. 


OS RICOS MERECEM A RIQUEZA QUE TÊM?

(c/p Economist)

Um inquérito realizado pela Global Scan - uma empresa de estudos de mercado - (vd. aqui) em 23 países junto de 12000 adultos revelou que a desigualdade social é geralmente considerada preocupante. É notável, contudo, que, entre os seis países onde a riqueza é, maioritariamente considerada como muito merecida ou algo merecida, estejam a Indonésia, a China e a Índia. Sem surpresas: É na Austrália, Canadá e Estados Unidos da América, países fundados na livre iniciativa dos imigrantes, que o nível de merecimento da riqueza atinge valores mais elevados.

Por outro lado, é na Europa que os mais ricos são olhados de soslaio pelos menos abonados. 

Portugal não foi abrangido pelo inquérito. Mas podemos supor, sem grande margem de erro, que nos posicionaremos entre os 20% de Espanha e os 9% da Grécia. 

Wednesday, July 11, 2012

OS MALES DOS OUTROS

Rajoy sube el IVA del 18% al 21% y suprime una paga a los funcionarios
El IVA reducido sube también del 8% al 10% como parte de un paquete de medidas económicas para ahorrar 65.000 millones
El Gobierno reducirá un tercio el número de concejales y fijará el sueldo de los alcaldes - El País

Com o mal dos outros podemos nós bem, é, das sentenças populares, a que melhor revela o egoísmo que em doses variáveis se aloja na idiossincrasia de cada indivíduo. Salvo os casos de ocorrência de situações de moléstia contagiosa a dar a volta ao mundo, a condição humana, reage, quando reage, na razão inversa da distância física que separa os isentos dos apoquentados. Ainda que a tecnologia de hoje nos traga a casa, em tempo real, imagens de gente aflita em cada canto do mundo, a torrente de desgraças é tão forte que, por defesa instintiva, vemos mas apenas remotamente e por breves instantes sentimos o que vimos. É esta dose variável de egoísmo que, extrapolada para as sociedades, as inclina para os desequilíbrios e os confrontos que fazem a parte negra da história da humanidade.

Os espanhóis vão pagar mais IVA? Toca a todos. E sorte têm eles de só pagarem 21%!
Os funcionários públicos receberão menos um mês de salários? Cá cortaram dois.
Os juros da dívida não param de subir? Quem os mandou também gastar tanto? 
Os bancos estão em apuros? Onde é que não estão?
Cameron e Hollande concordaram numa UE a duas velocidades? Só duas?
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Consoante o vizinho, assim a reacção. De um lado, os portugueses sentir-se-ão menos deprimidos porque passam a estar mais acompanhados no infurtúnio; do outro, os franceses, enchem o papo de ar   por empraceirarem ao lado da Alemanha no financiamento a custo do zero da sua dívida soberana. Os alemães emproam-se nas águas das virtudes calvinistas.

O que todos, estes e os restantes, parecem, além do mais, desconhecer é que o mal é mesmo contagioso, que a Espanha detem o recorde de desemprego mundial, que os espanhóis há muito aprenderam a matarem-se uns aos outros, e que se persistir a prevalência do egoísmo na União Europeia, se  não for percebido que com o mal dos outros não podemos nós bem, a moléstia dizimará o grupo.  

Hoje sabe-se que medidas podem suster a crise. O que não se sabe é se e quando os protagonistas decidirão tomá-las. 
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Correl. - Há cerca de um mês, Joseph Stiglitz classificava como "voodoo economics", (designação perjurativa da política adoptada pela administração Reagan nos EUA na década de 80 do século passado, a concessão de créditos para a recapitalização dos bancos (no caso, espanhóis):  Stiglitz está convencido de que o plano de emprestar dinheiro a Espanha para fortalecer seus bancos pode não funcionar. Stiglitz diz que o governo e os credores do país estarão, na realidade, apenas apoiando-se uns aos outros, não garantindo soluções de longo prazo para a crise em curso. (aqui

Tuesday, July 10, 2012

NÃO HÁ EUROPEUS

O magno problema da União Europeia é não haver cidadãos europeus sessenta anos depois do lançamento da primeira pedra de um edifício que começou por ser construído para garantir a paz na Europa.

Há cidadãos portugueses, espanhóis, italianos, finlandeses, alemães, holandeses, suecos, dinamarqueses, austríacos, checos, britânicos, gregos, belgas, cipriotas, búlgaros, letões, estonianos, franceses, lituanos, luxemburgueses, malteses, polacos, romenos, eslovacos, eslovenos, húngros, eslovacos,  mas não há cidadãos europeus. 

As discussões acerca da sobrevivência da zona euro e da continuidade da União Europeia centram-se e definham-se no imbróglio das dívidas criado pela aranha banqueira que teceu uma teia onde cairam alguns mais desprevenidos. Não há discussão política acerca do futuro europeu mas das dívidas insuportáveis em que alguns se deixaram enrolar e agora são intimados a desenrolar em prazos mínimos. 

Assim, não haverá nunca cidadãos europeus. Wolfgang Münchau, no artigo publicado ontem no FT que resumi e comentei aqui prevê que a crise se arraste por vinte anos, na melhor das hipóteses. Na pior, o edifício desaba de um momento para o outro ou decidirão desmontá-lo antes que se desmorone. Exagero dele?

Não creio. A Europa, sem cidadãos europeus, está num processo de desmembramento que fará dela um conjunto desagregado num mundo dominado por dois ou três gigantes. A União Europeia dissolver-se-á porque, enquanto Portugal, a Grécia, a Espanha e a Itália pagam juros insuportáveis, a Alemanha e a França financiam-se a taxas negativas. Da razão primeira da sua construção - garantir a paz na Europa - ninguém fala. Talvez porque, inconscientemente, a tenham como indiscutivelmente garantida.  

Monday, July 09, 2012

UMA CRISE PARA VINTE ANOS

Wolfgang Münchau publica hoje no Financial Times mais um artigo sobre um tema em que se tornou um dos mais citados colunistas: as turbulências na Zona Euro. Em  "Eurozone crisis will last for 20 years", Münchau começa por uma dúvida elementar: Gostaria de saber quem é que arrisca investir em activos financeiros após cada uma dessas declarações "históricas" do Conselho Europeu saídas das suas cimeiras. Às vezes o optimismo dura algumas horas, outras, alguns dias. Acerca da última acabou em menos de uma semana. A Itália e a Espanha estão agora com spreads acima dos níveis atingidos nas vésperas da cimeira. 


(c/p El País de hoje)

Münchau discorda, e tem boas razões para isso, da generalidade dos observadores que consideram que foram dados na última cimeira passos decisivos para a união bancária na Zona Euro, onde foi acordado que não haverá uma recapitalização bancária conjunta enquanto não for concretizada uma total união bancária. E que o Bundesbank se apressou a recordar que uma união bancária total não é possível sem uma união política. Conclui WM: a implicação lógica desta sequência é a impossibilidade da solução da crise em menos de 20 anos.
Continua Münchau: O que sabemos agora é que a Alemanha não aceita a mutualização dos seguros dos depósitos, nem a concessão ao Mecanismo Europeu de Estabilização de capacidade para se financiar. Se a Alemanha não concorda com o mínimo agora como pode alguém pensar que vai concordar com uma união política depois? E irónico, remata: Isto é menos credível que um alcoólico prometer desistir de beber dentro de cinco anos.

Na Alemanha, ainda há uma pequena maioria a favor do euro mas a maioria é contra mais resgates. Um grupo de 160 economistas, liderado por Hans-Werner Sinn, presidente do Ifo, um instituto económico, publicou a semana passada um manifesto contra a união bancária. Merkel respondeu que não havia que recear porque a união bancária não passava de supervisão conjunta dos 25 maiores bancos. E que não haverá garantia global dos depósitos, um entendimento diferente do BCE acerca do que é uma união bancária. Outra vez mordaz, Münchau considera que isto se assemelha à promessa do alcoólico de passar a beber apenas os melhores conhaques a partir de agora.  

A necessária união bancária que se precisa é aquela que a Alemanha recusa: regulação e supervisão centrais, um fundo comum de reestruturação e uma garantia comum dos depósitos. Leva anos a criar. Se for feito de forma conveniente, exige alterações constitucionais dos países membros e dos tratados europeus, mesmo que seja apenas para redefenir o papel do BCE. É uma loucura completa fazer depender a solução da crise do sucesso daquilo que seria o exercício da maior integração da história europeia.  

Com taxas de juro das obrigações a 10 anos acima de 6 por cento, nem a Itália nem a Espanha conseguem manter-se na Zona Euro. A alternativa passa pelas eurobonds ou qualquer outra forma de mutualização das dívidas dos sectores público e privado ou pela compra de obrigações pelo BCE. A Alemanha recusa a primeira, o BCE não aceita a segunda.

Se alguma coisa  não é insustentável nem se corrige a si mesma, restam apenas duas saídas: A primeira, esperar pacientemente que o sistema parta. Esta é a estratégia prosseguida pelo Conselho Europeu e pelos alcoólicos. A segunda, começar os preparativos para a saída evitando que o colapso aconteça durante o período de alterações, que será sempre longo. Foi precisa uma década para criar o euro. Será preciso mais que um longo fim-de-semana para acabar com ele.

A terminar, Münchau recorda que em Novembro escreveu que o Conselho Europeu tinha dez dias para salvar o euro. Se eles tivessem criado as bases para uma união fiscal e bancária, provavelmente estariam agora em condições para concertar uma estratégia efectiva para a solução da crise, consistindo na recapitalização dos bancos e na compra de obrigações. Não o tendo feito deixaram de ter condições para o fazer agora. 

Assim sendo, a última cimeira da zona euro , que não solucionou a crise, ficará certamente "histórica". 

A ARTE DO INVISÍVEL

Na Hayward Gallery, em Londres, está em exposição até 5 de Agosto um conjunto de obras de arte com a particularidade, como no conto antigo, de não se ver nada exposto. 

A ideia, ou a falta delas, não é nova. Com uma ou outra embalagem, dentro não há nada. Em 1992, Tom Friedman, um escultor conceptual norte americano, contratou uma bruxa profissional para lançar uma maldição sobre uma esfera de 11 polegadas colocada num pedestal aparentemente branco.
A maldição é invisível mas, como se prova na na foto abaixo, há sempre quem queira ver o que não se vê.



Lai Chih-Sheng, um artista chinês da Formosa, reclama para " Life-Size Drawing 2012" o recorde do maior desenho do mundo, feito em giz.  Laura Cumming, critica de arte do Observer, afirma que não conseguiu ver nada até ter passado uma unha pela parede da galeria e ter ficado com o dedo sujo de pó de giz.

"Tinta Mágica" (1989), de Giani Motti (foto a seguir), é um conjunto de quadros vazios. 
  
 
Perguntar-me-ão: E as cadeiras?
Quanto às cadeiras, quatro são visíveis, dizem.
Mas há mais 32 a desafiar a sua capacidade de observação, leitor.

Sunday, July 08, 2012

TRADIÇÃO LUSÓFONA



No edifício da Lusófona ao Campo Grande, que começou por ser uma fábrica de lanifícios inaugurada em meados do sec XIX,  esteve aquartelado o Regimento de Engenharia 1. Na década de 60 do século passado, por se encontrarem saturadas as instalações da EPAM (Escola Prática de Administração Militar) no Lumiar, a  EPE 1 cedeu o sítio a um destacamento da EPAM para a formação de oficiais milicianos de administração militar. São os primeiros os mestres engenheiros, era ainda  a legenda afixada ao cimo do primeiro lanço da escadaria que, no edifício principal, levava às camaratas dos cadetes quando a EPAM ocupou o local.
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Sempre que por ali passo recordo algumas das cenas mais hilariantes a que assisti, ou participei, na minha ida à guerra. A maior parte dos que se apresentaram na EPE1 em Janeiro desse ano para o segundo ciclo do COM na EPAM, tinha feito em Mafra ou Santarém o primeiro ciclo, onde os jovens alferes de cavalaria formados na Academia Militar procuravam fogosamente, com a ajuda dos sargentos, incutir nos milicianos a disciplina, o rigor, a endurance, a estaleca e a cagança da cavalaria, bebidos na Academia. A mínima falha custava pelo menos o corte do fim-de-semana.  

Na casarão abandonado pelos mestres engenheiros, dos três  oficiais da EPAM, geralmente ex-estudantes universitários enjoados com as sebentas que tinham optado pela carreira militar, incumbidos da formação na especialidade dos cadetes milicianos, destacava-se o capitão Clarro pela originalidade dos métodos formativos nas três cadeiras que lhe competia ensinar. Os outros dois despacharam a matéria, que era de carregar pela boca, em menos de um mês por, dizia-se,  terem sido mobilizados para o Ultramar.

O Clarro era um dandy. Apresentava-se sempre impecavelmente fardado, escolhia para local das aulas um lugar ao sol de inverno, nas casernas o frio a a humidade só eram sofridos em dias de chuva, sustentava-se numa das pernas, dobrando a outra como um flamingo, encostado a uma parede. Os cadetes ouviam, de pé em semicírculo à sua volta, as suas prelecções de obtusa dialética.

Numa dessas manhãs de sol frio, o Clarro fez a apologia da cultura da cunha, depois da preparação do primeiro cigarro da manhã, um cerimonial matinal, que envolvia o manuseamento delicado da cigarreira dourada, do isqueiro Dupont, da boquilha preta rematada a ouro, computado por alguns mais dados à estatística, em trinta movimentos simples e demorados. A cunha, meus senhorres é um atributo de duplo mérrito: de quem a mete e de quem a aceita. E porquê? E passava a explicar antes que alguém discordasse.

De quem a aceita, é óbvio. Só é procurado para   esse fim quem tem, ou é julgado ter, o que dá no mesmo, mérito suficiente para fazer com que o objectivo pretendido seja atingido. De quem a mete, só é menos óbvio para quem nunca fez uma reflexão lateral do assunto. Quem é que mete cunhas? Obviamente quem está suficientemente bem relacionado para poder chegar até quem esteja disponível para as accionar. Quanto mais intenso for esse relacionamento e mais elevado o nível a que ele se realiza, maiores são as oportunidades de sucesso e maiores os seus resultados. A cunha, senhores cadetes, só está ao alcance dos melhores. Alguém tem dúvidas?

Ninguém se pronunciou, na guerra o silêncio é de ouro. E passámos à aula prática, igual todos os dias. Desempenhava-se no campo pelado de futebol, onze contra onze, como é das regras, os que sobravam, e seriam outros tantos, jogavam a deitar a bola para fora do campo. Explicava o Clarro que era uma técnica muito pessoal para avaliar o comportamento em grupo dos senhores cadetes.

Resumindo, quando chegámos ao fim do ciclo, era fim de Março, ninguém tinha a mínima noção da razão daquele tempo perdido e muito menos do que viria a seguir-se. No penúltimo dia, fomos convocados para uma formação na parada, ia falar-nos o comandante do curso, o major Rabaça. Chuviscava. Era a primeira vez que nos aparecia pela frente o Rabaça, constava que tinha casado com uma herdeira rica, era cavaleiro sem ser de cavalaria, apareceu-nos de uniforme número um e pingalim.

Discursou acerca do futuro que nos esperava, a maioria, se não a totalidade, iria ser honrada  com a oportunidade de defender a Pátria em África, bla, bla, bla, bla, bla, bla, agora tínhamos uma importante decisão a tomar. E indo directamente ao assunto, perguntou ao pelotão que, entretanto, tinha aberto fileiras: Quero saber se os senhores cadetes querem ser classificados por mérito ou por cunha? Quem for da opinião que a classificação deve ser atribuída por cunhas dê um passo em frente!
Ninguém deu. O Clarro, ao lado do Rabaça, sorriu discretamente.

Após uns breves momentos, rematou o Rabaça: Ainda bem que nos entendemos porque os senhores são cinquenta e seis e eu recebi cinquenta e cinco cunhas! Vamos a provas! O senhor capitão Clarro será membro único do júri. As provas realizam-se esta manhã, antes de almoço serão conhecidos os resultados.

As provas, com duração de uma hora, iniciaram-se às nove da manhã num dos pavilhões.
O Clarro entrou com um pacote de folhas de papel, mandou sentar, e ditou: Os senhorres são convidados a escrrever, utilizando a frente da folha de papel, sobrre um ( e só um) dos seguintes temas: 1- A questão do sudoeste asiático; 2 - O prroblema sexual do combatente.
No verso escrrevem o nome e número.

Pelas onze horas foram afixadas as classificações à porta da entrada para as camaratas.
Estávamos todos habilitados a administrar a guerra.