A Irlanda decidiu submeter novo tratado orçamental europeu a referendo e, como se esperava, está a receber aplausos dos quadrantes do costume. Os irlandeses são tesos, já convocaram três referendos a propósito de tratados europeus e encravaram a aprovação do último - o de Lisboa - pondo a União à beira do delirium tremens por falta de alicerces democráticos.
A União Europeia tem-se construido, passo a passo, com tratadados subscritos pelos líderes dos países membros, desenhados pelos membros mais musculados, a Alemanha e a França, Khol e Mitrerrand, Merkel e Sarkozy, com evidente ascendência da primeira. Sempre que a questão do referendo dos tratados e revisões dos tratados se colocou os alicerces, porque democraticamente frágeis, estremeceram. A Holanda e a França chumbaram a Constituição Europeia, a Irlanda obrigou o Tratado de Lisboa a contorcer-se.
Quando a questão do referendo vem à baila, é frequente citar-se a Suíça como o exemplo mais avançado da democracia directa, aquela onde a legitimidade das leis decorre da expressão da vontade do povo sem intermediários. Mas na Suíça, se o referendo tem âmbito vinculativo nacional, o resultado decorre da contagem conjunta de todos os votos validamente expressos.
Na União Europeia não há, e nem pode haver, via semelhante sem a subordinação de cada membro à totalidade dos votos expressos por todo o conjunto. Fazer depender a aprovação de uma proposta de lei comunitária do resultado aprovador de todos os 27 referendos realizados, a propósito dessa lei, em cada país membro, é condenar essa proposta a um mais que certo insucesso.
Em princípio, no caso agora em questão, um eventual resultado negativo deste referendo irlandês teria o mesmo efeito que a rejeição imediata do Reino Unido e da República Checa, que não são membros da Zona Euro. Mas a Irlanda é. Uma eventual rejeição da Irlanda colocará de novo a União Europeia em estado de delirium tremens.
O governo directório Merkozy da União Europeia não é, obviamente, democrático.
Mas um governo democrático não pode sustentar-se no sim referendário em simultâneo em todos os seus membros quando estão em causa decisões que importam ao conjunto da União.
A Irlanda vai mais uma vez fazer uso do seu direito soberano de entregar ao povo o direito de decidir numa matéria que tem óbvias consequências para a Zona Euro. O uso desse direito soberano, se fosse exercido por todos os membros, tornaria ingovernável a Zona Euro e destruiria a União Europeia.
Não é possível governar um grupo se cada um dos membros puder obstar o proseguimento dos objectivos comuns ao grupo. Se cada um dos membros não concordar, e, mais do que não concordar, não exigir que cada um (e, portanto também a Alemanha, a França, ...) delegue parte dos seus direitos de soberania a um governo mínimo eleito democraticamente, o directório continuará a ditar as leis que, mais tarde ou mais cedo, irão fazer implodir a construção europeia.
O exercício do direito de soberania em tais circunstâncias será, então, uma vitória de Pirro da democracia directa.
A União Europeia tem-se construido, passo a passo, com tratadados subscritos pelos líderes dos países membros, desenhados pelos membros mais musculados, a Alemanha e a França, Khol e Mitrerrand, Merkel e Sarkozy, com evidente ascendência da primeira. Sempre que a questão do referendo dos tratados e revisões dos tratados se colocou os alicerces, porque democraticamente frágeis, estremeceram. A Holanda e a França chumbaram a Constituição Europeia, a Irlanda obrigou o Tratado de Lisboa a contorcer-se.
Quando a questão do referendo vem à baila, é frequente citar-se a Suíça como o exemplo mais avançado da democracia directa, aquela onde a legitimidade das leis decorre da expressão da vontade do povo sem intermediários. Mas na Suíça, se o referendo tem âmbito vinculativo nacional, o resultado decorre da contagem conjunta de todos os votos validamente expressos.
Na União Europeia não há, e nem pode haver, via semelhante sem a subordinação de cada membro à totalidade dos votos expressos por todo o conjunto. Fazer depender a aprovação de uma proposta de lei comunitária do resultado aprovador de todos os 27 referendos realizados, a propósito dessa lei, em cada país membro, é condenar essa proposta a um mais que certo insucesso.
Em princípio, no caso agora em questão, um eventual resultado negativo deste referendo irlandês teria o mesmo efeito que a rejeição imediata do Reino Unido e da República Checa, que não são membros da Zona Euro. Mas a Irlanda é. Uma eventual rejeição da Irlanda colocará de novo a União Europeia em estado de delirium tremens.
O governo directório Merkozy da União Europeia não é, obviamente, democrático.
Mas um governo democrático não pode sustentar-se no sim referendário em simultâneo em todos os seus membros quando estão em causa decisões que importam ao conjunto da União.
A Irlanda vai mais uma vez fazer uso do seu direito soberano de entregar ao povo o direito de decidir numa matéria que tem óbvias consequências para a Zona Euro. O uso desse direito soberano, se fosse exercido por todos os membros, tornaria ingovernável a Zona Euro e destruiria a União Europeia.
Não é possível governar um grupo se cada um dos membros puder obstar o proseguimento dos objectivos comuns ao grupo. Se cada um dos membros não concordar, e, mais do que não concordar, não exigir que cada um (e, portanto também a Alemanha, a França, ...) delegue parte dos seus direitos de soberania a um governo mínimo eleito democraticamente, o directório continuará a ditar as leis que, mais tarde ou mais cedo, irão fazer implodir a construção europeia.
O exercício do direito de soberania em tais circunstâncias será, então, uma vitória de Pirro da democracia directa.