Thursday, May 24, 2012

O QUE É QUE NOS FALTA?

Há dias dizia-me o L., que Portugal tem um dos mais elevados índices de tractores por área cultivável ,  a propósito do meu deslumbramento com a actividade agrícola visível em toda a Suíça, que voltei a anotar aqui há uns dias atrás. Entre a quietude da paisagem musicada pelos chocalhos dos bovinos, a vibração incessante dos tractores, lembrando-me as abelhas nestes dias floridos à procura do néctar. E, como há muitas décadas atrás, quando atravessámos a Suíça pela primeira vez, o mesmo cheiro a estrume.
Atravessa-se Portugal de norte a sul, do litoral para o interior, e encontra-se aqui e ali um tractor que mexe, outro que vai pela estrada, a pecuária é escassa, o estrume invisível.

Não consegui confirmar* a informação, mas , segundo um dos quadros de um conjunto da autoria de J. César das Neves, que L. me enviou, em 2003 havia em Portugal 1136,5 tractores por cada 100 km2 de terra arável; no Reino Unido 883,6, ou seja menos cerca de 78% da densidade tractorial em Portugal.

Mas se não encontrei dados que confirmassem a nossa superior mecanização agrícola, a que, inversamente, corresponde uma baixíssima produtividade global no sector, encontrei aqui uma notícia publicada há um ano acerca do número de acidentes com tractores em Portugal que nos coloca em segundo lugar deste negro ranking, logo (tinha que ser) a seguir à Grécia. Para tanto acidente, de algum modo deve existir um elevado número de tractores em Portugal. É curioso, aliás, que sendo Portugal e a Grécia os dois países da UE com maior dependência alimentar do exterior sejam aqueles onde há maior número de acidentes com tractores.
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A nossa dependência alimentar do exterior não é, portanto, consequência de falta de investimento na mecanização do sector. Então, o que é que falta? Dimensão média da propriedade agrícola**. Qualquer actividade económica requer dimensão competitiva susceptível de atrair mais capacidade humana. 
Com o tempo, a estrutura da propriedade fundiária tem vindo a alterar-se, mas de forma muito lenta, considerando o intervalo que é necessário colmatar. 

A ministra da agricultura prometeu há já algum tempo tomar medidas que atalhem caminho nesta evolução lenta. Depois foi o silêncio.
Da ministra e dos tractores. Que apesar de frequentemente parados, produzem número acidentes quase record. Vá lá saber-se porquê.
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*Num relatório sucinto do INE dos resultados do Recenceamento Agrícola de 2009 (Trata-se da 2ª maior operação censitária realizada em Portugal, que envolveu uma equipa de 2 100 colaboradores e um custo estimado de 16,9 milhões de euros.) nenhuma indicação é dada acerca do número total de tractores recenceados naquele ano nem feita qualquer comparação com os outros países da União Europeia.

Entre 1999 e 2009 observou-se um aumento da mecanização, comprovado pelo facto de 6 em cada 10 explorações disporem de tractor próprio, mais duas do que em 1999. Outro indicador de melhoria das condições de mecanização foi o aumento observado no número de tractores por 100 hectares de SAU, que passou de 4 para 5 unidades em 2009.
Nas explorações com menos de 1 hectare de SAU, apenas duas em cada 10 explorações possuem tractor,
aumentando para 5 quando se consideram as unidades produtivas entre 1 e 5 hectares de SAU. Apenas nas explorações com mais de 10 hectares se verifica a existência de mais de 1 tractor, em média, por exploração, ultrapassando os 2 tractores nas explorações com mais de 200 hectares de SAU.
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...nos últimos dez anos desapareceram 112 mil explorações e a respectiva superfície recuou mais de 450 mil hectares. A dimensão média das explorações agrícolas aumentou 2,5 hectares em termos de Superfície Agrícola Utilizada (SAU), situando-se em 11,9 hectares. Todavia, cerca de 75% das unidades produtivas ainda exploram menos de 5 hectares de SAU. A paisagem agrícola alterou-se significativamente, reorientando-se para sistemas de produção extensivos: diminuíram as terras aráveis, aumentaram as pastagens permanentes, que já ocupam metade da SAU e reduziu-se o número de efectivos pecuários. O retrato do agricultor típico reforça a importância social desta actividade, em que 80% do volume de trabalho agrícola é realizado pela mão-de-obra agrícola familiar. No entanto as empresas agrícolas, que representam apenas 2% do universo das explorações, são já responsáveis pela gestão de 25% da SAU.

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