Valeu o meu apontamento de ontem - O QUE VALE O MEU VOTO? - um comentário, pertinente, que, no entanto, não responde à questão em causa.
"... O voto de cada um de nós vale efectivamente uma quota numericamente insignificante, mas isso é a essência dos regimes democráticos, onde ninguém, por mais poderoso que seja do ponto de vista político, económico ou religioso, tem um voto com maior significado do que qualquer um dos outros votos !!!! Omitir esta verdade, seja a que pretexto for, é como que um convite à abstenção do acto eleitoral !"
Votar é um direito cívico, não é uma obrigação.
Dizendo isto, de modo algum desvalorizo a essência primordial da democracia da liberdade de pensamento e da sua expressão.
O
que me repugna é a feira, o leilão, com que, por motivação maior da
emoção, a exaltação desvalorize a decisão de voto tomada conscientemente.
Culpa
dos partidos e dos média que tendem a arrastar muitos eleitores pela
paródia das arruadas para os lados dos seus interesses próprios e não do
país.
Foi, e continua a ser, a complacência da democracia com
os seus inimigos, que sufragou maiorias intencionalmente autocráticas, a
caminho de ditaduras, que eliminaram democracias.
Hitler foi
o monstro que foi porque a democracia estava debilitada pela derrota
alemã em 14-18 e os alemães, emocionalmente, engoliram as promessas
propagadas a partir das cervejarias de Munique, pelo radicalismo de um fulano, austríaco, candidato frustrado a artista de belas-artes.
Aconteceu há cerca de 100 anos. Está a começar a acontecer agora.
Já votei hoje.
Serve o meu voto para alguma coisa?
Não sou tão tolo para pensar que sim.
---
| A propósito de eleições europeias, encontrei no meu arquivo de recortes de imprensa alguns comentários sobre o livro de Saramago, publicado há vinte anos - Ensaio sobre a Lucidez - um ano em que Saramago integrou a lista de candidatos da CDU ao Parlamento Europeu "em lugar não ilegível, simplesmente como uma expressão de fidelidade ao PCP ", segundo o secretário-geral do partido nessa altura. | | | |
|
| | | | | |
| |
|
| |
|
|
(cartoon de Vasco)
"Mau tempo para votar, queixou-se o presidente da mesa da assembleia eleitoral número catorze depois de fechar com violência o guarda-chuva empapado ..."
Assim começa e prossegue em rame-rame tipicamente saramaguiano "Ensaio sobre a Lucidez" (2004) até chegar onde quer chegar: o temporal não afastou os votantes, a abstenção foi baixa, mas houve oitenta e três por cento de votos em branco, um resultado que exprimia a perda da credibilidade da população nas instituições, nos partidos políticos, da esquerda da direita e do meio e a indignação pelo descalabro praticado por políticos de partidos diferentes, mas de atuações
iguais, usufruindo de privilégios que ofendiam a população.
O livro, estruturalmente mal amanhado mas ideologicamente muito direccionado, constituía para a maioria dos críticos o ataque mais evidente à democracia em toda a obra de Saramago, e isso incomodou os fiéis do partido, que logo defenderam que, se por um lado, oitenta e três por cento tinham votado em branco, por rejeição massiva dos partidos da direita, da esquerda e do meio, por outro lado, dezassete por cento tinham votado no único partido isento de todos os pecados imputáveis ao sistema. E se assim fosse, os dezassete por cento do eleitorado elegeria em 2004, vinte e sete, isto é, a totalidade dos candidatos ao Parlamento Europeu.
Na realidade só elegeu um.
Era uma parábola? Era uma anedota?
Fosse o que fosse, Saramago parecia ter descoberto a forma de implodir a democracia "se o voto em branco passasse a dez por cento", afirmava ele em entrevista ao Expresso em Abril de 2004, "isso era o terramoto de 1755 sem vítimas e sem estragos".
Hoje, provavelmente, estaria do lado de Putin, contra a União Europeia.
Tem candidato sucessor em lugar elegível: perdeu Beja, pode ganhar Bruxelas. Como negócio, nada mau para o candidato.
No comments:
Post a Comment