Thursday, October 31, 2013

ESTE GOVERNO TEM DIAS

O actual governo é geralmente considerado, e criticado, neoliberal, significando isso que preconiza um Estado menos intervencionista e maior espaço de manobra para a iniciativa privada.
Mas será mesmo?
Tem dias.

Hà alguns dias atrás foi notícia a intenção da ministra Assunção  Cristas limitar o número de animais de companhia em cada habitação em edifícios em regime de condomínio ou de propriedade horizontal  com o objectivo de reduzir a conflitualidade entre vizinhos. Deve o governo imiscuir-se em questões que podem, e devem, ser objecto de discussão e decisão em conformidade com a lei da propriedade horizontal e do regulamento interno de cada condomínio previsto naquela lei?  Poder, pode, mas não deve. E, sobretudo, trata-se, ou tratar-se-ia, parece que haverá um recuo da ministra, de uma intromissão desnecessária nas relações de convivência entre os cidadãos.

Hoje soube-se que por despacho do ministro Maduro  publicado no Diário da República as televisões com emissão em sinal aberto são obrigadas a transmitir semanalmente pelo menos um jogo de futebol entre as equipas melhor classificadas da liga principal. As televisões privadas receiam concorrência desleal da RTP, a empresa estatal encostada aos impostos pagos pelos contribuintes.
 
Um receio justificado a que se junta outro: o empolamento dos preços destas transmissões compulsivas, que colocam os canais de televisão em situação de capacidade negocial reduzida perante aqueles que adquiriram os direitos de transmissão dos jogos.
 
Porquê esta intromissão que contraria a decisão em sentido oposto do anterior ministro do pelouro?
Por que intervém o governo num assunto que deveria ser decidido apenas pelas empresas?
Obviamente, por razões populistas, que os neoliberais, mesmo à contre coeur, também não enjeitam.
 
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correl. - aqui

ALIÁS

Oito anos.

Wednesday, October 30, 2013

DO BRASIL COM AMOR

Resumidamente, a história é esta: uma funcionária da conservatória de registo de automóveis de Braga roubou 252 mil euros à instituição onde trabalhava, um valor provavelmente equivalente a uns vinte anos de remunerações líquidas de impostos, que entregou a um amante para este comprar uma casa no Brasil. Denunciada e julgada, foi condenada a quatro anos e meio de cadeia, mas o juiz suspendeu-lhe a pena de prisão justificando a suspensão  com o arrependimento manifestado pela arguida, pela confissão sem reservas e pela inexistência de antecedentes criminais. - vd. aqui.
 
"O Instituto dos Registos e do Notariado, assistente no processo, queria ser ressarcido das verbas desviadas, mas o tribunal indeferiu o processo, face à insolvência da arguida. Assim, todos os créditos terão de ser reclamados no âmbito do processo de insolvência".
 
Como quem nada tem nada pode pagar, a gatuna pode estar a estas horas no Brasil junto do seu apaixonado a veranear junto às águas mais apetecidas do sul do Atlântico. Tivesse ela roubado um pão num supermercado e outro juiz tê-la-ia remetido para trás das grades.
 
Do comparsa não dá conta a notícia, mas pode depreender-se que não tenha deixado rasto, e que, da burla, quem impunemente aproveitou foi só ele. Também muito estranho parece ser o facto de um banco ter feito um empréstimo para compra de uma casa no Brasil.
 
Aqueles que no Instituto dos Registos e do Notariado deveriam ser responsabilizados pelo deficiente controlo das contas das conservatórias, chutarão, como é norma na administração pública, as  custas para cima dos contribuintes.
 
 
 

Tuesday, October 29, 2013

A SOPA E OS PROFESSORES

Ontem, ao jantar, havia catorze adultos e duas crianças. Como é habitual nestas situações, as crianças
tiveram de comer sopa. Dos adultos, só um, para confirmar a regra comeu sopa. Conclusão: os adultos, em geral, obrigam as crianças a comer daquilo que elas não gostam.  
 
Passa-se o mesmo com os professores do ensino básico e secundário em Portugal: os exames são para os alunos. Eles, professores ou candidatos à profissão, rejeitam-nos com toda a força de sindicatos, que representam largos milhares de filiados, perante a impotência de um Ministério que nunca mais entende que, enquanto se mantiver a centralização da gestão dos recursos, é um gigante em permanente desequilíbrio.
 
Soube-se hoje que o Ministro da Educação pretende discutir brevemente com os parceiros sociais, sindicatos e instituições do ensino superior,  um diploma que obrigará -vd. aqui -  os candidatos a professores do básico a fazer exames de Português e Matemática.
 
Afirma, a propósito,  Nuno Crato: "
“É possível, neste momento, que um professor do ensino básico faça o seu percurso [escolar] mesmo tendo reprovado a Matemática no 9.º ano de escolaridade, tenha passado o secundário sem ter a disciplina. E depois tire uma licenciatura em Educação e comece a ensinar Português e Matemática aos alunos do 2.º ciclo”, "esta é uma situação que não se pode manter”. “Vamos tornar obrigatória, para o acesso à licenciatura em Educação Básica, a realização de provas de ingresso nas áreas de Português e de Matemática. Queremos que os futuros professores, ao entrarem para um curso superior, mostrem que sabem de Português e de Matemática”.“Se queremos bons alunos, precisamos de bons professores”.
 
Quem é que pode discordar?
Os sindicatos, as associações de professores, e a generalidade dos professores, como é da praxe.

Monday, October 28, 2013

A IRRESPONSABILIDADE DOS CAIXEIROS

Terão sido alguns colaboradores, e não a Caixageste, gestora de fundos mobiliários da CGD e o CaixaBI, banco de investimento do grupo, ou os seus executivos, os responsáveis por actividades, em vários períodos de 2010, de manipulação do mercado e violação dolosa do dever de não utilização de informação privilegiada, na versão com que pretende a administração da Caixa ilibar-se das acusações da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários apresentadas pelo regulador no Ministério Público em 2012.
 
Segundo pode ler-se aqui, foram "os assessores jurídicos da CGD que aconselharam a empresa a tentar persuadir a CMVM de que nem a Caixageste, nem o CaixaBI, nem os seus executivos, aprovaram os comportamentos individuais assumidos por alguns colaboradores. E recomendam que convençam o regulador de que os administradores censuraram e continuam a censurar tais comportamentos."
 
O banco do povo é uma fonte inesgotável de escândalos de todos os tamanhos. Há muito tempo que deveria ter sido privatizado, considerando que não se distingue da banca privada pela positiva e são frequentes as notícias em seu desabono. Este caso é apenas mais um de entre um corrupio que não para e que apenas confirma o que há muito tempo se sabe: a Caixa é governada pela ilimitada irresponsabilidade que lhe concede o estatuto de banco do povo, protegido por uma rede tecida pelos impostos que pagamos, mas que, afinal, também sustenta os bancos privados, mesmo os mais comprovadamente desonestos.
 
Se, conforme a notícia, "os assessores jurídicos recomendam que convençam o regulador de que os administradores censuraram e continuam a censurar tais comportamentos", duas conclusões legítimas confirmam o estatuto de irresponsabilidade em que se encontram investidos os administradores da Caixa.  Aos administradores, 
 
1- não é recomendado que demonstrem as suas intervenções, na sequência do conhecimento dos actos criminosos,  com provas concretas, provavelmente porque não existem,  mas que convençam a CMVM, naturalmente com outros meios de persuasão. Os actos ilícitos praticados em nome de uma empresa privada responsabilizam toda a empresa e as hierarquias não se podem ilibar das consequências resultantes desses actos. Na Caixa, não, pelos vistos. A administração não nega a ocorrência dos factos mas considera-se inocente por irresponsabilidade estatutária. Aliás, se a Caixa for penalizada e obrigada ao pagamento de uma multa, quem pagará, no fim de contas, é o povo.
 
2 - é recomendado que convençam o regulador que censuraram e continuam a censurar tais comportamentos, uma recomendação que pressupõe que a intervenção da administração, se existiu, se limitou a acções de censura e que os autores dos actos ilícitos permanecem no exercício das suas funções, continuando a hierarquia apenas a censurar a continuação de tais actos. Apenas, porquê?
 
Não sabemos o que têm a dizer, ou já disseram, os prevaricadores colaboradores individuais.  
  

Sunday, October 27, 2013

O ALDRABÃO




Este, está no Teatro D. Maria II. - vd. aqui
Merece ser visto.

Os outros, que são mais que muitos, andam por aí.

O PREÇO DA DESCONFIANÇA

Sorrateiramente, os fornecedores de serviços pagos por débitos periódicos, normalmente mensais, em conta bancária, se o cliente confia e não confere as facturas com olhos de ver, metem-lhe a mão ao bolso e encaixam uma fortuna. Como os clientes se contam, em vários casos, em milhões ou, pelo menos, em centenas de milhares, meia dúzia de euros sacados a cada cliente distraído somam vários milhões por mês e uma receita astronómica no fim de cada ano. 
 
Para além da distracção, disponibilidade de tempo ou falta de hábito para conferir contas, confiam as empresas de telecomunicações, gás, água, electricidade, etc., e os bancos (convém ter atenção aos bancos), na confiança da clientela ou na sua passividade para reclamar resultante da relação entre o custo e o benefício do incómodo: vale a pena por uma ninharia de meia dúzia de euros, ou mesmo poucas dezenas que seja, perder tempo e torrar o sistema nervoso com exposições ou discussões que podem arrastar-se por tempo indeterminado? Para a esmagadora maioria não vale, e assim o encaixe pelos abusadores subsiste quase sempre intocado.
 
Há três semanas atrás, observei na minha conta bancária um débito, desses que não são objecto de factura nem nota débito, que confrontei com o valor debitado por igual serviço no ano anterior. O valor debitado agora era superior em cerca de 10%, quase cinco euros. Telefonei para o fornecedor do serviço, que neste caso é o banco, reclamando pelo abuso de um débito para o qual não tinha dado o meu consentimento. Responderam-me que é normal esta prática, os serviços são renovados automaticamente e as tabelas respectivas aumentadas e aplicadas com consentimento implícito dos clientes que não reclamam! Prometeram resolver o assunto, creditando os valores abusivamente debitados no prazo máximo de cinco dias. Volvidos cinco dias, não havia resposta nem crédito nenhum. Veio anteontem a resposta via e-mail, o crédito deve entrar a partir de amanhã, depois de múltiplas insistências, perdas de tempo e de paciência.
 
Valeu a pena tanto incómodo por tão pouco?
Ouvia dizer, com alguma frequência, há muitos anos, a um homem bom: quanto mais desconfio menos me engano. O que é verdade, mas tem custos desproporcionados. E é com isso que se governam os abusadores.
 
Que deixariam de ser se as entidades reguladoras estivessem atentas e determinassem que todos os casos denunciados e confirmados fossem obrigatoriamente objecto de correcção. O óbice é que, geralmente, os reguladores estão mais do lado de lá que do lado de cá.

Saturday, October 26, 2013

AINDA ACERCA DA INUTILIDADE DA MATEMÁTICA

Na entrevista com Alan Greenspan que ontem comentei, repeti  aqui o meu espanto com a implícita absolvição, que decorre da imputação das responsabilidades da crise à falibilidade dos modelos económicos, daqueles que montaram esquemas com que enganaram meio mundo, dinamitaram o sistema, e encheram os seus bolsos, e que nenhum modelo económico ou avaliação antropológica, psicológica ou outra poderia contemplar porque exorbitam das áreas científicas por serem do foro criminal.

Aliás, logo a seguir à violenta erupção da crise, mimosearam-se os economistas com acusações mútuas, sendo na oportunidade, naturalmente, mais empertigados os críticos das teorias ditas neoliberais, por serem supostamente os académicos os mentores das artes com que os banqueiros trapacearam meio mundo e colocaram as economias mais fragilizadas de patas para o ar. O testemunho de Greenspan, um liberal que enquanto jovem, frequentou o círculo ultra radical de Ayn Rand, alinha, deste modo, paradoxalmente, nas fileiras dos mais acirrados críticos das teorias que nortearam a sua carreira à frente da Fed, para abonação da conduta dos banqueiros.

Ainda assim, se são escassos os casos que até agora colocaram nos EUA alguns criminosos atrás das grades, dos quais Bernard Madoff foi o mais destacado, vários bancos foram multados (vd. artigo sobre o tema no Expresso/Economia de hoje) e muitos processos se encontram ainda pendentes de julgamento judicial. Considerando a relativa leveza das multas e a impunidade da generalidade dos autores dos crimes, os mecanismos financeiros subsistem propensos ao cometimento das mesmas fraudes sistémicas no futuro.

E em Portugal?
Nenhum dos contrafatores pagou nada, mas receberam muitos, presumidas vítimas de processos dolosos a que não aderiram ingenuamente. A uns e outros, banqueiros e cliente oportunistas, foram coagidos a pagar os contribuintes. Entretanto, sabe-se que o Ministério Público ainda existe pelas fugas de informação que fazem as delícias dos jornais e delegam as competências da administração da justiça na impotência da justiça popular.

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Correl . - «Os três principais administradores do Banco Privado Português (BPP) - João Rendeiro, Paulo Guichard e Fezas Vital -, receberam 6,4 milhões de euros em 2008, ano em que a instituição faliu. Só João Rendeiro, antigo presidente do conselho de administração, arrecadou 2,8 milhões, segundo uma tabela de vencimentos incorporada no processo de falência do banco, que corre no Tribunal do Comércio, em Lisboa. Os ordenados dos antigos administradores eram divididos em várias parcelas: salário-base, plafond de despesas, complemento "forex", prémio anual e outro plurianual.» (aqui)

Friday, October 25, 2013

ACERCA DA INUTILIDADE DA MATEMÁTICA

O Financial Times publica hoje (aqui) uma entrevista com Alan Greenspan, o homem que esteve à frente da Reserva Federal Americana entre 1987 e 2006, e que chegou a ser venerado como um mágico e cognominado de "maestro". Até ao dia em que a crise da "subprime" irrompeu, e abalou o sistema financeiro norte-americano, propagando-se em ondas que atravessaram o Atlântico e abateram as economias mais vulnerabilizadas de uma Zona Euro totalmente desprevenida de instrumentos de defesa adequados.
 
Cinco anos depois do espoletar da crise nos EUA, seis depois de ter abandonado o cargo onde o viram brilhar intensamente, Greenspan, que há já bastante tempo atrás tinha  admitido o erro, volta a reconhecer que a sua confiança, e a dos que trabalhavam na Fed, nos modelos matemáticos de previsão que utilizavam, ficou irremediavelmente comprometida com a emergência de uma crise de intensidade que não tinha previsto.
 
Diz Greenspan que, assim como foi excessiva a admiração que lhe tributaram durante os quase 20 anos que presidiu à Fed, são desproporcionadas as culpas que, na ressaca da crise, lhe passaram a atribuir. A Fed é governada por um conjunto relativamente vasto de personalidades indigitadas por instituições governamentais e privadas, servido por um quadro técnico que compreende, além do mais, 250 economistas doutorados, especializados na monitorização e previsão económica.
 
Erraram todos?
Greenspan considera que foi dado demasiado crédito aos modelos matemáticos econométricos e subalternizados outros instrumentos de avaliação que recorrem aos avanços em outras áreas do conhecimento, nomeadamente a antropologia e a psicologia, citando, a propósito, os contributos de vários académicos , e de entre eles,  Daniel Kahneman, um psicólogo, Prémio Nobel da Economia em 2002.
 
Aos 87 anos, Greenspan publica mais um livro - "The Map and the Territory" - uma reflexão sobre o risco, a natureza humana e o futuro das previsões do futuro. A entrevista é, deste modo, uma promoção desta obra. Que, previsivelmente, será um best seller, porque o maestro pode enganar-se por conta alheia mas, certamente, não se enganará por conta própria.
 
Acabo de ler a entrevista, e fico, mais uma vez, espantado com a implícita absolvição, que decorre deste reconhecimento da falibilidade dos modelos económicos, daqueles que montaram esquemas com que enganaram meio mundo, dinamitaram o sistema, e encheram os seus bolsos, e que nenhum modelo económico ou avaliação antropológica, psicológica ou outra poderia contemplar porque exorbitam das áreas científicas por serem do foro criminal.
 
Porquê?
Porque, de outro modo, o sistema teria de ser inteiramente reformulado e os intervenientes no astronómico logro, julgados e sancionados. Mas eles são demasiadamente influentes para serem seriamente perturbados. Por isso tudo continuará sensivelmente mais ou menos na mesma até à próxima explosão do vulcão temporariamente acalmado.

Thursday, October 24, 2013

OUTRA VEZ, A CAIXA

A administração da CGD anunciou hoje, vd. aqui, que

"No contexto da estratégia de desinvestimento em ativos não estratégicos da Caixa Geral de Depósitos, S.A. ("CGD"), a CGD pretende proceder à alienação de 54.771.741 ações ("Ações") representativas de aproximadamente 6,11% do capital social da Portugal Telecom, SGPS, S.A." , e que a venda se vai realizar sob a forma de uma oferta particular através de um processo de accelerated bookbuilding.

O anúncio, terá surpreendido, vd. aqui, até o presidente da PT, que, depois de observar que a CGD não estava pressionada em tempo pelas regras comunitárias para realizar esta operação, reconheceu que  “é matemático” que a empresa vai perder um accionista de referência e que a presença portuguesa fica enfraquecida, declarando ainda que o anúncio de hoje não deverá motivar conversações entre a gestão da operadora e a equipa liderada por José de Matos porque “(estão) perante um facto consumado, não vale a pena chover no molhado" e que, vd.aqui"Entristece ver alguns indivíduos e instituições a desistir de Portugal".

 

Numa altura em que decorre o processo de fusão da PT com a Oi, este anúncio inesperado da Caixa parece que só pode explicar-se por problemas prementes de tesouraria (o resultado da operação saldar-se-á por menos de 200 milhões de euros)  ou por menos confiança no futuro da PT enquanto partner minoritário na grupo Oi/PT.
 
Só quem defende a importância estratégica da Caixa, enquanto banco do Estado, o que não é o meu caso, pode explicar esta inopinada e obscura decisão da sua administração ou do Governo. Para mim, repito-me, a Caixa só nos tem trazido de há alguns anos a esta parte apenas impostos a pagar, quer através das consequências de operações incontroladas de importações excessivas de crédito, imitando a irresponsabilidade da banca privada em geral, quer através do crédito dirigido essencialmente ao financiamento de bens não transacionáveis, quer através de políticas de crédito que determinaram a especulação imobiliária, quer através dos prejuízos na Grécia ou em Espanha, por exemplo, quer, como resultante de tudo isso e mais o que seria fastidioso referir, os capitais comprometidos na sua recapitalização e nos aumentos de capital provocados pelos erros que, em nome da Caixa, foram cometidos.
 
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Act.- A venda foi efectuada ao preço unitário de € 3,48, representando, segundo este anúncio, "uma receita estimada de  € 190.605.658,68 milhões".
É óbvio que a palavra milhões está a mais.
Não são fortes em contas os caixeiros.

PT cai 3% e fecha ligeiramente abaixo do valor a que a CGD vendeu as acções (aqui)

Desde o início da crise financeira, em 2007, a participação da CGD na Portugal Telecom consumiu mais capital do banco do Estado do que os fundos próprios que gerou.
Desde o início da crise financeira, em 2007, a participação da CGD na Portugal Telecom consumiu mais capital do banco do Estado do que os fundos próprios que gerou. Tendo em conta os dividendos recebidos e as mais-valias ... (aqui)

 Sérgio Monteiro: Tutela não tinha conhecimento do momento em que Caixa ia vender PT (aqui)
 

Wednesday, October 23, 2013

DO QUE PRECISAMOS MESMO É DE OUTRA COISA


Ontem, esclarecia o vice-primeiro ministro, a diferença entre um segundo resgate e um plano cautelar - um segundo resgate é o que a Grécia tomou, um programa cautelar é o que vai ser tomado pela Irlanda. Hoje, o primeiro ministro negou que haja negociações em curso para um segundo resgate mas admitiu (aqui) o recurso a "um programa cautelar ou outra coisa que garanta o acesso pleno aos mercados".
 
Bem visto, senhor primeiro ministro. Do que precisamos mesmo não é de um segundo resgate, que implicaria mais empréstimos (mais 30 mil milhões de euros, segundo o Goldman Sachs . vd. aqui ) e a dívida, que já atingiu (vd. aqui) 131,3% do PIB,  mostra-se imparável. Mas também não precisamos de um programa cautelar que nos deixaria à mercê das imposições do BCE, e o mais certo é que nos receitasse o mesmo que receitou a Chipre. Portugal ainda não é Grécia, mas vai a caminho, e não é, certamente, a Irlanda, nem para lá caminhamos.

Do que precisamos mesmo é de outra coisa, e não é difícil perceber qual é. Precisamos que a carga de juros seja sustentável pelo nosso crescimento económico. Se não há crescimento económico capaz de fazer inflectir o crescimento galopante dos juros, a dívida continuará a esmagar-nos por mais cortes, ou mesmo também por causa deles, que o governo e a maioria que o suporta nos imponha.

Como é que isso se consegue? Pergunte à Dona Merkel. Só ela, ninguém mais, lhe poderá responder.
É aí que terá de investir toda a sua capacidade de persuasão se quiser fazer alguma coisa verdadeiramente útil por este País neste momento. O tempo urge, até Julho do próximo ano, data prevista para a retirada da troica, faltam um escassos nove meses. Se, conforme nos querem fazer crer, não foram ainda iniciadas conversações naquele sentido, um segundo resgate está aí mesmo ao voltar da esquina.

Por mais arreigada que seja a sua convicção do contrário.

Tuesday, October 22, 2013

POR QUÊ NO ROSSIO?


Quem passa pelo Rossio, em Lisboa, depara-se com uma construção tosca de blocos de cimento que, à primeira vista, é uma aberração sem justificação plausível. Já em casa, constatámos que o mamarracho é, vd. aquiuma instalação de arte «HHP» – High Heel Project, criada pela artista holandesa Marian van der Zwaan, e foi inaugurada na sexta-feira passada. com a presença do presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, tem o Alto Patrocínio da UNESCO (Patronage) para as cidades de Accra, Lisboa, São Paulo e Luanda*. A exposição estará patente até 6 de Novembro.
 
Accra, São Paulo, Luanda, e Lisboa.
A que critério terá obedecido esta selecção patrocinada pela UNESCO?
Passa por Lisboa uma corrente de tráfico humano de tal modo relevante que justifique juntar a capital portuguesa com Accra, São Paulo e Luanda num labirinto de vergonha idealizado por uma holandesa? Por quê Lisboa, por que não Roterdão ou Amsterdão? Que sensibilização se pretende transmitir aos lisboetas, ou a quem visita Lisboa, que os londrinos ou parisienses dispensam?   
...
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* Correcção - Chama um comentador (a) anónimo (a) a minha atenção para o facto de ter omitido Berna. Com o meu obrigado pela observação pertinente, registo a inclusão da capital da Suíça no conjunto selecionado. Ainda que a minha dúvida subsista, considerando as estatísticas conhecidas sobre o tráfico de seres humanos acessíveis a partir dos links que atrás coloquei.

Monday, October 21, 2013

OBVIAMENTE, SÃO IRRESPONSÁVEIS

O ministro Pires de Lima declarou hoje em Londres que o Governo quer começar a negociar um programa cautelar no início de 2014 com a Comissão Europeia  (aqui). Nada de novo nas declarações do ministro da Economia: a menos de um ano do termo da intervenção da troica, o Governo tem de negociar a continuidade de uma rede (chame-se ela programa cautelar ou segundo resgate) que evite que Portugal se estatele nos mercados financeiros uma vez esgotado o apoio do resgate em curso.
 
Ouvindo aquelas declarações  de Pires de Lima, o secretário-geral do PS saltou-lhe logo em cima (aqui)  e exigiu imediatamente  que o primeiro-ministro venha a público "urgentemente" esclarecer se Portugal vai ou não ter um segundo programa de assistência financeira. Tem razão. O anterior governo, PS, foi o primeiro subscritor do memorando de entendimento com a troica, e é improvável que um segundo resgate ou um programa cautelar possa ser assinado sem a vinculação do maior partido da oposição e de alternativa ao actual governo.
 
Assim sendo, percebe-se mal que Pires de Lima tenha dito o óbvio sem que, antecipadamente, o Governo tenha convocado o PS para participar na preparação de uma negociação que, obviamente, terá de ser parte. O secretário-geral do PS recusaria participar numa diligência que contraria os seus apregoados princípios de uma política diferente, invocando os mesmos argumentos que o levaram a recusar a proposta de um acordo de salvação nacional do PR, isto é, não há qualquer acordo possível antes de eleições antecipadas? Ficava o ónus político junto da opinião pública dessa recusa do lado do PS.
 
Até ao dia em que a situação de emergência que, inevitavelmente, ocorrerá antes do próximo Verão, se não for antes, obrigará o PS a assinar o que recusou discutir.  

Sunday, October 20, 2013

BRINCANDO AOS MISTÉRIOS PÚBLICOS

"E enquanto não for possível punir os media por publicarem matéria vedada por lei,..." - aqui

Discordo, António.
E discordo porque não pode evitar-se a divulgação de uma informação punindo o divulgador, por serem incontáveis, e portanto, incontroláveis, os meios de divulgação.
 
Mas já concordo inteiramente (e já o anotei em tempos no meu caderno de apontamentos) que o procurador do Ministério Público reponsável por um processo em segredo de justiça deve garantir a inviolabilidade dessa situação. Ocorendo uma fuga de informação, o procurador deve ser responsabilizado e demitido das suas funções, e da função pública, se a importância do caso o justificar.
 
É por demais evidente que o ministro Machete foi desatrado na entrevista que concedeu em Luanda. Mas as relações entre Portugal e Angola encontravam-se já infectadas por fugas de informação oriundas do Ministério Público.
Que se peça a demissão de Machete, concordo.
Que se deixe passar em branco, mais uma vez, o vício de passador do Ministério Público, é sintoma de que a justiça continua em Portugal a brincar à cabra cega. 
 
"Dar orientações" a quem a desorientação é gratificante não chega. Podem abster-se os procuradores  de comentar mas não se abstêm alguns, nos serviços de que é responsável, da função de informadores de matérias constantes dos processos em segredo de justiça. A lei deveria expressamente cometer aos procuradores a responsabilidade de guardiões do segredo de justiça dos processos a seu cargo, estabelecendo as sanções correspondentes ao seu incumprimento.
Ou estão os agentes da justiça acima da lei?


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Correl .- Adeus Lusofonia cit. aqui.
 

Saturday, October 19, 2013

NÃO SOU PALHAÇO, MAS ESTÃO TRATANDO-ME DE PALHAÇO

O título é de Jô Soares, e ocorre-me sempre que ouço uns mestres constitucionalistas ou em mestrias  correlativas, afirmarem, a propósito das contas da segurança social,

- as pessoas pensam que o dinheiro que descontaram durante a vida profissional para a segurança social se encontra depositado em qualquer sítio e que é com esse dinheiro depositado que lhe pagam a reforma; e que
- o dinheiro pago, por eles e, por eles pelas entidades patronais, é suficiente para as reformas que a segurança social lhes paga;

Como nāo pode admitir-se que tais sumidades sejam ignorantes só pode concluir-se que são intelectualmente desonestos.
Porque eles sabem muitissímo bem que muitos daqueles que recebem reformas que, de nenhum modo, correspondem à sua carreira contributiva, sāo muitíssimo bem conhecedores do assunto.
E sabem também que essas situações são, em muitos casos, do conhecimento e reprovaçāo pública.

Desde logo, os juízes do Tribunal Constitucional. A senhora presidente da Assembleia da República tem sido, pelas funçōes que actualmente desempenha, o caso mais badalado.
Depois todos quantos exerceram cargos políticos durante períodos relativamente curtos.
Todos quantos exerceram funções temporárias em instituiçōes previligiadas do Estado, como a Caixa Geral de Depósitos e o Banco de Portugal.

A lista é longuíssima, e relativamente bem conhecida.
Note-se que toda esta gente recebe pensões a partir do momento em que cessa funções. Em muitos casos com quarenta e poucos anos, por vezes até antes.

E há, evidentemente, os casos de reformas muito antecipadas, que foram, corrigidas nos termos da lei. Aparte estes casos, que são muitos, hà os beneficiários não contributivos, um encargo que deveria ser suportado por toda a sociedade, através de impostos, e não pelas contribuições para a segurança social.

Inteiramente em situação diferente de tudo isto estão aqueles que descontaram durante quarenta ou quarenta e tantos anos e se reformaram aos 65 anos como manda a lei.

Mais: Por decisão deste governo e o assentimento do Tribunal Constitucional, os complementos de pensões, constituidos pelas empresas e geridos por entidades privadas, e que, portanto, nenhuma correlação têm com as contas do Estado, são tributados em sede de contribuição extraordinária para a segurança social. Para um governo que também defende a formação de pensões assente em três pilares, o golpe confiscatório e a hipocrisia política na matéria não poderia ser maior.

Não sabem os tais constitucionalistas, e outros istas, isto?
Claro que sabem, mas são desonestos.

Thursday, October 17, 2013

PORTUGAL : DOIS PAÍSES

"Nos primeiros nove meses de 2013, foram vendidos em Portugal 91.782 veículos automóveis, o que se traduziu numa variação positiva de 5,7 por cento relativamente ao período homólogo de 2012. No mês de setembro, as vendas registaram um aumento homólogo de 14,7%, tendo sido comercializados 8.826 veículos ligeiros e pesados", lê-se num comunicado da ACAP - Associação Automóvel de Portugal (ACAP) referido aqui. Em Fevereiro uma outra notícia - BMW, Mercedes e Audi lidera subidas de vendas de carros em Portugal - poderia também suscitar a pergunta colocada aqui : Será que existem mesmo dois países em Portugal?
 
Claro que existem, e não precisamos de recorrer às estatísticas de vendas de carros para constatar uma evidência realçada desde sempre por muitos indicadores. Abstraindo-nos, contudo, do molho de inúmeros indicadores caracterizadores de um dualismo crónico, e atentando apenas naqueles números divulgados pela ACAP, este dualismo de agora não decorre, ou não decorre fundamentalmente, do facto de existir um país formiga - que produz e ganha para comprar carros novos - e outro país cigarra que não produz e se entretêm com discussões estéreis que os distrai do trabalho e não lhes dá rendimentos.  
 
Não, a razão é outra.
O Governo tem, em grande parte, tentado combater a crise com medidas inevitavelmente geralmente redutoras do poder de compra, genericamente designadas por medidas de austeridade. Acontece que a incidência dessas medidas tem sido, e continua a ser, claramente discriminatória, atingindo desigualmente os diferentes estratos da população. No meio da crise há muita gente poupada pelas medidas de austeridade que, eventualmente, terá visto mesmo o crescimento dos seus rendimentos. São estes que compram carros novos, grande parte dos quais de gama alta. Provavelmente, alguns destes até serão cigarras.
 
A iniquidade fiscal é um facto facilmente demonstrável pela gritante desigualdade da imposição fiscal para os mesmos níveis de rendimentos.

HOJE HÁ BOCHECHAS


Bochechas de porco assadas no forno. Acompanha com batatas assadas, esparregado de couve portuguesa e puré de maçã.

Wednesday, October 16, 2013

UM DISCURSO IGNÓBIL

"No entender de Medina Carreira, parte do problema reside no facto de os Governos (se) deixarem amedrontar por aquilo que apelida de “partido do Estado”, ou seja, "toda a gente que é doente, coxa, reformada (...)". - aqui.

O senhor Medina Carreira encontrou há já alguns anos um filão de ouro. Munido de meia dúzia de gráficos elementares, deslumbra o pagode com prenúncios de maus tempos no meio da tempestade em programas televisivos onde repete incessantemente os mesmos argumentos e os mesmos augúrios, sem aventurar saídas da borrasca. E assim  ganha, certamente regaladamente bem, a sua vidinha. É um espertalhão. Razão bastante para não se perder, cá em casa, tempo a ouvir-lhe ler as sinas que impinge.
 
A sua cruzada contra o "Estado Social", contra os 6 milhões de dependentes do Estado (a designação e o cálculo, cit. aqui, são dele) já vem de longe. Habituado ao assombro com que os seus programas são recebidos, em grande parte junto daqueles que são os demónios das suas afirmações repetidas ad náusea, o vivaço continua a facturar imparavelmente o peixe repescado e a sua impetuosidade fanfarrona.

Anteontem, depreende-se desta notícia, foi até onde ninguém, com um mínimo de pudor e respeito pelos direitos de uns e os infortúnios e os sentimentos de outros, se atreveria a chegar. Se existisse o tal "partido do Estado" que, segundo ele, reúne 60% da população portuguesa, ou seja toda a gente  que é doente, coxa, reformada ..., o velhaco há muito tempo que teria sido obrigado a rever as suas contas. Essas, e outras.

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* Ignóbil - //que revela sentimentos baixos ...,  segundo dicionário da Sociedade de Língua Portuguesa
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E-mail recebido a 28/10

Carta Aberta para Judite de Sousa - Programa Olhos nos Olhos
16.10.13
OLHOS NOS OLHOS 
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Exma. Sra. Dra. Judite de Sousa 
O programa Olhos nos Olhos que foi hoje para o ar (14.10.2013) ficará nos anais da televisão como um caso de estudo, pelos piores motivos. 
Foi o mais execrável exercício de demagogia a que me foi dado assistir em toda a minha vida num programa de televisão. O que os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo disseram acerca das pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência é um embuste completo, como demonstrarei mais abaixo. É também um exemplo de uma das dez estratégias clássicas de manipulação do público através da comunicação social, aquela que se traduz no preceito: «dirigir-se ao espectador como se fosse uma criança de menos de 12 anos ou um débil mental». 
Mas nada do que os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo dizem ou possam dizer pode apagar os factos. Os factos são teimosos. Ficam aqui apenas os essenciais, para não me alargar muito: 
1. OS FUNDOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL da Segurança Social (Caixa Nacional de Aposentações e Caixa Geral de Aposentações), com os quais são pagas essas pensões, NÃO PERTENCEM AO ESTADO (muito menos a este governo, ou qualquer outro). Não há neles um cêntimo que tenha vindo dos impostos cobrados aos portugueses (incluindo os aposentados e reformados). PERTENCEM EXCLUSIVAMENTE AOS SEUS ACTUAIS E FUTUROS BENEFICIÁRIOS, QUE PARA ELES CONTRIBUIRAM E CONTRIBUEM DESCONTANDO 11% dos seus salários mensais, acrescidos de mais 23,75% (também extraídos dos seus salários) que as entidades empregadoras, privadas e públicas, deveriam igualmente descontar para esse efeito (o que nem sempre fazem [voltarei a este assunto no ponto 3]). 
2. As quotizações devidas pelos trabalhadores e empregadores a este sistema previdencial, bem como os benefícios (pensões de aposentação, de reforma e sobrevivência; subsídios de desemprego, de doença e de parentalidade; formação profissional) que este sistema deve proporcionar, são fixadas por cálculos actuariais, uma técnica matemática de que o sr. Medina Carreira manifestamente não domina e de que o sr. Henrique Raposo manifestamente nunca ouviu falar. Esses cálculos são feitos tendo em conta, entre outras variáveis, o custo das despesas do sistema (as que foram acima discriminadas) cujo montante depende, por sua vez — no caso específico das pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência — do salário ou vencimento da pessoa e do número de anos da sua carreira contributiva. O montante destas pensões é uma percentagem ponderada desses dois factores, resultante desses cálculos actuariais. 
3. Este sistema em nada contribuiu para o défice das contas públicas e para a dívida pública. Este sistema não é insustentável (como disse repetidamente o senhor Raposo). Este sistema esteve perfeitamente equilibrado e saudável até 2011 (ano de entrada em funções do actual governo), e exibia grandes excedentes, apesar das dívidas das entidades empregadoras, tanto privadas como públicas (estimadas então em 21.940 milhões de euros) devido à evasão e à fraude contributiva por parte destas últimas. Em 2011, último ano de resultados fechados e auditados pelo Tribunal de Contas, o sistema previdencial teve como receitas das quotizações 13.757 milhões de euros, pagou de pensões 10.829 milhões de euros e 1.566 milhões de euros de subsídios de desemprego, doença e parentalidade, mais algumas despesas de outra índole. O saldo é pois largamente positivo. Mas o sistema previdencial dispõe também de reservas, para fazer face a imprevistos, que são geridas, em regime de capitalização, por um Instituto especializado (o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social) do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Ora, este fundo detinha, no mesmo ano de 2011, 8.872,4 milhões de euros de activos, 5,2% do PIB da altura. 
4. É o aumento brutal do desemprego (952 mil pessoas no 1º trimestre de 2013), a emigração de centenas de milhares de jovens e menos jovens, causados ambos pela política recessiva e de empobrecimento deste governo, e a quebra brutal de receitas e o aumento concomitante das despesas com o subsídio de desemprego que estes factos acarretam, que está a pôr em perigo o regime previdencial e a Segurança Social como um todo, não a demografia, como diz o sr. Henrique Raposo. 
5. Em suma, é falso que o sistema previdencial seja um sistema de repartição, como gosta de repetir o sr.Medina Carreira. É, isso sim, um sistema misto, de repartição e capitalização. Está escrito com todas as letras na lei de bases da segurança social (artigo 8º, alínea C, da lei nº4/2007), que, pelos vistos, nem ele nem o senhor Henrique Raposo se deram ao trabalho de ler. É falso que o sistema previdencial faça parte das “despesas sociais” do Estado (educação e saúde) que ele (e o governo actual) gostariam de cortar em 20 mil milhões de euros. Mais especificamente, é falso que os seus benefícios façam parte das “prestações sociais” que o senhor Medina Carreira gostaria de cortar. Ele confunde deliberadamente dois subsistemas da Segurança Social: o sistema previdencial (contributivo) e o sistema de protecção da cidadania (não contributivo). É este último sistema (financiado pelos impostos que todos pagamos) que paga o rendimento social de inserção, as pensões sociais (não confundir com as pensões de aposentação e de reforma, as quais são pagas pelo sistema previdencial e nada pesam no Orçamento de Estado), o complemento solidário de idosos (não confundir com as pensões de sobrevivência, as quais são pagas pelo sistema previdencial e nada pesam no Orçamento do Estado), o abono de família, os apoios às crianças e adultos deficientes e os apoios às IPSS. 
6. É falso que o sr. Henrique Raposo (HR) esteja, como ele diz, condenado a não receber a pensão a que terá direito quando chegar a sua vez, “porque a população está a envelhecer”, “porque o sistema previdencial actual não pode pagar as pensões de aposentação futuras”, “porque o sistema não é de capitalização”. O 1º ministro polaco, disse, explicou-lhe como mudar a segurança social portuguesa para os moldes que ele, HR, deseja para Portugal. Mas HR esqueceu-se de dizer em que consiste essa mirífica “reforma”: transferir os fundos de pensões privados para dentro do Estado polaco e com eles compensar um défice das contas públicas, reduzindo nomeadamente em 1/5 a enorme dívida pública polaca. A mesma receita que Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas aplicaram em Portugal aos fundos de pensões privados dos empregados bancários! (para mais pormenores sobre o desastre financeiro que se anuncia decorrente desta aventura polaca, ver o artigo de Sujata Rao da Reuters, «With pension reform, Poland joins the sell-off», 6 de Setembro de 2013, http://blogs.reuters.com/ globalinvesting/2013/09/06/with-pension-reform-poland-joins-the-sell-off-more-to-come/; e o artigo de Monika Scislowska da Associated Press, «Poland debates controversial pension reform», 11 de Outubro de 2013, http://news.yahoo.com/poland-debates-controversial-pension-reform-092206966--finance.html). HR desconhece o que aconteceu às falências dos sistemas de capitalização individual em países como, por exemplo, o Reino Unido. HR desconhece também as perdas de 10, 20, 30, 40 por cento, e até superiores, que os aforradores americanos tiveram com os fundos privados que geriam as suas pensões, decorrentes da derrocada do banco de investimento Lehman Brothers e da crise financeira subsequente — como relembrou, num livro recente, um jornalista insuspeito de qualquer simpatia pelos aposentados e reformados. O único inimigo de HR é a sua ignorância crassa sobre a segurança social. 
Os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo, são, em minha opinião, casos perdidos. Estão intoxicados pelas suas próprias lucubrações, irmanados no mesmo ódio ao Tribunal Constitucional («onde não há dinheiro, não há Constituição, não há Tribunal Constitucional, nem coisíssima nenhuma» disse Medina Carreira no programa «Olhos nos Olhos» de 9 de Setembro último;« O Tribunal Constitucional quer arrastar-nos para fora do euro» disse Henrique Raposo no programa de 14 de Outubro de 2013). E logo o Tribunal Constitucional ! — última e frágil antepara institucional aos desmandos e razias de um governo que não olha a meios para atingir os seus fins. Estes dois homens tinham forçosamente que se encontrar um dia, pois estão bem um para o outro: um diz “corta!”, o outro “esfola!”. Pena foi que o encontro fosse no seu programa, e não o café da esquina. 
Mas a senhora é jornalista. Não pode informar sem estar informada. Tem a obrigação de conhecer, pelo menos, os factos (pontos 1-6) que acima mencionei. Tem a obrigação de estudar os assuntos de que quer tratar «Olhos nos Olhos», de não se deixar manipular pelas declarações dos seus interlocutores. Se não se sentir capaz disso, se achar que o dr. Medina Carreira é demasiado matreiro para que lhe possa fazer frente, então demita-se do programa que anima, no seu próprio interesse. Não caia no descrédito do público que a vê, não arruíne a sua reputação. Ainda vai a tempo, mas o tempo escasseia. 
José Manuel Catarino Soares 
(Professor aposentado) 
Lisboa. 15-10-2013 

Tuesday, October 15, 2013

PELO CAMINHO ERRADO

Ouço na rádio que o Governo entrega hoje em São Bento o OE 2014 aos grupos parlamentares.
Está errado. Constitucional, mas errado.
 
O Orçamento de Estado, uma vez aprovado em Conselho de Ministros, deveria ser entregue no Palácio Raton para aprovação prévia dos juízes do Tribunal Constitucional. E isto, porque sabemos que a maioria que suporta o Governo no Parlamento votará a favor e que a Oposição, incluindo o PS, votará contra. Logo, o OE 2014 será aprovado com os votos da maioria PSD/CDS. Com eventuais alterações de importância irrelevante. O costume.
 
A partir daí, o PR ou os partidos da oposição, ou um e outros, suscitarão a inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei do Orçamento, o que obrigará, novamente o envio do documento para decisão dos juízes do TC. Que, como de costume,  muito provavelmente, deixarão passar algumas das propostas controversas do Governo e chumbarão outras.
 
E cai o Governo.
Pode supor-se que é isso mesmo que o Governo está a pedir.

Monday, October 14, 2013

UM PAÍS DE SAFADOS

É tão grande o número de broncas a desaguar em cada instante no pântano em que nos afundaram que torna virtualmente impossível a um cidadão comum dar conta da maior parte delas, mesmo que recorra a um caderno de apontamentos do tipo deste. Hoje, topei aqui com uma das gordas que me havia escapado anteontem: a nomeação (contestada pelos deputados do PSD da comissão de inquérito ao BPN) do senhor Francisco Bandeira para liderar a operação de reestruturação da CGD em Espanha.
 
Recorda-se aqui que em Maio do ano passado o senhor Bandeira e o senhor Vara foram condenados  em 50 mil euros pela CMVM por terem tido conhecimento, e não terem travado, o financiamento a clientes e directores para aquisição de acções através de contas-fantasma.
 
Há dias soube-se que o BPN concedeu 135 milhões de crédito de risco à SLN Valor, do grupo dominante do BPN, já depois da nacionalização do BPN. O senhor Francisco Bandeira conseguiu, enquanto principal responsável pelo grupo da CGD a quem o governo incumbiu a gestão do mostrengo, duplicar o valor do escândalo financeiro calculado à data de uma nacionalização feita de forma desastrada, sobretudo por ter deixado de fora os activos do grupo que o congeminara.
 
Lê-se isto, e a dúvida é recorrente: Por que é que é gente desta tão frequentemente preferida para o exercício de cargos públicos ou aparentados? Considerando a impunidade e a recompensa envolvendo tanto safado  (não digo, por decoro, que é o mínimo que lhes falta a eles e aos que os nomeiam,  a palavra que me ocorre) é concludente que este país não é para gente séria.
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Sunday, October 13, 2013

É REVOLTANTE!

A RTP mantem-se nacionalizada e acrescentada, e, anuncia o Ministro Maduro,  a taxa audiovisual subirá de 15% para 20% . Será este aumento da taxa uma redução da despesa pública e não um aumento de impostos? O governo tem vindo a sustentar que tem de reduzir a despesa pública para não aumentar impostos. E, deste modo, chama redução da despesa pública, por exemplo, à contribuição extraordinária para a segurança social. Este aumento da taxa do audiovisual também não será, provavelmente, contabilizado pelo discurso do governo como aumento de impostos mas como redução da despesa. Uma diferença subtil com que o pagode se ilude.

15% ou 20%, não é tudo,  António. O mais é o que a RTP vai continuar a sacar do OE. E para quê? Para que queremos uma RTP pública que replica o bom, o mau e o péssimo das privadas? Nós não, mas eles querem à viva força uma RTP pública. Eles, é sobejamente sabido, são as estações privadas, os políticos, e todos quantos por lá se governam à sombra do estado banana. Mas reconheça-se: Se fosse feito um inquérito junto da opinião pública, muito provavelmente uma larga maioria seria favorável à continuação da RTP nacionalizada e aumentada.

Fosse esta taxa áudio visual mais elevada de modo a dispensar a subvenção do OE (há subvenções e subsídios neste país por todo o lado) e cobrada directamente junto dos pagantes, como era antes do PM de então C Silva a ter extinto, e outro resultado seria o daquele inquérito.

Mas não. Ninguém reage a uma maduramente ministrada anestesia fiscal.

Saturday, October 12, 2013

LOGROS E IMPOSTOS

Que os portugueses tinham de reduzir os seus níveis de consumo de modo a conter a espiral de crescimento da dívida externa é uma evidência que só por demagogia ou cegueira ideológica pode ser contestada. A despesa pública e privada tinha subido a níveis insustentáveis suportados por crédito externo abundante e barato irresponsavelmente importado e consentido por quem sabia o logro público que estava a cometer. É, assim, totalmente descabida a imputação da responsabilidade do descalabro ao cidadão comum que aceitou as condições que lhe ofereciam, e que eram suportáveis pelos rendimentos que auferia na altura, promovidas por todos os modos e feitios, incluindo o recurso a vedetas estreladas da televisão e do futebol.
 
Ontem ouvi, mais uma vez, o senhor João Salgueiro, ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos, entre outros cargos notabilíssimos, afirmar que a responsabilidade do excesso de endividamento não pode ser imputado aos bancos porque estes jogaram, dentro das regras em vigor (como num jogo de futebol, disse ele) o jogo da concorrência e, que, se houve faltas não penalizadas, a culpa foi do árbitro, isto é, ele não explicitou mas subentende-se, o senhor Vítor Constâncio, entre outros. São todos culpados, não somos todos culpados.
 
Culpas, à parte, é hoje indisfarçável a fragilidade dos bancos portugueses, mas não a dos  banqueiros, ainda que o Banco de Portugal, entre outros notáveis responsáveis, pretenda garantir-nos do contrário, e imperiosa a necessidade de ajustamento das contas do Estado à capacidade da economia uma vez que a dívida pública, qualquer que seja o quadrante político do observador não condicionado por baias ideológicas, há muito que atingiu o ponto de não retorno se não existir o efeito conjugado de uma reestruturação (ou o mesmo com outro nome) e o ajustamento dos rendimentos das famílias ao rendimento nacional. Quem e como se deve ajustar é a intrincada questão que os portugueses têm de resolver, qualquer que seja o governo.
 
O governo do senhor Passos Coelho insiste numa intervenção de ajustamento das contas do Estado tentando através de acções dispersas, que no entanto não atingem os que beneficiaram de outros logros, a que chama de redução de despesas do Estado que em, muitos casos, são, inequivocamente, impostos, numa tentativa de disfarçar a enorme carga fiscal que atinge de modo iníquo algumas classes de contribuintes, com particular destaque para os reformados da segurança social.
 
É muito evidente que durante muitos anos foram criadas situações de favorecimento de algumas classes recomendando uma política correctiva, ensaiada por este governo, que esbarrará sempre com a resistência dos atingidos ou, em última instância, a sempre imprevisível oposição do Tribunal Constitucional. Sendo este um governo fraco, porque dispensou da participação na execução dos seus compromissos o primeiro subscritor do acordo coma troica, a sua continuidade estará sempre presa por um fio, e só a senhora Merkel poderá evitar a sua queda lançando-lhe oportunamente uma qualquer rede conveniente por baixo.
 
E tudo porque, por devoção ideológica a um desígnio fantasma - o não aumento de impostos - o governo não faz o que deveria ser feito: se os contribuintes portugueses têm de ajoujar com os custos de contenção do endividamento público, para além daquela que tem, necessariamente, de ocorrer da inevitável reestruturação da dívida (ou do apito, para quem preferir), que o esforço seja o resultado da tributação progressiva de todos consoante todos os seus rendimentos.
 
Manifestamente, este governo não quer ir por aí.
E o PS do senhor António José Seguro? Não sabemos. O senhor António José Seguro limita-se a esperar que o poder lhe caia em cima sem saber como evitar que também ele seja esmagado.

Friday, October 11, 2013

O MELHOR FILME DE SEMPRE





Vértigo?,  de Hitchcock (1958)
Citizen Kane?  de Orson Welles (1941)
Viagem a Tóquio (1953)
ou O Gosto do Saké? (1962) de Yasujiro Ozu

A cada qual o seu.
Curiosamente, apesar da evolução observada em todos os ingredientes técnicos,  a maior parte dos críticos, de todas as idades, continua, geralmente, a considerar como melhores alguns dos mais antigos.

De Yasujiro Ozu estão em exibição, pela primeira vez em Portugal, Viagem a Tóquio e O Gosto do Saké (em dias alternados, no Nimas, em Lisboa). Se ainda não os viu, vá ver.

Thursday, October 10, 2013

MILHÃO A MILHÃO FICÁMOS DEPENADOS

Ontem comentei aqui a impunidade com que se premeia a ligeireza no desperdício de fundos públicos retirados dos bolsos dos contribuintes, a propósito do pagamento de um milhão de euros a um consultor por um trabalho prestado que o PRG da altura julgou "insuficiente".

Ainda ontem, podia ler-se no Público on line que "o país chegou a gastar cerca de 1,2 milhões de euros para participar (no) Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC) da OCDE ... mas o Governo desistiu a meio do caminho daquela que chegou a ser considerada como a mais abrangente pesquisa internacional para avaliação de competências cognitivas alguma vez realizada". Há pouco mais de uma semana lia-se aqui (comentei aqui) que "Estado tem de pagar este mês multa de um milhão por atrasos na justiça".

Observar-se-á, pertinentemente, que um milhão de euros é quase nada quando comparado com o repugnante caso do BPN (fala-se em 6 ou 7 mil milhões de euros, mas ao certo ninguém sabe) sem que, volvidos quase 5 anos após a nacionalização, a 2 de Novembro de 2008, alguém tenha sido julgado e recuperados os valores ilegitimamente abocanhados por alguns. Bem pelo contrário, foi há dias notícia que, já após a nacionalização o BPN "concedeu 135 milhões de crédito de risco à SLN Valor", uma empresa do grupo SLN, que detinha a grande maioria do capital do BPN. Quaisquer erros ou roubos cometidos em nome do Estado para assalto dos contribuintes, são peanuts quando comparados com a dimensão da impunidade que protege os vigaristas que se encobriram por detrás de um mostrengo que os principais responsáveis, entre os quais o Banco de Portugal, não quiseram ver.

Voltando ao relatório da OCDE da avaliação de literacia dos adultos, também neste caso a falta de dinheiro evitou um mal maior. Aliás, dois: Esbanjou-se menos dinheiro, e podemos continuar a supor que não ficaríamos num, mais que certo, último lugar do ranking.

 

Wednesday, October 09, 2013

INCOMPETÊNCIA E IMPUNIDADE

O Ministério da Justiça pagou 1,1 milhões de euros por uma ferramenta informática de gestão dos inquéritos-crime do Ministério Público (MP) que acabou por não ser instalada, apesar de ter sido ensaiada durante um mês.- aqui. Pinto Monteiro, ainda no cargo de procurador-geral da República, considerou o produto "insuficiente".
Andamos há muito tempo debaixo de um temporal de muitos milhões desbaratados. É raro o dia que não nos caiam em cima notícias de verbas desperdiçadas na esfera da função pública em despesas inúteis, desvios ilegais, vulgo roubos, investimentos sem racionalidade económica ou sem racionalidade alguma para além da incompetência ou conivência de quem os autorizou, indemnizações pagas por incompetência dos agentes públicos no exercício das suas funções, entre outras inúmeras formas de lesar o Estado, isto é, assaltar os bolsos dos contribuintes.
E é debaixo desta chuvada de escândalos que destrói milhões em cima de muitos milhões que, aqueles que deveriam prevenir, sancionar ou reaver as perdas deles resultantes, nos dizem que teremos de continuar a ajoujar com mais impostos, afirmando querer o contrário!, para reduzir o défice ... sem conter a dívida.
Há quem defenda que não há diferenças entre a gestão da propriedade pública e da propriedade privada. É muito evidente que há. Não foi o PGR quem autorizou o investimento? Logicamente, só pode ter sido ele, uma vez que foi ele que o rejeitou. Não é admissível, segundo os mais elementares critérios de gestão, que quem tem competência para rejeitar, directamente ou por delegação, seja diferente de quem autoriza. A menos que o "produto" apresentado pelo consultor não correspondesse às especificações da encomenda e, nesse caso, não deveria ter o consultor direito a qualquer pagamento.
O que aconteceria a quem, numa empresa privada, tivesse proposto a aquisição de um sistema, informático ou qualquer outro, que representasse um investimento de quase um milhão e quatrocentos mil euros e que, feitos os ensaios, se concluísse que o canhão não dava tiros? Ou o fornecedor não recebia, se fosse culpa dele, ou alguém pagaria o preço do erro, de uma forma ou de outra. Na órbita da função pública sabe-se mais tarde que a incompetência ficou impune, algumas vezes promovida, e nós obrigados a pagar as consequências e as custas do processo.

Tuesday, October 08, 2013

SEGREDOS PÚBLICOS, INTERESSES PRIVADOS

«A violação do segredo de justiça constituiu um crime e relativamente a cidadãos estrangeiros poderá ter com grande probabilidade reflexos negativos nas relações com os respetivos Estados», frisou Rui Machete, afirmando que as declarações que proferiu à RNA foram feitas «numa lógica de apaziguamento» e «procurando minimizar reflexos negativos». - aqui.
 
Rui Machete embrulhou-se em declarações contraditórias neste caso da entrevista dada em Angola como já tinha caído em contradições óbvias no caso do BPN. Mas há no documento lido pelo ministro hoje na AR antes do início das perguntas dos deputados um aspecto que, não constituindo atenuante para a gravidade das suas declarações e contradições, não deve ser elidido apesar da banalização em que caiu perante a indiferença dos media e a conivência passiva dos partidos representados na AR: a violação do segredo de justiça e as consequências desse crime para os envolvidos, sejam eles cidadãos nacionais ou estrangeiros.
 
O Ministério Público é, obviamente, responsável pelas fugas de informação que envolvem cidadãos angolanos, colocando no ar suspeitas que, é  inegável, só podem deteriorar as relações económicas entre os dois países. Se há ilegalidades passíveis de punição, diga o MP quais são, e cumpra-se a lei. O prosseguimento da prática de violação do segredo de justiça é uma cobardia institucional. É muito cioso da sua autonomia, o MP, mas muito pouco das suas responsabilidades.
 
Machete portou-se mal, no Ministério Público esse é um comportamento habitual. Talvez por isso ninguém tenha reparado nele.

Monday, October 07, 2013

STILL LIFE

Sete de Outubro.
Era o dia da abertura das aulas e da caça. Era também o dia de aniversário do Pai.
Por esta altura, terminadas as vindimas e as colheitas, trazia do Palaio umas maçãs enormes que cresciam, por enxertia antiga, no mesmo tronco de uma árvore com raízes para maçãs rosadas e mais pequenas.
 
Ontem, o filho mais novo mostrava-me, com compreensível satisfação, o resultado da seu cultivo biológico de cebolas, algumas das quais rondando um quilo, afiançando-me ter colhido há dias um tomate com igual peso, que, no entanto já tinha ido para a panela por ter atingido a maturação máxima.
 
Quem sai aos seus em cada gesto os relembra.

Sunday, October 06, 2013

REFER - HISTÓRIA CONCISA DE UMA VISÃO MÍSTICA

A  REFER tem sido, recentemente, muito badalada por dois motivos: porque assumiu em nome do Estado empréstimos subordinados a operações de swap, e porque esses empréstimos foram contratados pela actual ministra das Finanças. No meio da discussão que o assunto ditou ninguém perguntou porquê e para quê existe a REFER. Talvez porque exista uma resposta conveniente para as partes envolvidas, antes e agora : o Dec Lei 104/97, de 29 de Abril de 1997, era PM o engenheiro António Guterres, e o engenheiro João Cravinho ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território.
 
O Dec Lei 104/97 que criou a REFER atribuiu-lhe responsabilidades de gestão da infraestrutura ferroviária nacional, por desmembramento da CP em várias empresas, todas pertencentes a um único acionista - O Estado. A REFER, nasceu de uma visão, mais uma, do engenheiro João Cravinho, o visionário que profetizou o desenvolvimento do interior do território suportado em quanto mais Scut melhor. A visão da criação da REFER fundava-se  "no princípio de que cabe ao Estado, e não à empresa de caminho de ferro, proceder ao financiamento dos investimentos em infraestruturas de longa duração (ILD)".
 
Significava isto que, para além de um objectivo operacional (o de servir a infraestrutura ferroviária ao trânsito de comboios de diferentes operadores) pretendia-se desonerar o operador CP do encargo do investimento de uma infraestrutura que, segundo a visão estratégica invocada no preâmbulo do diploma constitutivo, deveria pertencer ao Estado. Uma intenção que não passou disso e levou a REFER a contrair empréstimos que, obviamente, constituem dívida pública. Aliás, o elevadíssimo endividamento, impagável, da CP só não é, por enquanto considerado dívida por razões de um critério que, obviamente, não desobriga o Estado, isto é, os contribuintes portugueses, de o vir a pagar.
 
Catorze anos depois, depois de se terem esfumado os têgêvês e outras miragens complementares, a REFER, praticamente, não conta mais do que com o cliente de sempre e de que era parte - a CP. A privatização da CP Carga, uma visão recente, continuará adormecida. Entretanto, durante o mesmo período a infraestrutura foi reduzida, em alguns casos depois de terem sido feitos investimentos de renovação em algumas linhas e ramais.
 
 


Fotografias da entrada de um túnel recuperado e os carris amontoados* há já três anos anos por ter sido encerrada a linha na altura em que era esperada a sua reabertura após os dispendiosos investimentos de renovação realizados. (assunto abordado em apontamento de Julho de 2012 neste caderno de apontamentos)
 
Há cinquenta anos, era o infraestrutura mais extensa, os serviços centrais da Divisão de Via e Obras da Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses, que na CP realizavam os objectivos da actual REFER, cabiam todos no terceiro piso da ala direita do edifício da Estação de Santa Apolónia. Hoje, a infraestrutura está bastante mais reduzida mas o Relatório de gestão da REFER é uma verborreia inútil de 326 páginas que não justifica outra coisa senão o artificialismo de uma realidade sustentada numa visão desastrada.
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* Aditamento - Segundo informação que recebi, os carris nunca usados estão a ser amontoados em vários troços da via por um sucateiro que os adquiriu, como sucata. É legítimo concluir, portanto, que o swap financeiro negociado pela actual ministra das Finanças financiou também este swap sucateiro.
 

EXUBERÂNCIA