Tuesday, June 18, 2024

EURÓFAGOS

Eurófago não é termo dicionarizado, salvo melhor conclusão que não encontrei em breve procura nas fontes do costume.
Por analogia semântica, eurófago é aquele que, à semelhança do xilófago, se alimenta, e, deste modo, destrói, as estruturas em que se instala e desenvolve a sua actividade.

Xilófagos, vulgo carunchos, são insectos que se alimentam de madeira, perfurando galerias até a estrutura em que se instalam desabar, se, entretanto, não forem detectados pelo pó que rejeitam para o exterior, e eliminados. Não metem o dente em estruturas menos complacentes que a madeira.
 
Ocorreu-me esta actividade xilófaga a propósito das intenções de eurófagos, diferentes dos euro cépticos porque, instalados na Europa da livre expressão do pensamento, uma estrutura complacente,  a querem minar e desmantelar para ser governada por autocratas, arrasando, deste modo os seus valores democráticos.

Quem são os inimigos explícitos da Europa livre, aqueles que não escondem os seus propósitos?
Sem dúvida, Putin e seus amigos ou aliados, e Trump, se, como é muito provável, voltar à presidência dos EUA. São eles  que, visivelmente, movem-se por objectivos declarada e objectivamente arrasadores e animam as actividades de parasitas (os eurófagos) que, por dentro, minam as estruturas em que se vivem e se alimentam, até as desmantelarem.
 
Os resultados das eleições europeias ocorridas este mês de Junho implodiram, pela primeira vez, os principais vectores de estabilidade da União Europeia, reflectidos nesta imagem de reconciliação em 1984, protagonizada por Helmut Khol e François Mitterrand. 
 
 
Cinco anos depois, 1989,  assistir-se-ia à queda do Muro de Berlim.
 
 
No ano seguinte, 1990, reunifica-se a Alemanha e o Marco alemão passa a ser a moeda em toda a República Federal da Alemanha até 2002, ano em que o Marco deu lugar ao Euro, como moeda corrente na generalidade dos países da União Europeia. 
Foi Helmut Khol quem, enfrentando forte oposição do lado ocidental, impulsionou a construção da Alemanha reunificada. 

Em 1991, desintegrava-se, sem causa física exterior, a União Soviética. 
Nazismo, fascismo, comunismo, tinham sido abalados mas não erradicados.
 
Trinta e três anos depois, Macron, defensor intransigente dos valores da União Europeia, sente-se obrigado a convocar eleições legislativas após a evidente emergência de forças políticas extremistas que entalam as posições politicamente moderadas do Presidente francês.  
Na Alemanha, o Chanceler Olaf Scholz, também ele um europeísta convicto, nomeado há dois anos, observa um desaire semelhante a Macron, mas os resultados das europeias não o colocam em situação tão fragilizada quanto a do presidente francês. 
 
Para uma observação da situação em que se encontram os progressos dos eurófagos nestes dois países, determinantes para a sustentação da União Europeia hoje, recorro a um artigo publicado anteontem no Público, de Teresa de Sousa, que considero a jornalista portuguesa melhor informada sobre a situação política na Europa e das influências que podem determinar o futuro: Eleições europeias: de suspiro de alívio em suspiro de alívio.
 
A União Nacional (Rassemblement National) estará com saliente implantação em quase toda a França: exceptua-se uma relativamente pequena área em Paris. 
Se vier a governar retomará todas as vias do nacionalismo, será condescendente com os autocratas e voltará a exibir o seu fascínio pela Grande Rússia.

A Frente Popular de 1935, é a motivação invocada por Jean-Luc Mélanchon, um putinista declarado, que recusa condenar o Hamas, para  reunir as esquerdas extremas com socialistas, ecologistas, (de ideologia europeísta e apoio total à Ucrânia) e comunistas. 

Na Alemanha, o SPD de Olaf Scholz, ficou nas eleições europeias em terceiro lugar, abaixo da AfD, de extrema direita, que domina todas as regiões da antiga RDA. 
Votos da AfD mais os do Die Linke (herdeiro do partido Comunista da RDA e da Aliança Shara Wagenkecht (uma excrescência do SPD com uma ideologia que mistura políticas de extrema esquerda e extrema direita) representam cerca de 25% do total, no país que se cria imune ao regresso do que se assemelhasse ao nazismo.
 
A Europa está hoje rodeada de ameaças e desafios globais, de Putin à China.
Mas a maior preocupação é, obviamente, o apoio à Ucrânia, onde se joga verdadeiramente o futuro da Europa.
 
Talvez os eurófagos se cruzem e se auto eliminem nas galerias que vão minando em sentidos diversos.
 
E em Portugal, num país que, segundo as sondagens publicadas, é na UE dos mais europeístas, quantos, dos que sabem quem ele é, detestam Macron?
 
Pergunto-me e vejo muitas caras conhecidas sorrirem perante o desaire espelhado nos resultados obtidos pelo Presidente francês.

1 comment:

Anonymous said...

Muito bom ecesclarecedor texto, caro Rui. Mitos paabéns!