Wednesday, February 29, 2012

SOBERANIA, O QUE É ISSO?

A Irlanda decidiu submeter novo tratado orçamental europeu a referendo e, como se esperava, está a receber aplausos dos quadrantes do costume. Os irlandeses são tesos, já convocaram três referendos a propósito de tratados europeus e encravaram a aprovação do último - o de Lisboa - pondo a União à beira do delirium tremens por falta de alicerces democráticos.

A União Europeia tem-se construido, passo a passo, com tratadados subscritos pelos líderes dos países membros, desenhados pelos membros mais musculados, a Alemanha e a França, Khol e Mitrerrand, Merkel e Sarkozy, com evidente ascendência da primeira. Sempre que a questão do referendo dos tratados e revisões dos tratados se colocou os alicerces, porque democraticamente frágeis, estremeceram. A Holanda e a França chumbaram a Constituição Europeia, a Irlanda obrigou o Tratado de Lisboa a contorcer-se.

Quando a questão do referendo vem à baila, é frequente citar-se a Suíça como o exemplo mais avançado da democracia directa, aquela onde a legitimidade das leis decorre da expressão da vontade do povo sem intermediários. Mas na Suíça, se o referendo tem âmbito vinculativo nacional, o resultado decorre da contagem conjunta de todos os votos validamente expressos.

Na União Europeia não há, e nem pode haver, via semelhante sem a subordinação de cada membro à totalidade dos votos expressos por todo o conjunto. Fazer depender a aprovação de uma proposta de lei comunitária do resultado aprovador de todos os 27 referendos realizados, a propósito dessa lei, em cada país membro, é condenar essa proposta a um mais que certo insucesso.

Em princípio, no caso agora em questão, um eventual resultado negativo deste referendo irlandês teria o mesmo efeito que a rejeição imediata do Reino Unido e da República Checa, que não são membros da Zona Euro. Mas a Irlanda é. Uma eventual rejeição da Irlanda colocará de novo a União Europeia em estado de delirium tremens.

O governo directório Merkozy da União Europeia não é, obviamente, democrático.
Mas um governo democrático não pode sustentar-se no sim  referendário em simultâneo em todos os seus membros quando estão em causa decisões que importam ao conjunto da União.

A Irlanda vai mais uma vez fazer uso do seu direito soberano de entregar ao povo o direito de decidir numa matéria que tem óbvias consequências para a Zona Euro. O uso desse direito soberano, se fosse exercido por todos os membros, tornaria ingovernável a Zona Euro e destruiria a União Europeia.

Não é possível governar um grupo se cada um dos membros puder obstar o proseguimento dos objectivos comuns ao grupo. Se cada um dos membros não concordar, e, mais do que não concordar, não exigir que cada um (e, portanto também a Alemanha, a França, ...)  delegue parte dos seus direitos de soberania a um governo mínimo eleito democraticamente, o directório continuará a ditar as leis que, mais tarde ou mais cedo, irão fazer implodir a construção europeia.

O exercício do direito de soberania em tais circunstâncias será, então, uma vitória de Pirro da democracia directa.

Tuesday, February 28, 2012

UMA SEPARAÇÃO

O Artista venceu o Óscar de melhor filme concedido este ano pela Academia de Hollywood.
É um filme francês, e a proeza é mais relevante porque é o primeiro filme não norte-americano a consegui-la? 

O Artista é sobretudo uma surpresa por homenagear os primórdios da indústria cinematográfica que se instalou de modo inabalável em Hollywood. A cinematografia europeia, nomeadamente a italiana e a francesa, que conheceram tempos de grande sucesso internacional, é hoje um competidor quase em vias de desaparecimento. De vez em quando, uma ou outra realização consegue alguma audiência expressiva, mas o que continua a inundar massivamente a Europa e a sobrepor-se nas audiências à sua cultura, é a pujança da indústria cinematográfica norte-americana e, com ela, a cultura do outro lado do Atlântico.

Diga-se de passagem, que para além do impacto cultural, há um outro aspecto não dispiciendo: o cinema é um dos produtos mais exportados pelos EUA.

O Artista contém todos os ingredientes de um filme norte-americano de qualidade acima da média. Vale sobretudo pela forma (um achado, diga-se de passagem) e não tanto pelo conteúdo.

Surpreendente, mas noutro sentido bem diferente, é a qualidade de alguns filmes que Hollyood não produz, que a Europa, por razões que me escapam, não consegue produzir, realizados em países com culturas distantes das nossas mas onde as interrogações que nos colocam são universais. São, em certo sentido, os Ingmar Bergman de hoje.

Uma Separação, que venceu o prémio para o melhor filme estrangeiro é um bom exemplo daquilo que pretendi atrás dizer. Não vou aqui resumir a história nem os méritos que encontrei no filme porque há na internet informação abundante. O que posso fazer é recomendar que o vejam.

O Artista é um filme, muito promovido, que fará história pela surpresa da forma (aliás, pela recuperação da forma).
Uma Separação é o prolongamento de uma cinematografia geralmente pouco promovida mas com outros exemplos geniais.

Monday, February 27, 2012

JÁ RECUÁMOS 10 ANOS!

clicar para ampliar

Ontem referi-me a dois indicadores construídos pelo Economist, publicados recentemente: O já consagrado "Big Mac Index" e o custo dos ingredientes para fazer uma panqueca. No dia anterior tinha-me entretido a comentar os graus de felicidade declarados (auto avaliação) por diferentes povos.

Se não deve haver duas sem três, embora eu não saiba porquê, hoje deu-me para contemplar (o tal efeito sexy dos gráficos) a avaliação feita pelo Economist do recuo que a presente crise já representou para um conjunto de países, de entre os quais, hélas!, desta vez também inclui Portugal.

Contas feitas, e explicadas aqui, Portugal já recuou 10 anos! Voltámos a 2002.
Mas há quem tenha recuado mais, ainda que na consideração destes recuos, evidentemente, se tenham de considerar os diferentes pontos de onde recuaram.
Os EUA recuaram um pouco mais, o que quer dizer que as diferenças médias relativas entre nós e os norte-americanos quase se mantêm.
A Islândia recuou 12 anos, mas há 12 anos a Islânda já estava muito à frente de Portugal. .
A Grécia já recuou 13 anos mas desconheço se o gráfico já contempla os últimos estragos. Em qualquer caso, os gregos parecem condenados a recuar ainda mais. Oxalá não nos reboquem com eles, é sempre arriscado que alguém se aproxime de um náufrago sem bóias de salvação.

Há alguma correlação à vista entre os recuos e a presença na Zona Euro? Aparentemente, não.
A Grécia, que está na Zona Euro, recua 13 anos, mas a Islândia, que não está, recua 12.
Os EUA recuam 10, e imprimem os dólares que lhes dá na real gana.
Portugal e a Letónia recuam 10, a Irlanda 9. Estão no euro.
A Hungria está fora do euro, recua 8, mas tudo leva a acreditar que vai recuar mais.
O Reino Unido, agarra-se à libra com unhas e dentes, recua 8.
No euro, a Espanha recua 8, a Itália 7,5, a França 6 e a Alemanha 3.

Aliás, a Alemanha é, dos países do gráfico, o único país onde o desemprego não subiu.
Juntamente com a Austrália, que não está incluida no gráfico, Alemanha e Austrália são as maiores resilientes à crise entre os países ditos de economias avançadas.

Sunday, February 26, 2012

O PREÇO DA PANQUECA

Clicar nos gráficos para ver melhor

O Economist inventou há uns anos o "Big Mac Index", um indicador medianamente plausível de avaliação da sobrevalorização ou subvalorização das moedas relativamente ao dólar.
Os gráficos, e nomeadamente aqueles que expressam valores económicos, são, para além de sugestivos, apelativos. São, por assim dizer, sexy. É improvável que passem à nossa frente sem lhes darmos uma mirada.
Há dias, o Economist, que publica em cada edição semanal o seu daily chart, comparava os custos dos ingredientes em diversos países para fazer uma (grande) panqueca: 500 grms de manteiga, 1 kilo de farinha, 2 litros de leite, 20 ovos. O resultado é o que consta do gráfico copy/paste acima. Por uns cálculos feitos cá em casa, em Portugal, considerando o câmbio euro/dólar de hoje (1 euro = 1,34 dólares) o custo total rondará os 10 dólares. Só na Holanda e na Índia, restringindo a comparação aos países no gráfico,  se consegue mais barato. Se se considerar a paridade do poder de compra estaremos a par da Holanda.
Quem não acreditar, corrija se faz favor.

Já agora, o mais recente "Big Mac Index" é este:


Então: Vai um "Big Mac" ou uma panqueca?

Saturday, February 25, 2012

A INFELICIDADE DE NÃO CHEGAR AO FIGO

Geralmente associa-se precisão duma medida à objectividade que lhe está em princípio subjacente. Contudo, o grau de  objectividade possível é aquele que a realidade objecto da medida consente, independentemente dos instrumentos utilizados.

Psicólogos, sociólogos, economistas e outros ditos cientistas sociais, dedicam grande parte da sua vida à observação dos comportamentos humanos, e perseguem insistentemente na tentativa de avaliação da plurifacetada expressão dos mesmos. Um dos temas perseguidos é a avaliação da felicidade dos povos, um tema que está longe de ser apenas uma curiosidade para publicações light porque é assunto central de investigação realizada para a compreensão dos fenómenos sociais de modo diferente dos "mainstream".
Por exemplo, Bruno S. Frey, professor da Universidade de Zurique, autor de "Felicidade - Uma revolução na economia", (2008) traduzido em português para a Gradiva, tem centrado os seus trabalhos dentro de uma perspectiva integradora da ciência política, da psicologia e da sociologia com a economia.

Não admira, portanto, que para além da curiosidade popular que o tema suscita, apareçam de quando em quando trabalhos de avaliação da felicidade dos povos.  Aliás, neste bloco de notas já coloquei vários apontamentos (p.e. este, este, este), entre outros.
Via o Economist desta semana, alcancei aqui o resumo de um relatório da Ipsos, uma empresa britânica de estudos de opinião, resumido graficamente a seguir:



É surpreendente que indonésios e indianos, por exemplo, se sintam mais felizes, de um modo geral, que os alemães, os franceses, os italianos, e outros povos onde o grau de desenvolvimento humano, segundo o PNUD, Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas é dos mais elevados no mundo? Refiro o PNUD e não o PIB/per capita considerado no estudo da Ipsos por aquele indicador considerar outros parâmetros (educação, saúde) para além do rendimento médio. Mas as conclusões não são significativamente diferentes, considerando um ou outro dos índices.

Os portugueses não foram abrangidos, presumo. Se fossem, provavelmente, estariam na cauda do pelotão.

As conclusões do estudo em questão são discutíveis e outros estudos haverá com conclusões algo diferentes.

Mas representam, devem representar, um contributo para a humanidade repensar os caminhos para onde a conduzem os indicadores de avaliação do progresso, esses sim, geralmente tidos por indiscutíveis mas que estão a conduzir a alguns resultados pavorosos.  

Sustentando-se a ideia do crescimento económico e social no crescimento do consumo, a confrontação dos que não têm capacidade de acesso aquilo que as televiões, as rádios, os cartazes, a internet, os cartões de crédito, os bancos, promovem até à exaustão, a infelicidade mede-se também pela diferença entre a exposição à tentação de comer um figo e a frustração da falta de altura para o apanhar.

Segundo a filosofia popular, o problema para o minorca agudiza-se se tem por perto um matulão interessado na  figueira.

Friday, February 24, 2012

SE UM ELEFANTE INCOMODA MUITA GENTE

António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, comentador político na Sic Notícias - Quadratura do Círculo, afirmou ontem, a propósito da sua não observância da não concessão de tolerância de ponto na terça-feira de Carnaval, que "as Câmaras que mantiveram a tolerância de ponto reduziram custos com essa decisão". Costa respondia deste modo à afirmação do ministro Relvas de que "muitas das Câmaras que concederam tolerância de ponto são Câmaras altamente endividadas".

Os  dois outros comentadores, um de um modo ressalvado, como é hábito, outro de modo decisivo, defenderam a decisão do Governo, mas nenhum pegou na afirmação, aparentemente anedótica, de António Costa: "a tolerância de ponto (isto é, ausência dos funcionários ao serviço) reduziu os custos do município", subentendo-se que, por outro lado, não lhe reduziu os rendimentos, e reduziu os prejuízos. 

Até agora, vi defendido por muita gente supostamente esclarecida que a redução dos feriados,( ou o aumento de horas trabalhadas) não aumenta a competitividade. O que pode ser verdade, por exemplo, no caso do Ranger, mas não pode ser verdade na generalidade dos casos onde a produção é em grande parte função do tempo trabalhado. Se assim não fosse, o tempo de trabalho não faria sentido como factor de competitividade. E o sucesso chinês está aí para inequivocamente demonstrar o contrário.

O que António Costa afirmou só pode ter outra interpretação: A Câmara de Lisboa (e outras, que não especificou) têm ao seu serviço pessoal em excesso e cada dia de cada excedente representa, para além do custo fixo (o seu salário mais encargos directamente correspondentes) custos desnecessários aos serviços (telefonemas pessoais, subsídios de refeição e de transporte, internet para fns pessoais, iluminação, aquecimento/ar condicionado, etc). Aliás, já há algum tempo que António Costa reconheceu esses excesso e propôs-se adoptar medidas de adequação dos meios às necessidades. Mas nunca mais se ouviu falar disso.

Percebe-se, portanto, a afirmação de António Costa se recuperarmos essas suas intenções de há uns tempos. O que não se percebe é que o desajustamento evidente possa ser minorado com mais tolerâncias de ponto. Porque se uma tolerância de ponto reduz os prejuízos da Câmara, duas tolerências de ponto reduzirão ainda mais; e se duas tolerâncias de ponto ...

Continuem se fazem favor! 

Thursday, February 23, 2012

A SECA E A ÁGUA ENGARRAFADA

Ontem à noite a TVi transmitiu a última das procissões da novena a orar pela vinda de chuva que faça reverdecer os campos do Alentejo e manter vivos os animais sedentos e famintos. Mesmo quem não seja crente que o alcance da oração possa sensibilizar a providência divina, a esperança daquela gente sem outra esperança abala qualquer coração civicamente vivo.

- Bom dia!
- Bom dia, se não chover!,
foi o diálogo corrente citadino que mais me chocou quando arribei a Lisboa.
Porque quem vive na cidade, e é cada vez maior o número de pessoas em todo o mundo a viver em cidades, não faz, normalmente, a mínima ideia da riqueza que a água representa mas que, por razões várias, é cada vez mais escassa.  

Nada disto tem muito que ver com as contas feitas pela administração da Assembleia da República de que o custo da água engarrafada distribuida a cada deputado em cada sessão parlamentar é 30 vezes inferior que aquele que seria suportado se a água fosse tirada da torneira.  A não ser que, para além da seca, essa sim gravíssima, temos esta seca tonta.

Tenho uma dúvida, para além de todas as que as que se me levantam sobre as contas que a administração da AR fez.

Nunca assisti a um plenário de um parlamento estrangeiro mas recordo-me que os filmes transmitem frequentemente cenas que procuram reproduzir o real. Recordo-me, por exemplo, em "The Iron Lady", que aqueles MP não têm água por perto nem computadores à frente. Vejam aqui, "Related vídeos" 3º. clip ou aqui:



Esta gente, membros do mais antigo parlamento do mundo, é gente menos exigente?

O JOGO DA CABRA CEGA

Aqui : Caso Casa Pia

Tribunal anula crimes a Marçal, Cruz e Silvino e manda repetir parte do julgamento

Tribunal da Relação de Lisboa decretou a nulidade do acórdão na parte respeitante aos abusos cometidos na casa de Elvas, o que significa que os crimes de Elvas terão de ser julgados de novo na primeira instância.
 ...
Apenas Carlos Silvino poderá recorrer da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça por a sua pena ser superior a oito anos de prisão. Os restantes condenados só podem recorrer para o Tribunal Constitucional, o que suspende a execução da pena. À data dos factos, os menores tinham entre 10 a 13 anos.


Serão agora maiores e condenados a esperar.  

EM NOME DO ESTADO

Por um post colocado aqui li esta notícia: Sérgio Monteiro, secretário de Estado dos Transportes afirmou que as dívidas das empresas públicas do sector serão assumidas pelo Estado e não serão os utentes ou os trabalhadores a pagá-las.

Ferreira de Almeida, autor do post que referi, afirma:    
O Estado, neste caso, são os contribuintes como o governante bem sabe. Pensava eu que a socialização das consequências dos disparates cometidos era coisa do passado. E que as explicações demagógicas tiveram o seu tempo. Erro meu.

Quem pode discordar?
Comentei, a propósito, aquilo que tenho repetidamente anotado neste bloco de notas:

Em nome do Estado refugiam-se as irresponsabilidades dos governos, centrais e locais e outros governos mais.
O Estado ( ) é um ente sem capacidade volitiva. É imputável pelos erros cometidos por outros em seu nome.
O nome do Estado é sempre invocado como forma de encobrir ou diluir responsabilidades, e, deste modo, safar os reais responsáveis.

Não foi o Estado que fez, ou não fez, ...isto ou aquilo, foi o Governo X, a Câmara Y, o Conselho de Administração de Z. Mais concretamente, o senhor A, o senhor B, o senhor C, etc.

Falta transparência na apresentação das contas públicas.
Há práticas e criatividades que permitem as manipulações mais graves cujos resultados só são conhecidos ao retardador. E os culpados já estão noutra. A culpa de quem é? Do Estado? O que é isso?

O primeiro passo para mudar de vida é não invocar o nome do Estado, porque o Estado tem as costas largas mas são virtuais.

Procurei na net alguma informação sobre o senhor SEOPTC. Encontrei aqui.

"A ideia de nomear Sérgio Monteiro para Secretário de Estado Obras Públicas, Transportes e Comunicações é no mínimo curiosa. Não conheço o senhor de lado nenhum, mas um percurso profissional na banca onde se destaca “a participação no processo de refinanciamento da dívida da RTP e no recente plano de reestruturação da dívida da Carris e de racionalização de custos” e mais uma data de parcerias para financiar obra pública (Auto-Estradas Douro Litoral e Auto-Estradas do Marão e, pasme-se, TGV) levanta-me assim, sei lá, umas suspeitas. Ou o homem está arrependido, e conhecedor privilegiado dos meandros destas golpadas vai dar cabo delas num instante, ou não há mesmo vergonha nenhuma entre os representantes nacionais da troika."

Wednesday, February 22, 2012

FERIADOS "À LA CARTE"

Lembram-se daquela cena em ""Driving Miss Daisy" quando a velha judia oferece a Hoke, o seu motorista analfabeto, um livro de iniciação à leitura no dia de Natal, frisando que o fazia, não por ser dia de Natal, "porque os judeus não oferecem prendas de Natal"?

Trata-se de uma cena muito significativa da diversidade dos valores, neste caso religiosos, com que se tecem as sociedades humanamente desenvolvidas. Lamentavelmente, por outro lado, é o  desrespeito por essa diversidade que destrói outras. 

A diversidade étnica, religiosa, cultural, é crescente com a crescente mobilidade humana. Nunca foram tão intensos os fluxos migratórios, nunca as sociedades experimentaram a crescente diversidade de valores civicamente respeitáveis entre pessoas que se relacionam no dia a dia.

Vem isto a propósito de uma discussão que pode abrir brechas na sociedade portuguesa num altura em que a coesão social é um requisito de sucesso para ultrapassar a crise económica e financeira: o corte de feriados. Os monárquicos, os nacionalistas, os pretensamente mais patriotas que os outros, enfim, um grupo alargado, que conta com o apoio decidido de dezenas de historiadores, rejeita que o 1º. de Dezembro seja um dos sacrificados pelas exigências da austeridade; Os Socialistas, pretensamente legítimos herdeiros dos que fizeram a Primeira República, rejeitam que cortem o Cinco de Outubro; A Igreja portuguesa condescende em aceitar um corte de dois feriados religiosos desde que o Governo corte dois civis, e o Papa aprove.

Ninguém, no entanto, parece-me, se lembrou que, para além dos católicos (a sério), a sociedade portuguesa é composta por muitos cidadãos com outros credos religiosos, para além daqueles que, na prática, não praticam credo algum.

Como contentar todos sem molestar os valores prezados por outros?

Fácil: "Feriados à la Carte"
Quer isto dizer que o Governo deveria, atendendo às nossas necessidades de crescimento de competitividade, e tendo em conta os parceiros com que nos relacionamos, a União Europeia de que somos elemento, os factores de custo daqueles com quem temos de competir, fixar um número de dias de feriados anuais.

Não contando com o Domingo de Páscoa (por ser domingo), Portugal tem 7 feriados nacionais civis (contando com a Terça-feira de Carnaval)  e 6 feriados religiosos. Se o Governo entende que deve cortar 4, porque não legisla isso mesmo e deixa o resto por conta dos cidadãos? Cada um que escolha dos 9 restantes aqueles que realmente mais preza.

Isto é: Se um cidadão professa a religião judaica (ou islâmica, ou qualquer outra) faz sentido que lhe seja concedido feriado no dia de Natal mas não no dia da celebração da sua festa religiosa? Faz sentido que o dispensem no dia de Terça Feira de Carnaval se ele preferiria que lhe mantivessem o 5 de Outubro? Se um preza mais o 1º. de Dezembro que o 25 de Abril porque não lhe conceder essa opção? É legítimo negar a um católico um dia para  a festividade do Corpo de Deus e obrigar um judeu a não trabalhar no dia de Natal?

Pensem nisso senhores deputados!
E, já agora, mudem de Conselho de Administração da AR por clara incompetência no domínio da aritmética. Essa da água engarrafada ser mais barata que que a da torneira só por asneira ou brincadeira de Carnaval (vd. aqui )

Tuesday, February 21, 2012

CARNAVAL EM AGOSTO

A cultura tem as costas largas mas geralmente pouco pano para lhe cobrir o pêlo.
Um dos sinais distintivos culturais de uma sociedade são as suas tradições, uma parte da memória do seu passado sem a qual o presente é uma amnésia à deriva. Nem todas as tradições são respeitáveis à luz dos valores que a evolução do desenvolvimento humano vai burilando, algumas vão sendo reprovadas e eliminadas pela moral e pela lei encontradas nos caminhos que as sociedades percorrem. Outras são admitidas por imitação e acabam como adopção de memória curta que o tempo se encarregará, ou não, de cimentar.

Há dias comentei aqui (aliás, também aqui ) que, há já muitos anos, tinha assistido a um desfile carnavalesco, num domingo gordo, frio, de sol envergonhado, as desfilantes a saracotearem as bundas caucasianas ao som do fado gritado através dos altifalantes colocados ao longo do percurso. Alguém que leu a minha nota actualizou-me na matéria: O ridículo não voltou a repetir-se e hoje existem em Buarcos duas escolas de samba. Que ensaiam durante o ano, é uma oportunidade de convívio entre os jovens, e outros menos jovens, presumo, que mal há nisso?

Nenhum.
Buarcos tinha no seu rancho folclórico (As Cantarinhas de Buarcos) o orgulho de uma tradição mostrada em muitos sítios do mundo. Era, acredito que ainda seja, a continuidade de uma memória antiga, registo etnográfico de uma comunidade piscatória que muitas vezes vi rejubilar e chorar. E sempre me encantou a destreza com que dançavam de cântaros enfeitados à cabeça sem cacos no fim.

E não pode haver "Cantarinhas" e "escolas de samba"? Pode. Mas não é perdurável.  O produto importado , por razões que seria fastidioso estar aqui a esmiuçar, acabará por afastar o produto local. A tradição acabará por ceder à importação.

Este ano a meteorologia está do lado dos sambistas portugas. Faz sol, a temperatura será amena lá para o começo da tarde, não chove, a seca é outra coisa. Em todo o caso, a imitação do samba brasileiro é visivelmente um arremedo ridículo do original. Este ano o Rei  Momo é o Futre! Não há fado mas há Futre.

Sobra-me uma sugestão: Se o samba veio para ficar no carnaval português, porque não alteram o dia de entrudo para meados de Agosto, quando a temperatura atinge os valores do Carnaval do Rio?
Além do mais escusava o governo de não conceder tolerância de ponto. Em Agosto, Portugal está de férias.
Se a tradição se importa não deve importar-se que a mudem para estação mais adequada.

Natal é quando um homem quiser.
E por que não o Carnaval?

Monday, February 20, 2012

INGARANTIDAS

Em Dezembro soube-se que o BCP tinha emitido 1,35 milhões de obrigações com um "spread" de 12% e a garantia do Estado. Hoje é notícia que o O BCP emitiu 1,5 milhões de obrigações com a garantia do Estado. Não estou assim tão atento para saber a quanto já montam as garantias dadas pelo Estado (isto é, por nós) ao BCP.

Segundo a mesma notícia de hoje, na passada sexta-feira, o BES também anunciou a emissão de 1,5 mil milhões de euros em títulos de dívida a três anos também garantida pelo Estado, com taxa variável.

Não estou assim tão atento para fazer uma ideia do total garantido pelo Estado aos bancos deste país. E muito menos ao total das garantias dadas por operações de outras entidades públicas ou mesmo privadas não financeiras. Só à Caixa Geral de Depósitos, e no que ao BPN respeita, a coisa não se fará por menos de cinco mil milhões de euros, segundo cálculos por baixo, que devem estar a crescer como ervas daninhas.
 
Sabemos, grosso modo, a quanto monta a dívida pública. Como a dívida está a crescer e o PIB a cair, a relação entre a primeira e o segundo já deve ter ultrapassado os 120%. Quanto a garantias dadas, o que sabe aparece fraccionado.
 
Até ao dia em que, inadiavelmente, grande parte destas garantias passam a ser consideradas o que são ab initio: dívida pública sem tirar nem pôr.

O PARADOXO DA GLOBALIZAÇÃO

O Paradoxo da Globalização - Democracia e o futuro da economia mundial - de Dani Rodrik foi editado na primavera do ano passado nos EUA, mas suponho que não se encontra ainda à venda em Portugal traduzido em português. Comentei-o, sucintamente, aqui e, em diversas notas colocadas neste bloco, tenho referido vários dos tópicos suscitados por Rodrik.

Não sendo uma obra voltada especificamente para a análise dos problemas com que a União Europeia se defronta, muitas das questões para as quais, nós, europeus, sobretudo das economias mais fragilizadas, não encontramos respostas, encontram naquela obra um contributo que deveria ser merecedor de muito mais crédito do que tem sido.

Passados seis meses, voltei a ler o meu apontamento e a reler o que no livro sublinhei ou comentei nas margens, na altura. Continua impressionante a actulidade do diagnóstico de Dani Rodrik.

É uma lástima que não exista tradução em português, suponho. Se existir, ou se a edição americana se encontrar disponível por perto, não deixem de o ler.

Sunday, February 19, 2012

A TOLERÂNCIA DE PONTO DO RANGER

Percebe-se que muita gente, a propósito do aumento dos dias de trabalho, seja por aumento da duração diária, seja por redução dos feriados, seja por não concessão da tolerância de ponto, reaja revoltada e proteste nas ruas. Ninguém gosta de ver diminuidos os direitos adquiridos. A reacção contrária é possível mas não é normal. 

Já não se percebe, no entanto, que pessoas minimamente informadas, e mesmo algumas individualidades respeitáveis, afirmem que não é com medidas destas que se aumenta a competitividade da nossa economia. Ora um razoável nível de bom senso e o conhecimento da aritmética elementar são suficientes para demonstrar o contrário. A competitividade não depende apenas das horas trabalhadas, evidentemente, pode, em alguns casos ou circunstâncias, não depender mesmo nada, mas é indiscutível que, em princípio, a mais horas de trabalho corresponde mais trabalho realizado. Há, evidentemente, limites para o funcionamento desta correlação, mas estão muito para além daqueles que estão na ordem do dia em Portugal. 

Uma lei da economia que qualquer artesão cesteiro não desconhece: Quem faz um cesto faz um cento, é apenas uma questão de tempo.  

E o Ranger, tropa para operações especiais com quartel em Lamego, o que pensa disto?

Ouvi-o ontem na Antena 1. O Ranger está desmotivado. Não está desmotivadíssimo porque isso seria uma vergonha para um ranger, habituado a passar dias debaixo do solo, a treinos só suportáveis por uma elite que começa com 400 voluntários e que vão desistindo até sobrarem não mais que uma dúzia. Mulheres, não há, mas não está proibido. No exército dos EUA há algumas. Por cá ainda não apareceu a primeira candidata. O Comandante tem o maior orgulho nos seus homens. Eles são o exemplo da dedicação aos valores mais elevados e à renúncia aos interesses próprios. O seu modo de vida é arriscá-la.

Está o Ranger insatisfeito com o pré ou o retardar das promoções? Não senhora!, garante o Ranger à repórter. O que o desmotiva é a inactividade a que ele e muitos camaradas seus estão relegados. O que o Ranger não compreende é que sendo os rangers formados para intervir em teatros de guerra onde as operações especiais são o regalo de cada dia, vêm outros camaradas sem especialidade, nem treino, nem nada, de comandos serem enviados para o Afeganistão. E eles, ele mesmo, está há nove anos á espera de uma oportunidade! Há nove anos que se treina e se retreina em Lamego, e o Afeganistão viste-o?

Aproximou-se da repórter um segundo Ranger, com mais sorte, vá lá. Esteve dois anos no Kosovo, foi o máximo, agora queria o Afeganistão e não lho dão, só para rimar.

E se a guerra acaba no Afeganistão? Nunca acabou, não vai acabar, confiam eles, esperançados.

E quanto a terça-feira de Carnaval, como é? Militar, cara repórter, acata ordens. Se não há tolerância, o Ranger treina. Para quê? Ora para quê? Para estar preparado para o Afeganistão, é assim tão difícil de perceber?



Quem faz um cesto faz um cento mesmo em Domingo Gordo ( hoje, na Figueira da Foz)

A PANDORA DA CAIXA

A Caixa não é geral de depósitos mas de irresponsabilidades.
Ainda anteontem voltei ao tema aqui neste bloco de notas e o Expresso/Economia deste fim-de-semana dá conta de outras extravagâncias cometidas e recompensadas com os impostos que, alguns de nós, pagamos.

Relata o Expresso/Economia que as actividades da Caixa em Espanha e França se caracterizaram por perdas, créditos irrecuperáveis, drenagem de fundos que os portugueses pouparam e os caixadeiros mandaram para reparar os desastres cometidos. Uma sangria que, segundo o Expresso, ultrapassa o escândalo por esclarecer chamado BPN. Aliás, todos os escândalos financeiros (do BPP ninguém fala) estão por esclarecer e em vias de prescrição.  

Esteve lá, em França e Aragança, e foi promovido  a caixadeiro presidente, aquele que é agora chairman caixadeiro.
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 Miguel Sousa Tavares conta, resumidamente, a história no caderno principal do Expresso. Não por ter lido o Aliás, evidentemente. O Miguel é visceralmente contra os blogs, mesmo que o Aliás não seja um blog mas um bloco de notas.
É uma história sobejamente conhecida e vergonhosamente tida por ignorada, tanto pela justiça como pelos políticos do arco do poder.

Saturday, February 18, 2012

O JUSTIÇÓMETRO

Há dias, a propósito da condenação de Baltazar Gazón, dois posts colocados aqui e aqui suscitaram dezenas de comentários que, fundamentalmente, defendiam uns a decisão dos juízes que condenaram Garzón, pela utilização, tida por  ilegal, de provas (conversas de arguidos com os seus advogados), sustentando que aos juízes compete a estrita execução das determinações das leis, contrapondo outros que a interpretação das leis, de quaisquer leis, não é nem nunca foi cega, como pretende a imagem com que geralmente a representam. As leis são as que as forças predominantes pretendem que sejam, os juízes decidem em função da interpretação que delas fazem, e, não raras vezes, de factores externos que os condicionam. Se assim não fosse não teríamos, como dizia o outro, justiças a mais, porque temos, pelo menos duas: uma para os pobres, outra para os ricos.

Para além disso, pode qualquer lei condicionar a procura da verdade, a condição sem a qual a justiça não é possível, se essa procura não for realizada por meios que atentem contra a integridade física ou psicológica da pessoa humana? Que razão maior se pode sobrepor à procura da verdade para além do respeito pela condição humana?

E que justiçómetro pode evitar que inimputabilidade dos juízes fira os mais sensíveis sentimentos do povo em nome do qual os juizes têm a incumbência de julgar? Compreendo que a abundância de exemplos patológicos seja tanta que os profissionais do direito para os quais a ética da sua profissão é um valor inviolável se sintam incomodados com eles mas, que apesar disso, continuam intransigentes na defesa dos princípios em que acreditam.   

Mas não sei como podem justificar, sustentados nessas traves mestras do direito, sentenças como aquelas que os jornais de ontem noticiaram: Supremo condenou psiquiatra a pagar 100 mil euros por abuso sexual a paciente grávida, depois das Varas Criminais do Porto terem condenado o psiquiatra a cinco anos de prisão (pena suspensa) e a 30 mil euros de indemnização à vítima, e a Relação o ter absolvido "por não ter havido violência suficiente", e impedindo o recurso à vítima da parte criminal.

Que facto novo ocorreu entre a sentença em primeira instância, a absolvição pela Relação e a condenação na parte cível pelo Supremo, senão a ocorrência de factores exteriores em que, neste caso, suponho eu, preponderaram os juízos populares?

Insisto: A justiça não pode ser popular mas também não pode ser impopular. A condenação de Garzón obedeceu primordialmente aos ditames de princípios que nem são justos nem são populares pela simples razão que preterem a procura da verdade com que se realiza a justiça à calcificação do direito.

Friday, February 17, 2012

PRIVATIZEM A CAIXA!

Hoje são poucos aqueles que, insuspeitos de defender interesses próprios, discordam que o grande responsável pelo caos financeiro que continua a assolar algumas economias ocidentais (incluindo os EUA e o Reino Unido) decorreu, e continua a decorrer, de uma tara do sistema que continua por eliminar: o moral hazard. Tenho apontado isto neste bloco de notas e não é ensimesmamento meu: No começo de 2010, Ben Bernanke (citei aqui) em entrevista concedida à Time afirmava sem rodeios que o maior problema do sistema financeiro nos EUA era o "Too big to fail" o que, trocado por miúdos, significa que os banqueiros podem enveredar pelos caminhos mais arriscados porque, se falharem, os contribuintes serão chamados a pagar os seus erros. Se ganharem, ficam podres de ricos, sem obrigação de reposição dos ganhos feitos à custa das suas irresponsabilidades.

Até agora, continua tudo mais ou menos na mesma. E não é com mais regulação que a questão será solucionada. Para cada cláusula regulamentar há sempre um batalhão de advogados dispostos a inventar a sua ultrapassagem para cobrar os seus honorários. Insisto nisto: Separem a banca de depósitos e investimentos na economia real da banca de financiamento e promoção de operações meramente financeiras e deixem cair estas se elas não se aguentarem.

Em Portugal, a Caixa Geral de Depósitos continua, incompreensivelmente a fazer o que sempre fez de algumas décadas a esta parte: comporta-se como um banco com um casino por parceiro. Financiou operações claramente especulativas, envolveu-se em guerras entre accionistas de outros bancos, geriu desastradamente esse mostrengo que dá pelo nome de BPN, que continua a fazer o que lhe apetece. Há dias, dizia o presidente da Caixa, quando anunciava os quase meio milhar de milhões de perdas em 2011 que isso se devia a imparidades não provisionadas anteriormente. Mas o seu antecessor é o actual chairman da mesma instituição e o antecessor do antecessor foi até agora presidente do banco onde se desenrolou uma guerra que a Caixa municiou, quando ele ali dava ordens. Agora sai de CEO e passa a presidente do Conselho de Supervisão (ou a mesma coisa com outro nome).

Quer dizer: O beneficío ao infractor prolonga-se para lá do suporte que os contribuintes  são obrigados a ajoujar se o banco dá de lado e premeia os principais responsáveis pelo tombo.

Mas o que me levou a escrever este apontamento não foi apenas a intenção de relembrar o tema.
O que me suscitou este apontamento foi uma das muitas dúvidas que não sei se alguém que me lê sabe a resposta. Uma, por exemplo, para não me alongar mais: As perdas brutais do BPN (cinco mil milhões?) são uma enormidade qualquer que seja o termo de comparação buscado neste país. Estão encostadas na Caixa e o presidente não as considera incobráveis porque tem a garantia do Estado (leia-se dos impostos dos contribuintes). O anterior já tinha dito o mesmo. Estão contadas nas contas do Estado?

Por mim a Caixa deveria ser vendida. Integralmente. Reconhecidamente não serve para nada e, no caso do BPN, serviu para permitir que o escândalo ainda fosse maior. Com o produto da venda o Estado entraria no capital dos bancos que precisam de cumprir os rácios requeridos, se os seus actuais accionistas o solicitassem. A entrada do Estado far-se-ia como accionista com acções privilegiadas, sem direito a voto mas com prioridade na atribuição de dividendo.

E aproveitem os 12 mil milhões destinados aquele fim para promover o crescimento económico. Há tanto que pode ser feito com pouco dinheiro e elevado retorno!

Thursday, February 16, 2012

POR 850 MIL EUROS


Um quadro de Paula Rego foi vendido ontem em Londres por um valor equivalente a 850 mil euros. O título em inglês, "Broken Promises" não identifica a fonte de inspiração: a ópera "Madame Butterfly", de Puccini, ao contrário de uma série de outras obras, algumas delas expostas na Casa das Histórias em Cascais (Rigoleto, Traviata, por exemplo) reproduzidas acima.


No mesmo leilão foi vendido "Retrato de Henrietta Moraes" de Francis Bacon por 25 milhões de euros


 
Coloco esta nota e não posso deixar de referir uma história contada aqui. Não deixem de a ler!

A crise, meus amigos, não chega para todos mas sobra demais para alguns

Wednesday, February 15, 2012

KRUG TRIPLE HONORIS CAUSA MAN

Dia 27 de Fevereiro é dia de Hat-trick em Portugal para Paul Krugman, segundo notícia publicada aqui.

O doutoramento será concedido pelas universidades de Lisboa, Técnica e Nova . O Nobel da Economia de 2008, que conhece Portugal desde que foi estudante no MIT, visita Lisboa na sequência da sua entrada para a Academia de Ciências de Lisboa como correspondente estrangeiro.

A mim parece-me bem: Como as coisas estão, dividir os encargos das cerimónias sairá mais barato para as universidades e menos fatigante para o triplo-doutorado, o que não deixará de pesar nas suas análises acerca do esforço deste povo que ele estima para se tornar mais parcimonioso e eficiente em época de crise galopante.

As políticas de austeridade adoptadas pela União Europeia (leia-se Alemanha), FMI e BCE para a solução da crise têm merecido repetidas críticas do Prof. Krugman, também neste caso muito sintonizado com as opiniões do Prof. Stiglitz. O tempo tem vindo, aparentemente, a dar-lhes razão. E digo aparentemente, porque nunca poderemos saber se a opção expansionista (se a Alemanha a consentisse) poderia resgatar as finanças e recuperar as economias mais fragilizadas e tonificar-lhe as suas fraquezas estruturais.

Realmente não sabemos nem uma coisa nem outra.
O Prof. Krugman e o Prof. Stiglitz têm sido incansáveis a repetir o erro europeu. Mas as suas abordagens macroeconómicas não consideram, geralmente, os micro-meandros de uma realidade atrofiada que não se resolve simplesmente com mais dinheiro.

Mas, a este respeito, também não tem sido relevante o contributo dos académicos que no dia 27 o vão aplaudir. 

Tuesday, February 14, 2012

AFINAL, A CORRUPÇÃO É COISA LEGAL EM PORTUGAL

Ouvi a notícia esta manhã na Antena 1 e pensei: devo ter ouvido mal.
Procurei confirmação em vários sites, e nada. Confirmava-se a minha confusão matinal. 
Até que uma crónica de João Cândido da Silva publicada aqui me sossegou a preocupação sobre a minha sanidade auditiviva mas me levantou outra preocupação não menos inquietante: a incapacidade galopante para entender minimamente algumas fitas a que somos obrigados a assistir no dia a dia.

Mas mais preocupante que as tais fitas é a ausência, neste caso, do ruído ensurdecedor com que os media costumam excitar o povão e vender os seus números em casos que, comparados com este, não valem um tostão furado, como se dizia no tempo da maria caxuxa. Definitivamente, se isto se confirma, se isto é mesmo a sério, se isto não é já alucinação esquizofrénica ou sonho divertido de uma noite perturbada, Portugal é, sem apelo nem agravo, um país onde a corrupção passará a estar protegida pela lei.

E, se assim for, não haverá corrupção em Portugal.

Se é legal, faça o favor de se servir! 1505 euros de cada vez, mas pode servir-se as vezes que quiser.

- Estou multado? Porquê, senhor guarda?
...
- E quanto é que vale a multazinha?
...
- Hum! Trezentos euros?
Que lhe parece se eu lhe oferecer um presente de cento e cinquenta, afinal o senhor prestou-me um serviço ao chamar-me a atenção para o meu excesso de velocidade, que punha a minha vida em risco, e esquecemos a multa?

---
Act- Afinal parece que houve erro: não serão 1505 euros (até o valor parecia bizarro) mas 150.
O documento ainda está em apreciação e parece que as ofertas recebidas devem ser declaradas.
Pagarão IRS?

Monday, February 13, 2012

A ECONOMIA DA FANTASIA

Atenas foi ontem assolada por um furacão de raiva e enlouquecimento. Derrubaram semáforos, destruíram as paragens dos autocarros, partiram as montras de lojas, espatifaram agências bancárias. Para quê?
Talvez para descontrairem.
Que os manifestantes tenham, despejado a sua fúria nas agências bancárias, compreende-se: foram os bancos que, lá como cá, importaram e distribuiram crédito movidos unicamente pelos estratosféricos rendimentos que os banqueiros embolsaram. Mas o resto destruído é mais um encargo debitado na conta dos gregos. A economia grega sustenta-se em grande medida dos serviços (77% em 2010)  com grande destaque para o turismo, e as imagens da destruição e do caos transmitidas em directo para todo o mundo não são convidativas para os turistas, sobretudo em tempos de crise.  

Segundo os relatórios do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a Grécia ocupava em 1999 a 23ª.posição no Índice de Desenvolvimento Humano, atrás da Itália (20ª) e da Espanha (21ª). Portugal estava na 28ª. Em termos de PIB/capita na Itália era de 22172 dólares PPC, isto é, em termos de paridade de poder de compra, em Espanha, 18079, na Grécia 15414, em Portugal 16064. O Índice de Desenvolvimento Humano era superior na Grécia ao de Portugal apesar de ser inversa posição em termos de PIB/cap porque era superior na Grécia o índice da esperança de vida (0,89) ao de Portugal (0,84). No índice da educação Portugal situava-se ligeiramente acima da Grécia: O,93 e 0,92, respectivamente. A Irlanda estava em 18º. lugar (PIB/cap - 25918) , a Islândia ocupava o primeiro lugar (PIB/cap - 36510), a China o 87º. (PIB/cap - 3617).

Doze anos depois, a Espanha caiu para a 23ª. posição (PIB/cap - 26508, a valores constantes de 2005), a Itália caiu para a 24ª (PIB/cap - 26484), a Grécia caiu para a 29ª (PIB/cap -23747), ultrapassando Portugal em PIB/cap (20573), que caiu para a 41ª. posição. A Islândia caiu para a 14ª. posição, (PIB/cap - 29354), a Irlanda subiu para a 7ª posição (PIB/cap - 29322), a China caiu para 101ª. mas o seu PIB/cap duplicou.

Os efeitos das políticas de austeridade ainda não estão reflectidos nos valores do relatório saído em Setembro do ano passado. Mas não é difícil prever que a Grécia observará um tombo histórico, que Portugal continuará a cair no ranking, eventualmente baixando de divisão (de Very High Human Development para High Human Development), a Espanha, de novo com índices de desemprego record não vai recuperar tão cedo, a Itália segue pelo mesmo caminho. A Irlanda vai sustentar-se porque é sustentável o seu modelo económico, ainda que a factura da dívida externa subsista em níveis elevadíssimos por muito tempo.

E tudo isto porque durante mais de uma década as economias foram embriagadas pelo crédito fácil e barato. Tudo isto porque a banca drogou grande parte das economias ocidentais, oferecendo em crédito o que a economia real não lhes podia pagar em salários. Tudo isto porque a economia da fantasia, do ipod, do ipad, do face book, do twitter, dos media, do showbiz, do futebol,  convenceu os atónitos espectadores que a produção real era secundária.

Há dias dizia-me um amigo meu que já tinha visitado 36 países mas, confessava, em muitos casos não lhe restam na memória quaisquer referências do que visitou. Só sabe que passou por lá. As pessoas passaram a coleccionar viagens ao estrangeiro com o objectivo primário de coleccionar.

Leio no Expresso desta semana que o patrão da low cost Ryanair elogiou a falência da Spanair, defendendo que tal permitirá a chegada de novas companhias aéreas com preços mais baixos e serviço mais eficiente... Em março de 2010, depois de o sindicato dos pilotos ter anunciado uma greve, a Ryanair perguntava: "Quem ainda precisa de pilotos da TAP?"   Três meses depois, ofereceu ao presidente da TAP um bilhete de viagem gratuito para que experimentasse "a eficiência e a pontualidade da companhia líder em tarifas baixas".
Que custos escondidos ou esquecidos  terão de ser pagos um dia mais tarde?

Com tanta deslocação, tanto entretenimento, tanta emoção à vista, quem é que se dá ao trabalho de trabalhar?

Sunday, February 12, 2012

CRIME E RECOMPENSA

A Caixa Geral de Depósitos é um manancial de escândalos visíveis.
O Expresso/Economia desta semana retoma um tema já conhecido: As administrações da Caixa emprestaram para operações meramente especulativas não só o dinheiro das poupanças de muitos portugueses mas também de crédito importado com que participaram no afundamento da solvência do País.

O caso conhecido relatado nesta edição do Expresso/Economia  intitula-se - Sem dinheiro, Fino quer que a CGD mantenha a Cimpor. O que, traduzido, significa que a Investifino, dona da Soares da Costa não tem dinheiro para recomprar os 9,6% da Cimpor que estão dados como garantia à Caixa até à data limite para o fazer: 16 de Fevereiro. Se o não fizer a Caixa pode vender as acções mas tem de conceder a opção ao grupo brasileiro Votorantim, já detentor de mais de 50% da cimenteira. 

É aqui que entra a troica: a pressão para que os bancos descartem as participações fora da actividade bancária é enorme mas essa pressão, ao que parece, não envolve esta participação de 9,6% na Cimpor.  A  hipótese de a Caixa continuar a deter os 9,6% da Cimpor é admissível pelos troicos.  

Independentemente, contudo, do que vier a ocorrer no futuro, é (deveria ter sido) inadmissível que a Caixa pudesse dedicar-se ao financiamento das guerras entre grupos industriais entregando fundos a umas partes que as outras, as que venderam e receberam, muito provavelmente fizeram emigrar para "offshores".
Mas também é muito possível que parte deles tenha retornado sobre a forma de empréstimos externos com que os bancos andaram a aquecer o endividamento do Estado, das empresas e das famílias portuguesas.

Quanto é que do endividamento externo é dinheiro português offshorizado? Alguém sabe?

Entretanto, os culpados da traição (se houver adjectivo mais adequado, emendo logo de seguida) foram principescamente bem pagos e promovidos.

Saturday, February 11, 2012

KRUG NON STOP MAN



Luis Aguiar-Conraria, dá conta aqui do seu espanto perante a prolixidade de Paul Krugman. Da leitura do comentário fico na dúvida se LA-C considera Krugman prolixo ou prolífico. No texto considera-o prolixo mas o conteúdo não aponta, suponho, nesse sentido.

"O que mais surpreende é ( ) Paul Krugman. Quem conhece os seus contributos para a profissão, que, merecidamente, lhe granjearam o Prémio Nobel, não pode deixar de ficar a espantado com a sua exuberância blogosférica. Krugman não larga o esférico. É tão prolixo que se torna complicado acompanhá-lo. Ontem, escreveu o seu primeiro post às 10h30m. Ainda não eram 11h da manhã e já escrevia a sua segunda entrada. A meio da tarde, sai-se com uma outra entrada, para, 12 minutos depois publicar uma nova. Ainda não tinham passado 25 minutos e já tinha algo de novo a dizer ao mundo. 7 minutos depois escreve uma nota metodológica. Logo a seguir ao jantar, às 6h20 – nos EUA janta-se cedo – deixou mais uma entrada, esta de índole musical.

Isto foi ontem. Hoje, sábado, às 8h da manhã, já tinha uma nova entrada, com três gráficos. Aqui, em Portugal continental, pouco passa das 2h da tarde, dado que lá são menos 5 horas, Krugman ainda terá tempo para mais 5 ou 6 entradas, que isto de fins-de-semana é para tenrinhos."
 
Comentei:
 
Comungo há muito tempo do seu espanto.
Tanto quanto me espanta a escassa presença dos académicos portugueses na discussão dos problemas com que Portugal se confronta.

Há, é certo, alguns artigos publicados em jornais, entrevistas ou participações em mesas redondas televisionadas. Mas que, frequentemente, não passam de afirmações redondas e não quantificadas.
Os blogs portugueses pretensamente vocacionados para a discussão de questões económicas e financeiras não suscitam, não sei porquê, o contraditório dos seus pares ou ... dos seus impares.
O "The Portuguese Economy", redigido em inglês, não cativou até hoje comentadores estrangeiros em número que justifique a opção pela língua inglesa. Salvo melhor opinião.
O último artigo, que considero muito bem estruturado (e merecedor de contributos porque nada neste domínio é definitivo nem cientificamente exacto), grangeou dois comentários: "very good", "very good". E já lá vão cinco dias.

Mas o deserto alarga-se a outros blogs mais ou menos conhecidos catalogados como "económicos".
É certo que um blog não é um tratado, "um paper", é uma coisa tão leve quanto possível.
Krugman, para além de prolífico, atrai os comentários de gente que, geralmente, discute num plano equivalente. Nem sempre, é verdade, e ele já tem tentado espantar os menos bem intencionados.
Por outro lado, penso que Krugman é, mais do que Krugman, um grupo que krugminiano que lhe facilita a recolha de dados e realiza pesquisas orientadas por ele.
Não é possível nada de semelhante nas faculdades de economia portuguesas?

ACERCA DA FRAGILIDADE DA CONDIÇÃO HUMANA


"The Iron Lady" não é um filme sobre o thatcherismo, enquanto modo de governo decalcado do receituário da escola neo-liberal, porque são escassas as cenas registadas com esse propósito. Mas também não é, essencialmente, um filme sobre o carácter, como já li algures. Ainda que o realizador dedique uma parte significativa da rodagem do filme à reconstituição de uma personalidade ímpar na história contemporânea,  dominadora, inflexível, determinada até ao ponto de ridicularizar os seus ministros, e ficar só, vi o filme de outro modo.

Em grande parte do filme, se não a maior parte, o realizador regista a vida de uma Thatcher que o público não conhecia, reclusa em casa, enredada nas alucinações com que a doença de Alzheimer a atormentam e lhe rebobinam o passado. É, neste sentido, um filme cruel. 

O realizador confronta-nos a imagem, admirada ou odiada, de uma personalidade que, para o bem ou para o mal, de parceria com Reagan, outra figura desfeita pela Alzheimer, alterou o mundo, com a destruição progressiva e irreversível de tudo o que nela tinha sido diferente. 

O filme vale a pena ser visto, muito sobretudo por mais uma interpretação notável de Meryl Streep

Friday, February 10, 2012

TOLERÂNCIA DO INTOLERÁVEL


Sou suspeito.
Não gosto da Caixa Geral de Depósitos por razões antigas que, espero, um dia destes ter a pachorra suficiente para rememorar aqui.  
Não gosto da Caixa também pela untuosidade do edifício que Arsénio Cordeiro concebeu à imagem do palácio de Ceausescu, num tempo, estava-se em 1981, era primeiro-ministro Pinto Balsemão, em que uma tal decisão veio a redundar numa obra faraónica num país insolvente - dois anos depois negociava-se o primeiro acordo com o FMI. A construção da enormidade foi iniciada em finais de 1987.
André Cordeiro, reconheça-se, conseguiu traduzir naquela estupidez de cimento armado a essência de uma instituição enormemente irresponsável. 


- Porquê?
- Ora, porquê, porque teve  de contabilizar imparidades: dos empréstimos feitos ao Berardo e a outros compinhas, garantidos pelas acções do BCP que agora estão abaixo de tostão.
- Tinham os administradores da Caixa permissão para fazer isto?
- Não só tinham como, muito provavelmente, foram persuadidos, digamos assim, a fazê-lo.
- Persuadidos por quem?
- Ora por quem. Pelo poder político da altura. Não?
- Hum! E por que razão não executa a Caixa as garantias se os empréstimos não foram pagos?
- Francamente, em que mundo vives? A Caixa, e os outros bancos, executam as garantias dadas por quem comprou habitação e caiu no desemprego, por exemplo. A caça grossa dorme com eles.
Ontem recebiam ordens do outro governo, agora recebem deste. 
- E sempre bem pagos ...
- E sempre excepcionalmente bem pagos. Excepcionalmente, porque estão numa actividade concorrencial. Dizem.
- O pagode põe o dinheiro na Caixa porque sempre pôs, porque a Caixa tem caderneta, porque a Caixa é do Estado, a Caixa é segura, a Caixa não vai à bancarrota, e a Caixa empresta a massa para fins especulativos, aceita as acções como garantia aos preços da altura, as cotações vão à viola, os empréstimos não são pagos, a Caixa regista prejuízos, pede ao Estado reforço de capitais para recompor os rácios, e o pagode paga as contas todas porque, carago!, o Estado somos nós.
- Nem todos. 

Ao mesmo tempo que acontecem coisas destas e outras parecidas, o assunto do dia continua a ser a intolerância de ponto na terça-feira de Carnaval.   

Thursday, February 09, 2012

AO ATAQUE

Ouvi a entrevista dada por Aguiar-Branco à Sic Notícias a propósito da carta aberta enviada pela Associação de Oficiais das Forças Armadas na sequência das declarações do ministro da Defesa sobre a dispensabilidade daqueles que não se encontrem confortáveis com a carreira profissional que escolheram. Antes daquela entrevista tinha passado uma declaração do Bispo das Forças Armadas, D. Januário Torgal Ferreira, criticando a  posição do ministro.

Aguiar-Branco esteve bem nas respostas às questões colocadas pela entrevistadora e foi convincente: As Forças Armadas Portuguesas não são sustentáveis sem reformas de fundo. Há escolas militares a mais, há hospitais militares a mais, há muita coisa que consome o dinheiro disponível sem enquadramento numa política de defesa consequente com as exigências actuais. Os militares reclamam as promoções a que tradicionalmente têm direito mas esse direito só pode ser satisfeito se forem cortadas despesas que deixaram de fazer sentido. Em resumo: O dinheiro disponível é pouco, é muito menos do que tem sido gasto até aqui.

Mas, independentemente das escassez de dinheiro, e muito mais relevante que essa questão, está a necessidade de inteira reformulação de uma política que se adeque às exigências de defesa da soberania do Estado num mundo em evolução tecnológica num grau sem precedentes na história. Não é preciso ter conhecimentos das profissões castrenses para perceber que umas forças armadas envolvendo 40 mil homens estão sobredimensionadas em número de meios humanos para as missões em que Portugal participa ou venha a participar. 

Aguiar-Branco não podia ser mais claro. 

Evidentemente, a problemática da defesa deveria ser uma das áreas em que a União Europeia se deveria unificar. Ninguém levanta a questão por razões de preconceitos nacionalistas serôdios mas, como já mais de uma vez referi neste bloco de notas, enquanto não houver união de facto nos  requisitos elementares de uma união efectiva - Moeda, Orçamento, Representação Externa, Defesa - consagrada pelo voto democrático, a União Europeia desmoronar-se-á mais tarde ou mais cedo. E, ai do europeus, se nessa altura as forças armadas dos seus ex-membros intervierem umas contra as outras.

Mas isto, evidentemente, Aguiar-Branco não disse.

Wednesday, February 08, 2012

O ERRO DE PASSOS COELHO

Em tempos de austeridade a sensibilidade anda mais à flor da pele. Passos Coelho deveria saber isso tanto mais que ainda não se calaram as críticas generalizadas feitas a Cavaco Silva a propósito das declarações sobre as suas pensões e despesas. Pedir aos portugueses que sejam menos piegas é uma a afirmação desastrada nos tempos que correm por mais voltas que se lhes dê. Trata-se de uma afirmação que, facilmente retirada do contexto, se sobrepõe a tudo o resto e destrói o melhor estruturado dos discursos. Mas este está longe de ser o maior erro de Passos Coelho.
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Passos Coelho não dispõe, e esse é o seu erro primordial, de uma maioria de apoio bastante para suportar a execução de uma política que durante os próximos anos será incontornavelmente impopular. Desde há muito que venho insistindo que o governo de gestão das imposições da troica deveria integrar todos os seus aderentes e, muito naturalmente, o partido do governo que o subscreveu em nome da República: o PS.
Passos Coelho não entendeu assim, prosseguindo aliás a posição de autosuficiência do seu antecessor, e os resultados começam a estar à vista.

As fracturas começam a desenhar-se cada vez com mais nitidez por mais que se desvalorizem as aparências.
Mesmo dentro do seu próprio partido, Passos Coelho começa a enfrentar uma contestação cada vez mais evidente, mesmo nos indícios aparentemente menos relevantes.

A propósito da não tolerência de ponto no Carnaval, uma decisão que me parece muito pertinente, é crescente o número de Câmaras que estão a decidir-se pela continuidade desse bónus de férias ao pessoal.
Para além daquelas onde o Carnaval é cartaz turístico local (Torres Vedras, Loulé, Ovar, e não sei se mais alguma) decidiram-se pela tolerância de ponto outros municípios onde o Carnaval nem sequer é arremedo importado do Carnaval brasileiro. Lisboa e Porto são os mais significativos.

Rui Rio tem até agora apoiado, com uma ou outra reserva tornada pública, o governo actual. Já António Costa é, obviamente, opositor do actual governo. Se, também neste caso, é entendível sem dificuldade a oposição de Costa já é menos perceptível a oposição de Rui Rio, que, inesperadamente, se revelou um português piegas.

Dentro do próprio governo, Paulo Portas, que não costuma desalinhar-se das posições dos governos de que faz parte, reagiu à polémica declaração do primeiro ministro, dizendo que os portugueses devem ser bem tratados porque estão a enfrentar o desafio da crise. 

Passos tinha afirmado, a propósito das declarações de Cavaco Silva quanto a pensões e despesas suas, que o Presidente da República estava sujeito às vicissitudes da crise como qualquer outro cidadão. Por outras palavras: deixa-te de pieguices, Aníbal!

Deixa-te de autosuficiência, Pedro: A crise desmorona-te a base de apoio, mais tarde ou mais cedo. Se não a alargas mas a estreitas com desabafos impopulares, cais mais cedo que o previsto.

Tuesday, February 07, 2012

LANHAS

Ontem registei a morte de Antoni Tàpies.
Fernando Lanhas faleceu no Sábado, também com 88 anos.
Não teve a projecção internacional de Tàpies mas foi um grande artista.

POR 250 MILHÕES DE DÓLARES

Há cerca de um ano referi-me aqui ao quadro de Cézanne que vi pela primeira vez, em Lisboa, durante a exposição promovida pela Gulbenkian, ainda na antiga Feira das Indústrias - Um Século de Pintura Francesa (1850 - 1950).

Cézanne pintou cinco quadros sobre o mesmo tema. Um deles é hoje notícia por estabelecer um novo recorde no mundo da arte. Foi adquirido para o Qatar por (supõe-se) 250 milhões de dolares, qualquer coisa como 190 milhões de euros.

vd aqui

AS TÁBUAS DA AUSTERIDADE


Os britânicos não gostam de Angela Merkel. O Economist ou o Financial Times também não.
O editorial publicado na edição desta semana do Economist - Angela the lawgiver - resume muito do que a maioria dos colunistas das duas publicações centradas na política e nos negócios  mais lidas em todo o mundo vêm escrevendo durante os últimos meses.

O subtítulo do artigo - A pact to cut budget deficits is achieved at the cost of a growing democratic deficit - sintetiza as vulnerabilidades de uma política aceite por 25 membros da UE - britânicos e checos recusaram - que acredita na redenção dos aflitos através das leis de austeridade impostas pelos desígnios de Merkel.

Na realidade, dos 25 que subscreveram mais um acordo, são cinco ou seis os principais visados e, mesmo de entre estes, as situações de fragilidade, e portanto de subordinação aos diktats de Merkel, têm graduações muito variáveis. A Grécia é o caso mais flagrante da prescrição mais pesada e, consequentemente, da subordinação mais humilhante. Depois da ruptura das negociações na semana passada até onde serão possíveis os compromissos que estão a ser tentados esta semana?

Ninguém sabe, mas todos esperam que a Grécia não seja colocada borda fora. O Economist, declaradamente uma publicação de pendor liberal, dedicou a capa de  várias edições nos últimos anos à importância da continuidade do euro e da União Europeia e criticou Cameron pelo seu afastamento do grupo fundamental da União. Não acredita no sucesso da política de austeridade e critica a falta de democraticidade na organização política e tomada de decisões da União. Mas não vai além disso.

Várias vezes tenho referido neste bloco de notas aquilo que continua ausente nas discussões públicas: A Grécia, para além de ser membro da UE é membro da NATO. Putin afirmava ontem que a NATO é completamente desnecessária, opõe-se à intervenção na Síria, opõe-se ao embargo ao Irão. Os dirigentes chineses alinham com ele. O governo húngaro admira-o. Se a Grécia tomba o desmoronamento da UE a leste é uma questão de tempo. Putin espera para recompor as peças que lhe saltaram do puzzle. 

Há falta de democraticidade na UE porque não há um governo mínimo legitimado pelos europeus. Há imposições de austeridade que não são digeríveis em tempo tão curto. Mas há sobretudo uma falta de perspectiva que garanta a perenidade da União Europeia a longo prazo e a sua presença como interveniente de topo num mundo irreversívelmente global. Há navegação costeira que não se apercebe dos submarinos imersos ao largo.

Saltando do barco, o Reino Unido não será menos responsável nem menos atingido pelo fim da União Europeia do que aqueles que, por enquanto, permanecem a bordo.
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Correl . - João Salgueiro acredita que Portugal poderá estar perto de um "período de grande expansão"
Oxalá acerte!

TÀPIES

Antoni Tàpies morreu ontem, com 88 anos.

Como diria o Miguel, "Não é o meu favorito!"