Sunday, December 28, 2014

INOCOMPLICAÇÃO

- Como é que diabo se abre isto, v. sabe?

Tinha colocado o sabão líquido na concha da mão esquerda, depois procurou onde abrir a torneira, olhou de lado, por cima, espreitou por baixo do lavatório, colocou a mão por baixo  e em frente do tubo de saída da água, e, uh! uh!, onde estás estupor que não te vejo?
Dei-lhe uma dica, o truque estava num manípulo ao lado, em aço inox, parecia uma meia pera com um minúsculo píncaro, tudo o que tinha de fazer era rodar o píncaro da pera sobre si mesmo. Resultou, ficou satisfeito e reconhecido. Depois de lavar as mãos, quis fechar a torneira, e não conseguiu. Nem ele, nem eu.

- Se para um homem lavar as mãos são precisos dois para abrir a torneira, quantos serão precisos para a fechar?, perguntava ele, com salutar bom humor, à medida que saíamos do "restroom" do restaurante. 
.
Nunca entendi a maquiavélica intenção da capacidade inovadora dos fabricantes de torneiras. Uma torneira pode ser um mecanismo com o comando mais elementar possível: roda-se o manípulo  para esquerda ou para a direita consoante se pretende abrir ou fechar o caudal do líquido. A torneira misturadora é a única inovação realmente útil depois de milénios de bons e inestimáveis serviços da torneira elementar. Sem que se perceba porquê, a não ser o gosto pela inovação inútil que parece aliciar uma parte da humanidade, os fabricantes de torneiras não param, para proveito próprio, de complicar uma das coisas mais simples do mundo. 

Mas há outros, muitos outros, em número incontável, criadores de complicações para uma vasta  clientela, desde os distraídos aos coleccionadores de inutilidades, passando pelos consumidores de pomada gibóia. De entre os criativos de inutilidades mais bem sucedidos destacam-se os banqueiros e os seus ninheiros de produtos financeiros, não poucas vezes tóxicos. 

Há dias afirmava um ex-secretário de Estado, do Orçamento, salvo erro, que é a ileteracia financeira a maior responsável pelos rombos nas finanças domésticas, provocados pelas compras de produtos financeiros de que os desastrados compradores desconhecem completamente a composição. E recomendava o ilustre que, para evitar mais desastres,  se promovessem programas de formação em literacia financeira. 

Para quê?, se a inovação financeira consiste precisamente na obscurização propositada dos produtos postos à venda? Se, confessadamente, frequentemente nem aqueles que vendem os produtos ao balcão sabem o que estão a vender? Se nem equipas numerosas de peritos conseguem prevenir em tempo útil que banqueiros e outros coniventes enganem meio mundo e o outro e espatifem bancos e empresas supostamente respeitáveis? Que literacia financeira poderia descortinar que o senhor Zeinal Bava e seus apoderados entregavam por entregar novecentos milhões ao senhor Ricardo Salgado e, segundo ele, Zeinal, nem ele sabia que entregava? Para que serve a literacia financeira se o negócio destes financeiros trapaceiros vive do quanto mais confuso melhor?

Não, definitivamente não. Inovações financeiras deverão ser jogadas como nos casinos. Lá, as regras são conhecidas e cada qual sabe ao que vai.  
Eu nunca fui.

No comments: