Há muito tempo, numa cantina universitária, que já não existe, havia na parede um cartaz: "O amor e a fome estiveram sempre na origem de todas as guerras do mundo - Buda". Se ainda hoje me recordo do aviso é porque ele se prestava à laracha enquanto esperávamos na fila.
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Remetido à sua condição primária, o bicho homem comporta-se como os seus primos instintivos: demarca o terreno onde faz pela vida, repele o intruso ou ataca o vizinho consoante as circunstâncias o impelem. Para além dos impulsos primordiais, o homem, quando dá asas a mais à ambição, ataca pelo prazer de dominar e ser adulado, imaginando-se, se não filho dilecto dos deuses, pelo menos inspirado por eles.
Mas Buda, segundo o velho cartaz, na sua sapiência de rabo coçado, sendo suficientemente abrangente, como convém a qualquer aforismo para nele caber tudo e mais alguma coisa, não deve ter sequer pensado na eventualidade de algum dia o homem se bater pelo trabalho.
E, no entanto, se a escassez de recursos (sobretudo o petróleo, nos dias de hoje) continua a mobilizar uns contra outra outros, é a escassez de trabalho (correntemente designada por desemprego, subemprego ou desemprego oculto) que pode desta vez virar o mundo do avesso.
Já dediquei aqui neste caderno vários apontamentos ao assunto, se volto a ele é para lhes reforçar a consistência com alguns sinais de alarme.
Um artigo publicado no Economist desta semana (The disposable academic) aborda a produção de doutorados nas universidades norte-americanas e, mais geralmente, em todo o mundo, numa cadência que, segundo alguns críticos, se assemelha já a um esquema piramidal, tipo Ponzi, gerando uma oferta largamente superior à procura, apesar do sistema se autosustentar parcialmente: Quanto mais candidatos mais professores, quanto mais professores mais candidatos.
Ontem, coloquei aqui link para um artigo do Washington Post reportando a escassez de trabalho que se observa nos EUA e, nomeadamente, no caso em análise, para os carpinteiros desempregados pela crise na área de Las Vegas, que, provavelmente não voltarão mais ao trabalho, e menos como carpinteiros.
No Washington Post de hoje é referido aqui que, segundo um relatório do Federal Reserve Bank of Philadelphia, o desemprego a nível nacional (dos EUA) continuará elevado, acima dos 9% no próximo ano, caindo para 8,7% em 2012 e 7,9% em 2013. Recordemo-nos que nos EUA os níveis de desemprego se situaram na última década bem abaixo dos observados na União Europeia.
O Economist publicava há dias (vd aqui ) mais um artigo também sobre o assunto.
Outro link, colocado aqui, também ontem, remetia para uma intervenção de Mariano Gago, acusando as ordens profissionais de canibalizarem o mercado do trabalho controlando os acessos aos candidatos.
Tudo sintomas de uma vaga, ou de um tsunami?, desencadeada em várias frentes, soprada por ventos de todos os quadrantes. A competição a nível global, conduzindo a níveis crescente de produtividade, tem vindo a transferir o trabalho dos sectores primário e secundário para os serviços, em todo o mundo. Mas os serviços nem estão imunes ao mesmo movimento nem têm procura ilimitada, porque o consumo é limitado pelo tempo disponível de fruição individual.
Até onde é sustentável o actual paradigma? Dito de outro modo, como compatibilizar o comércio livre na aldeia global, com tantas assimetrias e diversidade de regras internas entre quarteirões, sem que um dia destes a solução seja alcançada à pancada?
Para já, há quem o assunto, aparentemente, pouco incomode, e constrói um hotel de 15 andares em 6 dias. (vd aqui ).
Costumo dizer (e apontar aqui) que um dia destes, só não sei quando, quem quiser trabalhar tem de pagar. Os meus amigos riem-se.
E, no entanto, se a escassez de recursos (sobretudo o petróleo, nos dias de hoje) continua a mobilizar uns contra outra outros, é a escassez de trabalho (correntemente designada por desemprego, subemprego ou desemprego oculto) que pode desta vez virar o mundo do avesso.
Já dediquei aqui neste caderno vários apontamentos ao assunto, se volto a ele é para lhes reforçar a consistência com alguns sinais de alarme.
Um artigo publicado no Economist desta semana (The disposable academic) aborda a produção de doutorados nas universidades norte-americanas e, mais geralmente, em todo o mundo, numa cadência que, segundo alguns críticos, se assemelha já a um esquema piramidal, tipo Ponzi, gerando uma oferta largamente superior à procura, apesar do sistema se autosustentar parcialmente: Quanto mais candidatos mais professores, quanto mais professores mais candidatos.
Ontem, coloquei aqui link para um artigo do Washington Post reportando a escassez de trabalho que se observa nos EUA e, nomeadamente, no caso em análise, para os carpinteiros desempregados pela crise na área de Las Vegas, que, provavelmente não voltarão mais ao trabalho, e menos como carpinteiros.
No Washington Post de hoje é referido aqui que, segundo um relatório do Federal Reserve Bank of Philadelphia, o desemprego a nível nacional (dos EUA) continuará elevado, acima dos 9% no próximo ano, caindo para 8,7% em 2012 e 7,9% em 2013. Recordemo-nos que nos EUA os níveis de desemprego se situaram na última década bem abaixo dos observados na União Europeia.
O Economist publicava há dias (vd aqui ) mais um artigo também sobre o assunto.
Outro link, colocado aqui, também ontem, remetia para uma intervenção de Mariano Gago, acusando as ordens profissionais de canibalizarem o mercado do trabalho controlando os acessos aos candidatos.
Tudo sintomas de uma vaga, ou de um tsunami?, desencadeada em várias frentes, soprada por ventos de todos os quadrantes. A competição a nível global, conduzindo a níveis crescente de produtividade, tem vindo a transferir o trabalho dos sectores primário e secundário para os serviços, em todo o mundo. Mas os serviços nem estão imunes ao mesmo movimento nem têm procura ilimitada, porque o consumo é limitado pelo tempo disponível de fruição individual.
Até onde é sustentável o actual paradigma? Dito de outro modo, como compatibilizar o comércio livre na aldeia global, com tantas assimetrias e diversidade de regras internas entre quarteirões, sem que um dia destes a solução seja alcançada à pancada?
Para já, há quem o assunto, aparentemente, pouco incomode, e constrói um hotel de 15 andares em 6 dias. (vd aqui ).
Costumo dizer (e apontar aqui) que um dia destes, só não sei quando, quem quiser trabalhar tem de pagar. Os meus amigos riem-se.
7 comments:
Rui
Acho que já uma vez te chamei a atenção para o erro de chamares "bem" ao trabalho. Na verdade o que poderá ser considerado um bem é a "força de trabalho" que tem um preço que é o salário.
O crescimento da população mundial provoca um aumento da oferta de força de trabalho, mas também o crescimento do consumo e por conseguinte uma maior necessidade de produção de bens.
Com o desenvolvimento das forças produtivas e os acréscimos de produtividade registados, passa a ser necessária menos quantidade de trabalho para produzir a mesma quantidade de bens. Isto deveria ter como corolário a diminuição das cargas de horas de trabalho e uma maior disponibilidade da população activa para actividades de lazer. O que se passa é que a oferta e a procura de determinados tipos de força de trabalho ficam temporariamente desequilibradas e isso gera desemprego.
O "o mercado" encarrega-se de repor o equilíbrio com os conflitos sociais inerentes a estas situações, mais ou menos amenizados em função das opções políticas de cada estado, através da repartição do produto também por aqueles que vão ficando excluidos do processo produtivo.
Este é o desenvolvimento do processo histórico desde que se iniciou a produção de mercadorias para troca. Não vejo que a situação que agora se vive seja muito diferente (à devida escala) da que se viveu com a chamada revolução industrial.
A questão fundamental é a repartição e o pior é que (ainda?) não se encontrou fórmula de repartição do produto em função das necessidades como preconizava Marx.
Abrç
Lm
Caríssimo Luciano!
Obrigado pelo teu comentário. É sempre um prazer ouvir a tua opinião.
Vamos por partes:
- É erro chamar bem ao trabalho?
Se te remeteres para a definição usual em sentido económico, não é um bem. Neste sentido, trabalho é a força mental ou física produtora de bens e serviços. Trabalho está ligado a sacrifício, biblicamente, aliás, à expiação do pecado original .
Mas as coisas mudam. E os conceitos também. Aliás, a cada termo cabem geralmente várias acepções. E o termo bem não foge à regra.
Mas não vamos por aí. Utilizei o termo bem no título, e não lhe coloquei aspas, porque é esse mesmo o significado a que o meu ponto de vista conduz.
É frequente, cada vez mais frequente, suponho que concordas, ouvir dizer: F. anda à procura de trabalho. Anda a procura de um mal? Não.Anda à procura de um bem.
Aliás, porque muita gente não sabe fazer mais nada, se não tem trabalho a psique vai frequentemente à viola. Mesmo que não haja outra razões (financeiras, por exemplo) a carregar para baixo.
2 - Ora é a disponibilidade forçada pelo aumento de produtividade (que não tem paralelo em qualquer outra época histórica)que tem vindo progressivamente a dispensar a humanidade de horas de trabalho diárias.
3 - O facto de haver mais gente e, portanto mais consumo, não altera os pressupostos que regem esta caminhada: Porque há mais gente a consumir mas também mais gente a trabalhar. A análise tem de reportar-se ao consumo possível de cada um (limitado por 24 horas de trabalho) e á produção possível que tende para infinito se a participação do homem na produção tender, como está a tender para zero.
4 - A globalização veio evidenciar ainda mais esta tendência: Na medida em que uma massa humana enorme se dispõe (ou os obrigam) a trabalhar por uns cêntimos, e os compradores se sententem confortáveis com isso (até porque os fornecedores lhe emprestam para que eles possam comprar)o processo acelerou-se com a desindustrialização no Ocidente.
5 - Aliás, tu reconheces isso mesmo: "Isto deveria ter como corolário a diminuição das cargas de trabalho para produzir a mesma quantidade de bens".
6 - Deveria, quem? Tu acreditas que
"o mercado" encarrega-se de repor o equilíbrio com os conflitos sociais inerentes a estas situações, mais ou menos amenizados em função das opções políticas de cada estado,..."
Que mercado?
7 - Admitamos que os trabalhadores na China conseguem um dia destes carta de alforria e reclamam mais salário. Admitamos que o conseguem.
Seria bom para eles e para o Ocidente porque aumentaria o consumo global. Aumentaria o emprego no Ocidente. Mas não se alteraria a tendência: a competitividade desafia a produtividade e esta reduz o trabalho por bem ou serviço produzido.
8 - O consumo tem limites que só são (já estão a ser, aliás) expansíveis com o aumento de desperdício (e o inerente esgotamento dos recursos naturais, mas esse é outro problema) ou a destruição, a guerra.
9 - Resumindo: Se a humanidade não quer esgotar o planeta ou pulverizá-lo, tem de continuar a reduzir as horas diárias de trabalho e, os que trabalham, têm de sustentar aqueles que não têm, ou não querem, essa oportunidade.
10- Como é que isso se consegue? Não sei. Mas duvido que o mercado, em que, afinal, parece que acreditas mais que eu reponha, só po si, o equilíbrio necessário e evite a confusão geral na aldeia global em que viverão os nossos netos.
Por capricho do sistema informático ou inabilidade minha, o meu comentário saiu repetido 4 vezes. Daí o "dilitamento" em série.
Desta vez, coube-me a mim.
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