Saturday, December 31, 2011

OLHÓ JANEIRO!*

Filipe Neri de OLiveira, Oliveira da parte da mãe, Filipe Neri da parte do santo da devoção materna, tornou-se ardina ao domingo quando o titular abandonou o cargo. Ia buscar os atados do Primeiro de Janeiro e do Diário Popular à estação de caminho de ferro e distribuía os jornais montado numa pasteleira. Durante a semana ocupava-se com um ou outro trabalho leve que a fragilidade física lhe consentia.

Era um homem cordato, sóbrio, despercebido, que se entretinha à noite a assistir aos jogos de cartas no clube, calado e atento. Aos domingos era tão esperado como o Chora, um tipo que motorizou a distribuição de pescado numa Zundapp em segunda mão e fez desaparecer as peixeiras que corriam duas léguas com as canastas na cabeça. Anunciava-se retinindo a campaínha do velocípede, o Chora apertava a pêra da buzina do cucciolo.

No primeiro dia de Janeiro, já o anotei aqui, o Primeiro de Janeiro esmerava-se com uma edição disputadíssima pelos seus habituais leitores. Mas, como era de prever, o número de habituais leitores era superior aos habituais leitores nos outros domingos, de modo que, naquele ano, o primeiro em que o Filipe se aventurara no negócio, os fregueses de A. de Baixo viram o Felipe passar de saco vazio de Janeiros por excesso de procura em A. de Cima, por onde o jornalista começava a volta. No domingo seguinte os de A. de Baixo  mandaram vender o Janeiro aos habituais leitores de A. de Cima, o Filipe desistiu da actividade, e acabou a distribuição ao domicílio, e eu deixei de ler o Janeiro.

Tempos depois espantava-me com a pontaria dos ardinas em Lisboa que faziam voar os diários para as varandas dos seus habituais leitores, como space shuttle em origami feitos em três tempos, e deliciavam-me os pregões à tardinha: Olhó Popular!, Olhó Notícias!Olhó Século!Olhá Bola! É a Bola! A Bola! Olhá Bola! Olhó Record! O Janeiro não chegava cá abaixo.
Mais tarde a distribuição dos jornais sedentarizou-se em quiosques pela cidade e acabou a distribuição ao domicílio.

Continua aqui, na Virgínia, a vinte milhas de Washington DC.
Todos os dias, uma mão invisível deixa à porta cerca das seis da manhã o Washington Post numa saqueta de plástico.
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* Editado às 19,30 horas locais, já chegara 2012 a Portugal, aparece datado com a data de ontem, por culpa dos fusos horários.  

BOM ANO!

Anteontem, à vista do Capitólio, passámos por um pelúcio embrulhado numas mantas roçadas, deitado num banco, um gorro enfiado numa cabeça roxa de frio, os olhos nem abertos nem fechados, trinta? quarenta anos?, latas vazias de sprite e coca-cola no chão sujo.

Não sei que idade tinha o Pelúcio. Talvez quarenta, quanto muito cinquenta, porque, se a aparência lhe dava muitos mais, um cálculo ajustado teria que levar em conta a desafinação da caixa de velocidades dos sentidos provocada pelo excesso de um gosto, ou de um desgosto?, antigo. Se bebia desalmadamente aguardente, mas aquele andar cambado e olhar turvo, aquela língua enrolada, também pagavam por um desarranjo que nunca levara conserto, não sei. Aparentemente, andava sempre bêbado.

Aparecia na Junta ao lusco-fusco, entrava como se empurrasse com o ombro a porta aberta, dava três passos em frente, e aguardava ordens no meio da sala. Se havia fregueses esperava pela sua vez, que era a última. Era o coveiro e o canteiro, consoante as marcações da ceifeira. Antes de receber instruções para o dia seguinte, recebia a jornada e assinava o recibo com um P desmesurado porque via mal.

- Amanhã, vais para o Casal dos Cágados limpar valetas. 
- Han?!
Reagia sempre com um han?! a ganhar tempo para registar as ordens, dava meia volta e saía sem dizer boa noite.

No fim do ano, pelas cinco da tarde, como sempre empurrou a porta aberta e ocupou o centro da sala.
- Que fizeste hoje?
Não respondia. Mas não havia notícia que alguma vez não tivesse cumprido.
Feitas as contas, e rabiscado o P, ficou à espera de instruções.
- Amanhã não trabalhas.
- Porquê? perguntou ao retardador.
Se não trabalhava não ganhava, se o Senhor mandava chuva ou proclamava dia santo ou feriado, fazia cruzes na boca.
-  Depois de amanhã vais para Santo Amaro reparar a estrada. Amanhã é feriado, dia de Ano Novo. Bom Ano!
Ouviu, rodou e ia a sair. Subitamente, contorceu-se em jeito de meia volta, e perguntou:
- Para quê?  

Friday, December 30, 2011

QUO VADIS, 2012?

A Comissão Europeia divulgou um relatório sobre o impacto das medidas de austeridade nos países sujeitos a programas de redução do défice orçamental e da despesa pública, condicionantes da ajuda externa a que esses países foram recorreram, e naqueles que de motu proprio se sujeitaram a medidas com os mesmos propósitos.

The distribunional effects of austerity measures: a comparison of six EU countries, sucintamente analisado aqui, conclui que em Portugal a agressividade de tais medidas até Junho de 2011 foi a mais profunda no conjunto dos países comparados. Se considerarmos que, naquela altura, ainda não se faziam sentir os efeitos das medidas previstas no memorando de entendimento assinado em Maio, se considerarmos que esses efeitos se sentirão estrondosamente no ano que começa depois de amanhã, onde estará a economia portuguesa daqui a um ano?

Durante a campanha eleitoral, a redução da TSU foi arvorada como o santo e a senha de uma entrada num ciclo de reanimação da economia portuguesa. Antes disso, e durante alguns meses, parecia haver quase unanimidade que se tinham percorrido caminho errados durante uma década, os sectores protegidos tinham prosperado, os transacionáveis definhado, as exportações estagnado, as importações explodido, a dívida, pública e privada, tinham atingido níveis sufocantes, não havia dúvidas, tínhamos de arrepiar caminho.

O que foi feito até agora? Dizem os relatórios que o calendário dos compromissos com a troica está a ser (quase) cumprido, caiu a TSU mas haverá mais dias de trabalho. Chegará?

Os sindicatos (leia-se CGTP, leia-se PCP) revoltam-se em manifestações cordatas contra as medidas anunciadas e reclamam medidas  que atinjam outros e não os mesmos de sempre, a austeridade é percebida como uma consequência de uma amarra, que é preciso cortar, chamada euro. Chegará?

No dia, se esse dia acontecer, em que voltarmos ao escudo o que acontecerá aos salários das classes trabalhadoras que os sindicatos devem defender? Só podem baixar em termos reais. Se, por um fenómeno estranho que não vislumbro, se mantivessem ou subissem não haveria recuperação da competitividade monetária que o retorno a uma moeda própria (leia-se com possibilidade de emissão ilimitada) permite.

Mas é inquestinável, por outro lado, que Portugal não tem hipóteses de reduzir a dívida pública (quem é que falou em pagar?) nem os cidadãos endividados capacidade para honrar os seus compromissos se a economia não cresce e os juros não baixam para níveis suportáveis.

De modo que: Ou o professor Gaspar tem jeito e engenho para negociar a redução da carga com que nos carregámos e os credores sobrecarregam e o professor Álvaro melhores ideias para reenquadrar o tecido económico, ou daqui a um ano a austeridade colocou este governo fora de jogo e Portugal de patas para o ar.

E em 2013 sairemos do euro, sem saber para quê, mas porque não saberemos fazer outra coisa.

Thursday, December 29, 2011

TAPEÇARIAS PASTRANA

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Não há reprodução possível que transmita algo aproximado da sensação de grandiosidade e beleza do conjunto reunido neste espaço em Washington
Um momento de sentimento de um irrecusável orgulho de ser português, hoje.

Merry Christmas, Hungarian Democracy!



 c/p Economist 

TUDO ÀS ESCURAS

Hungria falha leilão de dívida pública. A agência que gere o crédito público da Hungria rejeitou todas as ofertas num leilão de dívida a três anos e vendeu baixos montantes em outras duas linhas que foram a leilão. Financiamento da economia em 2012 está em risco, depois de terem sido interrompidas as negociações com o FMI para a concessão de um empréstimo.
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Por alguns indicadores, a Hungria tem semelhanças com Portugal: pela dimensão do território, pela população, pelo produto per capita, pelo nível de desenvolvimento humano (segundo o PNUD), ainda que tenham chegado à União Europeia depois de atravessarem caminhos políticos opostos. Mas enquanto a Hungria não quis nem quer entrar na Zona Euro, Portugal é membro desde a primeira hora. A moeda húngara, forint, desvalorizou este ano cerca de 10% contra o euro, uma desvalorização observada sobretudo a partir de meados do ano.

Portugal recorreu em Maio à ajuda externa para evitar a bancarrota, a Hungria recorreu em Novembro ao FMI mas as negociações encontram-se interrompidas e o financiamento da economia no próximo ano está em risco. Pode o euro ser culpado da falência da Hungria? Não parece. Mesmo com moeda própria os húngaros terão replicado erros que são atribuídos em Portugal pelo uso da moeda única.

Conseguirão eles safar-se melhor da enrascada em que se meteram porque têm o forint do que nós se continuarmos no euro?  Esta  a questão acerca da qual o professor Ferreira do Amaral não convence o professor Oliveira Martins, e vice versa, nem o professor X o professor Y. Porque nem o professor Amaral sabe o que faria com uma moeda fraca nem o professor Martins como se desatasca com uma moeda forte.

O melhor que têm para nos oferecer são palpites.
É razoável pensar que ...., diz o professor Amaral,
Julgo que não há dúvidas que ..., diz o professor Martins, dizendo o contrário.

O culpado é o euro ou euro é um perseguido errado?
Insisto: É um perseguido errado.  

IN NOMINE DEI


É costume, disse a Polícia.
Ninguém foi preso porque "são homens de Deus"

O QUE É ISTO?

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Conjunction at Sunset

Wednesday, December 28, 2011

BRANCA DE NEVE


a) Dez tiveram menos de 500 espectadores!...
b) Seis tiveram entre 2.000 e 3.000 espectadores!...
c) Cinco tiveram entre 3.000 e 7.000 espectadores
d) Os dois mais vistos tiveram 20.194 espectadores e 17.102 espectadores.
 ...
Mas não há ninguém que veja isto? (pergunta aqui A. Pinho Cardão)
 
Temos de ver estas coisas sob uma perspectiva benevolente, António.
Viste "Branca de Neve"? Não viste, vê-se logo que não viste.
Custou a bagatela de 130 mil contos de subsídio do Estado Português, por via do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, juntamente a 26 mil contos por parte da RTP.
Esta obra estreou no cinema King, em Lisboa, a 10 de Novembro de 2000.



Não há palavras! É um monumento do cinema português.

NAPOLEÃO E JOSEFINA

Guilherme d'Oliveira Martins: Sair do euro condenaria Portugal "à mediocridade" (aqui)
Michael Spence, Nobel da Economia em 2001 afirma que Portugal ou a Grécia poderão querer sair do euro e a UE deve estar preparada (aqui)
Vítor Bento : Sou contra a saída do euro,  mas devemos discutir esse cenário (aqui)

Amaral é a favor (aqui), Martins é contra, Bento também é contra, Michael Spence pensa (ou calcula?) que a saída é provável e que é preciso prepará-la. Uma pequena amostra dos pró e contra a saída de Portugal da Zona Euro.

São muitos os que alinham de um lado ou do outro mas, até hoje, não é conhecido um trabalho que possa orientar uma discussão pública com alguns fundamentos sólidos. Quando Vítor Bento afirma que "devemos discutir esse cenário" não está, certamente, a pensar na generalidade dos cidadãos deste país cujo futuro estará sempre muito condicionado pela unidade de conta do que recebe e do que paga. A generalidade dos cidadãos, perante as posições públicas de pessoas que, em princípio, são melhor informadas, só pode estar confundida. Quem não estaria?

"Precisamos do projecto do euro, não por razões meramente económicas mas por razões políticas. Caso contrário, estaremos condenados à periferia, à mediocridade e à irrelevância", afirmou Oliveira Martins, ministro das Finanças na altura da introdução das notas e moedas do euro (2002) e actual presidente do Tribunal de Contas.

Em entrevista à agência Lusa, Guilherme d'Oliveira Martins diz que, mesmo tendo em conta a crise financeira que agora afecta o país, valeu a pena para Portugal integrar a Zona Euro. "Julgo que não há dúvidas relativamente a isso. Basta ver os números, a evolução no que se refere a grandes tendências de convergência", diz o antigo ministro das Finanças. "Creio que estes dez anos são para celebrar."  Oliveira Martins prevê que o euro será "duradouro", apesar das dificuldades conjunturais e de uma "tendência que pode ocorrer" no sentido da "progressiva irrelevância" das economias europeias. "O projecto do euro não é irreversível, não há nenhum projecto humano que o seja, mas está para durar", afirma o presidente do Tribunal de Contas. "Costumo perguntar aos meus alunos se o euro é uma moeda forte ou fraca; todos me dizem que é forte. É uma moeda respeitada internacionalmente. Esperemos que seja a base para uma economia mais segura."  Oliveira Martins rejeita igualmente a ideia de que voltar a ter moeda própria poderia ajudar Portugal a superar a crise económica. Os efeitos positivos da desvalorização cambial, argumenta, são muito exagerados pelos seus defensores. "Essa política das desvalorizações, que muitas vezes se invoca como espécie de [saída para a crise], não corresponde de modo algum a uma salvação", afirma. Optar por essa via "seria apenas aceitar a periferia e a irrelevância".

Destaco: Segundo o professor Martins, o euro é uma moeda forte porque os seus alunos assim o dizem; Os efeitos da desvalorização cambial são muito exagerados pelos seus defensores; Julga que não há dúvidas que estes dez anos são para celebrar, concluindo-se daqui que o professor Martins não ouve ou não lê o professor Amaral.

Por que não se convoca um conclave de gente competente mas de opinião diferente, sustentados a pão e laranjas até sair fumo branco? Assim, enquanto baralham o cidadão comum, sangram o País. Não percebem isto?

Tuesday, December 27, 2011

INSISTE AMARAL

Anda a dizer o mesmo há anos.
Já durante a 2ª. Conferência dos Economistas, realizada em Novembro de 2006, de que tomei nota aqui e aqui, Amaral persistia na proposta de saída de Portugal do euro como forma de evitar a continuação dos malefícios do euro que, segundo ele, eram a causa dos problemas enfrentados pela economia portuguesa.

Ferreira do Amaral tem, evidentemente, toda a liberdade de dar as opiniões que entender, acerca do euro ou da melhor forma de confeccionar bacalhau. Mas o professor Ferreira do Amaral tem obrigação de saber que as suas opiniões num caso e noutro têm diferentes impactos na sociedade quando é convidado a opinar perante grandes audiências. A um professor de economia exige-se que, mais do que opiniões, realize estudos e dê conhecimento das suas conclusões.

Na recente entrevista que concedeu à Lusa, Amaral opina*  “é razoável” pensar que a Europa “estaria melhor” sem a moeda única.

Porquê? Responde Amaral:“A zona euro cresceu pouco, muito menos que na década e meia anterior. Acumularam-se desequilíbrios gigantescos nas balanças de pagamentos, nomeadamente em Portugal, na Grécia e também, em parte, em Espanha.”  (  ) Portugal (  ) nunca teve alguma “década tão má” como a começada com a introdução das notas e moedas de euro em 2002, “pelo menos desde a II Guerra Mundial”. “já está” numa situação “pior do que há dez anos”: “Não só pior em termos de rendimento per capita, como pior nas desigualdades, pior em termos de estrutura produtiva.”  (  )  sugere assim que Portugal deveria abandonar a moeda única. (  )“A manutenção na zona euro vai implicar estarmos décadas a viver à custa de empréstimos fornecidos pela União. Décadas. Porque não temos condições de crescimento nenhumas, e o nosso aparelho produtivo continuará talvez anda mais ineficiente que agora” (  ) “Portanto, de uma ou duas décadas de ajuda ninguém nos tira, numa situação dessas. Penso que isso é insustentável, mesmo do ponto de vista político.” (   )  não considera que os actuais problemas se devam a erros políticos tanto como ao “fracasso” do projecto europeu: “Um bom projecto é o que resiste a erros de política económica. Não me parece, com toda a franqueza, que tenha havido erros monstruosos de política económica” na zona euro. (  )A nossa questão orçamental é apontada como um grande desregramento, mas não é verdade, tivemos maior desregramento antes de entrar na zona euro”, (  )  considera que, se o problema fosse o despesismo dos governos, “teríamos um défice muito maior, porque as receitas cresceram pouco, e a actividade [económica] cresceu pouco”. (  ) a “transferência de recursos de sectores de bens transaccionáveis para bens não transaccionáveis” é resultado de Portugal fazer parte de um espaço com uma “moeda forte”. (  ) “O aparelho produtivo reorientou-se para sectores protegidos da concorrência externa, porque a moeda é forte e não fazia sentido concorrer com produtos importados”, (  ) “Isso não foi um erro de política económica, o erro foi aderir a essa zona [de moeda forte].” (  ) critica a União Europeia por se ter “aberto sem condições” ao comércio mundial: “A liberdade do comércio é boa em termos gerais”, mas teria sido preferível “uma gradual liberalização”.


Algumas afirmações de Amaral são consensuais, são factos, outras são conjecturas balizadas: a transferência de recursos de sectores transaccionáveis para bens não transaccionáveis tinha sido prevista nas actas fundadoras do euro. Competia aos governos adoptarem políticas que contrariassem essa tendência. Não o tendo feito foram cometidos erros de política económica que ainda subsistem. A perversidade da trajectória foi denunciada há muito tempo. Olivier Blanchard, por exemplo, demonstrou-o num documento distribuido durante a 3ª. Conferência do Banco de Portugal, referido aqui, em Fevereiro de 2006.

Se Ferreira do Amaral começasse por onde terminou a entrevista quando critica a União Europeia por se ter “aberto sem condições” ao comércio mundial: “A liberdade do comércio é boa em termos gerais”, mas teria sido preferível “uma gradual liberalização”, retiraria conclusões diferentes, porque, mais do que o euro forte, foi a liberalização incondicional do comércio e a entrada da China à Organização Mundial de Comércio (WTO) que marcou a década da estagnação das economias ocidentais.

E agora, João?
Agora o melhor é sairmos, diz ele. Como saimos, para que saímos, João não sabe, ou se sabe não diz.
O euro está neste momento  ao mesmo nível cambial nominal que estava há cinco anos: 1 euro = 1,308 dólares dos EUA. Entretanto, a moeda chinesa valorizou-se contra o dólar e o euro sensivelmente o mesmo, cerca de 20%, uma desvalorização pressionada sobretudo pelos norte-americanos nos últimos tempos.

O que ganhamos se sairmos do euro? Maior competitividade cambial para os sectores de média e baixa tecnologia que se confrontam com os países com custos (isto é, com salários) muito mais baixos? O que João Ferreira do Amaral propõe, inegavelmente, mas ele não explicita, é um recuo ao modelo de desenvolvimento sustentado por mão-obra barata, um refrão que os sindicatos, contraditoriamente repudiam e apoiam quando se revêm nas propostas de Ferreira do Amaral.

E, mesmo assim, resultaria?
Não se conhecem as contas de Ferreira do Amaral nem, diga-se em abono da verdade, daqueles que geralmente defendem a presença na eurozona sem que se conheçam se são fundamentadas as suas conclusões, se são mais do que convicções apenas.  Acerca de uma questão de transcendente importância para o futuro do país esgrimem-se as posições contrárias com palpites!

Uma moeda fraca é, já o anotei neste bloco de notas, um viagra de efeitos transitórios. Se esses efeitos têm relevância, depende da resultante da matriz de fluxos com o exterior. Se uma indústria transformadora necessita de uma desvalorização cambial para ser competitiva, o efeito cambial apenas se repercute sobre o valor acrescentado nacional. Dito de outro modo, o efeito (negativo) da desvalorização da moeda forte na importação de equipamento, matérias primas, energia, poderá anular o efeito (positivo) da redução real dos salários.

A competitividade cambial (leia-se a competitividade salarial) é a saída das economias do mundo em vias de desenvolvimento. Há dias entrei num estabelecimento, enorme, de venda de vestuário de uma marca em ascenção recente. Espreitei as etiquetas: made in Bangladesh, Filipinas, China, Peru, Siri Lanka, Índia, ... etc. Ferreira do Amaral não desconhece isto. Que economia projecta ele para Portugal com uma moeda fraca?

Como é que os jornalistas interrogam o professor Amaral vezes sem conta e nenhum o confronta com isto?

Monday, December 26, 2011

SEM DEUS, OS BANCOS

portam-se mal?

O Economist desta semana publica, a propósito de duas exposições em Florença (vd aqui), um artigo que, sucintamente, descreve o nascimento da banca e dos banqueiros, no sec XIV, da ascenção dos Médici aos cumes da riqueza e da glória, mas também do seu patrocínio a artes supostamente redentoras.


A complementar a exposição centrada em quadros de Botticelli, existem outros documentos, entre os quais um livro de contabilidade que aponta os perigos de incumprimento das dívidas soberanas a propósito da bancarrota de três bancos quando Eduardo III de Inglaterra renegou o pagamento de dívidas avultadas.

Os banqueiros de hoje já não são acusados de usura mas de outros pecados. O Papa Bento XVI apela à renovação moral na Itália, a Igreja de Inglaterra agoniza sob a impiedade da City, mas a maioria  dos banqueiros não teme Deus nem a censura dos homens. O que é péssimo. Sem temor a Deus é improvável que aconteça outro renascimento.

PRESO POR TER CÃO


Republicanos irritados com o cartão oficial de boas festas deste ano (aqui).

Num país que é uma diversidade em tudo, mas sobretudo uma diversidade sociológica ímpar no mundo, são mais prudentes, nesta época do ano, os votos de boas festas (Happy Holidays!) do que os votos de Feliz Natal (Merry Christmas!). Obama não fugiu à regra seguida pelos seus antecessores mais recentes mas colocou Bo, o cão de água, à lareira para a fotografia.

Os republicanos prefeririam o elefante.

Sunday, December 25, 2011

ANACLETO

Já alguma vez te mostraram o Palácio Sotto Mayor? Pois não. Temos de ir lá vê-lo um dia destes. É uma obra linda, digo-te eu, bem, o Mosteiro da Batalha é outra coisa, não se compara, até na idade. A Batalha tem para aí mais de cinco séculos, o palácio é mais novo que eu, mais novo vinte e tal anos. Trabalhei lá, sabes? Tinha dezasseis anos quando comecei o ofício de canteiro, aos dezanove já era mestre cinzelador. A partir dos desenhos transformava uma pedra bruta numa obra de arte. À entrada do palácio, abaixo do balcão maior, há um friso ornamentado coroado ao centro. É, por assim dizer, o emblema do palácio. Pois fica sabendo que fui eu que o fiz. Passados dois anos, casei e deixei o cinzel, mas é na pedra esculpida que ainda hoje revejo o que fiz na vida com mais paixão. A pedra sobrevive a tudo porque tudo o mais é tão passageiro... Chegava sempre cedo, depois de mais de hora e meio de caminho a pé, precisava de algum tempo para me descontrair e concentrar.  Ah! Tu ainda és novo demais para perceber esta conversa. Vamos falar doutras coisas, vamos?

O avô ficou viúvo, tinha eu oito anos, e, por ser o neto que vivia mais próximo, fui destacado para lhe fazer companhia à noite. No Inverno, quando lhe batia à porta, já ia a noite adiantada, estava a lareira a arder em labaredas fascinantes, o avô encostava-se à parede que ficava à esquerda, eu sentava-me num banquito junto do perro, e jogávamos o burro ao mesmo tempo que ele desbobinava a vida: Conheci muita gente, sabes, mas nunca conheci ninguém que fosse mais esperto que o Anacleto. Esperto, esperto, não sei, não sei bem se ele era esperto, o que ele era, era de outro mundo. Trabalhou no palácio como apontador. Um apontador é um tipo que nas obras é encarregado de tomar conta da ferramenta, dos dias de trabalho de cada um, dos materiais, das peças concluídas ou em vias disso. O curioso é que o Anacleto era analfabeto e não sabia contar. Incrível, não é?

Anacleto, quntos homens faltaram hoje? Faltou o Ruben e o Eugénio só veio da parte da tarde. Anacleto, quantos cinzeis?, quantos ponteiros?, quantas macetas?, quantos escopros?, quantas bujardas?  Temos um cinzel, outro cinzel, outro cinzel, outro cinzel, outro cinzel, .... mais um ponteiro, outro ponteiro, outro ponteiro, outro ponteiro, outro ponteiro ... mais uma maceta, outra maceta, outra maceta, outra maceta, outra maceta, ... mais um escopro, mais um escopro, mais um escopro, mais um escopro, mais um escopro, ... mais uma bujarda, outra bujarda, outra bujarda, outra bujarda, outra bujarda .... O Anacleto dava conta de tudo o que havia como se estivesse a olhar para o que relatava. Aliás, o encarregado só de quando em vez testava a fiabilidade da capacidade de memorização do Anacleto. Geralmente ficava-se pela pergunta: Tudo em ordem? Qualquer que fosse o grupo que tinha debaixo de olho, pessoas, ferramentas ou materiais, bastava-lhe olhar por um par de minutos para reter na cachimónia a imagem do conjunto como se tirasse uma fotografia.

Outra faceta do Anacleto era uma surdez completa, mas ouvia como ninguém. Antes de ser colocado na obra como apontador, o Anacleto trabalhava nas pedreiras, onde já dava nas vistas os seus dotes de fotografar sem máquina. Um dia, atraiçoado pela aselhice do tipo que colocara a carga para rebentar um bloco, foi apanhado por uma explosão antes de tempo que liquidou três companheiros e pôs o Anacleto entre cá e lá. Safou-se, mas ficou surdo como uma pedra. Mas em pouco tempo aprendeu a perceber pelo movimento dos lábios, ouvindo a distâncias que ninguém conseguia ouvir.

Um dia, era domingo de manhã, cruzou-se o Anacleto com o padre  ali no largo da Igreja, meteu-se com ele o prior: Oh Anacleto, consta-me que tens uma memória infinita. Sabes quantas estrelas há no céu, Anacleto?
Depende, senhor prior, ontem à noite não se via nenhuma porque estava o céu todo nublado. Esta noite, posso contá-las se estiver descoberto. Pois conta-as e vem-me dizer. Foi o prior dar a missa e o Anacleto atrás dele.

No domingo seguinte, volta o Anacleto a encontrar o padre a caminho da missa:  Então Anacleto, quantas estrelas temos? O Anacleto fechou os olhos, trabalhava em câmara escura, está visto, e começou a lenga lenga: Uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela, mais uma estrela ... Está  a contar senhor prior? Riu-se o padre, ou porque já tinha perdido a conta ou porque não estava a contar, e perguntou-lhe? E que mais viste no cèu, Anacleto?
A lua, senhor prior, estava lua cheia, é uma pena que o tipo que mora lá mexa a boca.

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Anteontem assistimos a uma comunhão de coros de Natal na Catedral de Washington. O templo foi vítima do tremor de terra que abalou a área em Agosto deste ano e espera pelo restauro. No espaço fronteiro colocaram dois pináculos derrubados para motivação de doações para as obras.
À espera dos canteiros e dos mestres cinzeladores.

OLLYPURR - DANDELION


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CHRISTMAS CAROL - WASHINGTON CATHEDRAL



c/p aqui

Saturday, December 24, 2011

MENINO JESUS

Naquele tempo, São Nicolau, o Pai Natal, ainda não tinha chegado nem era conhecido nas redondezas, quem descia pela cheminé era o Menino Jesus, as árvores mais airosas do pinhal, a meio crescimento, continuavam a crescer sem receio de corte prematuro, cumprido o trabalho nocturno, antes de nascer o Sol, o Menino Jesus voltava ao presépio, no dia de Natal nasciam as Natálias, nunca nasciam Natálios. 

Um dia, ia Janeiro adiantado, entraram no posto local do Registo Civil, já era noite, estava a porta a fechar, um homem e uma mulher, com um recém nascido a berrar-lhe ao colo, para registarem a criança. Como era o último dia permitido para o registo sem multa, resignou-se o funcionário a cumprir a tarefa fora de horas.

- São precisas duas testemunhas.
Ele olhou para ela, estava ela em passo à frente passo atrás, gingando as passadas, a tentar calar o filho.
- Duas testemunhas?
- Sim senhor, duas testemunhas. Os registos de nascimento exigem a presença de duas testemunhas. 
O homem coçou a cabeça, e ficou espantado a olhar o funcionário.
- Então? Há testemunhas ou não? Sem testemunhas não posso fazer o registo. É o que manda a lei. 
O homem voltou a coçar a cabeça e esboçou um sorriso, talvez ingénuo, para soltar uma pergunta insólita:
Testemunhas, de quê?
Não era a primeira vez que os declarantes se apresentavam sem testemunhas. Os mais esclarecidos ou já iniciados no assunto, traziam testemunhas, chamavam-lhes os  padrinhos. Daqueles a quem acontecia apresentarem-se para cumprir o dever de registo de um filho pela primeira vez, muitos recorriam, por sugestão do funcionário, à dona da loja do lado e do marido, para satisfação das exigências da lei.
Sempre disponível para suprir o embaraço da inesperada exigência de testemunhas, o casal do lado testemunhava frequentemente inconscientemente em falso por inteiro desconhecimento dos declarantes. 

Não respondeu o funcionário à dúvida do homem, mas daí a um par de minutos entrava a dona da loja e o parceiro atrás, duas testemunhas sem cuidarem de quê.  

Aos (em que dia foi o nascimento?) vinte e cinco dias do mês de Dezembro de mil novecentos e cinquenta e sete, nasceu (onde é que nasceu?) no lugar..., freguesia ..., concelho ..., um indivíduo do sexo (masculino ou feminino?, menino ou menina?) masculino, filho (os pais são casados?, não senhor) ilegítimo de (nome do pai?) José Maria de Jesus e de (nome da mãe?) Maria do Rosário (só Maria do Rosário? Só Maria do Rosário) a quem é dado o nome (que nome dão à criança?, Menino de Jesus) ...

- Menino, a lei não permite. 
Olhou o homem para a mulher, que continuava passo atrás passo à frente, ausente, a embalar o filho  adormecido, e, sem reacção da companheira, voltou a coçar a cabeça, e a olhar o funcionário sem resposta.
- Há uma lista de nomes aprovada por lei, e só esses nomes podem ser registados, explicou o funcionário, mas a indecisão ou incompreensão do homem não parecia ceder perante as restrições legais  - Tem de escolher outro nome.
- Não sei de outro nome, respondeu, por fim, o homem, continuando a coçar a cabeça. Pensámos neste, não pensámos noutro.
- Percebo. Mas este, tenho muita pena, mas não posso aceitar.  Terão de escolher outro.
Voltou o homem a coçar a cabeça, a olhar a mulher que continuava a andar sem passar do sítio.
- Nicolau, decidiu-se o homem, subitamente inspirado, sem olhar a mulher que, desta vez o olhou, espantada. Nicolau?..., Zé Maria?

Ficou Nicolau.
Ainda hoje se está sem saber porquê: Nicolau Rosário de Jesus, filho ilegítimo de José Maria de Jesus e de Maria do Rosário.
Pelo Natal, veste-se de vermelho e branco e barrete a condizer, disfarça-se com longas barbas brancas e anda por aí incumbido da tarefa do menino Jesus da minha infância.    

Friday, December 23, 2011

AQUI, MACAU

A secretária de Estado do Tesouro e Finanças, ( ), anunciou ontem que a proposta da Three Gorges, que pagou 2,69 mil milhões por 21,35% da EDP, foi seleccionada por ser “a mais forte em termos globais”. (aqui) Segundo o Expresso de hoje, apenas o ministro das Finanças terá defendido a proposta alemã mas acabando por conformar-se com a decisão final.

A participação chinesa na EDP abrirá, dizem as notícias, outras possibilidades de investimento chinês em Portugal noutras actividades económicas para além do sector energético, nomeadamente na banca.

É bom? É mau?
Os chineses são negociadores duros mas respeitadores dos contratos. Se assumiram compromissos no âmbito desta transacção, cumprem-nos, desde que tenham sido formalmente contraídos. Por outro lado, não são suspeitos de atingirem os seus objectivos corrompendo os representantes do outro lado nos negócios. Escrevo isto e ocorre-me o negócio da compra dos dois submarinos à Alemanha, que não sabemos para que navegam,  com promessas de contrapartidas que não sabemos onde foram parar.

Mas não nos iludamos. A venda de uma participação qualificada na EDP a uma empresa detida por um Estado totalitário onde triunfa um capitalismo protegido de reivindicações sindicais, não é bom sintoma para a democracia nem para o futuro das economias ocidentais, e sobretudo daquelas que, como a portuguesa, têm de confrontar-se em parte muito significativa com a concorrência de milhares de milhões de pessoas ávidas de trabalho mais compensador, sem direitos de expressão nem intenções de reclamar por eles.

As perspectivas amargas que se desenham com a aproximação do novo ano, não vão desanuviar-se significativamente nos anos mais próximos. A globalização, enquanto não forem estabelecidas regras que impeçam que o mundo seja obrigado a alinhar por patamares de rendimentos cada vez mais baixos, continuará a determinar uma concorrência pelo trabalho que só pode levar à sua desvalorização contínua a Ocidente.

Insisto nisto: Como é que os sindicatos portugueses ainda não perceberam (ou não querem perceber) que a defesa dos interesses dos trabalhadores não passa pela reivindicação de situações insustentáveis porque concorrencialmente suicidas?

Thursday, December 22, 2011

E SE NÃO SE PAGAR

o que é que acontece?

É melhor não experimentar.
Em todo o caso, não sendo a questão despropositada é inconveniente, e pode ser perigoso, fazer da pergunta uma afirmação. Uma ameaça só faz sentido se quem ameaça domina os riscos que a sorte do jogo lhe apresentar.
.
É altamente provável que Portugal não tenha possibilidade de reduzir a dívida externa para níveis suportáveis pelo seu potencial produtivo no quadro desenhado no memorando de ajuda externa. Presumo que toda a gente informada sabe isso. Assim como é altamente provável que um "default" não controlado na zona euro pode desencadear um processo implosivo com efeitos colaterais globais incalculáveis, atingindo sobretudo a Alemanha.

Tracy Alloway, apresenta neste vídeo do Financial Times de terça-feira passada, uma ideia do que está em causa quando se coloca a questão da eventual ruptura da zona euro.

ACERCA DA COERÊNCIA INFINITA DOS ROCHEDOS

Depois do envio de condolências ao povo norte-coreano pela morte do seu querido líder, o PCP votou contra voto de pesar pela morte de Vaclav Havel (aqui )

A mensagem de pesar foi apresentada em conjunto por BE, CDS, PS e PSD. Os deputados dos quatro partidos - com excepção de alguns bloquistas - levantaram-se e bateram palmas quando o voto foi aprovado. Os Verdes, partido que corre coligado com o PCP, abstiveram-se.

Enquanto dramaturgo, Havel destacou-se pelas peças que satirizavam o antigo regime comunista da Checoslováquia, que integrava o Pacto de Varsóvia. Reconhecido como líder da resistência pacífica, Havel tornou-se presidente em 1989 e liderou a transição para a democracia que antecedeu a cisão do país na República Checa e Eslováquia.

Wednesday, December 21, 2011

VÁ PARA DENTRO LÁ FORA

Primeiro foi o Secretário de Estado da Juventude, depois o Primeiro-Ministro, agora é Paulo Rangel que propõe a criação de uma agência para ajudar os portugueses a emigrar.

É demais.

Ainda que tenhamos todos de reconhecer que, em consequência da situação a que foi conduzido o país, muitos, sobretudo jovens, muitos dos quais com habilitações universitárias, sejam obrigados a emigrar, é chocante a insistência pública do governo, e agora do euro deputado Rangel, num ponto extremamente doloroso de quem se sente repelido pelo país onde  nasceu.

Depois, é no mínimo espantoso, que tendo sido assumida por este governo a tarefa de reduzir centenas de orgãos redundantes da estrutura do Estado, e pouco ou nada tenha feito, até agora, nesse sentido,  Rangel sugira a criação de mais uma entidade. Se a intenção do senhor euro deputado é apoiar aqueles que desejem a emigrar, por que não se ocupam as embaixadas disso? Quem, melhor do que os embaixadores, pode observar e negociar essas oportunidades, de forma discreta e eficaz?

Para que servem as embaixadas, senhor euro deputado, para além dos party, do croquete  e flute?

SAÍMOS, E NÃO PAGAMOS?

Em democracia, em princípio, não podem singrar tabus de opinião. 
Aliás, o tabu é, na sua origem, uma restrição comportamental imposta pelos valores prevalecentes numa sociedade, e a democracia, é (deve ser) essencialmente um campo aberto para a floração de ideias. 

Devemos discutir a saída de Portugal da Zona Euro?
Devemos discutir se pagamos ou não pagamos aos nossos credores?
Por que não?

Em princípio, evitar uma discussão pública sobre determinado assunto de interesse colectivo, apenas favorece a tentação para experimentar a situação alternativa. Se estamos na Zona Euro, e a discussão dessa situação é de algum modo tamponada, a hipótese de saída ganha crescentemente adeptos com o tempo, sobretudo se os tempos não são favoráveis e andam à procura de bodes expiatórios, como são os tempos presentes.

Disse, em princípio, porque há assuntos, e é o caso, tão intrincados que não susceptíveis de discussão racional se aqueles, os supostamente abalizados para o fazer, são os primeiros a não abdicarem de argumentos mais fundados na fé que nas contas. Entretanto, aquilo que poderia (deveria) ser um salutar e proveitoso exercício democrático, redunda numa perigosa troca de palpites, confundindo o cidadão comum, minando a confiança, destruindo aquilo que pretende salvaguardar: a liberdade de expressão, a democracia.

Há em Portugal uma boa mão cheia de investigadores, um razável número de especialistas, pagos com o dinheiro do contribuintes que têm (deveriam ter) a obrigação de fazer contas em conjunto e chegar a resultados que permitissem fazer opções. Se esse consenso acerca dos resultados das contas não é possível, porque nem todos fazem, ou não querem fazer, as mesmas contas, se a investigação na áerea da economia, e em particular neste caso, não permite ir além da continuação de um desacordo completo entre investigadores, para que precisamos desses investigadores? Mais: se eles não se entendem, que discussão é possível?

Dir-se-á: as contas são uma coisa, as opções políticas, outra. O que é verdade, mas a dúvida dá a volta: para que precisamos, então, de contas? E daqueles a quem pagamos para as fazer?

EMBRULHADAS E EVIDÊNCIAS

Era inevitável.
Durante muitos anos, os sistemas especiais de segurança social, com particular desta que para os bancários, gozaram de privilégios e isenções que lhes permitiram escaparem-se às contribuições para a solidariedade social. Quando o sistema geral de segurança social foi alargado aos não contributivos, essa solidariedade foi paga em grande medida pelos contributivos do sistema geral.

Agora, porque por falta de outros meios, os governos lançaram mão de parte dos fundos dos sistemas especiais, veio à tona a evidência das iniquidades de um sistema de solidariedade que só tem sido sustentado pelas contribuições de alguns.

Quando, forçado pelo estado de necessidade, o governo integra fundos de pensões dos bancos, em condições que não previnem consequências desastrosas no futuro, e aceita tratar desigualmente os pensionistas sob a sua alçada, desobrigando os pensionistas bancários mais recentes do corte de duas das catorze prestações, dificilmente poderá evitar que os tribunais venham a dar razão aos pensionistas da CGD e da PT integrados há mais tempo*.

E os outros? Os que lá estão desde que a segurança social integrou várias caixas de segurança social, entre as quais a Caixa de Previdência do Pessoal do Grupo CUF, que integrava também os bancários do Totta & Açores? E os outros, os que não sendo bancários descontavam para a mesma entidade? E os outros, que descontavam para outras entidades?

Para além das iniquidades resultantes de um sistema redistributivo parcial, existiu sempre, e continua a existir, 
pelas mesmas razões, uma desigualdade entre as entidades patronais obrigadas a pagar ao sistema de segurança social cerca de 1/3 do valor ilíquido das suas folhas de salários, e as outras, aquelas que geriram os fundos de pensões dos seus empregados, desobrigados durante muitos anos de contribuições daquele montante.

Embrulhadas que tornaram evidentes que, também em matéria de solidariedade, há quem seja e há quem nunca foi nem quer ser solidário.
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* Os reformados da CGD e da PT, cujos fundos de pensões foram transferidos para o Estado em 2004 e 2010, ameaçam recorrer aos tribunais caso não recebam 14 meses de pensões como os reformados dos bancos privados. (aqui)

Monday, December 19, 2011

CONFIRMAÇÃO

PCP expressou as suas condolências ao povo norte-coreano e à direcção do Partido dos Trabalhadores da Coreia pelo falecimento do seu querido líder.

“Lembrando a posição há muito expressa face a fenómenos e práticas da realidade política coreana com as quais não se identifica, o PCP reafirma a solidariedade para com o povo coreano perante as pressões, agressões e tentativas de desestabilização do imperialismo, a que, desde a Guerra da Coreia, no início dos anos 50, o povo coreano e a RDPC têm estado permanentemente sujeitos."

Já se sabia: O PCP afirma que não se identifica com "fenómenos  e práticas da realdade política coreana", sem especificar quais. Mas como ficou consternado com a perda sofrida pelo povo norte-coerano, o regime ditatorial liderado por uma dinastia, que se afirma pela idolatria omnipresente do ditador, não é certamente um desses fenómenos e práticas da realidade política coreana com os quais os comunistas portugueses não se identificam.

Corolariamente, não é difícil deduzir quais são os outros.  

INEXPLICÁVEL

A CP não vai pagar o salário de Dezembro aos seus trabalhadores no dia em que é habitual. E espera conseguir fazê-lo "no último dia útil do mês de Dezembro". (aqui)
(...)
A CP já tinha alertado para a possibilidade de não pagar salários, caso os trabalhadores avançassem com as greves, uma vez que estas estavam a “afectar de forma grave as receitas da empresa”, de acordo com declarações da administração da empresa feitas no início de Dezembro.
E estão já marcadas novas greves para Dezembro e Janeiro. Os maquinistas da CP vão parar dias 23, 24 e 25 de Dezembro e a 1 de Janeiro e vão ainda fazer greve às horas extraordinárias até ao final deste mês.


Tentativa de venda de comboio histórico da CP suscita escândalo e boicote na Europa (aqui )

São muitos os que me interrogam, angustiados, quando leio isto.
Vejo-lhes o espanto marcado por uma incredulidade sem limites. E não sei responder-lhes.
Não sei responder-lhes, porque o que pudesse dizer-lhes demoliria a confiança inteira na empresa que foi a sua vida, e não acreditariam.

Sunday, December 18, 2011

O PALHAÇO MUITÍSSIMO RICO

Sou suspeito.
Sempre considerei, e continuo a considerar, que o síndrome de idolatria, quaisquer que sejam os ídolos, é um sintoma de aberração mental, que pode atingir até os mais intelectualmente dotados. As idolatrias não se distinguem entre elas porque todas elas lançam raízes no mais insondável inconsciente da mente humana. In nomine dei se matam os fanáticos uns aos outros, sem poupar outros que só têm culpa de ter nascido. A idolatria dos habilidosos da bola é apenas uma variante dos fanatismos religiosos que têm dizimado meia humanidade antes de tempo.

O senhor Luis Filipe Madeira Caeiro Figo, nasceu dotado com habilidade para chutar a bola. Ganhou muito dinheiro e pelo dinheiro esmerou-se o mais que poude e soube, aliás, não nega que um dia, porque não era certo que lhe pagasem a exibição, foi peremptório: se não há dinheiro, não há palhaço. (cf. aqui). Até aqui, nada a apontar, o Figo trabalhou, a malta gostou e pagou. 

Arrumadas as botas, Figo continuou a facturar. Entre aqueles que compraram os serviços de Figo conta-se José Oliveira Costa, na altura presidente de uma coisa que dava (e ainda dá!, é incrível mas ainda dá!) pelo nome de BPN. Quanto facturou Figo, quanto lhe pagou o BPN, não sei. O que parece saber-se é que o BPN ainda deve a Figo 850 mil euros, uma ninharia que ele conta receber porque confia na justiça. E pode confiar: com um advogado conveniente, Figo vai acabar por receber a factura.

Quem paga?
Aqui é que entro eu. À força, mas entro.
O BPN está prometido, vai ser vendido ao BIC, outra coisa com um político retirado à frente. Segundo se sabe, o governo assumiu que pelos resultados dos processos jurídicos pendentes contra o mostrengo responde o Estado. Isto é, também eu.

Eu, que não idolatro nem nunca idolatrei fosse quem fosse. Pago, unicamente, pelo pecado de existir aqui.

Saturday, December 17, 2011

CONFUSÕES DE CONCLUSÕES E DE CONCEITOS

O Financial Times publicou no início desta semana um artigo - Frustratin mounts over Madoff backlog - que relata o drama de muitos daqueles que confiaram as suas economias a fundos privados como meio de garantirem uma reforma que lhes permitisse tranquilidade económica na última fase das suas vidas, e que hoje são obrigados a voltar a trabalhar para sobreviver. O caso Madoff não constitui, bem longe disso, um caso excepcional de desaforo financeiro. Sucederam no passado, mesmo no passado recente, anterior ao espoletar da actual crise, muitas situações de descalabro com contornos idênticos.   A derrocada iminente do sistema financeiro mundial ameaça deixar na penúria extrema grande parte daqueles que colocaram as suas poupanças nas mãos de gestores, ou manipuladores?, de fundos privados. 

O sistema pay as you go (significando que pagam os descontos aos activos as pensões dos reformados), adoptado entre nós pelo sistema geral de segurança social vem sendo, ultimamente, crescentemente criticado pela invocada impossibilidade da sua sustentabilidade a longo prazo, em consequência, sobretudo, do baixo crescimento demográfico (somos a sociedade com mais baixa taxa de natalidade em todo o mundo) e da falta de crescimento económico na última década, agravada pela recessão que a austeridade impõe. Ainda que estes, e outros, argumentos desfavoráveis ao pay as you go sejam pertinentes, a passagem para um sistema de capitalização é impraticável a menos que as pensões deixassem de ser pagas aos pensionistas actuais.

Mas, independentemente, da impraticabilidade total ou parcial do sistema, estaria garantido o futuro das poupanças capitalizadas? A experiência demonstra que não estão, e que, para além de não estarem, as situações de sinistro, quando ocorrem, e podem ocorrer generalizadamente, de modo incontrolável, causam a perda total ou quase total das poupanças que garantem as pensões.

Entre um sistema (pay as you go) que, indubitavelmente, apresenta vulnerabilidades, mas que permite ajustamentos aos condicionamentos envolventes, e outro que pode, de um  momento para o outro, implodir e pulverizar todas as esperanças, qual é o preferivel?

A propósito deste tema: Ouve-se, cada vez com mais insistência, que o problema maior do défice do estado e, consequentemente, da dívida pública é a dimensão do estado social e, nomeadamente, o peso das prestações sociais, com grande destaque para o valor das pensões. Medina Carreira e o séquito de bebedores das lições do guru  não se cansam de  prognosticar a inevitável falência do sistema em consequência da exorbitância do monstro.

Não têm razão Medina Carreira & Cª.? Alguma têm, obviamente. Admitamos até que têm muita. A demagogia de governantes à caça do voto levou-os frequentemente no passado a distribuirem muito para além da capacidade de produção própria. Mas, entusiasmados com aquilo que supõem ser uma descoberta sempre mal assimilada pelos portugueses, mesmo depois de anos e anos de educação popular do mestre, exageram.

Exageram, por exemplo, quando dimensionam a despesa pública. Não só eles, diga-se em abono da verdade. O conceito oficial e vulgarizado de despesa pública está parcialmente errado. E está errado porque as pensões pagas aos pensionistas (que foram contributivos para o sistema geral de segurança social e são pagas pelas contribuições actuais dos activos) só por distorção total de conceitos podem ser consideradas despesa pública.

A receita pública pode ter três origens: impostos, taxas e empréstimos. A despesa pública serve a três destinos: investimento público, subsídios e prestações de serviços. É fácil perceber que não há identificação alguma entre a função meramente administrativa de recolher contribuições para a segurança social e pagar as pensões aqueles que foram contributivos e as funções do estado por mais alargado que seja o seu perímetro: saúde, ensino, justiça, defesa, segurança interna, assistência social.

As pensões dos reformados da segurança social não são pagas com impostos, com taxas ou com empréstimos. As pensões dos reformados da função pública, são, e por isso constituem despesa pública.
As pensões e subsídios pagos a não contributivos, são, e são também despesa pública. As pensões dos contributivos em sistema pay as you go, não. Eventuais défices do sistema (falta de sustentabilidade a longo prazo) são corrigidos com retrocessos nas garantias, e isso tem sido observado de há alguns anos a esta parte. Défices do estado são cobertos ou por mais impostos, por mais taxas ou por mais dívidas. E é também isso que temos observado recentemente.  

Evidentemente, toda esta confusão de conceitos em que embrulham a falta de transparência da gestão pública, e que o caso a que me refiro é apenas um exemplo, não permite destrinçar aquilo que não é despesa pública e até é receita pública: na medida em que, por enquanto, o sistema é superavitário (as contribuições para o regime geral de segurança social excedem as pensões pagas aos que foram contributivos) a diferença reduz o défice do estado e é, deveria ser, considerado um empréstimo ao tesouro. 

Friday, December 16, 2011

SUBSÍDIOS E PRECONCEITOS

Portugal é um país onde a lista de subsídios desafia a imaginação mais expansiva. Tanto que, sendo o conceito originário do domínio do governo dos interesses públicos, saltou para as actividades privadas e aí ganhou rebentos (subsídio de deslocação, subsídio de almoço, subsídio de viagem, subsídio de turno, subsídio de renda de casa, subsídio de férias, subsídio de Natal, etc.).

Na esfera pública, onde começou por ser utilizado na concessão de dinheiro pelo governo a determindas actividades (indústria, agricultura, etc.) com a finalidade de manter acessíveis os preços dos seus produtos ou para estimular as exportações do país; na quantia que o governo arbitra para obras de interesse público; recurso financeiro destinado a auxiliar as pessoas ou insituições em dificuldades ( ) - Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa - , tinha uma conotação de apoio, auxílio, socorro, subvenção pública.

A ambição de universalidade prometida pelos papistas do Estado Social estendeu o conceito a múltiplas formas de distribuir fundos públicos com um alcance tão vasto que abrange mesmo aqueles que deles não necessitam. Ocorrem-me sem consultar qualquer repertório, o subsídio de doença, subsídio de desemprego, subsídio de casamento, subsídio de maternidade, subsídio de invalidez, subsídio de funeral, abono de família (um subsídio com outro nome. Uma proliferação com custos administrativos consideráveis, uma abrangência sem sentido porque não dependem dos niveis de rendimento dos beneficiários.

No caso de pagamento por desempenho de funções, tanto no sector privado como no sector público, não  são subsídios mas retribuições. Na maior parte dos casos são meios de evasão fiscal legal.

No caso do pagamentos da segurança social por ocorrência de circunstâncias que aumentam as despesas dos agregados familiares ou reduzem os seus rendimentos, só são subsídios se os beneficiários se encontram em situação de carência dos mesmos; se não, são distribuição potencialmente iníqua de rendimentos porque não consideram os recursos dos que pagam e dos que recebem.

Um Estado Social eivado de preconceitos não é sustentável. Aqueles que tenazmente defendem a proliferação dos subsídios e a universalidade da sua atribuição estão, inexoravelmente, a condená-lo à extinção e, até lá, promovem a iniquidade e o desperdício de recursos.

Thursday, December 15, 2011

AS RAÍZES DO DESEMPREGO

Não só em Portugal.
E nem pode dizer-se, se é que há situações em que isso faça sentido, que com o mal dos outros podemos nós bem.  

O aumento do desemprego estrutural, e esta é a melhor medida da dimensão do mal que se apossou das sociedades ocidentais, tem causas que não podem ser elididas nem desvalorizadas. A globalização, ao exarcerbar a competitividade entre as nações, faz valer incontornavelmente os trunfos da produtividade: Ganha quem fizer mais barato ou melhor ou, preferivelmente, uma coisa e outra. Para que desta irmandade algo perversa não resulte a volta ao proteccionismo, com todo o seu cortejo de efeitos colaterais não menos perversos, incluindo um conflito bélico mundial, é fundamental que haja regras que garantam o comércio livre mas também a sustentação do crescimento da dignidade humana.

A economia portuguesa é um caso muito característico da dualidade para onde caminham as sociedades ocidentais, aquelas que até há bem pouco tempo incontestavelmente desfrutaram de um ascendente tecnológico que lhes permitia níveis de rendimento e bem estar social no ranking das nações; mais recentemente, esse posicionamento aparente foi sustentado pelo endividamento crescente que desaguou na actual crise. Portugal, contudo, não vai a caminho dessa dualidade porque, lamentavelmente, nunca conheceu outra situação. 

O Oriente, onde existe um enorme reservatório de capacidade humana para competir seja a que preço for, só na China existirão qualquer coisa como um milhar de milhões de candidatos a qualquer coisa para deixarem as suas aldeias do interior longínquo e trabalharem na indústria, é imbatível na concorrência em preço e começa a ser, em alguns casos, em inovação tecnlógica. Sem capacidade de negociação, no continente mais populoso do mundo, onde sob a capa de um comunismo militante se esconde um capitalismo de estado à redea solta, os trabalhadores chineses obrigarão aqueles com quem competem a regredir para condições que para eles representam um avanço mas que os seus competidores ocidentais sentem como uma queda no inferno.

Pode a CGT clamar, protestar, ameaçar até, e a UGT repetir, porque este governo, como qualquer outro, está a atentar contra os direitos dos trabalhadores consignados na Constituição, não lhes garantindo um direito fundamental - o direito ao trabalho, mas nada de alterará no jogo de concorrência pelo trabalho entre as nações enquanto os pressupostos da liberdade de comércio não prevenirem a concorrência sem regras que garantam o respeito pelo avanço global da dignidade humana. É flagrante que, a este respeito, o sindicalismo ocidental, pouco ou nada tem feito de relevante para despertar nos trabalhadores do outro lado do mundo o sentimento de reivindicação de condições sociais proporcionais ao crescimento da riquesa do país.

Mas o avanço global da dignidade humana, que passa, necessariamente, pela compatibilização da capacidade de trabalho globalmente disponível (que tende para infinito com os progressos tecnológicos) e a capacidade de consumo que é limitada tanto pela capacidade de fruição dos indivíduos como pela limitação dos recursos do planeta, tem de ser globalmente negociado, ainda que as perspectivas de entendimento não sejam as mais prometedoras se olharmos para o fiasco em que está a transformar-se o Protocolo de Kyoto.
Quando iniciei este bloco de notas, há seis anos, anotei isto aqui:
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"Outros garantem que a descoberta de novas tecnologias induz a criação de novos produtos e de novos serviços. O que é certo. Nenhuma tecnologia, porém, aumenta mais um minuto sequer a cada dia: temos todos 24 horas por dia para consumir, seja o que for. Podemos é desperdiçar ou destruir a uma cadência que 24 horas podem chegar e sobrar."
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Insisto: um dia quem quiser trabalhar tem de pagar.
Blague?
Estamos a caminho.

O JOGO DA CABRA CEGA

Tribunal da Relação dá razão a recurso de Isaltino Morais  e determinou que a magistrada Carla Cardador, do tribunal de Oeiras cumpra o solicitado pela defesa de Isaltino: avaliar se os crimes de fraude fiscal cometidos em 2001 e 2002 já prescreveram ou não.

Prescreveram, claro que prescreveram.
Sabemos isso desde 2001 e 2002.
Pois.

Wednesday, December 14, 2011

BRANCA DE MERKEL E OS DEZASSEIS ANÕES

O governador do Banco de Portugal afirmou ontem numa conferência que "Não temos de chegar ao ponto de um Estado federal, mas é imperioso [que a zona euro tenha] condições de disciplina e regras para dar confiança ao grupo" e que "os líderes europeus devem "reforçar o braço económico" da União Económica e Monetária, o que implica a necessidade de "disciplina e regras, ( ) de modo a que não ocorram situações de risc
o moral.

Risco moral (tradução de moral hazard) é uma designação dúbia. Prefiro "risco imoral".
Descodificando,  o que Carlos Costa disse é o que todos ouvimos dizer a Merkel: Não pensem que nós, alemães, vamos fazer uma união de devedores, correndo o risco imoral de pagar as contas dos perdulários Primeiro ponham as contas em ordem e depois falamos.
Visto por este prisma, Merkel tem razão. Também nós nos sentimos driblados pelo jogo à margem da lei do A J Jardim. E, pelo menos por enquanto, a Madeira é parte de Portugal.

O problema, contudo, tem mais que se lhe diga, e Carlos Costa sabe disso. Até agora, os planos de austeridade impostos não têm devolvido a confiança aos mercados, antes pelo contrário. Não pára o alastramento da crise, a cimeira de há dias foi, passado o fim de semana, considerado um fiasco. Carlos Costa vê nesta cimeira a primeira parte de uma ronda de negociações que terminarão em Março.

O que vai passar-se até lá, ninguém sabe. O que se sabe é que se o "risco imoral" deve ser afastado, as medidas que garantem esse afastamento não resolvem  a crise da Zona Euro. Os compromissos necessários à confiança entre parceiros ou envolvem, paralelamente, a solidariedade do conjunto ou a União Europeia não sobrevive à crise que se agiganta cada vez mais  à medida que o tempo passa.

Merkel recusa-se a arrepiar caminho. Os dezasseis anões não tugem nem mugem.
Carlos Costa por dever de ofício abana-lhe que sim sem a cabeça.  

Tuesday, December 13, 2011

NATAL : SORTE E FESTAS FELIZES

O Economist escolheu esta semana para tema do seu gráfico habitual as despesas com brindes de Natal (clicar para ampliar).


Há dois anos coloquei aqui uma nota (O preço do Natal), também na sequência de um artigo do Economist, que rematei com uma pergunta: Numa altura em que tanta gente (mas não tanta ainda) clama contra o crescimento imparável do endividamento externo como é que ninguém fala desta diarreia consumista que ameaça a economia portuguesa de inanição?

O ano passado, mais ou menos pela mesma altura, voltei a comentar aqui ,onde, diga-se de passagem, também voltei a referir-me à asneira sistemática de chamar subsídios aquilo que o não é.

Os alemães, os holandeses, entre outros, ao olharem para os nossos hábitos de consumo numa altura em que andamos de mão estendida, o que dirão eles para os seus botões?

Que muitos portugueses continuam a apostar na sorte grande?
Ontem, fui à loja do Jorge comprar uma pilha. Como habitualmente, esperei na fila, três fregueses à minha frente, mas com longas listas de encomendas. Para além do Correio da Manhã e da Bola, o Jorge factura sobretudo tabaco e sorte grande: totobola, totoloto, euromilhões, lotaria da santa casa da misericórdia, raspadinha, pé-de-meia, e outras hipóteses que não consegui reter. E, por esta altura do ano, a compra em grupo de  bilhetes inteiros da lotaria do Natal. Cada lista, um número, cada número cento e vinte e vinte apostadores, dez euros cada aposta.

O Jorge e a mulher não têm mãos a medir. Mas ele faz questão de apertar a mão a cada freguês que atende.
Por esta altura, acrescenta: Bom Natal, Sorte e Festas Felizes!  
Será por sso que não tem razão de queixa da crise? 

Monday, December 12, 2011

EM NOME DOS INTERESSES PRÓPRIOS

A reacção dos mercados aos resultados da cimeira europeia não augura senão a  progressão da crise na Europa, como se perspectivou imediatamente ao conhecimento do isolamento da UK e da incerteza que continua a ameaçar a estabilidade da Zona Euro e, por arrastamento, o futuro da União Europeia. 

Cameron disse hoje na Câmara dos Comuns que na cimeira defendeu os interesses do UK e, segundo as sondagens, 57% dos britânicos aprova a decisão. Quem não concorda, e por essa razão não se apresentou no parlamento, foi Nick Clegg, vice-primeiro ministro, lider dos liberais, parceiros no governo de coligação.

No Financial Times de hoje, a posição de Cameron é duramente criticada pela generalidade dos comentadores, que vêm no isolamento do Reino Unido para além das consequências negativas sobre o futuro da União Europeia, uma ameaça aos interesses britânicos por auto exclusão na discussão de matérias fundamentais, nomeadamente das regras com incidências fiscais e financeiras. 

Cameron não podia ser mais claro e isso agradou sobremaneira aos súbditos de Sua Magestade que se determinam por um sentimento de autosuficiência, que raia a sobranceria, que vem do tempo em que foram donos e senhores do mundo. 

Mas é sobretudo a ausência de meios de garantia de cumprimento das dívidas soberanas que continua a encaminhar a Zona Euro para a implosão. Se o UK fosse membro da Zona Euro que juro estaria a pagar hoje a sua dívida pública?  Seis por cento, a um ano, tanto quanto pagou hoje a Itália numa emissão de oito mil milhões de euros?

É em nome dos interesses próprios, britânicos, alemães, franceses, etc., que se desmorona a Eutopa.

Sunday, December 11, 2011

PORTUGAL E A CURVA FRASQUILHO

Miguel Frasquilho, deputado pelo PSD, ex-Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Quadro Superior do BES, professor universitário, mestre em Teoria Económica, (vd. aqui) publicou no "Sol", e transcreveu no "Quarta República" um artigo sobre o efeito perverso do aumento dos impostos sobre a receita fical:  o aumento das taxas de impostos, a partir de determinado nível, não aumentam as receitas arrecadadas e, pelo contrário, provocam a sua quebra. Percebe-se porquê: o aumento excessivo das taxas provoca ou a contracção da economia ou a evasão fiscal ou ambos efeitos, reduzindo o produto das taxas pelos valores tributáveis (base de incidência). Em defesa da sua tese, Frasquilho sacou a Curva de Laffer:


Até aqui, tudo bem: a curva de Laffer é tão certa como a curva do sumo de limão: há um momento a partir do qual quanto mais se espreme menos sumo se obtém.

A curva de Frasquilho é outra: Quer fazer-nos crer, por mera manipulação semântica, que
1 - aquilo que este ano é um imposto (o corte de meio salário a funcionários públicos e meia prestação a pensionistas) no próximo ano, o quádruplo desse corte ( dois meses de salários e duas prestações) será redução da despesa pública;
2 - deste modo, não havendo aumento destes impostos, na curva portuguesa de Laffer não será atingido o fatal ponto de inflexão; 

Nada disto é verdade.
Primeiro - porque os cortes de salários e pensões ou a tributação pelos mesmos valores terão os mesmos efeitos para os bolsos dos contribuintes atingidos e para os cofres do Estado; Na curva de Laffer nada tuge nem muge. A diferença é de semântica e a curva de Laffer não é de linguística.
Segundo - porque sendo o Estado a entidade pagadora o efeito de evasão fiscal não tem cabimento. 

Passaria a ser se tais cortes, fossem considerados imposto, e atingissem todos os rendimentos acima de 1000 euros mensais, por exemplo? (considero 1000 euros, um valor superior ao estipulado no OE por ser maior, neste caso, a base de incidência).

Não.
E não, porque não seria difícil ao fisco controlar os casos em que se observassem decréscimos de rendimentos declarados (efeito evasão fiscal) e o efeito sobre a actividade económica seria, ceteris paribus, o mesmo.

Exemplificando:
Miguel Frasquilho é deputado, quadro superior do BES, professor universitário.
Ignoro se tem outros rendimentos de trabalho por conta de outrém, mas isso não é relevante, neste caso.  
Supondo que em qualquer das funções recebe acima de 1000 euros mensais que influência tem na curva de Laffer se Frasquilho tiver um corte no salário como deputado ou um imposto de valor equivalente? E se Frasquilho como deputado pagar menos imposto mas a diferença for paga como imposto pelo Frasquilho quadro superior do BES? E se Frasquilho, enquanto professor universitário, de uma universidade pública pagar menos imposto (se tiver um corte de salário inferior) e Frasquilho professor de uma universidade privada pagar a diferença, que diferença faz na Curva de Laffer? Nenhuma.

Só na Curva de Frasquilho.

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Comentei aqui

Senhor Deputado,
Este eleitor fica baralhado com as suas contas.
Este ano, o corte de meio mês na pensão é imposto. Para o ano o corte de dois meses é corte de despesa. Em que ficamos?
Levem-nos a massa mas não nos façam passar por tolos.
Já agora corrija e faça por corrigir aos seus pares a incorrecção da designação de subsídios aos reformados pela segurança social. Não há subsídios, há prestações.
Quando são calculadas, as pensões são calculadas pelo valor anual. Depois, por asneira sistemática, dividem esse valor por 14 prestações e a duas delas chamam subsídios de férias (a reformados!!!!!) e de Natal.
Os pensionistas da segurança social não são subsdidiados pelo Estado. Descontaram toda a vida profissinal um valor correspondente a quase 35% do seu salário ilíquido.
Não os insultem!

Saturday, December 10, 2011

O JOGO DA CABRA CEGA

Não havendo eleições à vista, o "caso dos submarinos" submergiu outra vez.
Não é, portanto, grande novidade que
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em Portugal ainda não se saiba quem se deixou corromper,  mas que
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na Alemanha dois ex-responsáveis* da Ferrostal comecem a responder na próxima quinta-feira, em Munique, por crimes de corrupção comunitária de funcionários públicos estrangeiros por causa dos contratos de venda de submarinos a Portugal e à Grécia (olha que dois!)

(Publicado no Expresso de hoje)

A que soberania pode aspirar um povo onde a justiça dorme o sono dos coniventes?

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* Na Alemanha, são ex-responsáveis, os réus acusados de corrupção activa, o que quer dizer que sairam ou foram dispensados.  Em Portugal, no caso "Face Oculta" (Portugal é um caos de casos) um dos réus tem os custos do processo, incluindo os honorários dos advogados, pagos por um seguro oportunamente contratado para eventuais efeitos.

OBSCURANTISMO FINANCEIRO

O mostrengo continua a mexer e a crescer. A troica tinha imposto que fosse vendido ou liquidado até Julho.
Não foi.
Ontem, foi divulgado um comunicado das Finanças, e ficámos a saber que  o BIC, presidido por Mira Amaral assinou acordo para comprar o BPN ao Estado (aqui), e já entregou ao Estado um cheque de 10 milhões de euros, equivalente a 25% do valor da transacção. Este valor poderá ser superior se os lucros arrecadados pelo banco forem superiores a 60 milhões nos próximos 5 anos.

O mostrengo, que até agora agravou o défice do Estado em 2 mil milhões de euros promete multiplicar a parada uma vez que o governo, em nome do Estado (leia-se, em nome dos contribuintes), se compromete a suportar os custos do despedimento de 850 trabalhadores dos actuais 1580, além dos custos com encerramento de balcões. A marca do mostrengo será, naturalmente, extinta.

Uma dúvida, óbvia, que ninguém esclarece: Que vantagem tem a venda por tuta-e-meia, que implica ónus futuros para os contribuintes, sobre a liquidação que encerraria um dos lados de  um escândalo que deveria ter levado os seus autores e beneficiários a pagar o preço total dos seus actos?  

Os contribuintes portugueses não têm direito a saber?
Os contribuintes portugueses só têm obrigação de pagar?