Acabo de receber telefonema do banco. A senhora do outro lado da linha vem-me propor que faça uma transferência no montante do crédito do meu cartão para a minha conta à ordem. Há dias tinha recebido do mesmo banco uma carta circular oferecendo-me a "mesma vantagem muito útil e de fácil utilização: Transferência do limite de crédito do Cartão para a Conta à Ordem até 20/03/2013."
Recordava-me ainda "que sempre que considerar necessário, pode também alterar a percentagem de pagamento do seu Cartão, gerindo de uma forma mais eficiente o seu orçamento mensal". E, no final da página, "TAEG de 28,8%. Exemplo para uma utilização de crédito de 1500 euros, incluindo a anuidade de 65 euros, com reembolso à TAN de18,24% acrescida dos impostos legais em vigor."
De vez em quando caem-me cá em casa ofertas destas, que rejeito, e, revoltado, aponto a indignação neste caderno de apontamentos. Os mais liberais, que devem ser mais que os menos liberais porque não vejo quem publicamente repudie estas campanhas de marketing banqueiro, dir-me-ão que vivemos numa sociedade livre, os banqueiros são responsáveis pelas propostas que fazem aos seus clientes, e estes são pessoas responsáveis, livres de as aceitar ou não. Tudo se passa, portanto, segundo os tais mais liberais, no âmbito de uma sociedade livre e responsável.
Mas é um logro do tamanho da falta de vergonha de quem promove estas campanhas e da conivência de quem deveria impedi-las. Toda a gente sabe que quem tem necessidade de aceitar estas propostas são aqueles que, pressionados pelas circunstâncias das suas vidas, aceitam empréstimos que lhes custam 28,8%/ano, um juro escandalosamente usurário. E que, muitos deles, acabarão em crédito mal parado. Mas tudo ainda no âmbito de relações entre responsáveis.
Até ao dia em que o banco, por ter concedido o crédito que concedeu, dá de lado. Temos vários exemplos, a começar pelo banco do Estado, Caixa Geral de Depósitos, pelos detidos mas não geridos pelo Estado, BCP e Banif, para além daqueles de que não restaram salvados que se vissem, BPN e BPP. É certo que, nestes casos, o crédito pessoal teve peso menor, mas a origem da calamidade é a mesma e as consequências exactamente iguais: quando os responsáveis não pagam e os banqueiros se abrigam debaixo da asa do Estado, quem paga sou eu, tu, ele, nós, vós. Eles, não. Eles são responsáveis mas as responsabilidades quem as tem de pagar somos nós, os contribuintes.
Num país onde, segundo se diz, há falta de crédito para sustentar a recuperação económica, como é que se consente que a banca ainda se alimente do endividamento dos sobre endividados?