Monday, March 31, 2014

IMPOSTOS E IMPOSTORES

Confrontado com a derrocada nas eleições municipais Monsieur Hollande substitui o primeiro-ministro e promete baixar os impostos. É da praxe: a redução dos impostos é a promessa mais comum dos políticos candidatos e também a mais frequentemente invertida. Hollande, perante o desaire do seu governo nas eleições municipais tenta recuperar terreno nas eleições europeias 25 de Maio, e recorre à receita tradicional*. 

Em Portugal, não tem o incumbente margem para reusar as afirmações e as promessas que o levaram ao lugar que ocupa, valendo-lhe, na circunstância, a ambiguidade manhosa do candidato, que se, por um lado, não convence a maioria desiludida, por outro, mantém animadas as fileiras de indefectíveis. Ainda assim, durante o período eleitoral, os impostos não deixarão de fazer parte dos molhes de promessas fequentemente a inverter e raramente a cumprir.

Não por acaso, impostos e impostores têm antepassados semânticos comuns. 

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* A receita é sempre a mesma
* Sempre
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Correl.
- Carga fiscal atinge os valores mais elevados dos últimos 40 anos
- Bancos já custaram 4735 milhões aos contribuintes portugueses. Mas vão custar muito mais.
- François Hollande pleads for more time on deficits

Sunday, March 30, 2014

REFORMA DO ESTADO JÁ TEM MODELO APROVADO

clicar para ver melhor

"A prometida reestruturação do Estado foi ontem aprovada e apresentada pelo Governo. Dezenas de organismos deverão desaparecer por extinção ou fusão. Ministério a Ministério saiba quais são as mudanças previstas para os organismos públicos." - Público - 31 de Março de 2006

Saturday, March 29, 2014

SÃO OS JUROS, ESTÚPIDOS!

Ontem, a queda dos juros da dívida pública a 10 anos, situando-se pela primeira vez abaixo de 4% desde 2010 foi motivo de generalizado regozijo do lado do governo e algum mal disfarçado desconforto do lado da oposição. Se as situações partidárias fossem inversas o mais provável é que se invertessem também os sentimentos. Obviamente, da regra excluem-se os partidos que não são candidatos a governar.

Em todo o caso, e isto tem sido referido pelas oposições, registe-se que a evolução em baixa das taxas de juro da dívida pública tem muito mais a ver com as intenções anunciadas por Draghi - vd. aqui - em Julho de 2012, e pelo esboço, conhecido recentemente, de uma união bancária, do que pela redução objectiva do risco do país: depois de três anos de intervenção da troica, o sistema bancário permance imponderável e a dívida não tem parado de crescer, sobretudo pela inclusão da que permanecia escondida por desorçamentação ou pelas regras esconsas da Comissão Europeia que consentiram, e até incentivaram o descalabro em Portugal, e não só.

A redução da despesa pública, eleita como objectivo primordial do programa de ajustamento, praticamente resumiu-se durante o directório da troica à redução de salários na função pública e aos cortes de pensões, que atingem níveis confiscatórios, e atingem até os planos privados de pensões, comprometendo irremediavelmente um sistema suportado tripartidamente, repetidamente defendido pelos partidos que costumam governar. Reforma do Estado, propriamente dita, que se visse, não houve. Repetem ad nauseam os dedicados defensores deste governo que "representando as despesas com pessoal e pensões cerca de 96% da despesa pública, a redução desta passa, inevitavelmente, pela redução daqueles". É mentira!

Uma parte muito significativa da despesa pública são juros. Juros que subiram desabrida e inopinadamente e deixaram este e outros países fora de pé depois de anos e anos de laxismo público, ganância bancária e conivência partidária. Por que aconteceu isto, assim tão abruptamente como um tsunami? Mas, perguntam em resposta os defensores os guardiões do templo, se não pagássemos os juros quem os deveria pagar? Os contribuintes alemães, holandeses, austríacos, etc. Não!, e eles sabem que não!

Os portugueses, não todos os portugeses mas a esmagadora maioria dos portugueses, foram vítimas dos seus próprios erros mas também dos propósitos, de quem podia ter evitado a calamidade mas insistiu na receita com o objectivo primeiro de salvar o sistema bancário e, primordialmente, os seus (deles, alemães, franceses, holandeses, etc.) bancos. Resultado: aquilo que poderia ter sido minorado até com um tímido anúncio - o anúncio tardio de Draghi em Julho de 2012 -, o crescimento imparável da dívida e a adopção de medidas draconianas de austeridade, acabou por ser um dos principais fautores do empobrecimento, material e humano, dos países atingidos.

É a tendência da baixa dos juros motivo de regozijo? Magro regozijo, porque os juros continuam insuportáveis se rejeitarmos a ideia de promessa de uma crise para os próximos vinte anos. Os juros não baixam porque baixou o risco do país mas porque se elevou a confiança dos credores na intervenção, não claramente declarada, da eventual intervenção do BCE. Apesar de todas as evidências, prossegue a injecção lenta de medidas absurdas até ao osso, porque permanece dúbia a capacidade do BCE para garantir a sobrevivência da configuração actual da União Europeia. Medidas absurdas, porque apesar das melhoras aparentes, nem a dívida pública é dominável nem o sistema bancário está firme. Nem cá nem lá.
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Em Outubro de 2012 anotei aqui um apontamento com o mesmo título, e voltei aqui ao assunto e ao título seis meses depois, em Março do ano passado.

Friday, March 28, 2014

O JOGO DA CABRA CEGA

A cabra-cega quando quer consegue apanhar alguém. Desta vez apanhou um padeiro acusado de ter roubado 70 cêntimos ao patrão. Provado o crime em tribunal, o juiz condenou o ladrão a uma multa de 315 euros. "Mas o caso ainda não acabou: segue agora para a Relação porque o padeiro garante estar inocente. Apesar da queixa e da condenação, o padeiro continua a trabalhar para o mesmo patrão, que, ao JN, disse ter um bom funcionário, a quem continua a confiar as chaves de casa."

A história parece mal contada. 
Os tribunais aceitam julgar acusações de roubo de 70 cêntimos?
Um patrão, que tanto estima o padeiro (não o despediu) e que continua a confiar nele (as chaves da casa) recorre a tribunal por tão pouco?
Como é que se prova em tribunal um roubo de uma quantia tão irrisória?

A grande diferença entre este caso e muitos outros em que estão em causa pequenos furtos (de supermercados, por exemplo) está no facto de acusador e acusado existir uma relação de confiança que não pode, credivelmente, ter sido posta em causa por 70 cêntimos.  
Estarão apostados, patrão e o padeiro, conjuntamente, e por mútuo acordo, em ridicularizar a justiça?
Se estão, chegaram tarde, e o jogo da cabra-cega continua.

 


Thursday, March 27, 2014

INIMIGOS, INIMIGOS, NEGÓCIOS À PARTE

Um artigo publicado no Financial Times de hoje - Leading Briton´s business links with Russians under spotlight - e uma notícia publicada no Negócios online - Merkel recusa mais sanções sobre a Rússia - são muito esclarecedores de que a reconquista russa da Crimeia é irreversível, e que o reconhecimento internacional desse facto é agora uma questão de tempo. Mais do que as intenções dos EUA para conter as ambições de Putin de recuperação do terreno perdido após o desmoronamento do muro de Berlim, estão a prevalecer os interesses económicos cruzados entre russos e europeus, nomeadamente britânicos e alemães. O gás que Obama prometeu ontem em Bruxelas não se equipara aos interesses envolvidos em outros múltiplos negócios.

Por um lado, são boas notícias, ainda que as razões possam não ser consideradas as mais louváveis. Se à carga de fissuras apresentadas pelas estruturas da pouca união europeia se juntasse agora um confronto bélico, ainda que localizado, a leste, o esconso edifício europeu desmoronar-se-ia de vez por uma razão historicamente errada: a população da Crimeia é hoje maioritariamente de origem russa e a evolução recente da União Europeia não lhe cativou o interesse em aderir a uma outra união imponderável.

Por outro lado, e essa é, supostamente, a questão que Merkel mais pretende ver resolvida pela via diplomática, as ambições de Putin, muito provavelmente, não se limitam à reintegração da Crimeia no império dos czares porque se alargam a todo o espaço perdido a partir de 1989. A ameaça do abraço de Putin está esboçada desde o momento em que o ex-coronel do KGB tomou conta das rédeas do governo da Federação Russa. Ambições essas que as contradições internas da União Europeia favorecem e que só as conveniências dos negócios poderão travar.   

Wednesday, March 26, 2014

A LESTE LEVANTAM-SE OS FANTASMAS DE NOVO

Obama garante aos europeu todo o gás que necessitam de modo a poderem dispensar os fornecimentos russos Na Ucrânia o preço do gás vai subir 50% para os consumidores privados por imposição do FMI como contrapartida de um plano de assistência de 15 a 20 mil milhões de dólares. A Alemanha pondera expulsar imigrantes europeus sem trabalho há seis meses. Em França, a extrema direita, afirma-se nas eleições municipais depois de ter ascendido a posição cimeira a nível nacional. Na Ucrânia confrontam-se as bandeiras do nazismo, desfraldadas pelos seguidores de uma parte significativa dos membros do governo de Kiev, e as do comunismo, apoiantes de Putin. Entre uns e outros tropeça a democracia europeia. No meio de uma desorientação geral, que se manifesta em múltiplos sintomas de fractura, assomam uma vez mais os EUA a colocar alguma ordem na velha casa. 

Valha-nos, desta vez, pelo menos a nossa perificidade a oeste. Se os EUA vão passar a abastecer de gás a Europa, talvez venham a reparar que a ponta mais ocidental do Velho Continente é o Cabo da Roca.
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Correl. - Leading Briton´s business links with Russians under spotlight
Merkel recusa mais sanções sobre a Rússia
Uma nova República de Veneza independente de Itália
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5/04 -Milhares de pessoas arriscaram a vida para poderem levar com uma perda de território, uma súbida brutal do preço do gás e a redução dos rendimentos disponíveis. Irónico.
Jan Wolf em Empréstimos à Ucrânia dependem de austeridade "impopular e dura"
aqui

Tuesday, March 25, 2014

EM VEZ DE

Argumenta recorrentemente este governo, aqueles que o suportam e os que o admiram, que não há alternativas à redução da despesa que não passem pela redução dos salários da função publica e pelo  confisco das reformas através da "Contribuição extraordinária da solidariedade social". O Partido Socialista ouve e cala-se, arriscando manhosamente pôr em causa apenas a extensão da CES a níveis de pensões mais baixos. E nem a extensão daquele confisco aos fundos complementares de pensões, onde não há qualquer intervenção, nem responsabilidade, nem risco, do Estado, estremece minimamente o sentido de justiça do governo que prepotentemente decide e das oposições que olham impassíveis para o desaforo. Uma muito elucidativa análise da natureza confiscatória da CES e uma proposta alternativa apresentada pelo Prof. Jorge Miranda no dia 12 deste mês no Público* foram ignoradas sobranceiramente pelo poder e seus suportes e coniventemente pelas oposições que lhe criticam as políticas mas não arriscam defender alternativas. Entre uns e outros, resta-nos no momento próprio a abstenção como protesto.

Percebe-se, considerando as baias ideológicas que lhe riscam o rumo, que do lado do governo haja contra esta proposta de Jorge Miranda uma reacção negativa, suportada numa mentira institucionalizada e numa conivência corporativa: numa mentira, porque continua a querer considerar como despesa pública ( e a proposta de J Miranda aponta para uma alternativa de receita) as prestações sociais pagas com as contribuições sociais do sector privado e, logro dos logros!, como corte de despesa pública a CES sobre fundos privados; numa conivência corporativa, porque uma contribuição solidária de moblidade nos termos propostos por Jorge Miranda, socialmente menos injusta e muito meritória do ponto de vista ecológico e do equilíbrio da balança de transacções correntes, toparia com os interesses dos representantes das marcas, importadores e vendedores de automóveis.  

Num país onde a mentira tem curso forçado e os interesses corporativos sobrelevam os interesses públicos, Jorge Miranda terá prégado para o deserto. 
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Correl. - Teodora Cardoso propõe taxar imposto sobre levantamentos de contas bancárias
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Em vez da “Contribuição extraordinária de solidariedade” uma “Contribuição solidária de mobilidade”
Por JORGE MIRANDA*  PÚBLICO - 12/03/2014 - 01:52
Uma alternativa, entre outras, consistiria em criar uma “contribuição solidária de mobilidade” que abrangeria muito mais pessoas: as que têm automóvel.
1. Em nome do interesse público e da sustentabilidade da segurança social, a lei orçamental para 201instituiu, em certos termos e com taxa progressiva, uma “contribuição extraordinária de solidariedade” a pagar pelos aposentados, reformados e pensionistas.

Chamado a apreciá-la, o Tribunal Constitucional, por maioria, decidiu que as respectivas normas não se achavam feridas de inconstitucionalidade (n.ºs 69 e segs.), por, designadamente, a sujeição dos pensionistas a uma contribuição para o financiamento do sistema de segurança social, de modo a diminuir a necessidade de afectação de verbas públicas, no quadro de distintas medidas articuladas de consolidação orçamental (que incluíam também aumentos fiscais e outros cortes de despesas públicas), se apoiar numa racionalidade coerente com uma estratégia de atuação cuja definição cabia ainda dentro da margem de livre conformação política do legislador.

A incidência de um tributo parafiscal sobre o universo de pensionistas como meio de reduzir excecional e temporariamente a despesa no pagamento de pensões e obter um financiamento suplementar do sistema de segurança social seria uma medida adequada aos fins que o legislador se tinha proposto realizar.

Acrescia que, em termos práticos, ela corresponderia, em grande parte, a uma extensão da medida de redução salarial já aplicada aos trabalhadores do sector público em 2011 e 2012, e fora mantida em 2013, a qual no acórdão n.º 396/2011 também se havia considerado não ser desproporcionada ou excessiva.

2. 
Salvo o devido respeito, afiguram-se, contudo, bem mais convincentes os argumentos aduzidos pelos juízes que votaram vencidos (desde logo quanto à natureza de imposto dessa contribuição financeira) muito mais que o discurso argumentativo do acórdão.

Assim, o Conselheiro Pedro Machete, ao falar na quebra de conexão entre a contribuição e o benefício; o Conselheiro Cunha Barbosa, ao aludir a imprevisibilidade e a irracionalidade da medida; a Conselheira Catarina Sarmento e Castro, ao qualificá-la, por recair sobre uma espécie de contribuintes, como um imposto de classe;a Conselheira Maria José Rangel de Mesquita, ao salientar a violação do direito à segurança económica dos idosos consignado no art. 72.º da Constituição; e o Conselheiro Fernando Vaz Ventura, ao apontar a infracção do princípio da igualdade.

De resto, o próprio Tribunal reconheceria (n.º 79) “que as pessoas na situação de reforma ou aposentação, tendo chegado ao termo da sua vida activa e obtido o direito ao pagamento de uma pensão calculada de acordo com as quotizações que deduziram para o sistema de segurança social, têm expectativas legítimas na continuidade do quadro legislativo e na manutenção da posição jurídica de que são titulares, não lhes sendo sequer exigível que tivessem feito planos de vida alternativos em relação a um possível desenvolvimento da atuação dos poderes públicos suscetível de se repercutir na sua esfera jurídica”.

E, na verdade, são aqui sujeitos passivos os aposentados, reformados e pensionistas, com o peso da idade, tantas vezes com o peso da doença e, em não raros casos, na grave situação social que se vive, a terem ainda de ajudar os filhos desempregados ou portadores de deficiência. Mesmo admitindo – sem conceder – que não se trata de verdadeiro e próprio imposto (logo
,inconstitucional, por ofender a regra da unicidade do imposto sobre o rendimento pessoal do art. 104.º, nº 1, 1.ª parte, da Constituição), atinge-se o princípio de que as contribuições financeiras em favor das entidades públicas devem ter em conta as necessidades do agregado familiar (os arts. 67.º, n.º 2, alínea f), e 104.º, n.º 1, 2.ª parte não podem circunscrever-se aos impostos stricto sensu).

Além disso, 
é sobretudo afectada a geração dos que sofreram, na juventude, a ditadura e as guerras, dos que conseguiram construir a democracia entre 1974 e 1976 e dos que, nas décadas seguintes, pelo seu trabalho, fizeram do Portugal de hoje um país melhor, em todos os planos, do que o Portugal de há quarenta anos. Aqueles que agora ocupam o poder nos partidos do chamado arco da governação receberam esse legado sem para ele pouco ou nada terem contribuído.

3. Por sinal, no acórdão nº 862/2013, de 19 de Dezembro, sobre a “convergência de pensões” entre o sector público e o sector privado (e esse votado por unanimidade) o Tribunal Constitucional definiu em rigor o princípio de protecção da confiança (n.º 27).

“A protecção da confiança é uma norma com natureza principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de Direito: 
a segurança jurídica dedutível do art. 2.º da Constituição. Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da protecção da confiança prende-se com a dimensão subjectiva da segurança – o da protecção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes.
“A metodologia a seguir na aplicação deste critério implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas. Os particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas; mas a esse interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação social designadamente com base nos princípios da sustentabilidade e da justiça intergeracional [arts. 9.º, alínea d), 66.º, n.
os 1 e 2, 81.º, alínea a) e 101.º da Constituição]. (…)”.Não foi um adequado exercício de ponderação aquele que fez o Tribunal em Abril, ao sacrificar as legítimas expectativas e a reserva de confiança dos aposentados, reformados e pensionistas.

4. Quanto à sustentabilidade do sistema de segurança social, não se nega a existência de problemas. Só que importa não esquecer:

a) Que 
a segurança social está concebida para proteger os cidadãos na velhice (art. 63.º, n.º 3 da Constituição), e não para serem os idosos a sustentá-la;

b) Que os aposentados já contribuíram para ela quer através dos descontos legalmente estabelecidos quer através de impostos que pagaram e que serviram para assegurar as pensões dos seus ascendentes;

c) Que 
não são medidas avulsas e conjunturais que resolvem o problema, mas sim, como consta ainda do acórdão n.º 862/2013, soluções referenciadas à unidade do sistema e não apenas a uma das suas parcelas (n.º 42);

d) Que 
a sustentabilidade, a prazo, do sistema – e até do país – passa, além do crescimento económico e da mudança do clima psicológico, por uma política de natalidade, com benefícios fiscais às famílias com mais de um filho, com a organização do trabalho de modo a permitir a conciliação da actividade profissional e da vida familiar [arts. 59.º, nº 1, alínea b) e 67.º, n.º 2, alínea h) da Constituição], uma rede nacional de creches e outras formas de apoio social à família [art. 67.º, n.º 2, alínea b)] e o fim da gratuitidade do aborto realizado em serviços públicos a pedido da mulher.

A sustentabilidade e, em última análise, a solidariedade entre gerações implica a consideração de uma cadeia de gerações, passadas, presentes e futuras. Implica um contrato entre elas, avalizado pelo Estado e pelas instituições da sociedade civil. 
Exige um sentido de responsabilidade por todos assumido. E um Estado de Direito democrático não pode deixar de ser um Estado de Justiça.

5. Tão pouco se ignora a necessidade, neste momento, de receitas do Estado para cobrir o défice orçamental e para levar a cabo acções de impulso ao crescimento económico.

No entanto, ao contrário do que o Tribunal afirmou no acórdão n.º 187/2013, vislumbram-se alternativas.


Uma alternativa, entre outras, consistiria em criar, em vez de “contribuição extraordinária de solidariedade” (que apenas abrange os aposentados, reformados e pensionistas), uma “contribuição solidária de mobilidade” que abrangeria muito mais pessoas: as que têm automóvel. E que poderia traduzir-se em acrescentar ao actual imposto de circulação um montante, por exemplo, entre 50 e 100 euros por automóvel, tendo em conta a cilindrada e a antiguidade da viatura.

Deve haver em Portugal três, quatro, cinco milhões de automóveis. Não se vai a nenhuma cidade, vila ou aldeia que deles não esteja repleta. E, a despeito da crise, tem aumentado, nos últimos meses, o número de carros vendidos. Estrangeiros que visitam Portugal, principalmente dos países nórdicos, mais ricos do que nós, ficam admirados com a massa de automóveis que vêem nas ruas. Ao mesmo tempo, tem vindo a diminuir a utilização dos transportes públicos; e não é somente por as pessoas ficarem em casa ou andarem mais a pé.

Quase toda a gente reconhece o erro que foi investir em mais e mais auto-estradas, em vez de se renovar e ampliar a rede ferroviária. Mesmo assim, os comboios entre Porto e Lisboa (ou entre Braga e Faro) e os suburbanos funcionam satisfatoriamente e são excelentes os metropolitanos de Lisboa e do Porto. Assim como se afigura razoável a rede de autocarros e de camionagem. Mais pessoas a irem em transporte público para o emprego auxiliaria a diminuir o défice das empresas do Estado e dos municípios e, com isso, a diminuir os encargos dos contribuintes.

O produto desta “contribuição solidária de mobilidade” poderia, por conseguinte, compensar, talvez de longe o produto da dita “contribuição extraordinária de solidariedade”; e com mais justiça entre os cidadãos e mais eficiência económico-financeira.

Por que não encarar seriamente a hipótese?
por que insistir em manter e agravar o tratamento tributário dos aposentados, reformados e pensionistas, como, segundo parece, a que, nos próximos dias, se vai proceder?

* Professor catedrático da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa,Constitucionalista

Monday, March 24, 2014

ESPÍRITO SANTO APANHADO FORA DE CASA

O BES foi multado em mais de um milhão de euros por infracções "muito graves" em Espanha  e muito dificilmente conseguirá o que conseguem os plutocratas portugueses na sua terra. O perdão de um milhão, por prescrição, ao senhor Jardim Gonçalves é apenas o exemplo mais recente da impunidade de que gozam os mais abastados.

Olhando para trás, quantos banqueiros portugueses, que há alguns anos atrás rodavam girândolas de fogo de artifício, se apresentam hoje escorreitos e limpos da lama que eles entusiasmadamente amassaram naqueles tempos de foguetório? Um ou dois, se tanto.

Há oito anos, escrevi isto.

"Como é que todos os Bancos são altamente rentáveis, porque é que todos os Bancos são superiormente dirigidos, porque é que todos eles são casos de sucesso, porque é que, até hoje, nenhum falhou, porque é que o BCP subiu como um foguete no meio de uma economia de caracol, porque é que o BPI, o BANIF, Financia, o Banco Privado Português, todos, crescem, crescem, crescem, e os seus presidentes são sempre tão bem sucedidos, como é que o BPN fulgura e até a Caixa, imaginem a Caixa! um banco do Estado, um paquiderme, arrecada milhões e deita foguetes independentemente do Presidente e vogais que o Governo nomeia. Até hoje, nenhum banqueiro falhou, ou se falhou, falhou tão pouco que não se deu por isso. São todos excelentes. Acaso? Tanta competência num contexto em que ela é tão rara deve-se à ingestão de alguma rara água tónica."

Nessa altura, o senhor Vítor Constâncio & Companhia andava distraído, disse ele, alguns anos mais tarde quando as contas das bebedeiras alheias nos chegaram a casa para pagamento.

Sunday, March 23, 2014

MANIFESTOS ERROS

A proposta do Luís, de não validação das condições impostas pelos tratatados de redução progressiva da dívida para 60% do PIB em vinte anos, corresponde, só por si, a uma certa reestruturação da dívida. É completamente diferente um ajustamento para tal objectivo consoante a evolução do crescimento económico, e um ajustamento forçado, independentemente da evolução da capacidade para o realizar sem efeitos colaterais social e economicamente danosos.

Parece-me, por outro lado, muito optimista a conclusão de que, "obtidos numa primeira fase, saldos orçamentais primários positivos e, numa segunda fase, saldos orçamentais nulos, e juntando a isto algum crescimento económico e alguma inflação, mesmo que ténues, o nosso rácio de dívida pública entrará em rota descendente e sustentável."

E parece-me muito optimista porque, mesmo não contando com o esforço de redução forçado pelos tratados (que, no entanto, existem, e pressionam e condicionam as avaliações dos mercados) o crescimento nominal do PIB teria de situar-se sempre acima da taxa média efectiva da dívida para inverter a tendência do crescimento da relação dívida/PIB, para saldos primários nulos do OE ou exigir saldos positivos muito significativos no caso inverso. Condições que, mesmo pressupondo a contenção da dívida aos níveis actuais como objectivo nuclear, estão bem longe das observadas neste momento após quase três anos de intervenção da troica. E também não são vislumbráveis nem a curto nem a médio prazos.

Concordo consigo que uma reestruturação implicando um perdão parcial da dívida seria catastrófica. Há, no entanto, alternativas que, não dependendo de nós unicamente (e de nós ainda depende muita coisa, mais eficiência da função pública, por exemplo) têm de ser consideradas pela União Europeia, se a União quiser subsistir. Há dias, regozijava-se a ministra das Finanças com o facto de Portugal estar agora a obter financiamentos de longo prazo a taxas que estão agora" apenas a 300 basis points mais elevados que as da Alemanha". Aqueles 300 basis points significam o triplo das taxas pagas pela Alemanha. Ora o que está em causa não é apenas o custo da dívida pública mas também o preço do financiamento do sector privado. E esta é também uma situação insustentável.

Uma conclusão me parece pacífica: a ultrapassagem deste imbróglio exige dos portugueses, e muito particularmente da função pública, um esforço de incremento da sua eficiência, isto é, melhores resultados com menores custos. O exemplo mais acabado da ineficiência do sector público é a justiça.
Sem justiça não há progresso social e económico sustentado em lado algum. Mas é fundamental o reconhecimento da União de que nos encontramos numa situação difícil mesmo depois do consulado da troica e de que não podemos safar-nos pelos nossos próprios meios. Neste sentido, o Manifesto, foi, do meu ponto de vista, muito oportuno.
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Correl. - Portugal´s economy is in better shape. But it is vulnerable to any turbulence

Saturday, March 22, 2014

VARANDIM DOURADO

Quando, há quase dois anos, passámos por Guimarães, na altura "capital europeia da cultura"considerei aqui "anedótico" o "Varandim Dourado" colocado na Praça do Toural. Soube-se hoje que a autora, Ana Jotta, ganhou o Grande Prémio EDP atribuido este ano ao conjunto da sua obra, que, obviamente, não se resume ao "Varandim Dourado" do Toural.


A intervenção de Ana Jotta no Toural, que não se limitou à criação do Varandim mas à reformulação de toda a praça, foi muito contestada, e, lamentavelmente, o vandalismo começou desde cedo a deixar as suas marcas. A propósito veja-se este apontamento. A partir de hoje, contudo, os vimarenenses vão, certamente, passar a ver o varandim com outros olhos. Um prémio muda sempre o sentido estético das massas e dos especialistas.

Friday, March 21, 2014

O JOGO DA CABRA CEGA*

Há no jogo da cabra cega um volteio dos pândegos para desnortear o vendado. No jogo-caso "Face Oculta", depois do volteio, assiste-se agora à fase do tropeçar da cabra, uma prática condenável se o jogo é limpo mas corrente se no jogo vale tudo. 

Há uns tempos atrás envolveram-se advogados, magistrados, juízes, o PGR  e o presidente do STJ num volteio sobre o que fazer às escutas entre o primeiro-ministro José Sócrates e o seu camarada e amigo, o arguido Armando Vara. Finalmente, decidiram-se as autoridades máximas, de então, na matéria pela destruição das badaladas escutas por "não terem relevância criminal".

Agora, quando era chegado o tempo de poderem ser agarrados alguns foliões, a defesa de um dos arguidos acusa o presidente do Supremo Tribunal de se ter intrometido de forma ilegal, abusiva, inconstitucional e ostensivamente contrária à jurisprudência e que para defender a nulidade da acusação irá até às últimas consequências, nomeadamente ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos" por considerar o conhecimento do teor das escutas uma prova fundamental para a defesa do seu constituinte.

Muito óbvio, desde o primeiro passo da primeira volta.
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Thursday, March 20, 2014

FAZ DE CONTA QUE É UMA UNIÃO

Na União Europeia continua o jogo do faz de conta.
Terminaram às sete da manhã, depois de uma noite inteira de discussões, os trabalhos do grupo incumbido da elaboração de um projecto coxo de união bancária. E, da noite ensonada, saiu uma proposta claramente minutada pelas posições alemãs. 

Coxo, porque das três pernas necessárias à sua sustentação equilibrada, a união bancária pretendida pela Alemanha e pelos seus seguidores (não esquecer os seguidores) iniciar-se-á com a centralização da supervisão sem que daí decorra a centralização da garantia dos depósitos e a institucionalização do BCE como garante de último recurso do sistema. A preocupação imediata do documento divulgado esta manhã volta-se para à eventual liquidação de bancos insolventes com recurso a fundos limitados deixando quase incólumes os banqueiros. 

Na opinião de Paul De Grauwe, citado aqui, "A chave de uma união bancária é uma autoridade com poder financeiro. Se essa autoridade não existe não há união bancária. Se a intenção era cortar a perigosa ligação entre a banca e os governos, no caso de ocorrer uma crise semelhante à de 2008 cada país ficará entregue a si mesmo"

Wolfgan Münchau, afirma aqui que a Europa deve vetar uma "união bancária falhada". Por outro lado, o principal lobby da City de Londres reclama, vd. aqui, maior capacidade de enfrentamento dos riscos decorrentes de uma supervisão centralizada, negando subordinação a um  Draghi ou a um qualquer Constâncio (muito compreensívelmente, neste caso, reconheça-se) sentados em Frankfurt.

É esta a União que se propõe intervir na "guerra da Crimeia"!
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Correl. - La UE alcanza un acuerdo sobre el mecanismo de cierre de bancos

Wednesday, March 19, 2014

À MODA DA TIA PRAZERES

Contra o Manifesto ouço dizer na Sic Notícias ao jornalista/comentador especialista no assunto que "os japoneses têm uma dívida pública relativamente ao PIB muito superior à nossa mas não têm os problemas de gestão dessa dívida que nós temos porque a quase totalidade dessa dívida é interna." E, conclui ele, "com tempo, poderão os bancos portugueses adquirir a maior parte da nossa dívida externa ( e, oh!, descoberta!) será, então mais fácil, negociar com eles o pagamento da divida". Só faltou explicar onde foram ( e irão) os bancos portugueses obter os recursos para comprar a dívida pública portuguesa? É, portanto, uma questão de tempo. Vinte anos passam depressa. 

Ouvia o especialista da Sic N e lembrei-me da Tia Prazeres, que se ajeitava a dar injecções, e não espetava a agulha de um golpe, mas lentamente, avançando e recuando consoante as reacções dos pacientes, para, dizia ela, não os fazer sofrer tanto.

Tal e qual a Tia Merkel e a Tia Lagarde.
Tia Lagarde tem dito e redito que o FMI errou mas o FMI não recua.
Tia Merkel garantia ontem que a Alemanha vai apoiar qualquer decisão que Portugal tomar.
Desde que, subentende-se, durante vinte anos, não se lhe fuja com o rabo seringa.
Haverá rabo para tanto tempo?

Tuesday, March 18, 2014

O CONTRAMANIFESTO

"É inoportuno", é acusação mais frequente feita ao Manifesto.

Todos os manifestos são oportunos para os manifestantes, se não não se teriam manifestado no momento em que se manifestaram, e são inoportunos para os que discordam do conteúdo do manifesto ou do momento da manifestação. É um questão de pontos de vista, ambos óbvios. O que é menos óbvio é a acusação muito generalizada dos contramanifestantes de serem menos patriotas os manifestantes. 

Quanto à questão central do manifesto - ser ou não ser a dívida pública dominável sem reestruturação, por alongamento dos prazos e redução do custo da dívida para níveis suportáveis - os contramanifestantes, que asseguram ser a reestruturação da dívida impraticável e falar dela um perigo enorme, alegam que aquilo que os manifestantes propõem já o Governo está a realizar mas paulatinamente para não afugentar os credores. Um receio que só seria fundado se os credores vivessem na lua.

Considerando os cálculos do PR, que assina por baixo, o ajustamento, que durará vinte anos, (tantos quantos os previstos nos tratados para que a dívida pública portuguesa se reduza dos actuais 130% para 60% do PIB), o que seria admissível (o ajustamento da dívida pública pode esperar) implicará o prolongamento durante vinte anos das consequências que conhecemos do esforço realizado durante os três anos de reinado da troica.

Alguma coisa terá de acontecer, chame-se ela reestruturação ou outro nome qualquer.

Monday, March 17, 2014

UMA JANELA VOLTADA PARA O COMEÇO DO UNIVERSO

Astrónomos afirmam ter observado pela primeira vez o nascimento do universo, o Big Bang, previsto matematicamente há 50 anos. A mesma notícia pode também ser lida, por exemplo, aqui. Ou aqui.


Sunday, March 16, 2014

BRANCO DE PORTUGAL

É geralmente admitido que a justiça é feita na inversa medida do peso dos bolsos dos arguidos: prende-se o que rouba um pão, iliba-se o que desvia um milhão. Os interesses colectivos, reunidos num ente abstrato sem querer nem poder chamado Estado, são repetidamente saqueados, umas vezes subrepticiamente, outras à vista de toda a gente. Sem que esta rapina sistemática suscite uma repulsa social idêntica aquelas que movem as multidões quando estão em causa interesses corporativos. O grau de indiferença social merecida pelos interesses colectivos mede o grau de falta de consciência cívica dessa sociedade. Quanto maior for o grau de indiferença social em consequência de défice de consciência cívica maior o risco de sossobrar o Estado, independentemente do perímetro físico dos interesses colectivos nele reunidos. É por esta razão que não são comparáveis as dimensõs relativas dos estados escandinavos - onde são elevados os níveis de consciência cívica colectiva - com as dos estados do sul da Europa.
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Comentei ontem, aqui, o caso da prescrição de um milhão e da mais que provável prescrição dos processos colocados na mesma calha. A reacção dos partidos foi tendencialmente nula - ouvi apenas o protesto do BE -, os media noticiaram, alguns comentaram, amanhã haverá outros casos que excitem as multidões, até porque hoje é domingo e amanhã é o dia seguinte, o da bola.

Diz-se, e comprova-se, que se escapa à justiça quem pode pagar a bons advogados. Contudo, no caso em questão, não faltaram recursos ao Banco de Portugal - 650 mil euros, segundo as notícias - para contratar advogados suficientemente competentes para defender uma acusação que se traduzia numa multa de um milhão de euros, que foi deixada prescrever. 

Por que é que isto aconteceu? Por que é que os advogados contratados pelo BP perderam a causa?
Enganaram-se nas contas das datas? dizem os jornais. 
Alguém, com um mínimo de senso, pode acreditar nisto? Não. Obviamente, não. Há, seguramente, outras razões. Quais são? Não sabemos, nem é provável que nos digam. O Ministério Público, incumbido da defesa dos interesses do Estado, tem uma má relação com a aritmética.  O que sabemos é que, na altura em que os factos multados ocorreram era governador do BP o senhor Vítor Constâncio, que admitiu distração no exercício das suas funções enquanto supervisor, e foi promovido.  Em sequência da promoção de Constâncio a vice-presidente do BCE foi nomeado governador do BP o senhor Carlos Costa, ex-director-geral do BCP, com vista para os offshores.

Isto não quer dizer nada?

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Correl. Ele não exige mas dão-lhe ...




Saturday, March 15, 2014

AS CONTAS DOS VIGÁRIOS

Lê-se aqui que "depois de Jardim Gonçalves e João Rendeiro, o fundador do BPN e outros arguidos no caso do Banco Insular também pediram a prescrição parcial das contraordenações, aplicadas pelo Banco de Portugal e que estão em julgamento".
 
É justo. Além do mais, o senhor Oliveira e Costa comprou oitenta e tal Mirós que são um regalo, de que a senhora Gabriela Canavilhas, além de muitos outros, não quere abrir mão, porque, alega ela, ah! ah! ah!, "os Mirós são nossos!"

É portanto, esperável, agora mais que nunca, e já era bastante, que os representantes dos interesses do
Estado, reguladores, supervisores e magistrados, sejam endrominados ou se deixem endrominar pelas contas dos muito argutos advogados ao serviço dos grandessíssimos arguidos. E, no caso, do senhor Oliveira e Costa, pela compra or atacado dos Mirós é, já o apontei há algum tempo neste caderno, devida uma comenda por relevantíssimos serviços à cultura.

Ainda mais do que uma reforma, o Estado que temos precisa de uma barrela de desinfecção. Sem a qual os mercados, os tenebrosos mercados, jamais nos confiarão um níquel sem cobrar um prémio de risco alto pelo mau aspecto. 

Friday, March 14, 2014

O JOGO DA CABRA-CEGA


Banco de Portugal e Ministério Público não vão recorrer da decisão judicial que mandou arquivar o processo por prescrição e invalidou a multa de 1 milhão de euros aplicada pelo supervisor. Factos são factos, dizem eles enquanto se acusam mutuamente de não saber o outro fazer contas. 

Quanto às responsabilidades do escritório de advogados pagos para defender os interesses do BP, ninguém fala e muito menos pede contas a quem não soube ou não quis saber fazê-las. Quanto às responsabilidades dos agentes do Ministério Público reconheça-se que cumpriram como sempre prometem: não ganham uma quando estão em causa os interesses de arguidos pesados.

Assim vai a reforma da Justiça em Portugal, cumpridos que foram todos objectivos assumidos no memorando de entendimento com a troica.

Thursday, March 13, 2014

A MELHOR DE ONTEM

A "Carta a uma geração errada" de José Gomes Ferreira está a deliciar quem desaprova o "Manifesto dos 70". O argumento de JGF é este: vocês, geração errada, que são responsáveis pelo descalabro atingido pela dívida, o vosso Manifesto é inoportuno e errado. Deixem que os mais novos reformem o Estado, porque é reformando o Estado que se soluciona o problema do excesso de dívida pública.

Ontem, no programa "Negócios da Semana", JGF confrontou António Saraiva, presidente da CIP e um dos subscritores do Manifesto, com a inoportunidade do documento e a alternativa correcta, segundo os anti-Manifesto: a redução da dívida pública pela reforma do Estado. Por que é que os 70, em vez de subscreverem um Manifesto propondo, no momento mais inoportuno, a reestruturação da dívida, sem atentar nas consequências desastrosas a que uma acção dessas poderia conduzir, não pensaram, antes, num Manifesto apontando as medidas que possam concretizar a reforma do Estado e, desse modo, a redução da dívida?

António Saraiva, que já tinha, com a fleuma que se lhe conhece, explicado as razões do Manifesto e as da sua posição, enquanto presidente da CIP, perguntou a JGF por que não redigia ele o Manifesto da Reforma que propunha e dinamizava a adesão de, pelo menos 70 subscritores? Ele, António Saraiva, desde logo se prontificou a ser um deles.

Ao desafio de Saraiva respondeu JGF com um sorriso de quem engolia em seco uma pergunta que ele, manifestamente, não esperava nem para a qual tinha resposta.

Wednesday, March 12, 2014

CORRUPÇĀO E STRIPTEASE

Agente da GNR surpreendido por colegas seus a fazer striptease, vid. aqui. A notícia seria pífia, de tablóide, se a Associaçāo de Profissionais da Guarda nāo tivesse assumido que prefere essa situaçāo a casos de corrupçāo que podem acontecer devido à crise e às penalizaçōes que estāo a suportar.

Deduz-se daqui que o agente da GNR se dedica à actividade de striptease com o objectivo de compensar com um "cachet" aquilo que outros seus colegas cobram em actos de corrupçāo, em ambos os casos para compensar as penalizaçōes a que estāo sujeitos? Nāo necessariamente, mas a posiçāo da APG permite pelo menos a dúvida.

O que seria inadmissível num país democraticamente, porque civicamente, adulto, mas que em Portugal, onde até a Associaçāo de Juízes Portugueses se permite alusāo do mesmo calibre, nāo passa de uma banalidade numa sociedade civicamente menor.


Mais vale strip que corrupção, diz associação

Tuesday, March 11, 2014

SETENTA E MUITOS MAIS

Manifesto dos 70 é o assunto do dia.
Um documento que só será divulgado na íntegra amanhã, mas de que já se conhece o suficiente para perceber o sentido do conteúdo. Até agora, não conheço reacções contrárias fora do círculo governamental, salvo uma " profunda discordância"  afirmada aqui, que considera errado pretender-se    
reestruturar-se a dívida antes de ser reestruturado o Estado.    O que, diga-se em abono da verdade, seria pertinente se nāo tivessem o governo e a troica a tratar há longo tempo disso, com onze avaliaçōes positivas.

De qualquer modo, há uma opiniāo que conta mais que as outras, fora do círculo governo: a do Partido Socialista, subscritor do memorando de entendimento e candidato a governar. Espera-se que diga que documento assina por baixo.

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Correl. - Freitas do Amaral, um dos 70 subscritores do Manifesto diz isto.
Quem discorda? Há muita coisa por fazer, sem dúvida. O que nāo significa que, uma vez feita, fique solucionado o sufoco da dívida. Mas é elementar que nāo pode, razoavelmente, pedir o devedor a restruturaçāo  da dívida sem cuidar antes do modo como se apresenta.










Monday, March 10, 2014

VOTAR OU NÃO VOTAR, EIS A QUESTÃO

Aproximam-se as eleições para o PE e perspectiva-se que os níveis de abstenção suplantarão os, já normalmente elevados, observados  nas eleições europeias anteriores. Pela diferença se medirá o voto  de protesto, com ou sem razão, contra as medidas do governo e a conivência, por acção ou omissão, ou impotência, dos partidos da oposição.        

O voto de protesto, alegam alguns - e Saramago romanceou à volta do tema em "Ensaio sobre a lucidez" - exprime-se pelo voto em branco. Talvez. Mas será uma expressão nítida? Não é. A relevância é assumida, pelos media e pela opinião pública, pelos níveis de abstenção. O destaque é dado aos quarenta e muitos por cento da abstenção e não aos quase cinco por cento de votos nulos ou em branco.

Mas mais relevantes que a inconsequência  da magra dimensão do voto em branco como voto de protesto são os efeitos inversos dos propósitos desse voto. Os partidos recebem por cada voto expresso 3,1 euros, repartindo-se o valor total atribuído por lei proporcionalmente aos votos conseguidos por cada um deles -  vd. aqui. O voto em branco dilui o nível de protesto ao reduzir a percentagem de abstenção acabando por ter um efeito contrário do pretendido.

Não se recomenda, com isto, a abstenção. Apenas se reflecte sobre os efeitos contrários de um propósito mal equacionado.

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Apontamento revisto (11/3)

Sunday, March 09, 2014

FADO ROTEIRO

Da leitura dos três capítulos, transcritos aqui, do prefácio ao volume VIII de "Roteiros" do PR, evidenciam-se duas fatalidades: 
vinte anos de anemia económica e a
inevitabilidade de um consenso que envolva pelo menos os três maiores partidos representados na AR.

O resto é alinhamento dos fundamentos de conclusões em vias de fabrico.
O produto acabado é outro.
Porque, das duas uma:
ou a dívida pública é renegociada para níveis suportáveis, em termos de prazos e custos,
ou continuará imparável a dívida e a emigração. É esta também a perspectiva com que há muito tempo tenho vindo a concordar neste bloco de notas. 

O PR, coloca-se numa posição de resguardo institucional, como lhe manda a idiossincrasia, e retira, tardiamente, a conclusão de que para cumprir os tratados é forçoso que se entendam os que costumam governar. Tardiamente, porque, volto a repetir-me desdes há quase três anos, nunca deveria ter o PR aceitado dar posse a um governo que não incluísse os três subscritores do memorando de entendimento com a troica. Aliás, não deveria ter mesmo dado posse ao segundo governo (minoritário) de Sócrates, numa altura em que os sintomas da crise estrutural da economia se tinham agudizado. Depois, foi sempre tarde.

"Os Portugueses devem ser esclarecidos e estar bem conscientes das novas regras europeias de disciplina orçamental, já que elas irão condicionar, de forma profunda, a vida nacional nos próximos anos."  
Não senhor PR.
 Acerca dessa matéria já estão os portugueses mais que esclarecidos. O que os portugueses precisam não é que lhes recordem os termos de contratos que eles não têm possibilidade de cumprir, mas de saber quem e como se propõe renegociar os contratos que os condenam a mais duas décadas de subserviência e emigração.

O que os portugueses não precisam de saber, porque já sabem, quem é, e continuará a ser, chamado a pagar uma factura que uma coligação perversa de políticos e banqueiros, nacionais e estrangeiros, engendrou, mas quem e como se propõe renegociar tratados (quer na ordem interna quer na ordem externa) assinados em nome dos contribuintes portugueses sustentados no risco imoral que os toma como fiadores sem recurso. 

O que os portugueses precisam de saber não é apenas que funções públicas queremos e quanto teremos de pagar por elas mas quem e como lhes diga que medidas tomar para que essas funções mereçam aquilo que recebem. Os portugueses precisam, por exemplo de saber, quem e como se propõe cortar cerce com o descaramento de um aparelho judicial que arrasta um processo que valia um milhão de euros para o mandar arquivar ao fim de oito anos. 

O que pensarão os jovens, conscientes de que as novas normas europeias irão congelar o crescimento das suas perspectivas durante duas décadas?
Mudar de roteiro.

Saturday, March 08, 2014

O JOGO DA CABRA CEGA

Já depois da ministra Paula Teixeira da Cruz ter sido geralmente congratulada por já "estarem todas as medidas previstas para o sector da Justiça em andamento e aplicação" (vd. Expresso de hoje),  prescreveram  os crimes de Jardim Gonçalves e a multa de 1 milhão de euros foi anulada,
e, vd. aqui, "o Ministério Público e o Banco de Portugal (BdP) requereram que o julgamento do caso BCP decorra sem interrupção nos períodos de férias judiciais para evitar o risco de prescrição das contraordenações dos seis arguidos que ainda não foram extintas." 

Avalia-se melhor a encenação deste jogo se recordarmos o que apontei aqui em Setembro de 2012.


"A juíza-presidente, que vai  julgar os crimes de manipulação do mercado e falsificação de contas que alegadamente os ex-BCP Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal, António Rodrigues e Christopher Beck cometeram entre 2002 e 2007, tem cábula para perceber os termos da gíria do sector, porque, assumiu ela, não percebe nada de banca,  lê-se no Expresso de hoje.
Em Off, acrescenta o semanário, a cábula servirá à magistrada presidente para descodificar siglas como CFO (chief financial officer, administrador da área financeira), CEO (chief executive officer, presidente da comissão executiva) ou UBO (último beneficiário da offshore), termos que deixam em água a cabeça da juíza.

O julgamento esteve adiado por um ano e os crimes começam a precrever já no próximo ano. Depôs a juíza: "pedi exclusividade para fazer este julgamento e não é que queira sobrepor-me aos outros processos, mas tenho um problema que é a prescrição", quer "dar gás ao processo para tornar o julgamento o mais célere possível" e "não abdica de três sessões por semana para evitar prescrição dos crimes".

Crimes, disse ela, que disse que não percebe nada de banca.

Mas, como é possível, se a Meretíssima não vê um UBO pela frente por mais sessões que convoque?"
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O jogo da cabra cega continua imparável, excitante e impune, seguindo as medidas previstas na tradição da praça.
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Correl. - Mendes pede inquérito à prescrição de Jardim Gonçalves.
Pede, a quem?
"O supervisor e o Ministério Público concordaram com a decisão do juiz, que vai voltar a julgar os restantes seis antigos gestores do BCP." (aqui)
Entendem-nos? No jogo da cabra-cega não entra quem quer mas quem pode.

Friday, March 07, 2014

O BEIJO DOS POLÍCIAS




Vendido  num leilão em Miami por 575 mil dólares em meados de Fevereiro passado.

Ontem, aqui

O JOGO DA CABRA CEGA

Por indeterminação do prazo de duração do jogo.
Para vergonha da comunidade jurídica, disse o advogado de defesa.

É uma brincalhona, esta comunidade jurídica.
E mal paga, diz o presidente da Associação Sindical de Juízes, alertando para  a possibilidade da eventual corrosão da independência da classe.

Thursday, March 06, 2014

DISCUSSÃO DO SEXO DOS SINAIS DE TRÂNSITO

O "Público", que ontem fez 24 anos, entregou por um dia a direcção da edição a Adriana Calcanhoto. Para além do suplemento dedicado ao Brasil, reteve a minha atenção um artigo - De onde veio o homem do chapéu que atravessa as passadeira?- que não passaria de uma mera curiosidade se a jornalista não tivesse ido buscar honorabilidade académica a uma tese de doutoramento defendida na Universidade de Aveiro em 2005 - Representações do masculino e do feminino na sinalética -. 

O tema suscitou, aliás, à directora do dia um artigo - O peão e o poeta - irónico, humorado, daquele humor colorido e quente, para  ser ouvido, quando lido, com a maviosidade da língua portuguesa falada no Brasil. A ironia de Adriana neste artigo - ao colocar Pessoa no sinal de trânsito - é mais perceptível se o correlacionarmos com o que ela escreve no Editorial Para tudo se acabar na quarta-feira - um título irónico na oportunidade para quem é directora por um dia, terça-feira de Carnaval. Pergunta Adriana: "Seria mesmo o fato, reza a lenda, de que ele tinha um pênis exageradamente pequenino e era o seu facetador, que o empurrava para ser outro homem qualquer que não seja ele mesmo?"
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Um achado, este de Adriana, e de chapéu, acessório que as damas ainda prezam depois dos cavalheiros o terem abandonado no bengaleiro, que involuntariamente reduz a tese do professor Bessa a uma discussão inútil apesar das suas longas trezentas e senta e duas páginas.



Wednesday, March 05, 2014

A CRISE NÃO MORA LÁ

Sintoma muito evidente que há cada vez mais gente para quem a apropriação de dinheiro, muitíssimo dinheiro, é uma tarefa fácil e acelerada. A desigualdade social também nunca tinha atingido níveis tão elevados nas sociedades desenvolvidas. Nem os tráficos criminosos. 

É esta a melhor altura para vender os Mirós? Continuo a pensar que sim. Por todos os motivos que têm sido apontados e mais um, por minha conta: repugnar-me-ia olhar para obras de arte arrematadas e arrumadas por um bando de patifes num buraco nauseabundo imenso que eles escavaram e que, quase todos nós, somos coercivamente obrigados a cobrir.



Tuesday, March 04, 2014

VELHA MAS BOA


ACERCA DO CONFLITO INTERGERACIONAL

Quando vejo abordada a questão da sustentabilidade da segurança social (e ela é recorrentemente abordada a propósito da necessidade de sustentabilidade das contas públicas) tanto no discurso oficial
como na generalidade das análises, mais ou menos extensas, ou dos comentários, mais ou menos partidarizados, noto em todos esses discursos uma linha de força, que os correlaciona, assumidamente tida pela esmagadora maioria como inquestionável: a existência de um conflito intergeracional provocado pela insustentabilidade da segurança social. Um dia destes, segundo o resumo da ideia insuspeita, os actuais contribuintes não terão direito senão a uma parte pequena daquilo que está a ser pago aos reformados e pensionistas de hoje. Porque a esperança de vida aumentou e a natalidade decresceu, a relação activo/passivo tende para a insustentabildade do sistema.

Em matéria de conflito intergeracional, na sua vertente economicista, é elementar não esquecer que quando a actual geração de reformados começou a ser, compulsivamente, obrigada a descontar para o sistema de segurança social, as estradas, quando as havia, eram na sua maioria de macadame, os carros eram na sua esmagadora maioria de bois, o menino Jesus, pelo Natal, não tinha mais para dar que bonecos de barro ou de lata, salvo se sobre os meninos tivesse recaído a graça do Espírito Santo, a bola era de trapos e jogava-se pé descalço, porque muitos não tinham sapatos e as regras, pelo menos aquelas, eram democráticas. A democracia dos aipedes, dos andróides, das playstations, etc., chegou hà poucos dias. Mas não quero ir por aí.

Não vou também voltar a invocar como argumento as conclusões do relatório da UE de 2012 citado a páginas 55 do Relatório do Orçamento de Estado 2014, págs.55, de que o sistema de pensões de reforma em vigor em Portugal é um dos que menores risco corre nos próximos 50 anos. Admitamos que estão enganados e também este governo se equivocou ao citá-lo.

Mas não há expectativa de um conflito intergeracional à vista? Vamos ver.
Para olhar melhor, convém aproximar e ampliar a imagem do objecto de análise, e observar apenas a parte mais atingida do todo que correntemente se designa por "Estado Social": o sistema de pensões.

Quem é que recebe pensões e quem é que paga essas pensões?
os que serviram na função pública, 
os que nunca contribuiram para qualquer sistema previdencial, não contributivos,
os que contribuiram para um sistema previdencial durante um período curto, insuficiente para construir uma pensão mínima, e
os que contribuiram para um sistema previdencial financiado pelas contribuições sociais realizadas durante a sua vida profissional.
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Quanto aos que serviram na função pública, as pensões são pagas com impostos. Onde é que, neste caso, pode haver conflito intergeracional? Há, tendencialmente, redução de activos relativamente aos reformados? Admitamos que sim. Ou a situação contrária, dá no mesmo. Como salários e pensões da função pública são pagos com impostos arrecadados em cada ano, o que pode ocorrer é um conflito  entre o preço da produção da função pública (no activo e na reforma*) disponibilizada e a capacidade de pagamento dos clientes (contribuintes). Esse conflito só admite duas saídas: ou há, em cada ano, conformidade dos custos com as receitas, ou aumento da dívida pública,  ou redução de salários e, ou, das pensões. O eventual conflito intergeracional só ocorrerá, neste caso, se houver recurso ao aumento da dívida para pagamento de despesas correntes**. O que, obviamente, deveria ser constitucionalmente interditado. 

O pagamento de pensões aos não contributivos ou o pagamento de pensões mínimas a não contributivos com períodos contributivos insufientes, constitui uma das partes do objectivo último de um "Estado Social", de garantia de condições de vida condigna a quem, por uma razão ou outra, não teve a oportunidade de se incluir num sistema previdencial que lhe garantisse uma pensão mínima. Excluem-se (deveriam excluir-se), portanto, os falsos necessitados que, dispondo de meios de riqueza suficientes, desfrutam de vantagens de um sistema, nestes casos, complacente. Poderá haver, neste grupo, conflito intergeracional? Obviamente, não. O sentimento de solidariedade para com os mais necessitados pode ser eticamente induzido às gerações vindouras mas nem pode ser imposto por via legislativa imutável nem criada uma fundação multimilionária com esse propósito.

Finalmente, o grupo dos contributivos, enquadrados no regime geral da segurança social.
E aqui, sim, pode discutir-se a sustentabilidade de um sistema que paga as reformas aos contributivos com as contribuições sociais recebidas incidentes sobre os salários brutos pagos, na totalidade mais de 1/3 dos salários brutos. A possibilidade do cálculo do risco dessa insustentabilidade está-nos, no entanto, vedada. Por duas razões:
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1 - As contas da segurança social não são suficientemente transparentes para podermos quantificar esse risco. O que sabemos é que, ainda há poucos anos, na realidade há não mais que cinco, o governo de então procedeu a uma reforma que prometia longa vida ao sistema. Por outro lado, a UE há menos de dois anos garantia que o risco é mínimo nos próximos 50 anos, e os Relatórios da Segurança Social, mesmo quando se atravessa uma situação de crise que exponenciou as outras prestações sociais, nomeadamente o subsídio de desemprego, concluem que os saldos da segurança social continuam a ser positivos. A este último propósito poderíamos também discorrer sobre o destino de saldos sistematicamente positivos da segurança social durante os últimos 40 anos. Mais atrás, mais positivos eram, mas por razões de ausência de solidariedade estatal. Também não vou, agora, por aí.
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2 - Ninguém sabe quantificar a evolução da tendência do nível de empregabilidade no futuro. O que se sabe é que o aumento de produtividade significa mais produção por activo humano empregue, e esta é uma tendência pelo menos tão irreversível quanto a que desequilibra a relação activo contribuinte/pensionista em consequência do decréscimo demográfico.

Repito-me: Separem as águas e as contas: 
da função pública, paga com impostos (tanto activos como reformados)
da solidariedade social, paga com impostos, ou terão de lhe dar outro nome,
do seguro social, pago com as contribuições sociais entregues pelas empresas,

e  constatarão que conflitos intergeracionais sempre existiram mas os que, eventualmente, possam decorrer de um sistema de pensões pouco ou nada terão a ver com o famigerado papão da relação activo/pensionista do sector privado.
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*À primeira vista poderá parecer estranho que se incluam as pensões da função pública nos custos da produção pública activa. Mas essa é, incontornavelmente, a forma como são calculados os custos de produção em qualquer empresa: aos valores líquidos de impostos pagos aos trabalhadores acrescem os impostos e as contribuições sociais entregues ao Estado nos custos das produções realizadas.

** Já fora da órbita das despesas correntes, observe-se que os investimentos públicos podem traduzir-se num ónus gravoso para as gerações futuras, se o seu interesse social ou impacto económico for dispiciendo ou negativo. A este propósito, tem sido muito criticada a opção política seguida pela generalidade dos vários governos, pelo cimento, preterindo o conhecimento. Em todo o caso convém ter em conta que a vinculação constitucional a um ensino tendencialmente gratuito (onde, em muitos casos, a questão de solidariedade não faz sentido algum) implica que as gerações adultas actuais (incluindo os reformados, a alguns dos quais é imposto um esforço fiscal superior a qualquer outro estrato social) suportam a formação das gerações vindouras, sem que alguém alguma vez tenha seriamente colocado a questão de um conflito intergeracional entre pagantes actuais e beneficiários futuros.