Friday, December 31, 2010

BOM ANO!

SONHOS E RABANADAS - PARTE 8

(noque, noque, noque)

- Entra! O que é agora?
- Está lá fora um senhor que não entendo ... Deu-me este cartão ...
- "Václav Klaus", Oh! Carlos, conheces este tipo? 
- ... Hum! Este é o gajo que insultou a dignidade de Portugal na pessoa do teu antecessor. Tens de lhe estar grato: foi ele que te deu a deixa para aquele golpe de KO com que arrumaste o Aníbal naquela já celebre noite de 29 de Dezembro ...e te abriu as portas de Belém! 
-  Nem pensar. Acima de tudo está o resgate da dignidade da pátria, ultrajada por um tipo abjecto.
Vamos dar-lhe uma lição, Carlos, vamos dar-lhe uma lição! Manda preparar um maço de notas de 500 milhões para lhe atirar à cara!
- Mas, Manel ...
- Não há papel?
- Há muito. Temos stock para lhe dar com ele nas ventas mais de um dia inteiro, mas o problema não é esse. Achas mesmo que é essa solução mais adequada?
- Podia enfiar-lhe o maço pela boca abaixo mas dava mais trabalho, o que é que achas?
- Mas a que propósito é que este fulano aparece sem avisar? Sabias da chegada dele? Alguém sabia?
- Não creio. Dos Estrangeiros não recebi nota alguma ...
- Essa é boa! Temos algum tradutor pora aqui perto? Não falo com ele, nem com ninguém, senão na língua que é a minha pátria! A pátria de Camões e de Pessoa!
- Arranja-se.
- Vamos ensinar a esse asno quem somos  nós, os portugueses!
...
(Trrimm!)

- Manda entrar o tipo do cartão!
...
- Václav Klaus, prezident Česká republika...
- Presidente Alegre da República Portuguesa. O que é que o trás por cá?
- Mudaram? O vosso presidente esteve há pouco tempo em Praga e convidou-me a visitar Lisboa ... Como estou de passagem para os EUA onde vou jogar golf com o meu amigo George W. Bush, decidi passar por cá um par de horas ...
- Hum! Sente-se!
- Dávám přednost stát
- O que diz ele?
- O presidente checo diz que prefere estar de pé.
- Essa é boa! Pois eu prefiro que ele se sente!
- Nechci sedět queo
- Diz que não se quer sentar
- Mas quero eu! Está em nossa casa, mando-o sentar, senta-se!

- Ne, já raději stát
- Não. Prefere estar de pé.
- Pois se quer estar de pé, eu não quero conversas.
- Žasnu MOC. Myslel jsem, ZE obránce Svobody
- Estou estupefacto. Supunha que o senhor defendesse as liberdades individuais.
- E defendo!, e defendo! Sempre defendi! Fui um revolucionário pela liberdade, entende? 

- Pro to nezdá. Pro mě, to je mi popírat svobodu stánku!
- Pois não parece. A mim, está a recusar-me a liberdade de estar de pé!
- Cale-se! Cale-se! Ou sou obrigado a chamar o segurança para o pôr na rua!!!
- To jen potvrzuje její nesnášenlivost. Ani mě nutí jít dál, i mi umožňuje říci, že s takovým požadavkem porušuje mou svobodu!!!!.
- Isso só confirma a sua intolerância. Nem me deixa continuar de pé nem consente que eu diga que com essa exigência atenta contra a minha liberdade!!!!.  
- Tretas! Tretas! Tretas! (trimmm)

(noque, noque, noque)

- Segurança, acompanha este senhor à porta da rua! 
- Chtěli byste mít pupínek na jazyku, jako to, co jsem v prdeli
....
- Que disse o gajo????
- Oxalá tenhas um furúnculo na língua igual ao que eu tenho no trazeiro!!!!!
- Mas que grande cretino! Podia ter dito, logo, não?

BEN´S CHILI BOWL

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Ben´s Chili Bowl é um restaurante modesto (batatas fritas, hot dogs, hot dogs com chili, clili, e pouco mais, constituem a ementa da casa) na parte noroeste de Washington DC, um dos bairros da capital federal dos EUA em recuperação de imagem. Barak Obama foi lá há dias e a cotação do Ben´s Chili Bowl mede-se agora pela fila dos que esperam pacientemente para entrar.
Preço: cerca de 6 dólares, inluindo uma bebida não alcoólica.

SEGUNDO GOMES CANOTILHO - 2

Que me perdoem a imodéstia, mas o que eu tenho dito e redito (dezenas de vezes) aqui acerca do tema fulcral da entrevista de Gomes Canotilho ao Expresso, que transcrevi na íntegra aqui, corresponde no essencial ao entendimento do reputado constitucionalista.

Pena é que Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Freistas do Amaral, entre outros especialistas na matéria, só tarde de mais tenham vindo a público dar o seu parecer acerca de uma matéria - competências do Presidente da República - que deveria ser consensual entre constitucionalistas, pelo menos.

SEGUNDO GOMES CANOTILHO

O Presidente da República podia ter demitido o Governo

O Presidente da República em Portugal é o cargo mais irrelevante da política portuguesa, como alguns dizem?

Não. Vendo o funcionamento do regime, o governo é parlamentar. O Presidente da República não pode muito, não é um presidente- governante, não é ele quem prepara um orçamento, ou quem individualiza ou desenvolve políticas públicas. É ao Governo que se pedem responsabilidades e tem essa obrigação.

Se não é governante é o quê?

É um Presidente com intervenção política ativa, porque tem imensos poderes políticos. E é relevante porque, primeiro, pode dissolver a Assembleia e basta ver o que fizeram os Presidentes - todos a dissolveram - e essa dissolução alterou sempre substancialmente a vida política. Basta recordarmos o último exemplo, o de Jorge Sampaio. E o mesmo aconteceu com as dissoluções promovidas por Ramalho Eanes, ou por Mário Soares. Se isto não é relevante, não sei o que é sê-lo.

Mas esse é o máximo poder do PR?

É um poder que, usando a linguagem dos politólogos, diríamos que é a arma dos fortes. Porque a arma dos fracos é o veto político e os pedidos de inconstitucionalidade.

São as armas fracas...

Exato. Portanto, este é um primeiro poder formal que, quando exercido, tem implicações substantivas no quadro político. É verdade que não tem grandes poderes de Governo ou de direção política. Mesmo nos dois casos onde há sobreposição, o das relações externas e o do comandante das Forças Armadas, a condução política é do Governo. Talvez em termos de revisão constitucional se pudesse explicitar melhores estes poderes. O que esteve na origem do livro que eu e Vital Moreira escrevemos "Sobre os poderes do Presidente da República: especialmente em matéria de defesa e política externa" (1991) foi precisamente um parecer que nos foi pedido por Mário Soares para saber se ele tinha ou não direito a conhecer as informações militares e diplomáticas, sendo ele como PR o comandante das FA e quem nessa qualidade acreditava os embaixadores. O parecer era sobre isto: quais são os meus poderes e como posso agir? Entendemos que se devia dar substantividade a estas funções do PR, que ele devia ser informado e isto tornar-se mais claro na Constituição. Ninguém contesta esta ideia da representação do Estado em termos externos, de simbolização da própria unidade do Estado e dado que a Constituição refere o PR como tendo essas competências, elas deveriam ser melhor especificadas.

O PR passou a ser informado, mas a letra da Constituição não foi alterada...

Não. É a interpretação que foi sempre sendo feita. Pergunta-me: os presidentes têm todos interpretado unanimemente a Constituição? Não há interpretação presidencial constitucional, nem pode haver. Cada Presidente transporta a sua personalidade e conforma o cargo com o seu tipo normativo. Numa pincelada muito impressiva, é esta a ideia que fiquei dos presidentes. Ramalho Eanes: Presidente com devoção militar na consolidação da democracia portuguesa. Mário Soares: Presidente de forma entranhadamente política, com paixão de Portugal em jeito de "fome sem entretém", como ele dizia citando O'Neill. Jorge Sampaio: Presidente de forma moralmente reflexiva, procurando compreender os desafios nacionais e globais das democracias e dos povos. E, finalmente, Cavaco Silva, Presidente interventivo em conformidade com a Constituição, num quadro de colisão de valores e de crise económica nacional e internacional. Tem sido essa a preocupação do atual Presidente.

Porquê um quadro de colisão de valores?

Muitos dos problemas que hoje se colocam são de colisão de valores numa sociedade plural. Exemplo disso foi a questão do veto ou não veto ao casamento entre homossexuais, ou do divórcio ou das uniões de facto. São problemas fractais

O Presidente deveria ou não ter vetado a lei?

Deveria ter vetado politicamente, sem nada. Se era essa é a convicção dele, sobretudo neste contexto de quadro de valores, a que conclusão chegamos? Que o PR diverge radicalmente do Governo e da maioria da Assembleia. Não é crime numa sociedade de diferenças. Seria melhor isso do que as objeções.

Cavaco Silva disse num dos debates presidenciais que se o PR se guiasse pelas suas próprias convicções ideológicas não podia ser o garante da unidade do Estado. Um PR deve - e pode - despir-se da ideologia?

Uma coisa é a unidade do Estado, outra o dissenso profundo na República, na sociedade. Eu defendo isto também quanto ao Tribunal Constitucional. Há um novo quadro de valores que está a desenvolver-se. Há outra constelação. Mas neste caso não está em causa a unidade do Estado, é a unidade da República, mas ela não é una, é diferente, é conflitual, é aberta. Talvez o que Cavaco queira dizer é que pode votar a favor da alteração de uma lei, não obstante as suas convicções. Isso tem razão de ser, é como discutir uma lei da liberdade religiosa. Sendo-se católico, pode-se ter algumas reticências, mas como Presidente vê o que é a sociedade portuguesa e não pode mover-se pelas suas pré compreensões religiosas, tem de promulgar a lei. Em termos políticos é complicado invocar sempre isto, mas Cavaco tem razão em algumas coisas.

Considera Cavaco Silva um Presidente interventivo?

É um presidente interventivo porque pode sê-lo em termos de utilização das suas competências formais, de dissolução da Assembleia, dissolução do Governo, veto político, veto por inconstitucionalidade. Mas ele não faz apenas isso. Ele entende que deve chamar os partidos políticos, por causa do orçamento, por exemplo, que deve convocar o Conselho de Estado para ouvir e auscultar a sua opinião quanto à situação do país e necessidade do arranjo de forças políticas, as consequências em termos da política externa.

Todos os presidentes o foram?

Todos procuraram ter intervenção mais política. Vimos o jogo de Ramalho Eanes com o PRD, dos colóquios que Mário Soares desenvolveu e que na altura foram entendidos como força de bloqueio, contra o Governo de Cavaco. Jorge Sampaio também teve as presidências abertas e fez numerosos discursos de intervenção - houve um que ficou célebre, "há mais vida para além do défice". Todos procuram ser interventivos noutros campos para além dos poderes formais, através da palavra, da mensagem, utilizando os novos esquemas de comunicação na área económica, social, cultural, todos de uma forma ou de outra tem-no feito.

E Cavaco Silva também, com os seus roteiros, numerosos e sobre temas variados...

O que eu diria é que ele pretende ser o que em linguagem política se diz a pessoa da supervisão, que faz prospetiva, procura ter visões de futuro, insinuar estratégias políticas. Nisto, Cavaco Silva tem sido interventivo.

E promete agora mais, uma magistratura ativa

Por isso sublinho aqui o interventivo. Não pode governar, mas pode intervir. O que não se pode exigir a este Presidente, ou a outro qualquer, como estão a fazer muitos candidatos, é que seja ele a deter a alavanca do poder - quase como a alavanca de Arquimedes - para resolver os problemas económicos, sociais e culturais. Não sendo um presidente-governante, pode ser um presidente interventivo. É isto que se lhe pode pedir.

É isso a magistratura ativa?

Magistratura ativa, de influência, porquê? Há uma série de palavras de que não gosto. O presidente moderador, árbitro, coordenador, regulador, equilibrador, a missão do Presidente, a autoridade do Presidente, o espírito da função presidencial, tudo isto é um pouco metafísico. São muitos adjetivos que se criam e que não adiantam nada. Porque é que um constitucionalista tem nisto uma visão diferente da de um politólogo? Porque se formos ver a Constituição portuguesa, não fala em poderes do Presidente da República, mas de competências.

À luz do nosso sistema, quais são os principais atributos ou qualidades que deve ter um Presidente?

São várias. Nunca a ideia de neutralidade. Um Presidente não é neutro, nem apenas moderador. Neste aspeto, Cavaco Silva às vezes perde, porque ele considera-se um Presidente que não é político nem partidário. Ora o cargo de Presidente da República é político e essa redução que às vezes se pretende fazer é precisamente aquilo que Mário Soares ataca. Verdadeiramente, a política é a arte mais nobre dos homens desde que seja colocada ao serviço das pessoas e dos povos e sempre foi assim desde Aristóteles. Eu penso que todos temos as mãos sujas no sentido sartriano. Desde que não sejamos corruptos e sejamos honestos, devemos exprimir isso mesmo. Estamos neste posto, há muitas dificuldades, são precisas opções políticas claras, conformadoras da nossa vida. Um Presidente tem o direito de exercer este tipo de magistratura de acordo com a sua personalidade e o crisma que empresta ao cargo - um Presidente é isto. Tem partidos a apoiá-lo, estamos no plano do debate político. Outra das qualidades fundamentais é a da integração social. Um Presidente representa a República ou o Estado em termos externos, mas além de cumprir esta função, tem também a da integração, das fracções partidárias, de ver as pessoas, o rosto e a alma das pessoas concretas. Ele é o representante de todos os portugueses, independentemente da sua classe e profissão. Mais ainda. No contexto atual, deveremos ainda ver que ele é Presidente num contexto de constelações pós-nacionais, de um país que está integrado na União Europeia, que pertence aos países de língua portuguesa, que tem muita imigração e, portanto, ele tem de ser o Presidente de todos. É preciso ter a coragem de ser um Presidente integrador também nestes contextos fractais e dizer claramente que não há terreno para a xenofobia em Portugal, que a combaterá fortemente, que Portugal foi um país de emigrantes e hoje recebe muitos e que ele é o Presidente de todos. Para dizer de forma mais atual, um Presidente da inclusão dos outros, no sentido do nosso país ser integrado, de pluralidade social e de ser um país que se pretende transportador de experiências globais desde as nossas descobertas.

O Presidente não é governante, mas o sistema é semi-presidencial?

Entendo que a forma de Governo é parlamentar, o que há é um corretivo através de um esquema que alguns dizem que é semi-presidencial, de ser um Presidente eleito, ter legitimidade democrática direta e relevantíssimos poderes formais no jogo político, dissolução da Assembleia, demissão do PM, vetos, etc. Mas estes poderes são exercidos no quadro parlamentar.

E isso que está a acontecer no país?

Nós temos uma cultura de maiorias no plano político, não temos uma cultura que nos momentos cruciais nos leve a formar coligações ou entendimentos políticos para resolver os problemas mais candentes do país. Não há muita flexibilidade para, em momentos cruciais, dizermos que é preciso uma sustentabilidade tendo em conta os conflitos, as greves, a contestação. Isto não acontece na Europa. Os problemas que por vezes queremos que o Presidente da República resolva têm de ser resolvidos no quadro parlamentar. Como é que ele os pode resolver? Forçando? Pode forçar, dissolver a Assembleia, dizer ao Primeiro-ministro (como fez Ramalho Eanes com o Governo de Mário Soares e Freitas do Amaral) que se ele não garante um Governo de maioria ou alguma sustentabilidade, o fará. Ele pode exigir apoio de maioria neste contexto complicado. O que se vê aqui é que o esquema Governo-Parlamento não funciona quando, afinal de contas, o Presidente está a fazer uma imposição razoável - que não quer num contexto destes haja um Governo de minoria.

Ele tem o poder de não dar posse, se não lhe garantirem esse apoio?

Ele pode dizer que vai insistir numa solução de sustentatibilidade maioritária. O que acontecia? Neste caso, ele tinha a arma dos fortes - se no próprio quadro parlamentar, e ele é um Presidente não-governante mas com poderes de dissolver a Assembleia, se os partidos não se entendem, então poderá dissolver a Assembleia, refrescando a legitimidade. Mas o Presidente tem também de fazer o jogo: dissolver a Assembleia passado um ano de eleições? Para eventualmente ter um resultado semelhante? É o problema do Presidente, a análise que vai fazendo, sendo certo que um Governo de minoria neste contexto é muito difícil. E ele teve essa experiência. Penso que os próprios partidos políticos estão a menosprezar o quadro parlamentar em que têm de se mover. O Presidente pode dizer ao primeiro-ministro que entende que é do bom-senso político que este esgote as possibilidades de formar governo de maioria. E que, uma vez que a Constituição permite os executivos minoritários, que estará atento e, se verificar que há sustentabilidade ou estabilidade política, dissolverá a Assembleia. Só que, na altura, não o podia fazer. Foi andando.

Embora tivesse havido uma altura em que o poderia ter feito

Sim, tinha uma janela, mas era sempre o mesmo problema, era um Governo há um ano no poder. Neste caso, a personalidade, o tipo de Presidente é importante, porque ele pode impor: "dou posse, mas vou estar vigilante, porque um Governo de minoria neste contexto para o país não dá". O que é que isto implicava? Repare-se que os outros partidos também querem ser a maioria e, portanto, há uma cultura que nos falta enquanto classe política. Parece que é tudo preto ou branco. Mas é de prever mais agitação social, mais contestação e não sei quem poderá transportar estabilidade social para enfrentar este tipo de situações. Este aspecto não pode ser identificado na Constituição. A ideia criativa, a imaginação e a experiência de um Presidente não podem ser postas em norma jurídica, mas é a partir das competências que detém, que ele pode tentar compreender o jogo e insinuar uma qualquer solução que veja como a mais razoável e politicamente mais sustentada.

Este Presidente é acusado por alguns sectores de que devia e podia ter dissolvido a Assembleia. Não o fez porque deriva da sua personalidade, da interpretação que faz das suas competências, ou da maneira como vê a política?

Penso que ele nunca teve dúvidas de que podia fazê-lo até determinado momento, Setembro. Também não tem dúvidas quanto à sustentabilidade maioritária, tem-no sugerido. O que parece é que a ponderação que faz, até como economista, entre os custos e os benefícios neste contexto de dívida, que é preciso elaborar um orçamento, convencer os mercados, suavizar um pouco as dificuldades de Governo, é no sentido de que pode guardar-se para mais tarde. O seu juízo político terá sido que o mal maior era dissolver a Assembleia e a queda do Governo, tanto mais que de eventuais eleições só resultaria um novo Governo passados alguns meses. Não é por isso que deixa de ser um Presidente atento e politicamente muito activo.

Como interpretar o discurso dos candidatos à luz dos poderes presidenciais?

Quando se trata de discutir as propostas, há uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Numa sociedade plural, com divergências e conflitualidade e com um texto fundamental programático como é o nosso, os candidatos podem fazer a interpretação dos poderes que estão na Constituição dissolvida na ideologia, nas propostas partidárias, nos programas de Governo. Daí que muitas vezes naveguem entre o messianismo e o sidonismo, um estilo Presidente Sidónio que Cavaco, reconheça-se, não quer ser e acho que bem.

Como define um candidato sidonista?

É um Presidente-rei que não foge à tentativa decisionista, aos plebiscitos e aclamações do Governo do Presidente, à aposta na pessoalização do poder. Um Presidente pode ser interventivo e não ser nada disto.

E o messianismo?

É promover promessas em termos económicos e sociais, culturais, nacionais e internacionais - muitos não têm sequer nenhuma contenção - que no plano da realização são quase uma utopia, mas que se pretendem impor como uma interpretação correta da Constituição e das funções de um Presidente. É legítimo enquanto jogo de discordância política na sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, mas não é um bom exercício de interpretação das competências constitucionais.

Os atuais candidatos são sidonistas ou messiânicos?

Há algum tom epopeico em Manuel Alegre, da resistência, da democracia e Portugal precisa de algum tom epopeico. Depois, há uma transposição do que chamávamos nos anos 60 a "política emancipatória", de esquerda, de revolução, reconstrutiva da política - tem curiosamente três apóstolos: Francisco Lopes, do PCP, a partir da ideia programática da política de uma visão marxista; Fernando Nobre, com uma ideia inovadora interessante a partir de uma experiência global, que não tem nada a ver com a formação marxista e também não põe grandes balizas nas competências do Presidente da República: e Defensor de Moura, que é o mais difícil de definir porque simultaneamente tem experiência claramente política, tanto como autarca, como dentro do PS. Aparentemente é um candidato contra o partido, como já foi Alegre, mas no jogo politico tem necessidade de atualizar uma certa ideia de intervenção presidencial nos problemas políticos, económicos e sociais. Não vejo nenhum sidonista, mas todos têm algumas dimensões messiânicas.

O próprio Cavaco tem?

Não, ele é um economista. Como dizia Keynes, dentro de 30 anos estaremos todos mortos. Tem uma visão muito mais humana e terrena das esperanças e das promessas. Como economista reflete isso bem.

No atual contexto, qual é o candidato mais indicado?

Não posso dizer nem interferirei. Mas penso que uma visão republicana das competências previstas na Constituição aponta para um exercício da magistratura presidencial em termos sustentáveis. Prefiro um Presidente que diga que cumpre a Constituição, nos termos republicanos de que somos todos iguais, um Presidente mais inteligente e arguto na interpretação das suas competências constitucionais e menos palavroso e com menos retórica. Ou seja, menos heróico nas afirmações e mais realista nas concretizações da Constituição.

Cavaco Silva tem sido conforme à Constituição?

Como constitucionalista que lida com estas ideias, competências e tarefas, acho que tem. Não concordo com as críticas que lhe têm dirigido. Em alguns casos tem sido de menos. No caso de conflitos de valores, por exemplo, se o Governo tem maioria e faz as leis, o PR pode pensar que está em sintonia com uma parte da população e vetar politicamente. E depois há o mecanismo de superar o veto na Assembleia. Nas regras democráticas a ultima palavra é da Assembleia, no fundo ele obriga que seja ela a tê-la. O jogo é este. O Presidente por vezes pode ficar valorizado com uma atitude deste tipo. Curiosamente, como Cavaco Silva é muito cauteloso, acaba por ter uma interpretação republicana do texto constitucional.

Mas este Presidente faz muita questão de salientar que nunca vetou um diploma do Governo

Sim, mas não é crime vetar.

Faz sentido alterar os poderes presidenciais no âmbito da revisão constitucional?

Relativamente à política externa e como comandante das Forças Armadas sim, no sentido de especificar quais são as suas atribuições, já que tanto a política externa como a defesa são do Governo. Não seriam grandes novidades. Sou muito cauteloso.

E quanto à moção de censura construtiva?

Quando o PS a propôs, eu e Vital Moreira considerámos que ela é contra a estrutura presidencial de poder. E ela foi sendo adiada. No fundo, é a possibilidade (de acordo com a experiência alemã) de uma moção de censura dentro do quadro parlamentar, desde que haja um candidato a primeiro-ministro com apoio maioritário. Mas, por outro lado, o PR nomeia o primeiro-ministro tendo em conta os resultados eleitorais - então como é? É um "negócio interno" da Assembleia ou é o Presidente que nomeia o primeiro-ministro? Não dá uma coisa com a outra. Talvez a quiséssemos para neutralizar a ideia de que um Governo não tem que ter uma maioria, basta não ter contra ele essa maioria, é o problema dos governos minoritários. Por outro lado, há uma lógica da "primoministerialização" - haver candidatos a primeiro-ministro, que também não é o que diz a Constituição, segundo a qual ele é nomeado pelo PR, tendo em conta os resultados eleitorais. Mas a prática já não é essa e esta ideia de candidatos a primeiro-ministro pressupõe que sejam candidatos ao Parlamento. Todavia, de acordo com o nosso sistema, pode ser um primeiro-ministro que não tenha assento parlamentar, porque são os partidos que decidem que deve ser este e não aquele. Há uma confusão grande quanto à compreensão do nosso próprio sistema. Ou seja, é preciso fazer melhor o trabalho de casa.

É preciso melhorar a Constituição?

É preciso ter ideias claras sobre o que se pretende sobretudo.

E quanto às propostas de diminuir ou eliminar o prazo de seis meses de proibição de dissolução da Assembleia logo após a sua eleição ou no final do mandato do Presidente?

Devemos distinguir a espuma do quotidiano das razões que levaram à consagração destes dois limites materiais. São três: nos últimos seis meses do mandato presidencial, nos primeiros seis da Assembleia da República e em estado de sítio e de emergência. Este último não interessa. Na altura havia o medo dos presidentes decisionistas, dos que dissolvem e nomeiam, que inventam partidos; não podíamos banalizar as eleições parlamentares - dissolver uma assembleia logo nos primeiros seis meses? Os problemas mudaram assim tanto nesse lapso de tempo para se ter uma nova Assembleia? É de desconfiar. Por outro lado, evitar o jogo à francesa, através do qual um Presidente pudesse criar uma dinâmica de vitória relativamente à sua própria força partidária com a dissolução da Assembleia. Pergunta-se: paira no ar algum esquema destes? Não estou a ver. Talvez propusesse que se meditasse no encurtamento do prazo para um trimestre antes das eleições presidenciais. Em relação à Assembleia tenho dúvidas: vamos entrar num jogo caríssimo em termos económicos e saturantes para as populações passado três meses ou um mês? Não acho que se tenha tornado uma norma obsoleta.

Mas diz que "é preciso bater na Constituição para ela ser inteligente"...

Porque nem sempre lendo a Constituição se sabe interpretá-la. No fundo, é necessário interpretar bem os princípios e regras nela contidos para assegurar uma aplicação rigorosa e correcta destas normas constitucionais. Os textos são mais inteligentes que os enunciados linguísticos insinuam. Exemplo: relativamente aos poderes do Presidente, foi preciso acontecer o caso do Iraque na altura de Jorge Sampaio, para se "bater" na Constituição e ver o que o Presidente pode fazer. Mas onde continuo a insistir é no regular funcionamento das instituições democráticas.

Que nunca nenhum Presidente invocou...

Tem havido alguma confusão na interpretação da expressão de assegurar o "regular funcionamento das instituições democráticas" no artigo 120º, que diz respeito ao Estatuto do Presidente, é uma sua atribuição. Depois, no art.195º-2, lê-se que o Presidente só pode demitir o Governo "quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições...". O Prof. Gonçalves Pereira chegou a dizer que ela era uma "norma de cortesia para com o Presidente" porque, em rigor, a revisão de 1982 praticamente neutralizou a responsabilidade política do Governo perante o PR, limitando-a a uma responsabilidade imperfeita e difusa. Como se interpreta uma responsabilidade política relativamente ao Presidente, quando este não tem poderes para conformar a orientação do Governo? Qual é o sentido deste regular funcionamento das instituições democráticas? Essa obrigação pertencia ao Conselho de Revolução e pode colocar-se quando? Em casos de estado de sítio ou de emergência (art.19º), quando o Governo não pode funcionar porque está cercado ou exilado, por exemplo. Ou seja, pode ter um sentido muito mais amplo que o jogo politico do Governo-Parlamento-Presidente da República. O enigma é o do 195º-2 - o que ele verdadeiramente quer dizer é "regular funcionamento do Governo", não das instituições democráticas. O que disse sobre o facto de não haver uma maioria, nem sustentabilidade do Governo, deste não conseguir aprovar o orçamento porque não tem apoio maioritário é gravíssimo. Perante isto, no quadro parlamentar e constitucional, o Presidente pode dizer que o Governo não funciona, que o esquema fiduciário Governo-Assembleia não funciona, que o funcionamento do Governo está num impasse. É para isto que o PR tem os poderes de demitir o primeiro-ministro.

O PR podia ter demitido o Governo ao abrigo do art. 195-2?

Era necessário aprofundar. Se o Presidente fizesse este juízo, de que um Governo minoritário no momento atual não consegue responder aos problemas da crise económico-financeiros, das duas uma: ou consegue um Governo de apoio maioritário ou, sendo isso impossível, por dificuldades inerentes ao funcionamento do próprio Governo, obriga a verificar se não é preferível demitir o Governo e refrescar a legitimação para ver se consegue um outro arranjo parlamentar, capaz de fornecer estabilidade e dar sustentabilidade a um Governo mais forte.

O problema é que as coisas podem ficar na mesma. Havendo eleições, pode continuar o mesmo espetro fracionado e o Presidente tem de fazer a mesma apreciação. É um problema em cascata, que cabe sempre a um juízo de ponderação do Presidente. Mas demitir o Governo neste âmbito não é trágico nem ofensivo da democracia. É da governabilidade e do regular funcionamento do Governo que se está a tratar e essa ideia é clarificadora.

É uma proposta de revisão?

Poderíamos clarificar melhor. Sugeria meditarmos sobre o facto que o "regular funcionamento das instituições democráticas" previsto no art. 195º-2 não é a mesma coisa que está no art. 120º, que o que se pretende referir é o regular funcionamento do Governo da República. O que tem estado na opinião pública é esta confusão. Numa situação de manifesta e reiterada incapacidade governamental para obter apoio minimamente relevante na AR, dificultando insuperavelmente negócios de Estado (legislação, aprovação de orçamento), não sendo possível a demissão parlamentar do Governo, dada a impossibilidade de conjugar uma maioria absoluta de censura contra ele, o que pode um Presidente fazer? Assegurar o regular funcionamento do Governo demitindo o primeiro-ministro ou dissolvendo a Assembleia

Isso daria mais poder ao Presidente?

Clarificava. Demite-se um Governo porque está a ser traidor à pátria, porque o PR discorda dele no plano político? Não. Mas se o primeiro-ministro não consegue conversar com o resto do Parlamento, senão são possíveis coligações, como vamos governar? É a situação atual, ninguém as quer. Então talvez legitimasse não só a demissão do primeiro-ministro como a da Assembleia da República. O problema está confuso - por isso é preciso bater no texto e torná-lo mais inteligente.

Estas eleições presidenciais podem ser definidoras?

Só relativamente a um projeto político que abranja partido, presidente da República e maiorias. Pode não resultar, mas é um projeto antigo. Mas basta que o PSD tenha apenas uma maioria relativa para não haver um novo ciclo político. Vai ter estas medidas à mesma e vai acrescentar outras, que vão ter mais contestação.

São indispensáveis as actuais medidas de austeridade?

Devíamos aproveitar para fazer o trabalho de casa em relação à classe política. A Assembleia passar para 200 ou 180 deputados, mudar o mapa eleitoral para assegurar o princípio da proporcionalidade juntando distritos, corrigir as grandes disparidades de proporcionalidade existentes nas assembleias regionais, ir às Câmaras Municipais, juntas de freguesia. Tudo isto são muitos milhões e a classe política ainda não fez o exercício. Eu sei o que é a austeridade, mas não é isto que estamos a fazer, é cortar de forma cega os salários.

Thursday, December 30, 2010

CHESTER DALLE COLLECTION

Aqui, 24 reproduções de parte uma colecção enorme em todos os aspectos.
Na National Gallery até  2 de Janeiro de 2012.
Aqui o elenco de toda a colecção.

BABAR NA SELVA


Mas que melhor demonstração arranja a administração da Caixa do que a evidência de ter sido corrida pelo Governo por, ao fim de tanto tempo, deixar o BPN, e as contas a pagar pelos contribuintes,  em pior situação do que aquela em que o encontrou quando lhe entregaram a incumbência?  

Evidentemente, que gerir a Caixa é fácil. Difícil é gerir casos complicados como o BPN. Quando atribuiu à Caixa a gestão do BPN o Governo deveria saber isso: Não se manda para a selva um elefante criado no Jardim Zoológico.

SONHOS E RABANADOS - PARTE 7

Resumo das cenas anteriores - Das eleições de 23 de Janeiro não resultou, contrariamente a todas as sondagens a maioria absoluta de votos para um dos candidatos. Na segunda volta, pela margem estreitíssima de um voto (soube-se mais tarde que, após pressões de todos os quadrantes da esquerda, o seu Patriarca continuou a recusar-se a votar mas acabou por mandar o seu motorista fazê-lo), Presidente Alegre entrou em Belém, concretizando um sonho dos tempos em que por ali andara a catar musgo, e que o próprio relatou aqui

Entre as suas medidas revolucionárias para resgatar a dignidade perdida do país, Presidente Alegre decidiu, levando em conta uma proposta de um doutor bloquista, que leu aqui, mandar o euro às urtigas e adoptar a coroa portuguesa como moeda. Pelo caminho ficou o anterior primeiro-ministro, pouco sintonizado com Alegre, e assumiu o governo da nação, mas não o comando, César, o amigo ilhéu.

Impressionou-o também muito favoravelmente para esta mudança estratégica o facto de guardar a recordação de uma nota jugoslava de 1993, de 500 milhões, que um amigo dos tempos revolucionários lhe deu, e que é retrato fiel de uma sociedade que foi próspera a ponto de ter sido, toda ela, sem discriminações, arquimilionária.



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Antes da leitura da reportagem que segue, transmitida, como as anteriores, em directo de Belém, sugiro a leitura integral do que o Presidente Alegre escreveu aqui.
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- César!!!!!

(noque, noque, noque)

- Chamaste, Manel?
- Que te parece?
- Bem ... Muito bem.
- Ainda bem que nos entendemos. César, temos um problema.
- É para isso que cá estamos, Manel. Para "solving problems"...
- Que é isso?
- Dialecto norte-americano ... Influência dos rapazes das bases ...
- Temos de correr com eles!
- Achas??? ....Manel?
- Não acho. Detesto essa casta pegajosa e nauseabunda, que corrói o tecido da pátria, os achistas. Eu não acho! Ordeno!
- E é para já, Manel?
- Não, não é para já. Para já temos outro problema entre mãos.
- Avariou-se a tua rotativa...?
- Avariou nada. Está parada por falta de encomendas...Desde que passámos a imprimir notas de 500 milhões, a malta não quer doutras.
- Estou a ver...
- Onde?
- É força de expressão ...
- Não te esforces que te podes cansar antes de tempo. O problema é este: Nos meus tempos de exilado político em Paris,  na noite de Natal os revolucionários ficavam tristes e nostálgicos, comprei uma garrafa de Porto, peguei nela e fui até ao bistrot onde costumava comer uma omelete de fiambre. Havia mais três solitários no bistrot, um velho de grandes barbas, um tipo com cara de eslavo, um africano. Convidei-os para partilharem comigo a garrafa de Porto, que não resistiu muito tempo, ao mesmo tempo que me recordava, e lhes contava, histórias dos tempos em que catava musgo em Belém. Ia a noite já alta, quando um deles, o africano, diz: Agora, vamos para Belém.  E cá estou..
César, tu acreditas em milagres?
- Nesse, acredito, totalmente. E por onde é que param esses amigos agora?
- Pois aí é que está o problema. O Gaspar, um mago culto, bem educado,  acabou por ter de ir trabalhar para as obras mas, com a crise da construção civil, há mais de dois anos que está desempregado; o Baltazar, depois de passar uns tempos pendurado sem lhe aparecer um cliente, arranjou um gancho como porteiro de uma discoteca, mas está farto dar e levar pancada; O Melchior ganha umas coroas como tarólogo, mas queixa-se constantemente da concorrência, que informatizou o negócio e, miseravelmente, lhe seduz a clientela.
- É isso. Isto está mau para muita gente...
- Ora, agora que cheguei a Belém, manda a mais elementar justiça, o mais imediato bom senso, a mais profunda tradição, que os acolha neste presépio, nesta manjedoura para falar português corrente, a que a tal estrela nos conduziu desde aquela noite fria em que, desolados, nos encontrámos em Paris. 
- Obviamente. Temos de os trazer para cá.
- E temos lugares para eles?
- Se não houvesse lugares para eles para quem poderia haver?
- Sabes?, ás vezes chego a pensar que deverias mudar de nome.
- Podes chamar-me Carlos...
- Muito bem, Carlos. Vou mandar vir os magos. Trata-os bem, Carlos.
- O melhor possível. Já agora, Manel, não achas que deveríamos contar com mais figurantes à volta do presépio? 
- A tradição obriga?
- É uma obrigação da tradição.
- Pois que se cumpra a tradição.
- E viva o velho!
- Que velho?
- O Melchior, Manel, O Melchior.
- Ah! ... A propósito, Carlos, vou enviar-te uma pequena lista de outros figurantes que há muito tempo me acompanham. Coloca-os em lugares de destaque. É gente bem parecida, para ficar junto à manjedoura.
- E cumpre-se, religiosamente, a tradição!

Wednesday, December 29, 2010

CONFUSO?


Portugal é uma maravilha de diversidade opinativa.

Em Fevereiro deste ano, o presidente do Conselho de Reitores das Universidades afirmava que o Governo deveria promover a redução do elevadíssimo número de cursos universitários.
Hoje pode ler-se no Expresso on line que Universidades querem 431 cursos novos.
Evidentemente, pode haver 431 cursos novos e, no entanto, reduzir-se o número total de cursos.
Pode, mas não é verosímil que entre os 5000 actualmente existentes haja lugar para mais 431 e, ao mesmo tempo, se justifique uma extinção de um número muito mais elevado doutros.
O ensino da irresponsabilidade em Portugal passa pela Universidade. É o esquema de Ponzi aplicado à proliferação de cursos no ensino dito superior.

O JOGO DA CABRA CEGA


O processo Freeport teve na sua origem suspeitas de corrupção e tráfico de influências na alteração à Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo e licenciamento do espaço comercial em Alcochete quando era ministro do Ambiente José Sócrates.

Segundo o Público, PGR abre processo disciplinar a procuradores e Cândida de Almeida, directora do DCIAP é uma das visadas.

Mantém-se em funções enquanto o processo se encontrar aberto?  

EUROCLUBE, MAIS UM MEMBRO


AS PROBABILIDADES DE CONTÁGIO

By Neil Irwin

Greece sneezed, and now most of Europe has a cold. The European debt crisis has already spread like a virus from Greece to Ireland, and other countries are now at risk: Portugal, Spain, and Italy are probable candidates for financial problems. Economists call this the “contagion effect.” How does this spread? Some of it has to do with confidence. When investors see one country encounter financial problems, they may doubt the health of other countries that seem to share economic or even political characteristics.

Contagion also has much to do with actual economic links among countries. Researchers have identified financial ties in particular as responsible for the “fast and furious” spread of crisis from one country to another. Trading activity between countries, however, can propagate economic sickness more slowly.

Who's exposed?
Through banking
Through trade
When an ailing country becomes over extended and unable to handle its debt, banks and other financial firms that have lent it money could be exposed to major losses. This could unsettle the home country of the banks or even spread the troubles to a third country. That can occur, for instance, because banks may try to cover their losses in one country by calling in loans in another.

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ACERCA DE ANESTESIAS

Já várias vezes me referi em apontamentos neste caderno à prática de "anestesia fiscal " frequente em Portugal.

Desde logo pela não evidência, na generalidade dos casos, do IVA liquidado nas facturas em restaurantes, supermercados, e, praticamente, em todas as lojas e centros comerciais. Quando compramos uns sapatos ou compramos combustível para o carro, o valor indicado é o valor total, o consumidor não é informado que parte corresponde ao artigo ou ao bem comprado e que parte respeita ao IVA liquidado. Entre o consumidor e contribuinte,  o Estado promove ou consente a colocação de uma cortina opaca que não deixa distinguir uma condição da outra.

Recentemente, e a propósito do aumento dos preços da electricidade, António Mexia veio a público alertar para o facto do preço debitado conter várias parcelas que não têm que ver com o preço da energia, limitando-se a EDP, quanto à outra parte, a realizar a função de colector de impostos. Esperemos que passe a haver mais transparência neste caso, e que ele seja o exemplo a seguir em todas as transacções, quaisquer que sejam os fornecedores e os bens ou serviços envolvidos.

É sintomático, contudo, da conivência perversa entre a falta de transparência e a evasão fiscal  o facto de nem os governos, até agora, terem imposto a clareza das contas nem os fornecedores hajam reclamado a evidência dos impostos que os clientes pagam e que, sendo eles civicamnte bem comportados, colectam para entregar ao Estado.

A esta questão refere-se, ainda que dirigido apenas a um aspecto específico, mas de grande impacto económico, o artigo publicado aqui, e cuja leitura se recomenda.

MOONSTRUCK

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Tuesday, December 28, 2010

ACERCA DA IRRACIONALIDADE DO ESTADO

Tribunal de Contas encontra motivos para despedimento de gestores públicos de transportes,
mas
Finanças dizem não terem razões para demitir qualquer gestor público.

Das duas, uma:
Ou o Tribunal de Contas é irresponsável a ponto culpar sem fundamento bastante e  de sentenciar, aliás gratuitamente, como é de sua condição, com pena de despedimento um ilícito inexistente;
Ou o Governo, através do Ministério das Finanças, decide menosprezar o julgamento do TC e proteger, indescupavelmente os seus delegados.

E na Assembleia da República, onde o Governo não dispõe de apoio maioritário, o que é que pensam os representantes do povo? Provavelmente, assobiarão para o ar.

Não deixa, contudo, de ser mais estranho, do que aonde foram feitas as aplicações financeiras, o facto de, por exemplo, a CP, altamente dependente de um OE, de mais a mais em contracção, se dar ao luxo de ter em seu poder fundos para aplicações em bancos privados.

E nem é única, bem pelo contrário, nem é a primeira vez que o TC denuncia a situação.
Alguma empresa privada toleraria uma irracionalidade destas?

---
Correlacionado: Refer afirma que a grande maioria das necessidades de fianciamento são cobertas por endividamento .
Mas que lata! Ou que incompetêcia?
Endividam-se para, pelo menos parcialmente, fazerem aplicações financeiras.
O endividamento, evidentemente, será pago pelo Estado, quer dizer pelos contribuintes.

EXCEPÇÃO À REGRA

Pelas piores razões, Portugal tem sido ultimamente notícia frequente nos media de todo o mundo.
Não admira, por isso, que amigos e conhecidos norte-americanos ou a residir nos EUA nos perguntem, insistentemente,  o que se passa com a dívida e os juros que temos às costas. 

Hoje, no entanto, pode ler-se aqui, a propósito do flagelo da droga nos States, uma reportagem acerca do saldo positivo resultante da lei que desde há uns anos despenaliza o uso das drogas em Portugal, traduzido numa quebra significativa de dependentes crónicos e do aumento de aprisionamento de droga e de traficantes.   

Valham-nos pelo menos as excepções quando a regra é desoladora.

Portugal's drug policy pays off; US eyes lessons

LISBON, Portugal -- These days, Casal Ventoso is an ordinary blue-collar community - mothers push baby strollers, men smoke outside cafes, buses chug up and down the cobbled main street.
Ten years ago, the Lisbon neighborhood was a hellhole, a "drug supermarket" where some 5,000 users lined up every day to buy heroin and sneaked into a hillside honeycomb of derelict housing to shoot up. In dark, stinking corners, addicts - some with maggots squirming under track marks - staggered between the occasional corpse, scavenging used, bloody needles.

At that time, Portugal, like the junkies of Casal Ventoso, had hit rock bottom: An estimated 100,000 people - an astonishing 1 percent of the population - were addicted to illegal drugs. So, like anyone with little to lose, the Portuguese took a risky leap: They decriminalized the use of all drugs in a groundbreaking law in 2000.

Now, the United States, which has waged a 40-year, $1 trillion war on drugs, is looking for answers in tiny Portugal, which is reaping the benefits of what once looked like a dangerous gamble. White House drug czar Gil Kerlikowske visited Portugal in September to learn about its drug reforms, and other countries - including Norway, Denmark, Australia and Peru - have taken interest, too.

Monday, December 27, 2010

SONHOS E RABANADAS - PARTE 6

(trrrimmm!!!!)
...
(noque, noque, noque)

- Chama César!

(noque, noque, noque)

- Chamaste?
- O que é que te parece?
- Parece-me bem.
- O que é te parece bem? O que é que te parece bem, César?!!! Parece-te bem que continues a desrespeitar as leis da república?
- Não entendo ...
- Não entendes!, como não entendes? Como não entendes que é um acto vil teres aprovado para as "tuas ilhas" uma lei que derroga a lei que, tu mesmo, decretaste e eu promulguei para valer em todo  país? 
- Estás a falar dos subsídios compensatórios?
- Claro que não, César, claro que não! Esses são do tempo AA, antes de alegre. Ou já te esqueceste que houve um tempo AA e só agora vivemos um tempo alegre?
- Como poderia eu esquecer esses marco miliário erigido nas margens da nossa história?
- Hei!Hei! Se te atiraste às musas, esquece, porque o poeta sou eu! E um poeta nunca declamaria semelhante baboseira! Mas vamos ao que interessa: Que ideia peregrina foi essa de nas "tuas ilhas" continuar a circulação de euros quando foi decretado que "em todo o país", repito!, "em todo o país" a moeda passou a ser a coroa?
- Posso explicar?
- Não sei se vale a pena...
- Mas, posso ...?
- Não há explicação para uma canalhice de tal ordem!
- Nesse caso, se bem te entendo, não entendo por que razão me chamaste.
- Explica lá ...
- Uma ilha, Manel, ...
- Uma ilha? Tanto quanto sei, eram nove? Já vendeste as outras?
- Ná ... O que eu estava a dizer é que uma ilha ...
- ... é um território rodeado pelo mar. E, depois?
- Depois, uma ilha ...
- E ele a dar-lhe!... É uma ou são nove?
- São nove. Mas uma ilha ...
- ... tem custos de insularidade, já sabemos. E, depois?
- Depois, uma ilha ...
- Não respeita os princípios de Arquimedes...
- ...não sabia...
- Mas tem de respeitar os meus! Ouviste?! Ouviste de uma vez por todas?!!!!
- Sem dúvida.
- Então explica lá porque continuam os "teus ilhéus" com euros nas unhas. Se não se trata de mais uma desobediência tua, o que é que se passa?
- Passa-se que, à falta de melhor entretenimento, os "meus ilhéus" desenvolveram um interesse excepcional pela numismática. Se continuam a possuir euros é para os trocar entre si, só isso.
- Só isso!!!  Quando o "teu ilhéu" paga a conta no supermercado...
- Segundo julgo saber, o caixa do supermercado não  está legalmente inibido de se dedicar à numismática ...
- Esperteza ilhota!!! Estava a pensar aumentar os vencimentos do funcionalismo público em 10%...em coroas, evidentemente ...
- Não há problema.
- Não há? Como, não há?
- Já adquirimos uma rotativa. Tanto imprime uma coisa como outra ...
- E. depois ...
- Depois, como te tentava explicar, uma ilha é um território cercado de mar por todos os lados... 
Quem é que se vai incomodar com mais dez por cento de notas em circulação, num território ilhado, de mais a mais para fins numismáticos? E para os "meus ilhéus, quanto mais melhor.
- E como é que compraste a rotativa? Foste ao saco azul outra vez, hem?
- Negativo. Dinheiro é, rotativa o imprime...
- ...
- Pediu-se um financiamento ao banco, pagámos logo com a primeira edição... Aliás, chegámos à conclusão que já temos stock  a mais. O dinheiro, não sei se já te deste conta, agora é mais virtual que real. Dinheiro mesmo, palpável, só para trocos, numismática e negócios obscuros. De modo que, se trocos são trocos e na numismática fica tudo em casa, para negócios obscuros moeda obscura ...
- Hum! Ainda não tinha pensado nessa ... Vou dar ordens para uma produção massiva de notas de 500 ... Notas de 500!, uma arma de destruição massiva do capitalismo escroque! 
À amurada! 

O JOGO DA CABRA CEGA

PGR escolheu procurador do DCIAP para representar o MP no processo "Face Oculta".

E, depois?

Sunday, December 26, 2010

MITOS AMERICANOS


Investing in new technology is key to better security.
Scott Brown's victory in the Massachusetts Senate race means health-care legislation is dead.
Gay priests are to blame for the Catholic Church abuse scandal.
Immigrants take jobs from American workers.
Extending the Bush tax cuts would be a good way to stimulate the economy.
The tea party is racist.
The Iraq war will end "on schedule."
Mosques lead to homegrown terrorism.
The troops oppose repealing "don't ask, don't tell."
Sarah Palin is unelectable.
The North Koreans are crazy.

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ONDE MORA A FELICIDADE

A religião traz a felicidade ou ela já está no cérebro?

"Em Fortaleza, no Nordeste brasileiro, jazia uma criança subnutrida, com uma doença de estômago. A mãe procurava consolá-la:
 "Vais para o Céu, meu menino."
 A criança olhou para a mãe, abriu muito os olhos e perguntou:
 "Há pão no Céu, mãe?"




O VALOR DOS NÚMEROS

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comentário colocado aqui
.
Sei que não é a parte mais relevante deste gráfico mas sempre me pareceu pouco pertinente a comparação dos níveis de desemprego revelados pelas estatísticas durante o regime anterior que, neste caso, é uma linha horizontal pouco acima dos 2%, subita e revolucionariamente colocada abaixo dos 2% durante um período curtíssimo em 74/75.

Mesmo considerando que a década de 60 foi a de maior crescimento económico relativo, a agricultura ocupava ainda uma parte importante da população activa e a animação observada no sector secundário não absorvia a força de trabalho que deixava a terra e saltava para o estrangeiro.

Não tenho, evidentemente, registos que permitam confirmar a minha suposição, mas sei que, por um lado, a agricultura, na generalidade dos casos não garantia, bem longe disso, o emprego continuado, era sazonal e muito dependente das condições atmosféricas. Se chovia, não trabalhava, não recebia. Era essa incerteza associada a salários de susbsistência e à falta de emprego local que empurrava as pessoas para fora do país. Em França, sobretudo na área de Paris trabalhavam por essa altura quase 1 milhão de portugueses.

Se, por um lado, a emigração contribuía para a redução do desemprego, parece-me inquestionável que a emigração massiva é, por outro lado, indicador flagrante de níveis de demprego bem acima dos valores oficiais.

Se o desemprego estivesse contido a níveis tão baixos seguramente que não teria emigrado tanta gente.

Acresce ainda que, num mundo isolado, a ausência de desafios de competitividade consentia níveis de subemprego elevados e salários baixos. O emprego feminino era praticamente nulo em algumas actividades (bancos, finanças, comércio, por exemplo) remetendo-se, frequentemente, a mulher nos meios urbanos à condição de "doméstica".

A súbita descida estatística observada em 74/75 confirma de algum modo parte do que afirmo:

Recordo-me, por exemplo, da indústria de conservas. Até 74, as fábricas eram grandes espaços para onde se convocavam as mulheres das redondezas. Trabalhavam umas horas, uns dias seguidos se a pesca tinha sido abundante, e voltavam para casa à espera de nova convocação que nunca se sabia quando iria chegar. Em 75 a indústria é obrigada a integrar o pessoal de forma permanente e a garantir o salário mínimo. Com atraso de décadas, começou a automatização e o aumento da produtividade, isto é, a redução do efectivo. Pouco tempo depois, a maior parte das fábricas fechou as portas.

Outro exemplo: Na indústria de celulose, o pessoal trabalhador nas matas era eventual, isto é, sem qualquer vínculo contratual à empresa. Ganhava quando trabalhava e consoante o que trabalhava. Por imposição do governo foi integrado nos quadros e remunerado consoante as tabelas do contrato colectivo. Poucos anos depois foram negociados contratos de saída e, em simultâneo, de subcontratos de corte de matas.

Estavam empregadas as mulheres recrutadas eventualmente na indústria conserveira e os homens que trabalhavam nas matas, antes de 74? Estavam de quando em quando. Era esse o panorama geral em grande parte da actividade económica em Portugal antes de 74.

Saturday, December 25, 2010

QUEREM LÁ SABER


Os portugueses movimentaram mais de cinco mil milhões de euros com cartões de débito e crédito nos primeiros vinte e um dias de dezembro, indicam dados das instituições financeiras fornecidos à agência Lusa.
De acordo com a SIBS , em apenas 21 dias os portugueses já gastaram em levantamentos e compras na rede multibanco cerca de quatro mil milhões de euros.
Este valor representa um aumento de 4,3 por cento em relação ao ano passado.
Já os números da Redunicre mostram que até ao dia 21 de dezembro foram movimentados com cartões de crédito e débito 1,22 mil milhões de euros, um acréscimo de 0,3 por cento em relação ao mesmo período de 2009.
Contudo, o valor médio de cada compra tem baixado desde 2008, situando-se este ano nos 42,5 euros, o que representa uma descida de 1,8 por cento face a 2009.

CONTO DO NATAL ANTIGO

O Ricardo chegou entusiasmado a casa. Vinha do jantar do costume, às sextas, com os amigos, e tinham-lhe aprovado ideia de reabilitação das tradições populares em vias de extinção. É tão imperioso, tinha argumentado ele, lutar pela sobrevivência das tradições como pela conservação das espécies. E deu exemplos: é tão essencial recuperar a matança do porco como repovoar a Malcata de lince ibérico.  
Na minha terra, pelo Natal, cada um matava o seu porquinho. Porquê no Natal, Ricardo? Ora porquê, porque não havia frigoríficos naquele tempo e aproveitavam os povos o tempo mais frio do ano para conservarem a carne na salgadeira até à chegada do calor.
De modo que tinha ficado combinado que ele arranjava o porco e pelo Natal iriam todos para a aldeia fazer pela sobrevivência da matança. Pelo Natal, Ricardo? Tem de ser. Foi a única data que se arranjou. Vai ser uma festa em famílias, vais ver.
O Ricardo é um tímido emotivo típico, se lhe dão corda sonha alto até tropeçar. O sogro diz que ele é um produto semi acabado, com um ano de gestação teria saído mais equilibrado.
E o porco? Já tens porco? Perguntaram-lhe no almoço seguinte das sextas quando ele relembrou o compromisso à mesa. O porco arranja-se. E matar? Sabes matar? Matar e fácil, difícil é criar, respondeu o Ricardo e ninguém pôs em dúvida.
Mas a pergunta deixou-o inquieto, pelos vistos não tinha ainda pensado nela. De modo que, logo que chegou a casa, ligou o computador e guglou: Como matar um porco. Desde que a mulher passara a diversificar os cozinhados e a preparar remédios caseiros, o Ricardo passara a contar com a Internet como uma universidade alcançável com uns golpes de teclado.
Havia informação mais que suficiente. Tomou notas, imprimiu fotografias, desenhou esquemas, traçou um plano, atribuiu tarefas, definiu tempos, pela primeira vez na vida o sogro teria de reconhecer que o Ricardo era homem para acabar o que começara.
No almoço seguinte ficaram todos a saber o que competia a cada um. A começar pelo mata-bicho, uma matança que antecede a matança do porco, porque o bicho é outro.
Mas, Ricardo, o dia de Natal não é apropriado, continuava a protestar a mulher. OK, mata-se na véspera.
E a missa do galo? Há quantos anos não vais à missa do galo? Nunca fui. Mas as tradições não se cumprem a meio. Era o sogro a falar pela boca da filha. Concedeu em antecipar para a antevéspera se os outros estivessem de acordo. Estiveram, mas não foi fácil convencê-los. Amarrou-os o compromisso de haver já um porco comprado por conta de todos.
Um fim-de-semana reuniram-se para a lição final tirada pelo Ricardo a power point. Dúvidas? Quem tem dúvidas? Ninguém tinha mas um deles perguntou: Oh! Ricardo, alguma vez mataste um porco?
Matar, não matei, mas vi matar, e a forma convencida como respondeu não deixou dúvidas a ninguém que entre uma coisa e outra a diferença, a haver, não seria grande.
Alugaram um autocarro e sairam de manhã cedo, excitados miúdos e graúdos com a aventura. Chegados á aldeia, onde é que está o porco? Não estava. O Ricardo tinha-se esquecido de prevenir o vendedor da antecipação da data de entrega. E, mais uma vez, a técnica desenrascou o Ricardo. Não se matava nesse dia, matava-se no dia seguinte, logo manhã cedo, como, aliás, manda a tradição. Antes de almoço estava a matança arrumada, teriam toda a tarde para almoçar e conversar, ninguém faltaria à missa do galo por culpa do organizador.
Aproveitaram para montar o teatro das operações, uma mesa antiga a que cortaram as pernas de modo a poder o matador trabalhar sem estar de cócoras nem pendurado  no animal. Noutros tempos, explicava o Ricardo, aproveitava-se a manta do carro para deitar o porco, prender-lhe o focinho ao toice e as pernas a um fueiro. Com tanto detalhe empinado, se a confiança no Ricardo só não convencia o sogro é porque o sogro não sabia o genro que tinha.
Na manhã seguinte, depois de uma noite mal dormida porque a excitação continuara elevada, levantaram-se os homens para iniciar as operações mal o sol nascesse. Mataram o bicho com passas de figo, nozes e bagaceira, e foram-se ao porco que já estava a grunhir no páteo da casa, amarrado a uma estaca, desde as cinco da manhã.
Entendeu o Ricardo que a corda era insuficiente para amarrar o bicho à mesa e começou por lhe amarrar as pernas com uma corda mais comprida. Fiasco. O porco, desenvencilhado da corda que o amarrava à estaca, depressa se livrou da amarração feita ao fueiro, depois de terem suado como nunca para o montar em cima da mesa, e fugiu para a rua.
Correram atrás dele, e só conseguiram trazê-lo de volta em peso, que ele, pelo seu pé, recusava-se.
Dá-se-lhe um tiro, e fica o assunto arrumado!
Que barbaridade! Isto é uma matança não é um fuzilamento, ponderou Ricardo. O animal não fez mal a ninguém.... Verdade incontestável.
Reposto na mesa, de tanto balanço a mesa baloiçava à cadência do estrebuchar do porco, ou porque Ricardo não lhe acertou com a lâmina onde devia, ou, como lera na Internet, talvez o porco tivesse o coração em sítio errado,  nem o sangue esguichava como previsto nem o animal deixava de rabiar. Ao fim de meia hora lá sossegou. Está morto?
Desceram o porco da mesa e avançaram para a chamusca com caruma. Ricardo tinha rejeitado, por imprópria da tradição,  a queima com maçarico a gás, e confirmou a distribuição de tarefas. Tu, aqui no focinho, tu nas pernas da frente, tu nas detrás, tu queimas no trazeiro, ele tratava do resto.
Esfregou Ricardo as mãos de satisfação, o mais difícil estava feito, agora era uma questão de tempo e paciência, ainda que a sabedoria popular previna que o mais difícil é descascar o rabo.
Estava tudo preparado para a segunda fase, quando, por razões que o Ricardo  não conseguiu até hoje encontrar na Internet, mal o encarregado do focinho lhe chegou com a caruma, o animal deu um ronco absurdo, pôs-se de pé e cavou dali, outra vez para a rua.  Mas não fugiu rua fora. Saltou para um quintal em frente e afogou-se numa ribeira bem cheia que corria apressadamente ali a vinte metros da rua.
Eu, disse o sogro, nunca  esperei outra coisa. Mas não conseguiu explicar porquê.

CONTO DO NATAL CONTEMPORÂNEO

Por mim, minhas amigas, não havia prendas para ninguém. Toda a gente fala deste consumismo desenfreado mas nada nem ninguém consegue alterar os hábitos que o comércio impinge. Agora é o Natal, daqui a uns dias o São Valentim, ainda há pouco tempo ninguém por cá tinha ouvido falar nele, depois a Páscoa, enfim, ocasiões não faltam para se gastar o que se ganha e o que se pede emprestado. Dizem que é bom para a economia, qual economia?, só se for bom para os chineses, agora, qualquer trapo ou missanga vem da China. O ano passado disse lá no escritório, meninas, vamos acabar com as prendas, não tem jeito nenhum, andamos um mês a correr para as lojas à hora de almoço, gastamos um balúrdio para oferecermos umas pinderiquices umas às outras. Falei com uma de cada vez, está visto, e, estavam todas de acordo. Aliás, uma confidenciou-me que já tinha o problema resolvido: guardava as que recebia de uns para os outros e reciclava-as, só precisa de estar atenta de quem tinha recebido o quê. E mais, tinha prova provada que não era só ela a reciclar. Só a Júlia se mostrou mais renitente. A Júlia adora prendas. Sonha com o Natal todo o ano. Quando lhe falei no assunto, concordou com os argumentos mas não se deu por convencida da bondade da proposta. Afinal, dizia-me ela, andamos um ano inteiro a ratar uma nas outras, o Natal é uma trégua nesta guerrilha miudinha do dia a dia. Custa umas massas? Pois custa. Mas descomprime. Por momentos somos amigas outra vez.
Para falar verdade, a Júlia é a mais belicosa e desconfiada da sala. Mas no Natal, fransfigura-se, é outra.
Se lhe desse para depilar o buço, pelo menos pelo Natal, ficaria irreconhecível, para muito melhor. Mas não senhora. Agarrada a um qualquer preconceito que ninguém percebe, a Júlia não se desfaz do buço.
Enfim, para tornar curta uma história longa, este ano, mais uma vez, apesar da crise, ninguém deixou de correr para as lojas à hora do almoço e a dar conta disso, alto e bom som, não fosse alguma tresmalhada esquecer-se das suas obrigações. Tive, também, de embarcar. Mas reciclei bem mais de metade do que me tinham dado o ano passado, aproveitando a dica da outra.
Mas a coisa este ano deu bronca. Fomos almoçar juntas, todos os anos almoçamos juntas pelo Natal, com o saco das prendas, embaladas com papel decorado e fitinha a condizer. Há uns três anos passámos a colocar todas as prendas num saco maior de onde  a chefe as vai tirando ao calhas e distribui à volta da mesa. Pode acontecer, é verdade, que se receba também alguma coisa que se entregou, mas acabou-se aquilo que já começava a estragar a festa com cada uma a comparar o que valia o que recebia desta e daquela e o valor do que lhes oferecia. Em contrapartida, passámos a levar para casa um saco de cheio de tralha cada vez mais inútil.
Estava toda a gente excitada, e eu cheguei a páginas tantas a arrepender-me da proposta que tinha feito.Tivessem elas ido na minha conversa e aquele almoço seria um frete a caminho da extinção.
Ia a extracção da nossa lotaria privativa a meio, quando a Júlia deu um murro na mesa, não a voltou ao avesso porque era pesada, deu um salto da cadeira, e fugiu pela porta fora. À tarde não foi vista no escritório. Telefonou-se toda a tarde para casa dela, ninguém atendeu.
Quando cheguei a casa contei isto ao meu marido. Disse ele: Pode ser um problema de saúde. Não ligaram para o hospital? Não. Ninguém se tinha lembrado dessa. Liguei para o hospital. Não tinha entrado. Liguei para a polícia. Nenhum rasto. Voltei a telefonar para casa dela. Nada. Estou preocupada. Desde que conheço a Júlia, tentei sempre perceber o que estava por detrás daquela cortina que só se abre pelo Natal. O que é que teria, subitamente, feito explodir e desaparecer a Júlia, e logo no único dia em que a víamos feliz?
Sinto-me bloqueada. Quero perceber e não percebo, quero ajudar e não sei como.
Estou nisto, e o meu marido, insensível como sempre,  lá dentro a chamar-me.
- Sempre me compraste as lâminas?
- As lâminas? Quais lâminas?
- Tinha-te pedido que me comprasses lâminas quando fosses comprar o papel para embalar as prendas, recordaste? Não compraste, não faz mal. A que tenho aqui ainda dá para hoje.
...
Fiquei sem pinga sangue.

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A seguir: "Conto do Natal Antigo"