Wednesday, December 31, 2014

UM PAÍS COMO UMA CASA EM CHAMAS


Há neste 25º. romance de A Lobo Antunes uma casa habitada por personagens condenados à amargura das suas vidas desesperadas. Conversas dispersas, suspensas, cruzadas, no tempo e no espaço, interrompidas, inacabadas, compõem uma colagem que obriga o leitor a uma identificação, frequentemente labiríntica, dos fios com que o autor tece um texto amargo do princípio ao fim ainda que pontuado por notas de humor cáustico, por vezes divertido. 

É uma metáfora do país que habitamos neste final de 2014? 
Em certo sentido sim. Mas não me parece que essa identificação, que já vi referida numa ou outra apreciação crítica, possa ser transposta do tempo do romance (meados do século passado) para o Portugal de hoje sem alguma ressalva. Certamente que aqueles personagens enclausurados num espaço comum repartido caracterizam uma sociedade que subsiste ainda que os fantasmas que as habitam tenham mudado de pele e de nome. Mas não são estes os personagens que ocupam a cena deste país em chamas que habitamos hoje, não são estes zombies que atearam o fogo e colocaram uma parte da população em fuga. 

"Caminho como uma casa em chamas", repete obsessivamente o autor, num quadro onde as alusões, os traumas dos residentes da casa (Quem manda, quem manda, quem manda, Salazar, Salazar, Salazar, repetições que lhe retiram intemporalidade) não remetem para o Portugal actual, saqueado por políticos sem escrúpulos, banqueiros gananciosos, crápulas com máscaras que ninguém, por mais que o deteste, confundirá com o ditador de Santa Comba.

Portugal caminha como uma casa em chamas. É do título que destaco a maior actualidade desta obra de A Lobo Antunes.

ONDE ESTÁ O DINHEIRO?

De um Amigo, com dezenas de anos de experiência bancária, recebi o e-mail que transcrevo, dando conta de uma falha flagrante durante a interpelação parlamentar ao sr. Álvaro Sobrinho. 

Afirmou o banqueiro angolano que "parte substancial do passivo do BESA perante o BES terá sido aplicado em dívida pública de Angola e que outra parte, também elevada, se teria destinado ao apoio de exportações. portuguesas para Angola. Afirmou também que os fundos nunca terão saído de Portugal."

Se não saiu de Portugal, onde é que se encontra?, é uma óbvia pergunta que, incrivelmente, ninguém fez.


"Na Comissão de Inquérito da A.R. o Dr. Álvaro Sobrinho afirmou que parte substancial do passivo do BESA perante o BES terá sido aplicado em dívida pública de Angola e que outra parte, também elevada, se teria destinado ao apoio de exportações. portuguesas para Angola. Afirmou também que os fundos nunca terão saído de Portugal.

Ficou, assim, a sugestão de que o BESA e o Dr. Alvaro Sobrinho nada têm a ver com esta situação, conseguindo passar por entre os pingos da chuva, e não lhe foi sequer posta qualquer questão explicativa porque é que os fundos em questão nunca chegaram ao BESA (se acaso deveriam ter chegado).

Quanto ao investimento em dívida pública de Angola, e por razões que só o BESA poderá saber, bastará que o BESA tenha ordenado ao BES (e este tenha aceite) a aquisição no mercado secundário destes títulos, em nome do BESA, debitando-o, como seu banco correspondente - neste caso, faltará que o BESA reembolse o BES ou , pelo menos, ofereça garantias quanto a esta dívida, inclusive os títulos adquiridos.
No que se refere ao montante do apoio a exportações portuguesas referiu o Dr. Álvaro Sobrinho que teria havido a abertura de créditos do BES para esse apoio. 

Na forma tradicional de aberturas de crédito o importador (no caso angolano) solicita ao seu banco (BESA) a abertura de crédito a favor do exportador português para garantia do pagamento do bem ou serviço a fornecer. Por sua vez, o BESA terá transmitido ao BES que confirme a abertura do crédito, ficando responsável perante este último pelo pagamento, desde que o exportador apresente ao BES a documentação previamente acordada.

Também neste caso não haverá lugar a saída de fundos de Portugal; haverá,outrossim, a saída de bens e serviços de Portugal e eventual diferimento do pagamento da contrapartida monetária por parte do banco que solicitou a abertura do crédito.

Resta saber se os exportadores portugueses apresentaram ou não ao BES a documentação contratada (trata-se de créditos denominados "documentários"), se o BES chegou a liquidar aos exportadores e se o BESA honrou o compromisso assumido - será irrelevante se o BESA recebeu ou não do importador, porquanto é ele o responsável perante o BES.

Infelizmente, nos lugares de topo deste grupo, como noutros, abundaram/abundam os filhos-família, pais-família e até sobrinhos-família, e amigos-família e, ainda políticos-família, sem preparação ou motivação para os lugares que ocupam 

Finalmente, com tantos deputados qualificados na Comissão de Inquérito, tantos comentadores económicos, políticos, autoridades de supervisão, etc., etc., - não é concebível que tenha passado em claro a afirmação de que o dinheiro nunca saiu de Portugal, como se o BESA nada tivesse a ver com o assunto e não saiba onde para o dinheiro..."

Tuesday, December 30, 2014

EMBRULHOS PARA O NOVO ANO


Já são cinco, vd. aqui, os potenciais candidatos à compra do Novo Banco. Amanhã, termina o prazo para os eventuais interessados se manifestarem. De qualquer modo, com cinco potenciais concorrentes na grelha de partida, três dos quais são espanhóis ou quase, é esperável que seja atingida uma marca razoável. O pior, como dizia o outro, é o mais mau. E o mais mau pode estar no que virá a seguir.

Ontem, lia-se aqui, que "o processo de venda do Novo Banco vai ser blindado contra as consequências dos processos judiciais que já correm ou venham a entrar nos tribunais contestando a resolução do BES e outras decisões tomadas pelo Banco de Portugal". Um dos contestatários é a Goldman Sachs, onde passou a ter assento no International Advisory Board, o sr. José Luis Arnaut, mais um político a quem os negócios tanto devem.

Há dias, anotei aqui os meus receios de que na embrulhada da privatização do Novo Banco os ónus da litigância já anunciada fiquem do lado do costume, isto é, dos contribuintes. A notícia de que o processo da venda vai ser blindado contras as consequências dos processos judiciais é baralhativa. Blindada, como, se nada pode impedir os credores de recorrerem aos tribunais para reposição de direitos de que julguem terem sido ilegalmente usurpados? Se os tribunais derem parcial ou totalmente provimento a essas reclamações quem pagará as indemnizações juridicamente estabelecidas? O Fundo de Resolução? Isto é, os bancos que vão competir com o banco limpo, sem ossos, que eles ajudaram a sobreviver? Parece música de encantador de serpentes para ilusão daqueles que desconhecem que o bicho é surdo e o que ele persegue é o movimento da flauta.

Só há uma blindagem que pode evitar que os contribuintes não paguem os custos da embrulhada feita pela família Salgado e mal desatada pela UE, pelo Banco de Portugal, pela CMVM, pelo Governo: que quem compre o lombo que leve os ossos. As regras, se há regras neste embrulho, são conhecidas de todos.

Se não, pagarão os do costume, os que têm de dar o lombo à blindagem. 
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Act. (31/12) -  Fundo de Resolução recebeu 17 manifestações de interesse pelo Novo Banco

Monday, December 29, 2014

HISTÓRIA BREVE DE UMA CURVA CONTROVERSA

A curva é esta,


e foi desenhada há 40 anos num guardanapo de papel por Arthur Laffer, que tinha 34 anos na altura, durante um almoço em Washington com Dick Cheney e Don Rumsfeld, conselheiros do Presidente Gerald Ford. A história vem contada no "Outlook" do Washington Post de ontem - The Laffer Curve is 40, and looking pretty good - e resume-se em poucas linhas. 

Laffer desenhou o boneco para os outros entenderem uma ideia, de que ele nunca reclamou a paternidade, e que, segundo ele, remonta ao século XIV: o aumento das taxas de impostos tem, a partir de determinável limite, um efeito contrário ao pretendido, reduzindo-se a arrecadação da receita fiscal por efeito da ultrapassagem daquele limite. Consequentemente, em tempos de recessão, não é com o aumento da procura por injecção de despesa pública que se reanima a economia - contrariando a ideia primordial de Keynes - mas com a dinamização da actividade económica a partir da redução da carga tributária.

Onde mora a verdade?
Talvez a meio caminho. 


Sunday, December 28, 2014

INOCOMPLICAÇÃO

- Como é que diabo se abre isto, v. sabe?

Tinha colocado o sabão líquido na concha da mão esquerda, depois procurou onde abrir a torneira, olhou de lado, por cima, espreitou por baixo do lavatório, colocou a mão por baixo  e em frente do tubo de saída da água, e, uh! uh!, onde estás estupor que não te vejo?
Dei-lhe uma dica, o truque estava num manípulo ao lado, em aço inox, parecia uma meia pera com um minúsculo píncaro, tudo o que tinha de fazer era rodar o píncaro da pera sobre si mesmo. Resultou, ficou satisfeito e reconhecido. Depois de lavar as mãos, quis fechar a torneira, e não conseguiu. Nem ele, nem eu.

- Se para um homem lavar as mãos são precisos dois para abrir a torneira, quantos serão precisos para a fechar?, perguntava ele, com salutar bom humor, à medida que saíamos do "restroom" do restaurante. 
.
Nunca entendi a maquiavélica intenção da capacidade inovadora dos fabricantes de torneiras. Uma torneira pode ser um mecanismo com o comando mais elementar possível: roda-se o manípulo  para esquerda ou para a direita consoante se pretende abrir ou fechar o caudal do líquido. A torneira misturadora é a única inovação realmente útil depois de milénios de bons e inestimáveis serviços da torneira elementar. Sem que se perceba porquê, a não ser o gosto pela inovação inútil que parece aliciar uma parte da humanidade, os fabricantes de torneiras não param, para proveito próprio, de complicar uma das coisas mais simples do mundo. 

Mas há outros, muitos outros, em número incontável, criadores de complicações para uma vasta  clientela, desde os distraídos aos coleccionadores de inutilidades, passando pelos consumidores de pomada gibóia. De entre os criativos de inutilidades mais bem sucedidos destacam-se os banqueiros e os seus ninheiros de produtos financeiros, não poucas vezes tóxicos. 

Há dias afirmava um ex-secretário de Estado, do Orçamento, salvo erro, que é a ileteracia financeira a maior responsável pelos rombos nas finanças domésticas, provocados pelas compras de produtos financeiros de que os desastrados compradores desconhecem completamente a composição. E recomendava o ilustre que, para evitar mais desastres,  se promovessem programas de formação em literacia financeira. 

Para quê?, se a inovação financeira consiste precisamente na obscurização propositada dos produtos postos à venda? Se, confessadamente, frequentemente nem aqueles que vendem os produtos ao balcão sabem o que estão a vender? Se nem equipas numerosas de peritos conseguem prevenir em tempo útil que banqueiros e outros coniventes enganem meio mundo e o outro e espatifem bancos e empresas supostamente respeitáveis? Que literacia financeira poderia descortinar que o senhor Zeinal Bava e seus apoderados entregavam por entregar novecentos milhões ao senhor Ricardo Salgado e, segundo ele, Zeinal, nem ele sabia que entregava? Para que serve a literacia financeira se o negócio destes financeiros trapaceiros vive do quanto mais confuso melhor?

Não, definitivamente não. Inovações financeiras deverão ser jogadas como nos casinos. Lá, as regras são conhecidas e cada qual sabe ao que vai.  
Eu nunca fui.

Saturday, December 27, 2014

FAMÍLIA SALGADA

- Já leste isto?  Não leste. Tens de ler. Ouve:  "Nunca fui a uma consoada. Não é um lamento nem um orgulho. Mas é – como sempre foi – um alívio. Tanto a minha mãe como o meu pai ensinaram-me (ou desviaram-me a pensar) que as famílias são perversões sanguíneas. Nem ele nem ela gostou dos pais que tiveram. Os amores e as fidelidades sanguíneas e genéticas, segundo os meus pais, eram estupidezes eugénicas que eram, para todos os efeitos práticos, nazis." Que te parece, hem? É um tipo franco, não é?, um filho da mãe, um filho da mãe, mas franco, que confessa que dos pais, se não herdou mais, herdou-lhes a raiva contra a ascendência, que é, diz ele, uma perversão sanguínea. Será? Cada qual que fale por si. Do caos do cadinho hematológico sempre resultaram algumas aberrações mas o comportamento da grande maioria dos bichos ainda se pauta, geralmente, por afinidades parentais salutares. O instituto da família está em evolução acelerada para a desagregação dos laços tradicionais? E daí? Se a amizade, a fraternidade, a solidariedade, são elos de coesão das sociedades, os ascendentes familiares são, por estigmatização sanguínea, inimigos, ou, menos amigos entre si? De que lado mora a estupidez?
- Do lado que cada um escolher. Ninguém escolhe os pais, mas todos escolhem os amigos. E é incontestável que há muita gente, de toda a laia, que arruma os pais na prateleira dos mal amados. Filho és, pai serás ... Não sei o que pensam os filhos. Presume-se que não gostem dele, de outro modo ele teria acusado a não resiliência da tese em três gerações seguidas.
- De qualquer modo, o tipo não andará muito longe da verdade. Talvez até ande mais perto do que parece, ou que se quer que pareça. Mas que tem o sangue, um líquido que não transporta emoções, que ver com isso? Absolutamente nada.

Thursday, December 25, 2014

SUAVE MILAGRE*


Xavier jogava ao bingo a feijões, a níqueis ter-se-ia arruinado naquela tarde fria e enfarruscada, a cabeça dele andava longe dali, Xavier anima-te, anima-te Xavier, má sorte ao jogo, mais dia menos dia, a Carmen aparece-te por cá. Conversa fiada que não lhe tirava aquele peso de cima, mais pesado que qualquer outro que alguma vez lhe havia passado pelas costas. Pelas contas dele, Carmen deveria ter aparecido já há três dias. Dera notícias há uma semana, depois tinham-se calado os contactos. Desde então passava as noites em claro, contraía-se-lhe o peito, doía-lhe o corpo todo, alagava-se em suores, escorriam-se-lhe os olhos, Xavier deves andar a chocar uma valente gripe, é o que é, devias comer uns bifes a sério e beber uns copos valentes. Mas não lhe apetecia comer nem beber, ia trabalhar como um autómato, porque tinha de ir, tinha os seus clientes, não podia perder-lhes a confiança ganha ao longo de quase oito anos. No dia anterior tinha escorregado e rebolado de um telhado, por sorte baixo, para uma cama de folhas ajuntada pelo outono. Mais dor menos dor, as dores da queda não o distraíram do tormento maior.

Cerca das nove da noite, aproximou-se do grupo um tipo desconhecido, mas latino-americano das pontas dos cabelos às unhas dos pés, que perguntou com voz pesada: Está por aqui Xavier Gonzalez Sagunto? Todos se calaram, Xavier levantou-se a caminho do desconhecido, Sou eu, Sagunto sou eu.Vem daí, disse o outro, encaminhando-se para a saída do local. Depois sussurrou-lhe: Segue-me, mas não te aproximes. Vamos ter de andar por aí um bocado de tempo, assim.

Xavier seguia o outro saltitando-lhe as ideias, agora ainda mais perturbadas pela estranha frieza do hispânico, entre a esperança de encontrar Carmen e o desespero de a ter perdido em tantos maus encontros que as noites de insónia lhe haviam inventado. Percorreram ruas que Xavier conhecia de olhos fechados, repetiram percursos, adivinhava-se que o estranho pretendia assegurar-se que não era seguido. Depois parou, e chamou Xavier com a mão. Como se chama a tua mulher? Carmen, Carmen Sagunto, respondeu Xavier, perturbado sentindo o coração a sair-lhe da boca. Onde está Carmen? Além,  naquela furgoneta cinzenta. Está com a minha mulher. Ela depois explica-te como tudo aconteceu. Agora temos de pagar duzentas e cinquenta notas de vinte ao rapaz que nos trouxe de lá de baixo, onde os três nos perdemos do grupo, até aqui. A mim, já não me resta nada. Carmen gastou o que lhe sobrava com algumas coisas que comemos pelo caminho. O rapaz está armado? Não, creio que não, mas não trabalha sozinho e seria mau não pagar o que prometemos.

Foram-se as economias amealhadas para se sustentarem aos dois enquanto Carmen não tivesse trabalho, mas Xavier e Carmen estavam juntos após três anos de separação. E era tanta a falta que tinham um do outro que durante dois dias seguidos ninguém viu abrir-se a porta da caravana. Reapareceram ao terceiro dia, passado pouco tempo Carmen estava grávida de um segundo filho. Xavier, especialista em tudo o  que for preciso, canalizador, electricista, pintor, estufador, carpinteiro, pedreiro, electrónica doméstica, andava de ânimo redobrado. Mas Carmen, passados três meses, começou numa choradeira sem fim. Por que choras Carmen? Não era preciso perguntar. Mais ou menos pela altura em que soube estar grávida,  o desespero que carregara consigo desde que deixara Diego, o seu pequenino Dieguito, em Chiloloquo com a avó, instalou-lhe no peito uma mola solta que lhe enchia e despejava incontroladamente as fontes lacrimais.

Xavier e Carmen nasceram em Chiloloquo, ele em 1975, ela em 1984. Casaram na Igreja de Nossa Senhora do Pilar em Março de 2001. Xavier já era pau para toda a obra em Chiloloquo mas quando ninguém tem para fazer outra coisa além de qualquer coisa que apareça, cada qual é electricista, pintor, ferreiro, canalizador, tudo o que for preciso, em sua casa, mas não passa disso, e isso só chega, quando chega, para uma sobrevivencia miserável, e dois anos depois, Xavier decidiu saltar para o outro lado da fronteira. Carmen derreteu-se em lágrimas, Xavier prometeu tê-la com ele  na primavera do ano seguinte. Não teve. Pela primeira carta que recebeu soube que Carmen tinha ficado grávida, Dieguito viria a nascer na primavera, Carmen juntou-se a Xavier três anos depois.

De tanto se debulhar em lágrimas por Dieguito, Carmen perdeu o segundo filho, em gestação, e entrou em modo de autoflagelação e degradação física durante dois anos por um sentimento de pecado que ninguém, nem Deus, lhe perdoaria. Meu Deus! Meu Deus! Eu queria tanto ver Dieguito! Entretanto, tornara-se cada vez mais difícil saltar a fronteira. Dieguito tinha já nove anos, não conhecia o pai, não se lembrava da mãe, a avó era sua mãe e pai, Chiloloquo o mundo todo debaixo do céu, mas não sossegou mais desde o dia em que soube que havia diligências em curso para o levarem para junto dos progenitores.

Aconteceu anteontem.
Durante três dias, tantos quantos passaram desde que souberam que Dieguito tinha passado a fronteira, Xavier contorceu-se, mudo e tenso, com as recordações do desencontro que o fizera desesperar há sete anos pela sorte de Carmen.
Ontem, andaram por aí os três para repararem algumas fugas no sistema de aquecimento de uma casa.
Não completaram o trabalho, por falta de tempo. Voltam amanhã. Hoje é dia de celebrarem o renascimento do seu Dieguito.
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* "Suave Milagre", Eça de Queiroz

Tuesday, December 23, 2014

O LOMBO E OS OSSOS

Já há, segundo notícias de hoje, vd. aqui, pelo menos dois interessados na compra do Banco Novo. E é provável que, até à última hora, outros candidatos alinhem na meta de partida. Para já, qualquer dos interessados declarados ou em vias disso é espanhol ou dominado por espanhóis. De tal facto não vem nenhum mal ao mundo, afinal de contas a banca portuguesa estatelou-se estrondosamente com a erupção da crise. E se há interessados, quanto mais melhor, sejam eles espanhóis ou chineses. Porque, das duas uma: ou são eficientes e dinamizam a economia, ou acabarão por cair debaixo da queda dela. Foi o que aconteceu durante todos estes anos em que a banca celebrava lucros pirotécnicos, e acabámos por ter de levar em cima com as canas em labaredas. Pode voltar a acontecer.

Vários candidatos, em princípio, podem levar o valor do Novo Banco a um patamar em que as perdas para os contribuintes, directa ou indirectamente, se o Fundo de Resolução é um assunto sério, serão minimizadas. Podem, se os eventuais interessados não estiverem a olhar apenas para o lombo e pretenderem deixar os ossos para os contribuintes, isto é, o risco da litigância que o sr. Fernando Ulrich disse em tempos ninguém quererá comprar.

A questão fulcral não é, portanto, vender o Novo Banco mas vendê-lo todo, sem recurso, incluindo todos os eventuais ónus que essa compra possa implicar no futuro. Se assim não acontecer, adeus minhas encomendas. Seremos, os contribuintes, enganados outra vez, até porque o Fundo de Resolução é um instituto virtual. Existe, mas não se sabe bem o que é. 

Na venda do BPN, ainda que o confronto da deputada Mortágua possa ter  irritado há dias, no Parlamento, o sr. primeiro-ministro, o sr. Mira Amaral conseguiu para os seus mandantes o melhor dos mundos: comprou o frango todo limpo ao preço das patas do animal. As penas pagam-nas os inocentes. 

Monday, December 22, 2014

ESTA NÃO É A MINHA IGREJA

Diria Cristo se voltasse à Terra. Disse-o, hoje, por outras palavras o Papa Francisco, um Papa excepcional.

Durante o tradicional encontro na sala Clementina para as felicitações de Natal aos membros da Cúria romana, cf. aqui, apontou sem rodeios, perante os cardeais  responsáveis pelos dicastérios, as quinze doenças que ameaçam a Igreja e a sua Cúria.  A uma dessas doenças chamou "alzheimer espiritual". Não me parece que a designação seja a mais feliz mas percebe-se a intenção da carga emotiva da metáfora com que Francisco quis relembrar aos altos dignatários da Igreja o seu relapso esquecimento da mensagem primordial dos Evangelhos.

Lê-se o resumo desta mensagem do Papa e ocorre-nos, inevitavelmente, a vaga de esquecimento, que não é mais de que uma vaga de falta de vergonha descarada e em larga escala, que se faz sentir especialmente nos países predominantemente católicos do sul da Europa. Dos negócios obscuros, das moscambilhas, das conivências, dos roubos, que, sendo esta gente pretensamente de bem, se chamarão desvios, ninguém se lembra, ninguém colaborou, ninguém estava lá, se assinaram de cruz foi por confiança nos outros comparsas.

Francisco, alarga a tua mensagem urbi et orbi. Pode ser que alguns desavergonhados, se forem crentes como a generalidade dirá que é, sintam algum temor e recuperem a lembrança dos actos praticados.

Sunday, December 21, 2014

SE É ARTE, TEM DE SER VERMELHA

O Economist desta semana publica um artigo que merece ser lido - Propaganda: The art is red - sobre a campanha de propaganda lançada por Xi Jinping, actual secretário-Geral do partido comunista chinês, que, tudo leva a crer, pretende reinjectar na população novas doses de fé no partido e nos seus dirigentes, abalada pelos incidentes observados em Hong Kong, caldeados numa vaga de aspirações de liberdade induzidas por pensadores e artistas desalinhados do discurso oficial. 

Segundo o articulista do Economist, desde os tempos de Mao Tse-tung, falecido há 38 anos, que não se observava na China uma campanha tão intensa de propaganda, com cartazes colados por toda a parte apregoando as virtudes da poupança, do esforço de cumprir, da dedicação filial, da civilização chinesa, e do partido comunista chinês. Por outro lado, estão a ser controlados os pensadores e artistas tresmalhados do rebanho do partido. A arte, qualquer que seja a sua forma ou a sua base de expressão, segundo os dirigentes chineses, deve estar ao serviço da política aprovada pelo partido único.

Se considerarmos que a grande maioria dos artigos não alimentares, úteis e inúteis, necessários e supérfluos, que os portugueses compram durante todo o ano, e redobram durante a época do Natal, são made in China e que, por outro lado, em operações de privatização ou nacionalização chinesa, a EDP, a REN, a Fidelidade, a Espírito Santo Saúde, o BESI, são agora total ou quase totalmente chinesas, parece que andamos a trocar o governo de algumas das maiores empresas por toneladas de bugigangas e quinquilharias. 

A política de exarcebamento do nacionalismo chinês, aliás num contexto de nacionalismo generalizado que também atinge a Europa, não augura nada de bom. Mas a distracção com que alegremente vendemos os anéis para comprar toneladas de kitsch chinês também não nos levará a bom porto. E pode levar-nos de novo à asfixia de um partido único.

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Correl. Já depois de ter editado este apontamento leio no Público uma reportagem reconfortante: Indústria têxtil: Um quarto de século depois, há um sector que volta a mostrar a sua fibra.
Precisa-se que outros sigam o exemplo. 

Saturday, December 20, 2014

QUANDO O NATAL ACABAR

Em Prince William habita gente de todo o mundo. Segundo o Censo de 2010, de um total de cerca de 454 mil habitantes (serão 500 mil agora): 57.8% são brancos, 20,2% negros ou afro-americanos, 0,6% nativos, 1,5% indianos, 1,2% filipinos, 1,2% coreanos, 0,8% vietnamitas, 0,6% chineses, 0,1% japoneses , 2,1% de outras origens asiáticas, 0,1% de ilhas do Pacífico, 9,1% de outras origens, 5,1% mistos, de duas ou mais origens. Do total, 20,3% eram de origem hispânica ou latina, de várias raças: 6,8% salvadorenhos, 3,7% mexicanos, 1,8% porto-riquenhos, 1,1% guatemaltecos, 1% peruanos, 0,9% hondurenhos, 0,4% bolivianos, 0,4% colombianos, 0,3% nicaraguense, 0,3% dominicanos.

À diversidade demográfica corresponde a diversidade  religiosa, não muito divergente da observada na totalidade dos EUA*. Em Prince William há 57 "elementary schools" (até ao sexto ano de escolaridade), 16 "middle schools" (até ao oitavo ano), 12 "high schools" (até ao décimo segundo ano), e 4 Universidades. O PIB per capita situa-se acima da média do Estado da Virgínia, que, por sua vez se situa na sexta posição do ranking dos estados norte-americanos.

Até há alguns anos atrás, as escolas fechavam durante a quadra natalícia para ´"Férias do Natal".   Mas por que não também férias por ocasião das celebrações de outros credos?, perguntaram outros crédulos e incrédulos. Resultado: As "Férias de Natal" tornaram-se  "Winter Break", e ficaram todos felizes. Em Prince William e todos os outros condados à volta da capital federal do país.


Ocorreu-me este comentário quando há dias li o artigo do Financial Times, que citei aqui, acerca do crescendo radicalismo que está a apodrecer a paz na Europa.

E se o Natal fosse abolido, o que aconteceria à economia?, pergunta provocatória que titula um artigo publicado aqui hoje, também no Financial Times. Provavelmente, não aconteceria nada, segundo o autor do artigo, e explica porquê. O frenesim das compras que se apodera da generalidade das pessoas nesta época do ano não se inspira no espírito natalício e continuaria a progredir bem sem este.
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* c/p aqui

ReligionPrince William, VAUnited States
Percent Religious36.11%48.78%
Catholic14.81%19.43%
LDS0.98%2.03%
Baptist4.35%9.30%
Episcopalian0.02%0.63%
Pentecostal2.65%1.87%
Lutheran1.05%2.33%
Methodist3.25%3.93%
Presbyterian0.85%1.63%
Other Christian3.40%5.51%
Jewish0.05%0.73%
Eastern0.35%0.53%
Islam4.35%0.84%

Friday, December 19, 2014

ECONOMIA DA ARTE


As exposições de obras de artistas consagrados pelo transcurso do tempo são, desde há muito, pontos fortes de atractividade turística e, logo, de relevante contributo na participação da indústria turística no PIB. Mesmo que o conjunto das obras  expostas corresponda apenas minimamente ao interesse promovido pelo slogan do cartaz. 

Em Madrid, para além de outras mostras apelativas, o Museo Thyssen exibe até 1 de Fevereiro do próximo ano obras do impressionismo americano, uma parte das quais integrou uma exposição com propósitos semelhantes na National Gallery (entradas gratuitas) de Washington DC até há dois meses atrás. 

Sobre a exposição no Thyssen, e principalmente sobre o mérito relativo dos impressionistas norte-americanos, publica hoje o El País uma apreciação que o crítico apropriadamente titula "O impressionismo submisso". Vale bem uma leitura.
 

Thursday, December 18, 2014

A DERIVA EUROPEIA


No Financial Times afirmava-se anteontem que, vd. aqui, o crescimento dos partidos europeus de protesto, aqueles que capitalizam o descontentamento popular mas que não reunem, nem é provável que venham a reunir, suporte eleitoral suficiente para governar, assustam os investidores, travam o potencial
de crescimento económico na Europa e reduzem o crescimento económico global. 

Também anteontem o Público publicava uma excelente análise política do eurodeputado Paulo Rangel - Factor "i": o factor europeu que Portugal ignora - acerca do crescimento do radicalismo político, de esquerda e de direita, frequentemente convergentes por razões tácticas,  na Europa. Em Portugal, não é, pelo menos por agora, tão evidente esse radicalismo, que se manifesta em reacções racistas, chauvinistas e xenófobas, porque não é também tão relevante o impacto da imigração na sociedade portuguesa. Aliás, em Portugal  o saldo migratório voltou, nos últimos cinco anos, a ser bastante negativo excedendo o fluxo emigratório largamente o fluxo inverso.

Resume o eurodeputado: "Temos de encontrar uma solução equilibrada, que respeite profundamente a dignidade dos migrantes, que não ponha em causa a liberdade de circulação e que crie perspectivas de segurança e de identidade aos povos de acolhimento. Para o nosso futuro político (europeu e português) tão importante como o factor "e" (economia) vai ser o factor "i" (imigração)".

"Temos de encontrar uma solução ....", diz Rangel. 
Mas, quem? 
Este é o maior desafio que se coloca ao Parlamento de uma União Europeia à deriva. E ou o desafio é ganho, e a União safa-se, ou perdido, e a União Europeia afundar-se-á no meio de um turbilhão que pode ser inimaginavelmente sangrento.

Wednesday, December 17, 2014

UM DIA MEMORÁVEL

O Presidente Obama, vd. aqui, anunciou ao princípio da tarde de hoje que os EUA e Cuba iriam restabelecer relações diplomáticas pondo termo a mais de meio século de isolamento e de hostilidades entre vizinhos. Registe-se, a par da grandeza do gesto de Obama e Raúl Castro, o encorajamento à iniciativa do Papa Francisco, que acolheu os dois presidentes no Vaticano para as conversações finais que conduziram ao passo de reaproximação dado hoje.


Um passo que tem um valor simbólico idêntico à queda do muro de Berlim e terá consequências para os cubanos não menos relativamente relevantes que a unificação da Alemanha teve para os alemães da ex-RDA. O isolamento forçado pelo bloqueamento norte-americano foi até agora o maior sustentáculo do regime ditatorial em Cuba. Sem os espanta fantasmas do gigante inimigo externo, a população cubana teria evoluído há muito tempo para uma sociedade intelectualmente libertada. O bloqueio não serviu os interesses dos norte-americanos e teve conquências dramáticas para os seus vizinhos do sul. 
Mas há quem discorde: aqueles que durante todos estes anos de isolamento se convenceram, e, pelos vistos, ainda continuam convencidos, que o partido único cubano só seria (só será) derrubado pela revolta de um povo esmagado pelo subdesenvolvimento económico. Enganaram-se até agora. Espera-se que a história, a partir de agora, continue a não lhes dar razão.

COMO OS ALCOÓLICOS, OS BANQUEIROS

"Bankers, like alcoholics, must first admit they have a problem"
Philip Augar, Financial Times, 16/12

Philip Augar depois de ter sido banqueiro optou por escrever sobre finanças. No artigo publicado ontem no FT começa por perguntar: Conseguirão os banqueiros auto corrigir-se? Augar duvida.
E duvida porque, diz ele, tal qual os alcoólicos numa loja de bebidas alcoólicas, os bancos de investimento não conseguem resistir a um gole ilícito quando supõem que ninguém os está a observar. 
Esta a conclusão que deve retirar-se das multas impostas na semana passada a 10 "bancos de investimento" norte-americanos por infracção das regras estabelecidas para derimir conflitos de interesses em vendas públicas de acções.

O mais chocante, contudo, é que as prevaricações em questão ocorreram em 2010, apenas sete anos  depois de terem sido estabelecidas regras para limpar o marcado das IPO (Initial Public Offering), na ressaca do "crash" das empresas das tecnologias de informação, as dotcom, e, acrescento eu, quando os EUA  o mundo se confrontavam com a crise irrompida em 2008. 

Augar termina: "Tentando minimizar as consequências dos seus comportamentos, os bancos de investimentos poderão argumentar que 2010 não é 2014 e que, finalmente, depois dos escândalos observados nas manipulações da Libor e das divisas, a corporação tomou emenda. Mas essa é precisamente a conversa dos alcoólicos crónicos na loja de bebidas alcoólicas. Portanto, tal como os alcoólicos inveterados, os banqueiros devem reconhecer "Sou um banqueiro de investimentos e não tenho cura. Por favor, protejam-me de mim mesmo".

A conclusão de Augar é ingénua. A comparação do comportamento dos banqueiros de investimento com os alcoólicos tem limites flagrantes: Se há alcoólicos que reconhecem, em períodos de sobriedade, que o alcool os destrói, e pedem ajuda, os banqueiros de investimentos sabem que são as transgressões que lhes permitem a acumulação incontida das suas riquezas, e estão-se borrifando para advertências morais. 

Anteontem noticiava o Público, vd. aqui, que "o acordo entre democratas e republicanos para a despesa pública em 2015 inclui bónus para os grandes bancos, que estão cada vez mais a voltar ao "business as usual" de antes da crise."

Dito isto, está tudo dito: A democracia está gravemente doente de um vírus chamado falta de consciência cívica colectiva. E nem as democracias mais avançadas estão imunes.

POR CEM MIL EUROS

Um gorila, com dois metros de altura, feito de cabides, será hoje leiloado em Londres pela Christie´s. 
A instalação, é assim designada a obra de David Mach, dá pelo nome de "Silver Back", está nomeada candidata ao Turner Prize deste ano, poderá atingir cerca de 80 mil libras, aproximadamente 100 mil euros.

Ei-la,

O gorila não está só.
No leilão, dedicado a animais, tem outras "instalações" à venda.

Harold Bloom dizia há dias em entrevista do El País, vd.aqui, que todos os dias lhe chegam os mesmos lamentos: "só lemos lixo".
Por que vale um gorila feito de cabides 80 mil libras? Tenho pelo menos uma resposta certa: haverá alguém que tem 80 mil libras para dar por ele. Quanto a outras avaliações, nada sei.

Monday, December 15, 2014

GENTE FINA É OUTRA COISA

J M Ricciardi, vd. aqui, compreende a “muita mágoa em não poder continuar a passar as suas habituais e luxuosas férias de fim de ano na mansão” de Ricardo Salgado” à beira-mar no Brasil”, e acusa o comentador Marcelo Rebelo de Sousa de ter mentido ontem duas vezes:

"O BESI, ao contrário do que disse [Rebelo de Sousa], nunca avalizou a emissão e colocação do papel comercial do GES”, "nomeadamente as que geraram perdas de 800 milhões de euros para o BES" e,
"Não só manifestei formalmente em Fevereiro de 2014 ao Banco de Portugal a minha indisponibilidade para continuar no BES, se não fosse alterado o modelo de governação, como ainda suspendi o meu mandato de administrador da ESI em Fevereiro de 2014 e apresentei a minha demissão no mês seguinte.”

A conta de credores do sr. Ricardo Salgado é pesadíssima mas a de devedores nunca mais acaba.

Sunday, December 14, 2014

IRRESPONSABILIDADE ILIMITADA

No princípio de Setembro o sr. Nuno Godinho de Matos, advogado experimentado, ex-vice-Presidente da Ordem, agraciado em 2012 por ela, socialista destacado, membro do Grande Oriente Lusitano, entre outras prendas, declarou com o maior desplante deste mundo que, enquanto ex-administrador não executivo do BES recebia 2400 euros líquidos por reunião, nunca abriu a boca nas reuniões daquele orgão, "um acessório de toilete de senhora" - cf. aqui. Comentei, na altura, aqui e aqui, não há mais nada a acrescentar: o sr. Nuno Godinho de Matos é apenas o emblema ridículo da ilimitada irresponsabilidade com que se governam alguns famosos da praça. 

O sr. Oliveira e Costa continua presumidamente inocente há seis anos, e não há notícias que a Justiça tenha, entretanto, obtido dele e dos seus comparsas progressos na recuperação das memórias dos actos que  praticaram para empandeirar aquilo que tinha sido denominado banco. 
O sr. João Rendeiro continua a andar por aí, intocado, em julgamento indeciso. Há dois dias soube-se que o Tribunal de Justiça da UE ordenou a recuperação da ajuda estatal ao BPP. Mas como? Onde é que ela já vai?
O sr. António Guerreiro, ninguém diria, e seus colaboradores foram multados pelo BP por utilização de contas offshore para ocultação de prejuízos. Não deveria o BP retirar-lhes a idoneidade para o exercício das actuais funções? Ou espera o sr. Carlos Costa que o sr. Guerreiro ou outros banqueiros persistam na falsificação dos resultados dos bancos que gerem? Se subsiste no sr. Carlos Costa a impotência para cortar a direito, demita-se! 

Na PT, a desfaçatez do sr. Zeinal Bava é incomensurável. A dele e a dos seus comparsas, incluindo os brasileiros da Oi. Mas continuam incólumes e bem recompensados. O governo sacode a água do capote, a CMVM assobia para o ar, o Novo Banco anda aos papéis, e os pequenos accionistas receberão um dia destes uns títulos de uma coisa chamada CorpCo, caída aos trambolhões de uma vigarice inqualificável.

O sr. Ricardo Salgado consegue depor durante dez horas, segundo as notícias, sem que tenha sido confrontado com uma pergunta indigesta acerca da responsabilidade primeira e última de quem assina as conta das empresas que gerem. Não assinou as contas do BES? Não assinou as contas do BESA? Se alguém lhe falseou as contas, entenda-se com ele num processo competente, mas são os administradores do banco que respondem perante os accionistas, os obrigacionistas e os clientes. Nem o sr. Ricardo Salgado nem os outros administradores do BES e do BESA podem invocar desconhecimento dos locais para onde voaram mais de três mil milhões de dólares. A invocação de desconhecimento só pode provar gestão ruinosa e falência fraudulenta.

Enquanto não houver uma condenação clara e pesada de invocações de esquecimento ou de remessa de responsabilidades para escalões inferiores da hierarquia, não acaba a falta de vergonha desta elite vergonhosa que recrudesceu impante em Portugal. 

Saturday, December 13, 2014

ASSINOU DE CRUZ?

Pode-se ter tramado.
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Tenho visto algumas peças destacadas das audições parlamentares aos protagonistas do caso BES chamados até agora à Assembleia da República e lido comentários diversos, e concluo que a generalidade das indagações e das apreciações feitas conduzem ao cúmulo das culpas do fim do império Espírito Santo na pessoa do sr. Ricardo Salgado. Porque, é o sentimento geral, era ele quem tudo dominava e decidia. Logo, mais que culpado máximo, exclusivo culpado. Mas não é, não pode ser assim.

Não sou accionista, nem obrigacionista, nem, de qualquer forma cliente do BES, ou do GES,  ou de qualquer das suas ramificações, financeiras ou não. Aliás, anotei neste caderno várias vezes um  pressentimento de desconfiança latente relativamente a uma actividade que conseguia extrair lucros esfusiantes de uma economia anémica. Um ou outro banco mereceria, e merece, alguma indulgência da minha parte, mas não o BES, há muitos anos já.

De tudo o que vi, ouvi, e li, destaco uma intervenção do sr. Morais Pires que me parece dever ser soberana na apreciação das responsabilidades ilididas pelo sr. José Maria Rcciardi no seu ataque ao primo Ricardo: (cito de memória) "As actas e as contas eram assinadas por todos os administradores. As suas assinaturas são vinculativas das suas responsabilidades". Obviamente.
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Aplica-se a todos quantos assinaram, e se assinaram concordaram, os documentos relevantes das decisões das administrações de que faziam parte. O sr. Riciardi sabe que é assim e o primo Ricardo também. A invocação da ignorância ou do esquecimento pode iludir muita gente mas não deve iludir a Justiça. Nem confundir as responsabilidades dos administradores do BES, do GES, e de toda a teia tecida por eles, com as responsabilidades dos supervisores, no afundanço do GES.

O resto é conversa fiada.

Friday, December 12, 2014

ECONOMIA ABSURDA

Chamam-lhe  o "Yixinou", um comboío chegado esta semana a Madrid, que inaugurou uma linha directa de mercadorias entre China e Espanha. Percorreu 13000 quilómetros em 21 dias, atravessou oito países, transportando 70 contentores de papelaria, artesanato e produtos de consumo doméstico. Metade dos contentores saídos em meados de Novembro da costa leste chinesa foram descarregados em Brest, na Bielorrússia. Está previsto que o "Yixinou" regresse depois do Natal carregado com produtos espanhóis. A Espanha é o sétimo parceiro comercial da China dentro da União Europeia e a China o primeiro parceiro comercial de Espanha fora da UE. As relações comerciais entre os dois países atingiram o ano passado os 20 mil milhões de euros.

É racional o comércio a tão longas distâncias de produtos que não exigem, certamente, mão-de-obra altamente qualificada, investimentos elevados, tecnologias não dominadas em qualquer dos extremos do traçado? Racional, no sentido que decorre de razões económicas prevalecentes num mercado globalizado onde os concorrentes se confrontam armados com os respectivos custos de produção e distribuição, sem dúvida. Mas porquê a Espanha, porquê a Bielorússia, se os produtos chineses transportados no "Yixinou" são papelaria, artesanato e produtos de consumo doméstico, segundo a notícia?

Só encontro uma justificação possível para a apetência dos nossos vizinhos espanhóis (não conheço medidas da nossa) para estes made in China: o preço e o gosto pelo kitsch. É impressionante o stock à venda, lá e cá,  de imagens de "Nossa Senhora", de S. José, presépios, com burrinho, vaquinhas e borreguinhos nas encostas de musgo sintético, com casinhas a fumegar, flores de todas as cores, de Cristo Crucificado, além de outros símbolos de veneração católica, made in China. 
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Já não há artesania em Espanha? Artesanato, há, mas é caro.  "Artesanato industrial", suponho que é assim que se designa a coisa,  pelos vistos, não.
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Mais:  vd. aqui, notícia do El País de que tinha chegado a Madrid o primeiro combóio de mercadorias
Correl. - Una mini España en Shangai


Thursday, December 11, 2014

RICARDO E OS ELEFANTES

Leio que "o GES desapareceu porque era um baralho de cartas". De burro-em-pé, deduzo. Mas é uma metáfora que não explica a razão que moveu Ricardo Salgado a dedicar-se a um jogo que, fatalmente, acaba sempre pelo derrube do baralho.

Os banqueiros não sabem gerir actividades não financeiras. Presumem que sabem, mas não sabem, e quando avançam pelos caminhos mais escorregadios de outras actividades económicas, o mais certo é estatelarem-se. Pode a sua inabilidade para nadar fora das suas águas ser transitoriamente compensada pelo poder financeiro que detêm, mas, mais tarde ou mais cedo, perdem o pé e afogam-se em águas que não dominam. O poder financeiro que Ricardo detinha deu-lhe e sobrou-lhe para comprar a conivência de Zeinal Bava e companhia, pagando-lhes exorbitantemente a troco de uma gestão financeira danosa da PT. Até ao dia em que o baralho cedeu ao peso dos elefantes criados por Ricardo,  e o Zeinal, um passarão exótico, voou para o lado de lá para sair do jogo, como era de crer, com uma indemnização à americana.

A reabertura da bolsa, depois do vendaval desencadeado em Abril de 74, e a subsequente constituição de sociedades financeiras a caminho de serem bancos, vieram suscitar o aparecimento de banqueiros como cogumelos na sua temporada. E todos bons, vangloriavam-se eles. Industriais, com I grande não vingou nenhum. E se um ou outro enfunou bem a vela na reabertura da banca, e pretendeu ser bem sucedido na indústia,  guinou mais tarde para actividades menos arriscadas, ou, mais simplesmente, especulativas.

Ricardo Salgado caiu derrubado pela manada de elefantes que criou, e que lhe sairam brancos.
Mais lhe valia ter-se ficado pelos bancos. A ele e a nós que teremos, de um modo ou de outro, de contribuir para o peditório que os desastres dos banqueiros desencadeiam.

Wednesday, December 10, 2014

RICARDOS E OS DEPUTADOS

Ricardo Salgado endossa as responsabilidades pela extinção do BES ao governador do Banco de Portugal, ao Governo, à crise, a que acrescentará tudo e todos à medida que sentir o cerco apertar-se.
O relatório final será, como é da praxe em comissões de inquéritos parlamentares, inconclusivo e inconsequente.

A menos que os senhores deputados façam desta vez o que não fizeram há uns atrás, na sequência do inquérito parlamentar ao caso do BPN: legislar no sentido de acabar de vez com, pelo menos, as escapatórias que permitiram ao srs. Oliveira e Costa, João Rendeiro, entre outros figurões da praça, engendrar mascambilhas com que afundaram os bancos, arruinaram clientes e nos foram ao bolso, enquanto contribuintes.

Se os senhores deputados tivessem retirado do longo inquérito ao BPN as lições que importava retirar e tomado as medidas legislativas que importava tomar, o sr. Ricardo Salgado não estaria hoje a ser inquirido acerca de procedimentos que, em outra escala, repetiram aqueles pelos quais foram acusadas, mas ainda não condenadas, as trupes anteriores.

Percebe-se, pois, que o sr. Ricardo Salgado acuse agora o Banco de Portugal e o Governo por o terem deixado andar à rédea solta durante os últimos seis anos, pelo menos.


Tuesday, December 09, 2014

ASSOMBROSO MANUEL DE OLIVEIRA

A poucos dias de completar 106 anos de idade, Manuel de Oliveira apresenta mais um filme, e hoje foi feito - vd. aqui - Grande Oficial da Legião de Honra de França.
Lemos e emudecemos de espanto.

Monday, December 08, 2014

CÂNDIDO E LEOPOLDO

O El País de ontem incluía ontem um caderno - El mejor de los mundos possibles  - de diferentes perspectivas, umas mais optimistas, outras mais pessimistas, sobre o mundo de hoje, o futuro previsível, e a comparação com o passado mais ou menos recente.

De todo o conteúdo do caderno, que vale a pena ler, destaco as transcrições  parciais de duas mensagens, de Obama e Ban Ki-Moon, muito exemplificativas da polarização de pontos de vista que a questão - é o mundo hoje melhor ou pior e mais perigoso que ontem? - suscita.

Muitos filósofos e ficcionistas abordaram o tema no passado. Cândido, o personagem criado por Voltaire é, provavelmente, o mais emblemático olhar optimista sobre o mundo para, sarcasticamente, servir o ponto de vista oposto do seu criador. Leopoldo, o personagem de Woody Allen em "Para Roma com amor" representa o perseguido pelos media, que lhe atormentam uma vida simplória. Para Obama, há uma realidade percepcionada, veiculada pelos media, diferente de uma outra reflectida nos indicadores numéricos dessa mesma realidade. Entre as duas, a segunda imagem é mais concreta, e a primeira a mais imediatamente adquirida pela opinião pública em geral.

Mas todos aqueles que chegaram já ao cume da idade adulta, com um conhecimento razoável do mundo que atravessaram, ao olharem para trás, não poderão deixar de reconhecer que, globalmente, o desenvolvimento humano, observado pelos principais indicadores da saúde, da educação, da segurança individual e colectiva, nunca foi tão elevado como hoje.

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Obama:

“En todo el mundo, hay señales de progreso. La sombra de la Guerra Mundial que existía en la fundación de esta institución ha desaparecido; la posibilidad de un conflicto armado entre grandes potencias se ha reducido. El número de Estados se ha triplicado y más personas viven bajo el mandato de Gobiernos elegidos. Centenares de millones de seres humanos se han liberado de la cárcel de la pobreza. La proporción de personas que viven en la pobreza extrema se ha reducido a la mitad. Y la economía mundial sigue reforzándose después de la peor crisis financiera de nuestras vidas. Hoy, ya sea en Nueva York o en el pueblo de mi abuela a más de 300 kilómetros de Nairobi, hay más información disponible que en las mayores bibliotecas del mundo. Juntos, hemos aprendido a curar enfermedades, a dominar el poder del viento y el sol. La mera existencia de esta institución es un logro único: personas de todo el mundo comprometidas a discutir sus diferencias de manera pacífica y resolver juntos sus problemas. Con frecuencia les digo a los jóvenes en Estados Unidos que este es el mejor momento de la historia humana para nacer, pues tienes más probabilidades que nunca de saber leer y escribir, de estar sano y de ser libre de perseguir tus sueños”.

Sunday, December 07, 2014

DESIGUALDADE ENCOBERTA

O tema da desigualdade está na ordem dia. "O Capital no sec. XXI" de T. Piketty globalizou a discussão acerca das culpas da concentração da riqueza na redução do crescimento económico. Anteontem foi apresentado  em Madrid o relatório da Organização Mundial do Trabalho (OIT) - vd. aqui - relativo ao período entre 2006 e 2010. Os dados divulgados no artigo do El País são críticos relativamente a Espanha, que terá observado o maior agravamento da desigualdade no conjunto dos países da União Europeia e  os Estados Unidos da América, e lisonjeiros para Portugal, que terá observado um decréscimo na desigualdade entre o decil da população mais pobre e o decil da população mais rica.

E são lisonjeiros porque os efeitos das medidas de austeridade fizeram-se sentir a partir de 2011 sobre
os estratos sociais intermédios, vulgo classe média, que, quer pelo aumento do número de desempregados, quer por terraplanagem fiscal dos rendimentos, alargaram a faixa de pobreza e reduziram substancialmente os rendimentos médios dos restantes. Provavelmente, em 2014, não só a desigualdade entre os dez por cento mais pobres e os dez por cento mais ricos se agravou como, certamente se agravou muito mais ainda a desigualdade entre as classes colocadas nos decis intermédios e o decil superior.

Resumindo: Uma análise comparativa entre os rendimentos dos 10 por cento mais pobres e dos 10 por cento mais ricos ignora um segmento que representa 80 por cento da população, que, ou transitou parcialmente para a faixa de pobreza, ou suporta a solidariedade prestada ais mais carenciados, e viu, na sua maior parte, reduzidos os seus rendimentos.

Não li o relatório. Certamente que as suas conclusões vão além daquelas que o artigo do El Pais desvenda. Mas, porque se reporta a um período anterior à política de austeridade que castigou, e
continua a castigar, os países mais fragilizados, carece, flagrantemente, de actualidade.


Friday, December 05, 2014

Oi! QUE VIGARICE!

A Oi, segundo notícias de hoje, vd. aqui, já aceitou vender a PT à Altice por 7400 mil euros.
Mas a Oi para poder concretizar definitivamente esta venda tem de obter o acordo dos accionistas da PT SGPS, onde o Novo Banco tem uma participação qualificada. Vai a PT SGPS opor-se com sucesso à consumação de uma operação inçada de jogadas obscuras? Ou deixará, por razões indescortináveis para a esmagadora maioria de pequenos accionistas, branquear definitivamente um conjunto de manobras para proveito ou inimputabilidade de alguns?

E que diz o sr. Supervisor Carlos Tavares aos pequenos investidores em acções e obrigações de uma empresa que tinha como actividade nuclear a PT e que, depois de actos de gestão danosa e moscambilhas agora a céu aberto, têm títulos eventualmente representativos de uma participação truncada numa coisa chamada Oi de que nunca tinham ouvido falar na vida?

O governo já disse e repetiu que o assunto diz respeito exclusivamente aos accionistas. Muito bem. E a quem reporta o supervisor de uma bolsa à deriva?




Thursday, December 04, 2014

JUSTIÇA PSICOLÓGICA

Estavam presos preventivamente, acusados de crimes hediondos, e, nem das imagens televisivas, nem das fotografias, nem das ocasionais declarações à imprensa transparecia qualquer indignação profunda, revoltada.  O grupo convivia e trocava livros e cds, nenhum se assumia repelente ou repelido no conjunto. 
- ...
- Se eu fosse injustamente acusada de um crime daqueles ou de outro parecido, dava saltos de corça! Ninguém me aturaria na prisão, até que me matassem!
- Penso o  mesmo: nenhum cidadão comum suportaria um vexame destes sem espernear, se estivesse inocente. É preciso ser muito civilizado para sofrer uma injustiça tamanha e manter tanta serenidade. 
- ...
Aguardavam, diziam, que se fizesse justiça. E a justiça condenou o grupo à prisão, salvo um, que foi absolvido e, mais tarde viria a exigir, sem sucesso, indemnizações pelas consequências materiais e morais sofridas por uma prisão preventiva injusta. 

Recordo-me agora da nossa reacção às notícias que inundaram os media, até à náusea, há doze anos, a propósito desta carta.  
- ...
- É assim que se comporta um inocente?
- Se fosse um cidadão comum, sim. Assim, não sei, não.
- O motorista chorava convulsivamente à saída do Tribunal de Instrução Criminal. Significa revolta ou arrependimento?
- Ou medo?
- Medo, nestes casos, só pode significar arrependimento. Quem não deve não teme. 
- Se assim for está tramado o motorista. 
- Talvez não. Quem confessa  a verdade ...
- ....

A justiça popular é imparável até ao veredicto final da outra.

Wednesday, December 03, 2014

O JOGO DA CABRA CEGA


Lê-se hoje aqui que o sr. Ricardo Salgado recusa enviar as actas do conselho superior do GES ao inquérito ao BES alegando "questões de reserva da intimidade" para não entregar estes documentos, e porque também iria contra o segredo de justiça, já que as actas foram apreendidas nas buscas à sua casa no âmbito de processos judiciais. Por outro lado, aqui desvendam-se os argumentos usados pelos juristas pagos pelo sr. Ricardo Salgado e que convenceram o sr. Carlos Costa a manter a sua inabalável confiança no banqueiro. 

"A oferta de 14 milhões de euros que o empresário José Guilherme deu a Ricardo Salgado justifica-se com o “bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade”, escreve o  jurista João Calvão Silva,  especialista em direito bancário, no parecer sobre a idoneidade de Ricardo Salgado, que este entregou ao Banco de Portugal (BdP), e a que o i teve acesso."

O sr. Carlos Costa deveria ter compreendido, se estivesse virado para esse lado,  que os argumentos do jurista Calvão e Silva lhe davam conta que o sr. Ricardo Salgado se encontrava em estado de necessidade da solidariedade e ajuda de amigos e conhecidos, uma situação sempre merecedora de comiseração mas que, sendo o necessitado um banqueiro, aconselhava vivamente o governador do Banco de Portugal a afastá-lo da presidência do banco e a enviá-lo ao cuidado do sr. Santana Lopes, Provedor da Santa Casa da Misericórdia, "por graça de Deus". Em vez disso, comoveu-se, e deixou cair e partir o banco. 

Já agora, se o sr. Ricardo Salgado não entrega as actas ao Parlamento por que não pede o Parlamento ao jornal "i" que se incumba disso?
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Correl. - Ricardo Salgado não entrega actas do Conselho Superior do GES mas Ricciardi já enviou 72 São reuniões de 2003 a 2013. Mas a reunião do "golpe de Estado" que lançou a Salgado não consta da lista

Tuesday, December 02, 2014

INDEPENDENTE DE QUÊ?

O Governo fez saber (e bem) que não considera serviço público a transmissão dos jogos da Champions e, consequentemente, desaprova que a RTP, que depende do OE, tenha coberto por larga margem as propostas das estações privadas. Mas, pilaticamente, acrescentou que a apreciação do assunto cabe ao Conselho Geral Independente, criado pelo actual Governo com a função de escolher o conselho de administração e supervisionar a actividade da RTP.  O CGI afirma que não foi ouvido nem achado na questão e critica a administração da RTP acusando-a de falta de lealdade institucional.

O Conselho de Administração defende que a aquisição dos direitos televisivos em causa foi feita sob proposta dos directores no âmbito da sua responsabilidade editorial. Os directores das várias áreas de conteúdos da RTP pedem a intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) por considerarem que está em causa a "violação da autonomia editorial". O ministro que tutela os media, Poiares Maduro, remete para o Conselho Geral Independente a manutenção da actual administração.  A administração da RTP diz que não se demite e "continuará a exercer o mandato" porque "cumpriu todos os deveres" - vd. aqui

No fim de contas, o CGI demitirá a administração, o compromisso de contrato tem de ser respeitado,  os administradores dispensados indemnizados, e as contas serão pagas pelos do costume. Mas a RTP, a tal de serviço público, diz o Governo, é independente! O que dirá o sr. António Costa disto? E o sr. Jerónimo de Sousa? E as seis cabeças do Bloco? Convocam o sr. da Ponte para uma interpelação em São Bento, como de costume, ou exigem a demissão do governo por disfuncionalidade das instituições. Serviço público, até prova em contrário, é aquele que os directores de conteúdos dizem que é.
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(3/12) - Saída de A da Ponte é vista como inevitável
(3/12) - Governo aceita proposta do CGI de demissão da administração da RTP
(3/12) - PS responsabiliza governo pela origem da confusão na RTP

Monday, December 01, 2014

AS COISAS ANDARAM AO CONTRÁRIO, DIZ ELE

As acções da PT SGPS cairam hoje mais de 7% (chegaram a estar a perder 13%) depois de serem conhecidos os resultados no terceiro trimestre- prejuízos de 283,6 milhõesde euros - em consequência da desvalorização das acções da Oi. - vd. aqui. Entretanto,- vd. aqui - "as acções da Altice estão a valorizar mais de 5% na bolsa de Amesterdão, atingindo o seu máximo histórico, depois de a Oi ter confirmado que está em negociações exclusivas com a francesa para a venda da PT Portugal."

Anteontem, em viagem ouvi o sr. Carlos Tavares, presidente da CMVM, ser entrevistado num programa das manhãs de sábado da antena 1 acerca do seus dotes de músico, compositor e cantor amador. De questões financeiras, só no fim do programa deu conta que gostava de voltar à banca depois de terminado, dentro de um ano, o seu mandato na CMVM, para poder contribuir para a alteração do que devia já ter sido alterado depois da crise iniciada em 2007/8, e que não só não se alterou como andou para trás. Numa conferência, no dia anterior, tinha afirmado que "as coisas andaram ao contrário do que (ele) esperava," porque "Portugal necessita de um mercado (financeiro) mais desenvolvido" mas "a tendência tem sido exactamente a contrária".

É espantoso! O responsável pelo Instituto que tem a responsabilidade de velar pela transparência do mercado financeiro na parte transaccionada em bolsa lamenta-se, em fim de mandato, que as coisas andaram ao contrário. Por culpa de quem, não disse.

O caso PT SGPS é paradigmático da impunidade de uma gestão danosa que não fez até agora, nem provavelmente vai fazer, sair a CMVM da sua zona de conforto. A CMVM existe para garantir aos accionistas das empresas cotadas, e muito particularmente aqueles que não tendo participações qualificadas não intervêm decisivamente na sua gestão, a lisura de processos nas transacções que passam pela bolsa. 

Reconhece-se que a CMVM não pode acompanhar pari passui a gestão das empresas cotadas. Mas o sr. Carlos Tavares, pelo menos a partir do momento em que o escândalo foi tornado público, sabe que a PT financiava há largos anos o GES, em montantes que se renovavam e aumentavam, atingindo cerca de 900 milhões de euros.  E também não ignora que a PT se encontrava altamente endividada e as suas aplicações financeiras no GES só poderiam decorrer do concluio entre o presidente do GES e o presidente CEO da PT. Fez até agora alguma coisa para penalizar quem, na obscuridade da informação transmitida ao público, tramou o processo de desvalorização da PT? Não fez.

Resumindo: Como supervisor, o sr. Carlos Tavares é um razoável cantor amador.
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Correl. - (2/12) Altice tem que assar por accionstas e regulador para compra da PT Portugal
(2/12) - A Bolsa que as cotadas merecem - "2014 ficará na história por vários motivos, com a justiça à cabeça. Mas será também o ano em que a Bolsa portuguesa foi colocada nas ruas da amargura. A Bolsa portuguesa nunca foi um verdadeiro espelho da economia nacional. A divulgação de dados macroeconómicos em Portugal sempre teve menor impacto no PSI-20 do que qualquer indicador menos relevante nos EUA ou na China... "  
(2/12) - Esta bolsa não é para pequenos investidores - "Aumentos de capital que arrasam com carteiras, investimentos que afundam acções, e até decisões de gestão que levam investidores à ruína. Está a ser um ano pródigo de casos que minam a confiança dos investidores. Um risco para o futuro da bolsa. Um aumento de capital realizado a um cêntimo que arrasou as carteiras dos accionistas da Sonae Indústria. Um investimento de milhões de euros em dívida que pôs em risco uma fusão, afundando as acções ..."