Friday, August 31, 2007

OS BLOGS NÃO SE ABATEM

O Lóbi estava hoje com uma crise existencial. Ora o O Lóbi não é um blog qualquer, é um caso sério a brincar na blogosfera portuguesa. Entendi, portanto, que não podia deixar de lhe puxar pelos brios recomendando-lhe que se borrife nas audiências. De audiências vivem os mercenários. Nós somos milicianos, com muita honra.
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Comentei Os blogs também se abatem que os genuínos blogs não podem deixar-se abater:
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Leio este seu "post" e mais me convenço que a ignorância é fonte de felicidade. Ou, se preferir, o conhecimento só nos trás angústias.
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Pois eu, meu caro amigo, como sou pouco instruído nestas coisas digitais, não tenho contadores nem binóculos de longo alcance. Escrevo porque me dá prazer e também porque me sobra algum tempo. De modo que aproveito-o para dialogar comigo, se mais ninguém quiser ter a pachorra de se aproximar e contestar. E como, se Maomé não vai à Montanha vai a Montanha a Maomé, entretenho-me a colocar alguma entropia onde há consenso a mais. Já tenho levantado umas sequências longas em casa alheia.
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Tenho a porta aberta a quem queira entrar mas não tenho a mínima ideia de quantos a franqueiam. Comentários, recebo poucos, até porque não sei quem entra mas não dou guarida a anónimos. Por uma questão de feitio.
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Mas porque, podendo ver as coisas pelo lado positivo, não me vou torturar com angústias de solidão, parto sempre do princípio que entraram uma data deles mas faltaram-lhe argumentos, retórica ou tomates para contrapor.E por este motivo não conto encerrar tão cedo.
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Desligue V. também o contador!Não se esqueça do que dizia o outro: Um escritor (somos todos) é como uma prostituta: começa a escrever por prazer, depois escreve para prazer dos outros, acaba por escrever por dinheiro.Ora eu sou quase virgem.

Thursday, August 30, 2007

AZELHAS DO MAR



O número de habitações degradadas, abandonadas, a desfazerem-se a pouco e pouco, em Portugal, é indicador de muita coisa mas também de falta de cultura de vivência colectiva. Um prédio em ruínas é (deveria ser) motivo de vergonha. Do dono e dos vizinhos. Mas quando a paisagem portuguesa, urbana ou rural, está enxameada de ruínas, a vergonha deveria ser nacional. E não é. Não é porque, em termos sociológicos, o português é uma ilha ambulante sem vizinhança à volta. O seu mundo é aquele que as paredes da casa que habita definem. À volta dele é o mundo dos outros. Mas há excepções, evidentemente.
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Invocam-se, para justificar este desmazelo colectivo, várias razões e também o sacrossanto direito de propriedade. Por detrás deste, contudo, acoberta-se geralmente o direito de expectância e especulação imobiliária. Mas também, muitas vezes, encrencas e disputas que nenhuma lei razoável ameaça por termo.
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Os exemplares são tantos que qualquer indicação de um exemplo poderá ser suspeita de parcialidade. Convenhamos, contudo, que há situações de abandono que são mais ostensivas que outras. Uma delas situa-se em Azenhas do Mar.
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Quem se aproxima de Azenhas do Mar vindo da Praia das Maçãs, se souber ver e sentir, terá der esfregar nos olhos para não desconfiar da sua acuidade visual. E isto, porque no meio de um cenário urbano alcandorado nas rochas que crescem do mar, que não é rico mas é majestoso de simplicidade e brancura, atravessa-se um conjunto de casas quase desfeitas, bombardeadas pelo tempo e pela incúria.
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Quando, há dias, por lá passámos, estava o dono em cima duma escada a retirar pedaços de pedra meia desfeita para um saco de plástico com o objectivo, disse ele, de evitar que elas caiam e entupam o ralo da valeta de esgoto que lhe fica em frente. Está aquela avantesma de pedra podre, argamassa desfeita e cacos por todo o lado, naquele estado, segundo o cidadão proprietário, há trinta e tantos anos. Mas não vende nem aceita propostas! Não, enquanto não resolver umas questões com os vizinhos
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Por quê? Porque os vizinhos são uns crápulas que o andam a atormentar colocando-lhe à porta baldes de merda, (com vossa licença)!
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Ouvi, dei comigo a perguntar-me que alternativas têm aqueles vizinhos, e continuo a achar uma só resposta: a penalização fiscal do património abandonado até ao ponto em que a expectância seja desincentivada.

Wednesday, August 29, 2007

ACERCA DA CRISE

Tavares Moreira escreve no Quarta República acerca de perspectivas contraditórias sobre a evolução da crise financeira recente e latente veiculadas pelo Diário Económico. Tavares Moreira , para além de realçar o antagonismo de posições publicadas no mesmo jornal, duvida da consistência do optimismo de uma delas, de um jovem professor português em Princeton.
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Comentei:
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Caro Tavares Moreira,
Não tenho nenhumas pretensões em contrariar os prognósticos do jovem professor e também faço votos de que ele acerte na "mouche". Contudo, porque acompanho as perspectivas de Nouriel Roubini (http://www.rgemonitor.com/blog/roubini), que já aqui tenho referido, receio que haja optimismo excessivo da parte do nosso compatriota.
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O último "post" de Roubini, de 27/8, e que hoje já contava com 205 comentários, muitos dos quais extensos, prossegue na mesma linha de advertência de que a crise não vai ser ultrapassada tão depressa.
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Cito o início do referido "post"
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"There is now a growing realization that the turmoil in financial markets in the last few weeks is not just due to a liquidity crunch but it is more importantly related to serious credit problems: bankrupt and/or distressed homeowners, bankrupt mortgage lenders, distressed homebuilders, some distressed highly leveraged financial institutions and even some over-leveraged parts of the corporate sector. Liquidity problems and crunches can be solved with liquidity injections by central banks. But more severe credit problems of borrowers cannot be resolved with monetary policy. Rather if the distress of borrowers need to be addressed sometimes fiscal solutions – like financial support of distressed mortgage borrowers – needs to be considered".

Tuesday, August 28, 2007

A CULPA DA BORBOLETA


Como o Sol nasce mais cedo na China quando cá chega acorda o Ocidente mais tarde.
A China acumulou e continua a acumular reservas que um dia poderão inundar o Ocidente adormecido. É sempre perigoso viver a jusante quando as albufeiras enchem demais: ou transbordam ou abrem-se as comportas. Em qualquer dos casos os efeitos costumam ser devastadores.
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in
Jornal de Negócios de hoje,

Bolsas asiáticas caem com maior exposição das empresas ao “subprime”

Os principais mercados asiáticos encerraram em queda, depois de ter sido divulgado que algumas das maiores empresas da região estavam mais expostas ao mercado de crédito de alto risco, o "subprime", do que o inicialmente previsto.

Bolsas dos EUA acentuam queda com descida da confiança dos consumidores

Os índices norte-americanos acentuaram a descida da abertura depois da divulgação de que a confiança dos consumidores registou, em Agosto, a maior queda dos últimos dois anos. O Dow Jones caia 0,61%, pressionado pelo sector financeiro, e o Nasdaq descia 0,96%.

Bolsa (de Lisboa) encerra a perder mais de 1% com 18 títulos em queda

A bolsa nacional terminou a sessão em terreno negativo pressionada pelas quedas acentuadas do BCP e da Portugal Telecom. O PSI-20 perdeu 1,17%, com 18 dos 20 títulos que o compõem em queda, numa sessão em que todos os principais índices europeus desvalorizaram.

UM CASO ESTRANHO

  • A Câmara da Figueira da Foz, segundo notícia do Público de hoje, decidiu ontem requerer à Inspecção Geral da Administração do Território uma inspecção ao Departamento de Urbanismo, na sequência de duas propostas naquele sentido, uma do presidente e outra da oposição. A decisão surge depois de o director do departamento, MM, ter afirmado que assinava "de cruz" alguns processos instruídos por aquele serviço. ... Duarte Silva ( o presidente) disse não existir desconfiança sobre MM, justificando o pedido de inspecção com as questões levantadas pelo PS e Pareira Coelho (vereador do PSD que assume uma postura crítica relativamente ao presidente social democrata).
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Quem lê a notícia e não conhece os meandros por onde esta gente navega só pode concluir que, para alguma coisa fazer sentido nesta história, MM disse uma banalidade irrelevante, porque todos (ou quase todos, para acertarmos melhor) os directores de urbanismo de todas (ou quase todas as câmaras deste país) fazem o mesmo. Mas como falou alto, obviamente, a oposição (que onde manda faz o mesmo) e o deputado oposicionista interno entenderam encostar Duarte Silva à parede. E este, sem alternativas, mandou chamar a inspecção. Não tendo, contudo, apontado casos em concreto, o IGAT, segundo prevê o bloco oposicionista, recusará o pedido nos termos da lei. Processo encerrado.
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O que é uma pena. A subalternização dos directores dos serviços municipais aos vereadores executivos não pode se não conduzir a situações destas: ou são coniventes (na esmagadora maioria dos casos) ou recalcitrantes. Neste último caso, contudo, convém a quase todos não mexer muito nela.
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MM vai continuar a assinar de cruz por não se imporem condições para assinar de forma digna.

VETO POLITICAMENTE INCORRECTO

Caro Adolfo, boa tarde!

Já tive oportunidade de comentar o "post" (...) sobre este assunto transcrito (...) no A Arte da Fuga
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Há neste seu "post", contudo, um aspecto que V. salienta, e com o qual eu concordo, quando refuta o argumento de que "o Estado paralisa se puderem ser responsabilizados os tais senhores infalíveis…"

Eu não conheço em detalhe os termos em que o veto presidencial se sustenta mas, pelo que me foi dado constatar, o diploma prevê o direito de regresso do Estado sobre os fautores dos danos causados. Se o veto presidencial se opõe a este direito, também estou contra o veto presidencial neste aspecto.

Quanto aos outros dois principais argumentos de oposição presidencial - sobrecarga dos tribunais e eventual descontrolo dos valores indemnizatórios - considero nada pertinente o primeiro mas valorizo bastante o segundo.

Do meu ponto de vista deve haver responsabilização por danos decorrentes de negligência grave ou dolo na actuação dos servidores do Estado.

Contudo, essa responsabilização deve ser assacada directamente aos responsáveis identificados.

Quando se reclama que o Estado deve ser uma pessoa de bem parte-se de um erro de identificação: O Estado não é uma pessoa, o Estado será, nesta acepção, um conjunto de pessoas. E é a este conjunto de pessoas que o cidadão deve exigir um comportamento civicamente irrepreensível e eficiente.

É por comodismo politicamente correcto que o Estado é invocado a propósito de tudo o que se relaciona com a administração pública. Mas o Estado são eles, os servidores do Estado, e eles, sabemos, ou temos obrigação de saber, quem são.

Concordo consigo que aquele que se escapa negligentemente às suas responsabilidades e com isso determina prejuízos para os utentes dos serviços de que está incumbido é tão culpado quanto aquele que realizou as acções que lhe competiam, mas de forma negligente, com as mesmas consequências.

Há ainda um ponto que importa não subalternizar sob pena de entrarmos em situações indomináveis.

Sabemos todos que o Estado nas suas relações com alguns cidadãos utiliza um poder negocial fraco.
É disto exemplo a quase constante revisão de preços em empreitadas propositadamente ganhas com orçamentos à pele. Todos sabemos que, geralmente, o valor final das obras públicas excede escandalosamente os valores inicialmente previstos.

Se o Estado embarca numa responsabilização extracontratual que não previna a exigência antecipada de que toda a indemnização deve ser reembolsada por quem actuou de forma negligente ou dolosa, poderemos ter, os que pagam impostos, a sobrecarga de pagar aquilo a que somos totalmente alheios.

Tome, por exemplo, o pedido de indemnização de Paulo Pedroso. Se a indemnização é moral e legalmente devida a quem deve ser pedido o reembolso? Também a si?
Por quê?

Se um médico de um Hospital do Estado provadamente de forma negligente provoca a morte de um nascituro, é o Estado que paga? Por quê?

Se um professor do ensino secundário (o cidadão lesado pode ser servidor do Estado) for atacado por uma aluno e fica cego, é o Estado que paga? Por quê?

Se o arquitecto aqui da câmara municipal onde resido despachou
de forma que o regulamento não lhe consentia e, com isso, me causou prejuízos, quem me paga? Também V.?

Aliás, é fácil perceber, que se for aberta a torneira de forma franca há muitos cambalachos que podem ser engendrados. A literatura policial está cheia de exemplos e a realidade excede sempre a ficção.

Monday, August 27, 2007

ASSISTÊNCIA NA INDOLÊNCIA

Há uma anedota que tem barbas mas vem a propósito do comentário no Correio da Manhã de hoje acerca do aumento da despesa que irá decorrer da aplicação da lei que atribui a cada deputado mais um assistente para além dos assessores dos diferentes grupos parlamentares: -Que estás a fazer? - Eu, nada. - E tu? - Estou a ajudar este senhor
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Porque é sobejamente conhecido que o trabalho mais exigente de muitos deputados é sentarem-se e levantarem-se consoante as ordens que recebem.

HOMENAGEM A EDUARDO PRADO COELHO

Ai simplex!

«Há momentos em que nos damos conta de que o Simplex, essa excelente e meritória iniciativa concebida por Maria Manuel Leitão Marques, está a funcionar, mas há outras em que choramos pela sua ausência, na expectativa de que um dia, não demasiado longínquo para a nossa esperança de vida, chegue. Dei-me conta disso ao acompanhar e mesmo participar no processo de legalização em Portugal de alguém que trabalha em minha casa há já algum tempo, e que, pelas suas capacidades profissionais, e sobretudo pelas suas qualidades humanas (como pude comprovar em período recente da minha existência) é pessoa de quem é fácil gostarmos: a brasileira Maria Nágila Bezerra, pessoa de permanente bom humor, que ri mesmo quando conta as mais terríveis tropelias a que possa ter sido sujeita.

Sucede que há algumas semanas atrás começou a não aparecer ou a chegar mais tarde. Não se tratava, como vim a saber, de deambulações existenciais por montes e vales, nem mesmo de acessos místicos, mas antes de razões infelizmente mais prosaicas: ia ao SEF. Rapidamente descobri que se tratava do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E pude compreender que o modo de funcionamento desta instituição nem sempre teria aquela perfeição que nós desejaríamos para um serviço público em área tão sensível como esta. Comprova-se que, se por vezes encontramos funcionários amáveis e colaborantes, desejosos de nos facilitar a vida, outras há em que nos confrontamos com pessoas stressadas e amarguradas pelo amarelo das paredes e os dramas conjugais para os quais quase nunca contribuímos mas de que pagamos as implacáveis consequências. Para ir ao SEF, a Nágila levantava-se antes de o Sol nascer para se deslocar de Alverca até Lisboa, onde, às portas do SEF, se organizava uma fila imensa de pessoas que esperavam cinco e seis horas para serem atendidas. E quem as atendia? Gente zangada com a vida que parecia ter uma especial volúpia em criar dificuldades: incapazes de explicarem tudo o que as pessoas precisavam de levar, incapazes de perceberem que as pessoas que atendiam tinham certas limitações na compreensão dos mecanismos burocráticos portugueses, descobriam sempre mais papéis que faltavam, o que obrigava a recomeçar tão exaltante peregrinação.

Tenho à minha frente o papel que acabou, ao cabo de porfiados esforços, por lhe ser dado e que, num português em que "há menos" se escreve "à menos", se intitula "Renovação de Autorização de Permanência Temporária para Trabalho subordinado", esclarecendo-se, para consolo das nossas almas, que é ao abrigo do art. 217, n.º 1, da Lei 23/207 de 04 de Julho. Que é preciso? Um passaporte válido, um comprovativo das condições de alojamento (contrato ou atestado da Junta de Freguesia), declaração do IRS e cópia da nota de liquidação relativa ao ano fiscal anterior, contrato de trabalho e declaração actualizada da entidade patronal a atestar o vínculo laboral, declaração da Segurança Social regularizada a confirmar os descontos efectuados, requerimento em impresso de modelo próprio (
http://www.sef.pt/) e duas fotografias. Com todas estas tarefas, por sucessivos dias, a Nágila deixou de aparecer. Andava por Alverca e Lisboa à procura de papéis - belo ideal de vida. Única vantagem: aprimorei a minha capacidade de fazer camas. E vou melhorando noutras tarefas domésticas
Última crónica "Fio do Horizonte" publicada no Público.

ABSURDOS

Comentei no A Arte da Fuga o "post" de Carlos Loureiro, transcrito do Blasfémias, acerca do veto do PR à proposta de responsabilidade civil extracontratual do Estado. .
A minha posição foi considerada absurda por um comentador nos termos que transcrevo e comento:
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A ideia do Rui Fonseca é totalmente absurda, por ter como consequências imediatas a total desprotecção dos lesados e a inércia do Estado. Em vez de patacoar teses ultrapassadíssimas do século XIX, fazia-lhe melhor ler doutrina jurídica sobre a questão.
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2. O veto tem um nome: Carlos Blanco de Morais, chefe dos serviços jurídicos da Presidência da República, reconhecido ultraconservador e membro da Opus Dei.Se juntarmos a este o veto ao Estatuto dos Jornalistas e as razões que lá estão expostas, vemos o peso que ele tem nas decisões presidenciais. Preocupante.
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Rui Fonseca disse...
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Olá Pedro Sá,
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Absurda será mas não pela leitura que V. faz.
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Eu não disse que não deve haver reparação por danos. O que eu disse foi que essa reparação deve ser reclamada directamente ao causador do dano.
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Se, por exemplo, num hospital, por incúria de um médico, um nascituro morre, quem é responsável, o Estado ou o médico?
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Se no âmbito de um processo judicial um cidadão é preso em consequência de um acto provadamente negligente de um polícia, quem deve responder, o Estado ou o polícia?
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Se um professor é atacado por um aluno e sofre traumatismos que o inibem de continuar a leccionar, quem é responsável, o Estado ou o agressor?
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Claro que em todos estes casos se coloca, em última instância, a capacidade de retorno do causador do dano. E é aí que reside o problema maior. No fundo, quem advoga a responsabilidade do Estado em primeira instância pretende que o Estado pague e depois receba o que puder e souber receber.
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Vejamos então a questão noutro contexto: Se o médico negligente não trabalhar por conta do Estado mas por conta própria, quem responde pelos danos. O médico, obviamente. E, no máximo, até à sua capacidade de resposta.
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Por quê, então, uma cobertura de risco diferente num caso e noutro?

Sunday, August 26, 2007

INSOLÊNCIA DA INVALÊNCIA

Vasco Pulido Valente não gosta de muita gente, gosta dele e da Constança, até ver, e pouco mais. Detesta o actual Presidente da República. São direitos que ninguém lhe pode recusar.
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Hoje, no Público, onde tem tenda assegurada aos fins-de-semana, aproveita o veto do PR ao regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, votada por unanimidade na Assembleia da República, para desancar de forma insolente no mais alto magistrado.
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"Se a Assembleia confirmar o veto, isto significa que o Estado deixará de ser legalmente responsável por qualquer dano que infligir a um cidadão...", argumenta, antes de se mandar ao PR como gato a bofes.
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É tal a animosidade do Valente que nem se dá conta da contradição com que inicia a catilinária. Se a Assembleia confirmar o veto é porque reconsiderará, pelo menos por maioria, que a proposta inicial enviada para promulgação continha preceitos legais preversos. Tal facto, porém, não deverá ocorrer uma vez que o Partido Socialista, proponente da lei, detem a maioria na Assembleia da República e não se percebe por que razão arquivará a questão. O mais provável é que a proposta sofra alguns ajustamentos que previnam alguns dos reparos feitos pelo PR e a submeta de novo a promulgação, que não poderá, então, ser recusada. Aliás, o líder do PSD já se disponibilizou para viabilizar as emendas que forem consideradas pertinentes.
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É por demais evidente, no entanto, que o discurso inflamado e insolente do Valente passa facilmente. Serão poucos os que não sentiram já alguma vez o efeito desmesurado da inimputabilidade dos agentes do Estado. Porque os actos manifestamente negligentes ou dolosos não são praticados pelo Estado, que é uma entidade abstracta, são os agentes fautores dos prejuízos morais ou materiais que devem ser directamente responsabilizados. Esses sim, são concretos e identificáveis. Mas o Valente passa por cima dessa linear circunstância para arremeter contra o Estado, entidade indefesa enquanto tal, dependente de todos os feitores que actuam em nome dela.
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Valente sabe, mas faz que ignora, que a negligência e o dolo se encontram frequentemente do lado contrário aos interesses do Estado. Sem que ninguém, geralmente, vá preso por isso.
No dia em que o Estado tiver que abrir a bolsa das indemnizações por responsabilidade civil extracontratual sem garantir antecipadamente o reembolso integral por parte de quem não cumpriu, haverá uma torrente mais escandalosa que aquela por onde agora jorram as revisões de preços dos contratos.
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Mas tudo isto poderia e deveria ser discutido sem insolência, se o Valente fosse capaz.

O MUNDO ÀS AVESSAS


O PR vetou uma proposta de lei, aprovada por unanimidade na AR, recomendando a sua reapreciação, que prevê a indemnização extra contratual do Estado, com eventual reembolso por parte dos culpados, por dolo ou negligência, por prejuízos causados por estes a utentes dos serviços públicos. O veto, que obviamente não serve as posições políticas de nenhum dos partidos representados na AR, não tem outro objectivo se não o de alertar os deputados para as consequências preversas que uma tal proposta implicará no caso de se tornar definitiva sem ser revista.
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É interessante, a este propósito observar, que a corrente liberal que domina alguns dos blogs mais activos da blogosfera portuguesa, seja praticamente unânime na crítica ao veto do PR, assumindo, implicitamente, o seu acordo com um grau de responsabilidade maior do Estado, ao invés daquilo que é o sentido do discurso que apregoam.
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É o caso do Blasfémias
, que comentei:
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Que uma proposta destas tenha sido aprovada na AR por todos os grupos parlamentares não me admira. Os portugueses, em geral, habituaram-se ao chapéu-de-chuva do Estado, protestam do estado do objecto mas não o dispensam. É, pois, muito natural que, tratando-se de pedir contas ao Estado, a maioria esfregue as mãos e aplauda.
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A proposta é, claramente, muito politicamente correcta. Acontece que quem tem de pagar a conta são todos os que pagam impostos, parte minoritária dos que aplaudem.
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Quando, por outro lado, se invoca o imperativo do dever ser o Estado pessoa de bem, parece que o discurso se reporta a uma entidade para lá de nós. O Estado, em democracia, é uma obra colectiva, nossa. Não está nem para lá nem para cá de nós. Somos nós.
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Se, por via de negligência ou dolo de um ou vários servidores do Estado, um de nós vê os seus direitos desprotegidos ou usurpados, a indemnização a que se achar com direito deve ser reclamada em sede própria ao fautor do dano.
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Por que razão tenho eu de contribuir para a eventual indemnização por diligências negligentes no âmbito do processo Casa Pia se o presumível culpado é um agente da judiciária?
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Se há dolo, negligência ou qualquer acusação mais grave, a responsabilidade deve ser directamente remetida para o presumível causador da afronta. E competirá a este defender-se. Aliás, esta defesa está implícita, se é para ser levada a sério, no direito de regresso previsto na proposta vetada.
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O que me admira em tudo isto é que, no meio de tanta sensibilidade liberal que por aqui passa, salvo uma ou outra excepção, todos recriminam aqui, e em outros sítios ideologicamente vizinhos, a decisão do PR de devolver a proposta à AR para ser repensada.Retire-se o Estado da disputa e assegurem-se aos cidadãos condições efectivas para exercerem os seus direitos contra quem, objectivamente, os lesa, e a questão não terá discussão.
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Mas estou plenamente convencido que não vai ser esse o caminho. Com mais ou menos alguns retoques a proposta voltará para as mãos do PR, que será obrigado a promulgá-la.
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E, eu, obrigado a contribuir.

Saturday, August 25, 2007

A VINGANÇA DO CHINÊS (2)



Há dias, 16/8, comentando a turbulência nos mercados financeiros, terminava o "post" A vingança do chinês prevendo que "inevitavelmente, depois deste tremor bolsista o mundo ficará mais amarelo".
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Hoje, a Bloomberg dá conta que, só, o Banco da China refinanciou 9,7 biliões de dólares de empréstimos tomados em "sub-prime". Não refere a notícia da Bloomberg a quanto subiu a intervenção chinesa nas aquisições de acções de empresas ocidentais derrubadas pelo furacão das "sub-prime" mas é improvável que essa intervenção não tenha mais do que compensado os valores arriscados na tomada de "sub-prime" as quais, de algum modo, lhes devem ter sido passadas com garantias de bancos norte-americanos.
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Com tantos dólares em caixa em algum lado terão de os aplicar. O amarelecer do mundo é uma inevitabilidade.

AS BARBAS DO VIZINHO

Os alertas para a excessiva importância do sector da construção civil em muitas economias, e nomeadamente em Portugal, têm barbas. Tantas e já tão compridas que o mais certo é que, quem os ouve, encolha os ombros e pense: Há quantos anos já eu ouço essa história?!
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A recente, e ainda latente, turbulência nos mercados financeiros internacionais veio demonstrar, sem margem para dúvidas, que o perigo de uma crise profunda promovida por este excesso especulativo que se gerou durante muitos anos à volta do sector imobiliário é, mais do que real, ameaçador da estabilidade económica global pelas interdependências que hoje unem os agentes financeiros numa rede que cobre todo o mundo.
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A Bloomberg noticia hoje a falência de uma grande construtora espanhola, a Astroc Mediterraneo SA que, no espaço de 6 meses, viu cair 89% o valor das cotações das suas acções em Bolsa.
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Há muito tempo que a Espanha vem sendo referenciada como um dos países onde a febre construtora, principal motor do "milagre económico" da sua economia, apresenta valores elevados e alarmantes, sendo esperável que, mais tarde ou mais cedo, a bolha rebente e o "milagre" se esfume.
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Em Portugal, a situação não é, em termos relativos, significativamente diferente, e, se é, é para uma maior dependência da nossa economia do sector da construção civil. Alguma coincidência de interesses, por um lado, entre construtores e banqueiros, e de uma propositada opacidade do mercado, tem sustentado o crescimento do stock de casas à venda para valores que um mercado mais transparente e concorrencial não consentiria.
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Com o aumento das taxas de juro e o crescimento do nível de endividamento dos tomadores dos empréstimos, a tendência que se vinha observando, mas que sofreu alguma inflexão recentemente, não tem espaço para prosseguir.
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Que mais nos irá acontecer?

Friday, August 24, 2007

ACERCA DA PAZ E DA FAMÍLIA

Atin Basu em Economics Colony publicou mais um "post" Economic Institutions and Economy voltado para as questões da convivência global que o mercado livre pressupõe, liberta de quaisquer restrições que possam infectar seriamente as possibilidades dela se realizar. Ora uma das ameaças mais sérias à boa vizinhança dos habitantes da aldeia global é o racismo, e este vai buscar, inquestionavelmente as suas raízes ao núcleo social mais elementar que é família. Está a família em perigo por imposição da vizinhança global? Se estiver, estará por outras razões. A convivência global não pressupõe a destruição do núcleo fundamental da colectividade, pelo contrário, deve continuar o seu mais importante elemento agregador se, em conjunto com ele, for desenvolvido outro que é o seu polo oposto: a solidariedade global.
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Também esta semana publicou o A Arte da Fuga um "post" titulado Socialismo Reprodutivo transcrevendo um artigo de crítica à política do governo sueco de apoio à fertilidade. Ontem, o A Arte da Fuga retranscrevia um vídeo YouTube Simple Song of Freedom de intenções pacifistas.
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Comentei:
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Ouço esta canção, vejo este vídeo, e lembro-me do seu "post" "Socialismo reprodutivo" e, por outro lado, de um outro de um amigo meu, Atin Basu, http://economicolony.blogspot.com/, e do último "post" dele (não tem muitos) "Economic Institutions and Family", e pressinto que perpassa por eles um fio condutor que, como qualquer outro da sua espécie, tem um sentido positivo, outro negativo, frequentemente um neutro.
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Os apelos à paz são cada vez mais prementes porque a contracção do mundo aumenta as probabilidades de choque. De civilizações, segundo alguns. De interesses de grupos, de clans, de famílias em última instância. Frequentemente acobertados por pendões religiosos.
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Há para todo este caldeirão de motivações, interesses, convicções, fezes, que é o mundo em ebulição, um elemento que a mim me parece ser o único capaz de lançar água na fervura e evitar o pior, a guerra global: a democracia.
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Lamentavelmente, muitos daqueles que saem às ruas empunhando cartazes reclamando a paz, não sabe, porque não lhes deixam saber, o que é a democracia.
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Mas muitos daqueles que sabem, porque, felizmente para eles, vivem nela, frequentemente abusam das suas vulnerabilidades ou acusam-na de ditadura de maioria se não convém aos seus interesses ou posições ideológicas particulares.
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E, no entanto, está ainda por descobrir que outra forma de convivência poderá dirimir os conflitos de interesses colectivos, quaisquer que sejam os seus alicerces.De modo que os apelos à paz serão sempre estéreis se não forem semeados em campos de democracia.
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A convivência global implica a mudança de atitudes que se incrustaram ao longo dos milénios, inicialmente a partir do núcleo grupal mais elementar: a família. O racismo, o perigo maior da humanidade em crescendo de globalização, teve o seu início ali. É a globalização que, inevitavelmente, levará à sua extirpação ou à sua recrudescência. A sorte da paz depende do lado para onde os homens conduzirem as suas relações com os seus vizinhos. Foi sempre assim. Mas nunca foi, como agora, tão global a vizinhança.
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Mas, se a uma família uma comunidade entender conceder ajudas que lhes permitam ter filhos, seria racismo (a contrario senso) proibi-la ou criticá-la por o fazer. Ou não?

Thursday, August 23, 2007

ABANDONADOS

O índice de desenvolvimento económico e social de um povo pode avaliar-se através de vários indicadores. O PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento procura, através dum conjunto muito restrito de indicadores, sintetisar o índice de desenvolvimento humano (IDH) em cada país do mundo. Interessante seria que se estabelecessem correlações entre esse índice e os valores de muitos outros indicadores que não participam do IDH mas que são insupeitadamente evidenciadores do nível de desenvolvimento humano de um povo.
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Um deles é o da forma como os humanos respeitam a vida dos animais que adoptam. Esta manhã formou-se uma fila na estrada onde eu conduzia porque um pequeno cão (de coleira ao pescoço) estava hesitante, no meio da via à frente de um carro que estacara para não o atropelar, entre fugir para um lado ou para o outro, em qualquer deles o trânsito continuava sem lhe dar oportunidade de escapar inteiro. Até que alguém travou ao lado e ele escapou-se para a berma. Mas é incontável o número de animais que morrem todos os dias nas estradas portuguesas. Os portugueses não só se matam frequentemente nas estradas uns aos outros (outro indicador civilizacional que nos coloca mal na tabela) como trucidam, às vezes propositadamente, outras inevitavelmente, animais que os seus adoptantes põem na rua quando vão de férias. O estendal de cadáveres de animais em putrefacção nas estradas é um dos indicadores do subdesenvolvimento humano.
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É também um sintoma do desfasamento entre enriquecimento material e cultural.

Wednesday, August 22, 2007

RACISMO E MERCADO LIVRE

O meu Amigo Atin Basu, professor de economia no Virginia Military Institute, comenta no seu blog Economics Colony as enormidades proferidas por um apresentador da CNN, Lou Dobbs, e gravadas para Youtube, num programa em que o tema central era a preocupação que parece assaltar muita mente assustada com as consequências do comércio livre e, implicitamente, a mobilidade das pessoas, porque o mundo em que vivemos está cada vez mais pequeno.
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Não é novidade para ninguém que as mentes assustadas são as mais receptivas a enfileirar nas hostes reaccionárias. O problema não é de hoje, a maior parte das guerras sofridas pela humanidade ao longo dos milénios chocou-se no ninho do racismo, que não é outra coisa senão a presunção de superioridade genética de uns grupos relativamente a outros.
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O derrubar das barreiras aduaneiras, encaminhando o mundo para uma zona única de comércio livre, tem como pressuposto a maximização das vantagens relativas de cada uma das partes que integram a totalidade do mosaico. Mas, como em qualquer outra mudança, da integração económica não resultam as mesmas vantagens para todos. Há quem ganhe mais, há quem ganhe menos, há quem perca. E é esta eventualidade de perda que assusta e é nesse susto que investem os que se julgam predestinados de uma superioridade rácica. A paz que a integração económica fomenta pode transmutar-se em guerra se prevalecer o grasnar dos agoireiros.
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A humanidade está condenada a caminhar ainda durante muito tempo no fio da navalha.

Tuesday, August 21, 2007

OS PORTUGUESES - Segundo os algarismos (5)

No final de Junho deste ano existiam 12,4 milhões de assinantes do serviço móvel em Portugal. A taxa de penetração dos telemóveis em Portugal chegou assim aos 117,2%, contra a média europeia de 107,3%, o que significa que, em média, cada português tem 1,2 cartões móveis.
In Jornal de Negócios de 20/8.
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Portugal está acima da média europeia no que diz respeito à área bruta locável (ABL) por habitante, em centros comerciais. Esse indicador fechou 2006 acima dos 237 metros quadrados por mil habitantes, mais do que na Alemanha, Itália e Polónia, por exemplo.
In Jornal de Negócios de 20/8.

DIREITOS DE PROPRIEDADE

"- É uma barbaridade que, tendo eu 460 hectares, tenha de comprar um terreno para construir uma casa!"
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Comentário exaltado, em alto e bom som, ouvido duma mesa de cinco comensais que discutiam projectos turístico-imobiliários, em Óbidos, á volta do presidente de uma conhecida Associação fornecedora do Estado em regime de quase monopólio.

Monday, August 20, 2007

IMPOSTOS TRANSGÉNICOS

Tavares Moreira junta no Quarta República a sua indignação ao coro indignado com a destruição de 2 hectares de milho transgénico por um bando fora-da-lei, com o patrocínio implícito do Bloco de Esquerda.
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Aproveita Tavares Moreira para confrontar, ironicamente, a propósito deste incidente e da eventualidade do Estado se substituir aos culpados, ainda que transitoriamente, na indemnização ao lesado, aqueles que defendem que a redução do impostos é possível e desejável mas terá de ser precedida da redução da despesa pública.
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Comentei:
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Chego consideravelmente atrasado a este consenso que condena uma imbecilidade, para juntar um qualificativo a mais uns tantos, perante passividade, intolerável num Estado de Direito, da Guarda Nacional Republicana.Espero que os imbecis sejam condenados às indemnizações devidas e que os nossos impostos não sejam chamados a comparticipar, apesar da gravidade da atitude (ou da falta dela) da Guarda. Espero ainda que o Comando da GNR actue disciplinarmente contra aqueles que, incompreensivelmente, não fizeram o que deviam.
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Dito isto, não acrescentei nada ao que já foi dito, pelo que não se justificaria o meu comentário se não discordasse de uma afirmação sua.
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Cito: "Temos pois o Estado contra o Estado e nós no meio, sempre a pagar.Entende-se agora melhor a coerência dos que opinam, doutoralmente, que não há espaço para descer os impostos."
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Não tenho nenhuma veleidade que o capelo dourado me seja dirigido, a mim que, quanto muito, poderia servir uma carapuça! Tenho no entanto sustentado, aqui no Quarta República, uma conversa de marretas com o nosso comum Amigo Pinho Cardão acerca desse problema dos cortes de impostos e da despesa.
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Na realidade, nunca defendi que não há espaço para reduzir os impostos. Há sim senhor, mas é preciso criá-lo.Se repito agora aquilo que já afirmei várias vezes, é apenas por uma questão de demarcação da questão que me trouxe até aqui.
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E a questão é esta: Os seus receios, são também os meus, do lado da sua oposição encontrar-me-á também a mim. Seria totalmente intolerável que o Estado se substituísse aos desordeiros no pagamento das indemnizações ao lesado, ainda que ressarcido mais tarde. Há, no entanto, como seguramente bem sabe, muita gente com pendência pretensamente liberal que vê nestas ocasiões razões bastantes para exigir responsabilidades ao Estado.
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Mas, salvo melhor opinião, a questão é só e apenas essa: Que obrigações, que responsabilidades, que funções competem ao Estado.Repare que podemos (e devemos) falar de tudo isto sem falar de impostos. Os impostos servem para pagar as responsabilidades assumidas pelo Estado no âmbito do perímetro das suas atribuições. É esse perímetro que deve ser discutido e forma como dentro dele se resolve o desempenho das funções do Estado.
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Porque, mesmo que os impostos fossem, desde já, reduzidos por proposta de Pinho Cardão em, digamos, 20% (mas aceito que seja mais!)há alguma garantia que o Estado não pagaria a indemnização ao proprietário do milheiral transgénico? Não há.
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O que poderia ocorrer seria o Estado pagar a indemnização e faltarem meios para pagar as fardas aos GNR, desobrigando estes, para próxima, de comparecer, por não ser pensável que se apresentassem em pijama.

Sunday, August 19, 2007

QUALIDADE

- É incompreensível. Nesta cidade não há um restaurante de qualidade!
- Havia um, havia um mas faliu.

OLHA O DESASTRE!

Quando os jornais eram vendidos pelos ardinas, era frequente ouvir ao fim da tarde o pregão: Olha o desastre!
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Sumiam-se os jornais num ápice quando, por sorte do ardina, havia algum desastre ou coisa parecida. Às vezes, por ironia, o desastre era a derrota do Benfica, ou do Sporting, naquele tempo o Porto, se perdesse, não era notícia.
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Hoje, as televisões pelam-se por desgraças. Chucham-nas até ao tutano. Se não as há, importam-nas. Se a oferta é excessiva, rateiam-nas; se as más notícias escasseiam, alongam-nas; as que perduram, perdem o prazo de validade e são varridas para o canto das não notícias. Quem é que quer saber do que se passa com o caso Casa Pia, hoje, depois da hiper excitação dos primeiros tempos?
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Hoje é notícia de primeira página o furacão na Jamaica e arredores. Tem sido espremida por rádios e televisões durante todo o dia. No fim de mais um extenso rol de outras más notícias, compensam-nos com algumas imagens das festas da Senhora da Agonia.
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Amanhã há mais.

Saturday, August 18, 2007

SEMENTEIRA URBANA

Percorre-se o país pelas estradas secundárias, e a sensação é, quase sempre, a de atravessarmos
uma sementeira urbana caótica e, frequentemente, de mau gosto. O português habitou-se, desde há muito, a semear casas onde lhe dá na real gana, resolvendo alguns obstáculos camarários com empenhos e outros incentivos. O resultado está à vista. No Algarve, mas também em outras zonas onde o frenezim armado de cimento é alimentado pela sugestão turística, os núcleos antigos das cidades (com uma ou outra excepção) estão completamente mascarados, as falésias ultrajadas, as dunas rompidas em todos os sentidos.
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Passei hoje pela praia de Mira. Para além de um ou outro empreendimento bem estruturado, de um ou outro projecto razoavelmente conseguido, a maior parte do que se vê é mau.
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Dir-se-á que gostos não se discutem, e se eu não gosto haverá quem goste. O que é verdade, se não não estariam aquelas coisas ali.
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É indiscutível, contudo, que o nível de literacia em Portugal está, no contexto da união europeia a 27, bastante abaixo da média. É natural, portanto, que o índice cultural dos portugueses ande também aquém do desejável e o sentido estético deixe muito a desejar. É sempre possível descortinar um analfabeto com um sentido estético inato que ultrapassa o de muitos licenciados.
Mas essas são as excepções necessárias à regra.
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Quem poderá ajudar a alterar esta tendência generalizada para o abarracamento? As Câmaras, obviamente. Acontece que são as Câmaras que têm consentido estes desmandos sem que, até agora, ninguém tenha conseguido (não sei se alguém terá tentado) alinhar o rumo com um mínimo de bom gosto e respeito pela natureza.
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Ouve-se muitas acusações às Câmaras e sempre a pressurosa posição da Associação Portuguesa de Municípios a defender, corporativamente, os seus membros. Não se tem notícia, contudo, de conferências por si promovidas, abertas à sociedade em nome das quais e para as quias governam, que permitam debater as falhas que frequentemente lhes são apontadas em matéria de carência de bom senso e bom gosto. Nem é esperável que venham a acontecer.
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As aberrações urbanas não afectam apenas o valor das coisas aberrantes, porque projectam a sua menos valia a todo o espaço vizinho, na realidade a todo o espaço do território português através de uma marca de desprestígio que prejudica todos.
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Uma Associação Portuguesa de Defesa dos Munícipes, precisa-se. Porque os gostos devem discutir-se.

Friday, August 17, 2007

PÉRIDES

Há tantos anos que já lhe perdi a conta, um jogador, Pérides, passou-se do Sporting para o Benfica sem me avisar.
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Naquele tempo, eu, que comecei a saber o que era uma bola quando o Sporting ganhava a todos, era lagarto, mas não era fanático. Para mim, o Sporting eram os seus jogadores, nada mais me identificava com o clube senão através deles. Havia as camisolas, mas eu achava as do Benfica com mais chama. O Porto, naquela altura, era um clube à espera do futuro. Torcia pela Académica por razões de proximidade. De resto, rejubilava sempre com as vitórias dos mais pequenos sobre os maiores, exceptuando o Sporting.
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Até ao dia em que o Pérides despiu a verde branca e vestiu a encarnada. Fiquei confuso, a pensar que se o Pérides se passara qualquer outro poderia fazer o mesmo. A equipa toda, por que não? Poderiam até, só para aumentar a minha baralhação, jogarem uma semana num lado e a outra no outro.
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Li hoje no Público que 52% dos jogadores inscritos na Primeira Liga são estrangeiros, e no Sporting, se há algum português, é excepção.
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Não tendo nada contra os jogadores ou outros estrangeiros a trabalhar em Portugal, confesso, no entanto, que a velocidade a que rodam os planteis me deixa cada vez mais desnorteado e incapaz de perceber o que é um clube, para além de uma empresa promotora de espectáculos de futebol.
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Confusões que assaltam as mentes que se põem a pensar questões de fé, acho eu.
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Continuo a gostar de ver o espectáculo, quando é bom, e fico satisfeito que ganhe o melhor. Se for o Sporting o melhor, tanto melhor.

CAPARICA

Há alguns meses as praias da Costa da Caprica foram notícia pelos rombos que o mar provocou nas dunas e nas muralhas. Foram dias de aflição e de reportagens televisivas com os mirones a dar palpites e soluções. A investir nas emoções dos seus vizinhos esteve lá a bradar para as câmaras o presidente da junta, exaltado e indignado.
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Neste momento as praias estão quase recompostas à custa de areias transportadas em dragas do bugio e os veraneantes, que não têm tempo ou dinheiro para ir para o Algarve, Cancun ou Seychelles, voltaram para a praia a sério que está mais perto. A televisão não dá conta disso.
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E não dá por quê? Muito simplesmente porque as pessoas não apreciam as boas notícias.
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A propósito: O custo da reposição das praias é da ordem dos 600 mil contos, se não houver revisão de preços. Para um leigo, como eu, as areias trazidas pelas dragas serão levadas para o sítio de onde vieram quando voltarem as marés-vivas. Contudo, leigo que sou, tenho de admitir que quem gisou a operação lá saberá com o que conta. Mas é pena que não explique a quem paga. Tentei obter informação do ex-exaltado presidente da junta de freguesia mas o senhor não esteve ou disse que não estava.

Thursday, August 16, 2007

A VINGANÇA DO CHINÊS


"Economist"
Para aumentar, clicar na imagem.

Os chineses têm estado a fornecer ao mundo mil e um produtos ao preço de tuta e meia. Com isso têm observado crescimentos impressionantes do PIB sem que, contudo, tenham resolvido ou estejam em vias de resolver a compatibilização entre tais ritmos de crescimento e a liberalização da sociedade chinesa. Um dia, provavelmente, a tampa vai saltar.
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Até lá, o dinheiro acumulado pelos chineses tem dado para investir na dívida pública dos EUA, e não só, para além de continuar a encher um enorme reservatório de divisas, que deve ter atingido já cerca de 1,33 triliões de dólares.
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Os chineses vendem barato mas também são ávidos por pechinchas e , geralmente, hábeis na escolha dos momentos adequados.
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Hoje, 5ª. feira, 16 de Agosto, a terra tremeu no Peru atingindo o grau 7,5 (ou 7,9, já ouvi as duas versões) e até há pouco ninguém sabia a verdadeira extensão dos estragos porque ainda era noite e a electricidade tinha-se perdido pelas torres derrubadas, de alta tensão. No mesmo dia, assiste-se a um cataclismo nas bolsas cuja extensão só daqui a algum tempo será calculada, aproximadamente. Coincidências.
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Já não será coincidência o facto de os chineses aproveitarem para vir ao Ocidente às compras. Se compram muito se pouco, logo se verá. Mas, inevitavelmente, depois deste tremor bolsista o mundo ficará mais amarelo. E só não ficará muito mais em consequência das blindagens e outros resguardos com que se protegem as empresas em economia de mercado.

LEIBNITZ, STIGLITZ E O PSD

"A filosofia não é uma ciência porque é muito mais" - Ortega y Gasset (O que é a filofofia?)
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Continua Pinho Cardão no Quarta República a bater-se pela redução dos impostos, já!, proposta que a mim, pessoalmente, me beneficiaria. Afinal só os que não pagam impostos (e são cerca de 5o% dos portugueses, segundo o ex-DGCI Paulo Macedo, na entrevista que concedeu ao Expresso do passado Sábado) não retirarão qualquer vantagem disso. Só perde quem tem, já se sabe. Coloquei algumas dúvidas e desafios, mas fiquei sem resposta.
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Hoje, PC brinda-nos com Leibnitz. Comentei, recorrendo a Stiglitz . Por muita consideração que seja devida a Leibnitz, Stiglitz veio ao mundo uns séculos mais tarde, é natural que algumas questões tenham sido apeadas do limbo filosófico para o campo mais limitado e concreto da ciência, é natural, portanto, que também na economia alguma coisa se tornou mais apreensível e até quantificável.
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Reconheço, contudo, que há em toda esta reclamação recorrente de redução dos impostos intenções que, louváveis ou não, se percebem bem dum ponto de vista de marketing político.
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Abaixo os impostos! é uma mensagem curta, incisiva, apelativa, não fracturante.
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Tem todos os ingredientes de um slogan de sucesso. Tem um contra: O prescritor geralmente recua na administração da mezinha quando chega a sua vez de governar, ou porque sabe dos efeitos secundários ou tem constrangimentos insuperáveis. Por outro lado, não sabendo a generalidade dos cidadãos quem foi Leibnitz ou quem é Stiglitz, a grande maioria sabe perfeitamente que é estranho haver manteiga no nariz do cão.

Wednesday, August 15, 2007

RISCO & INCERTEZA

Current Market Turmoil: Non-Priceable Knightian “Uncertainty” Rather Than Priceable Market “Risk

RGE monitor Aug 15, 2007

Economists distinguish between “Risk” and “Uncertainty”: the former can be priced by financial markets while the latter cannot. The distinction between the two was made by the famous economist Frank H. Knight in his seminal book, Risk, Uncertainty, and Profit (1921). In brief, “Risk is present when future events occur with measurable probability” while “Uncertainty is present when the likelihood of future events is indefinite or incalculable”.

This distinction between risk and uncertainty helps to explain the recent market panic and turmoil. Today, the FT cites a market economist at Lehman who said: “We are in a minefield. No one knows where the mines are planted and we are just trying to stumble through it”. A few days ago another market participant put it this way: “It is not the corpses at the surface that are scary; it is the unknown corpses below the surface that may pop up unexpectedly”.

Unknown minefield; unexpected corpses: this is “uncertainty” rather than “risk”. Risk can be measured and priced because it depends on know distributions of events to which investors can assign probabilities. Uncertainty cannot be priced by markets because it relates to “fat tail” distributions and extreme events that cannot be easily predicted or measured. A few days ago the CFO of Goldman Sachs justified the massive – 30% plus - losses of the two Goldman Sachs hedge funds by arguing that these were unpredictable “25 standard deviation events” that should occur only once in a million years. The same thing was said by the LTCM “masters of the universe” when their highly leveraged hedge fund went belly up in 1998.

Too bad that these fat tail events do occur more often than once in a million years: the real estate bubble and bust and S&L crisis of the late 1980s; the boom and bust of the tech stocks in 2000-2001; the 1987 stock market crash; the 1998 LTCM debacle; the variety of asset bubbles that ended up into busts from Japan (1980s) to East Asia (1997-98).

Indeed, for many reasons the current market panic has to do with unpriceable uncertainty rather than measurable risk.

First, we have no idea of what the subprime and other mortgage losses will be: $50 billion, $100 billion, $200 billion? They could be as large as $500 billion if the US enters in a recession and we have a systemic banking and financial crisis. The uncertainty about these losses depends on the fact that we have no idea of how deep and protracted the housing recession will be and how much will home prices will fall. If home prices were to fall – as my research suggests as likely – more than 10% in the next year or so, the subprime carnage will massively expand to near prime mortgages and prime mortgages. There is already plenty of evidence that the delinquencies are not limited to subprime mortgages as a number of near prime and prime lenders are now bankrupt or in trouble (AHM, Countrywide just to cite two examples). The worse the housing recession will be the worse these now uncertain losses.

Second, we have no idea of where the mines and the corpses are. Every day the turmoil is popping out in unexpected institutions and places: by now hedge funds, banks and asset managers in US, France, Germany, UK, Asia, Australia have gone belly up. And every day a different financial market gets into a liquidity crunch and credit crunch: first subprime; then near prime, prime, CDOs, CLOs, LBOs, ABCPs, corporate credit spreads, overnite interbank loans, money market funds, mutual funds. Every day we get a different surprise that adds to the market’s uncertainty and investors’ nervousness.

This increased financial uncertainty is in part due to the increased opacity and lack of transparency in financial markets.

MARTIN LUTHER KING - Made in China

CHANGSHA, China -- Inside a cavernous studio in this steamy inland city, Lei Yixin is molding clay into the shape of the Rev. Martin Luther King Jr. Lei scrutinizes every inch of the models -- the direction of King's gaze, the crinkle of his clothes, the way his arms are folded -- knowing that the final product will make its home among the other great American monuments in Washington.

For China's artists, the selection of Lei as the lead sculptor for the project, to be unveiled in 2009 on the Mall, is a triumphant moment. It is a recognition of how rapidly their status has progressed in the generation that has grown up since the repressive years of the Cultural Revolution.

Atlanta resident Lea Winfrey Young says the "outsourcing" by U.S. companies and organizations to China has gone too far this time. She and her husband, Gilbert Young, a painter, are leading a group of critics who argue that an African American -- or any American -- should have been picked for such an important project.
"Dr. King's statue is to be shipped here in a crate that supposedly says 'Made in China.' That's just obscene," Winfrey Young says.

A PILA DO XÁ DA PÉRSIA

O meu Caríssimo Amigo Pinho Cardão continua a bradar no Quarta República :
Abaixo os impostos! E eu, que acabei de receber aviso para pagar o IRS, acrescento: Com efeitos retroactivos, se faz favor!
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No princípio da década de 60, o Xá da Pérsia andava preocupado com a sucessão, a bela Soraia, a dos olhos grandes e verdes, não lhe dava um herdeiro. Foi a linda Soraia repudiada, e o Xá conseguiu o que queria da Farah Diba. Para comemoração do júbilo decidiu o Xá baixar os impostos.Na altura, dizia-se:
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A pila do Xá da Pérsia
Os impostos faz baixar.
Ora bolas para a inércia
Da pila do Salazar.
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Apesar da medida, o Xá foi destronado poucos anos depois por quem acenou ao povo com propostas mais aliciantes. Até hoje, ainda não parou de rodar o caroussel.
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Caro Pinho Cardão: Andamos para aqui a serrar presunto e tu sempre a escapares-te a dizer como é que resolves a questão intrincada que decorre da baixa de impostos sem criação prévia das condições que a consintam. Se reduzes os impostos sem reduzires a despesa aumentas o défice ou a despesa pública. Certo? Achas que isso é possível, e ainda que fosse consentido pelas obrigações que temos como membro da UE, achas que seria conveniente para a economia? Achas que o aumento do consumo privado (se pensamos nos impostos sobre as famílias) teria efeitos sobre a produção nacional? Não. Teria, sobretudo, efeitos sobre as importações.
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Quanto à tributação sobre as sociedades (IRC) ele é bastante baixo se considerares não o imposto nominal mas o real, aquele que resulta depois das deduções e das isenções concedidas em protocolos individuais com os promotores de investimento.
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Tens algum projecto, alguma boa ideia de investimento, que esteja constrangida por razões de competitividade fiscal? Se tens, aqui publicamente, assumo o compromisso de te resolver o problema. E não tenho contactos privilegiados no Ministério das Finanças, garanto-te.
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Escreve, pois, aí, como é que descalças a bota se em lugar de empurrares no calcanhar começares por puxá-la pela biqueira.
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PSD - Já agora diz-me que leitura fazes da nossa posição relativa, no âmbito dos 15, em termos de desigualdade social: somos o país, naquele conjunto, onde é maior a diferença de rendimentos entre ricos e pobres. Por falta de competitividade fiscal?

Tuesday, August 14, 2007

A BELEZA E O MIGUEL

Miguel Beleza foi ontem entrevistado na SIC-notícias por Mário Crespo, tendo como motivo o actual desconcerto nas bolsas mundiais e as culpas das sub-prime nos EUA no cartório.
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Para além de uma indisfarçada obsessão de Miguel Beleza pelo trocadilho e pelo donjuanismo serôdio, denunciando sintomas de algum trauma mal curado, o entrevistado fez algumas declarações que merecem registo.
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Questionado sobre a perda de independência do Banco de Portugal com a entrada de Portugal no euro, Miguel Beleza, recordou os tempos em que foi Governador do Banco de Portugal, o euro ainda não existia, e a sua preocupação enquanto Governador era tentar adequar a política monetária às opções do BundesBank. De vez em quando, com alguma sorte e bom relacionamento, sabia com breve antecedência para onde iam as intenções dos alemães. Mas o escudo não era independente nem poderia sê-lo no âmbito duma economia integrada. Quando os ingleses decidiram escapar à ligação ao marco, a libra não aguentou e saiu do sistema.
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Se alguém perdeu independência foi o marco alemão.
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E a propósito de uma peça que tinha antecedido a entrevista, e que recolhia a opinião de populares acerca de resultados ontem divulgados segundo os quais os salários em Portugal são os mais baixos (60% da média) da Europa-15 e o custo de vida 20% também abaixo da média do mesmo grupo, Miguel Beleza foi peremptório a classificar de disparate a percepção das pessoas de que a entrada no euro teria gerado um crescimento maior dos preços do que aquele que se verificaria se tivessemos mantido o escudo.
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Pareceres que coincidem com aquilo que aqui tenho escrito acerca dos mesmos assuntos.

Monday, August 13, 2007

E SE, DE REPENTE, ACABASSE A DROGA? - 3

Afeganistão: a guerra do ópio


As notícias que nos vão chegando do Afeganistão não dão para perceber bem o que lá se passa.Sabemos que se encontra instalada nesse País uma força multinacional, cumprindo um mandato das Nações Unidas e também da NATO para manter a paz e a ordem como forma de prevenção contra ataques terroristas, da qual faz parte um contingente militar português de cerca de duas centenas de membros.Também sabemos que a defesa da paz e da ordem neste caso significam a luta contra um inimigo estranho, os Taliban, com ligações conhecidas à Al Qaeda.Os Taliban dominaram aquele País desde o fim da ocupação soviética (1996) até 2001/2, tendo praticado uma política que não poucas vezes chocou o Ocidente por decisões que atentavam contra elementares valores civilizacionais - tais como a destruição de monumentos históricos e a execução pública de mulheres como forma de punição pela prática de adultério.Por isso (embora não apenas) a campanha militar no Afeganistão é vista no Ocidente como necessária, em contraste, por exemplo, com a que decorre no Iraque.No entanto, sabemos pouco do que se passa no Afeganistão, para além das notícias que de quando em vez – mais nos últimos meses, infelizmente – dão conta da morte de soldados da força internacional e de cidadãos afegãos apanhados em acções militares.Para melhor perceber o que se passa no Afeganistão, bem como a missão da força multinacional, recomendo aos “clientes” do 4R a leitura de uma magnífica reportagem publicada na revista New Yorker, da semana 9-16 de Julho, intitulada “The Taliban’s opium war”.Dessa reportagem se retira a noção da extrema dificuldade da missão da força multinacional para conseguir uma solução estável e duradoura para o País.A economia do Afeganistão depende muito da produção do ópio (base da produção da heroína), que representa mais de 50% do PIB do País.O regime dos Taliban tinha proibido a produção de ópio, impondo penas severas aos prevaricadores, não raro a pena de morte. Talvez essa tenha sido uma das razões da facilidade com que foram derrotados pela força anglo-americana em 2001/2002.Desde então a produção de ópio aumentou significativamente, existindo actualmente perto de 200.000 hectares dedicados ao cultivo da planta.O problema é que a força multinacional pretende também acabar com esta produção, para o que foi criada uma Afghan Eradication Force (AEF) que, juntamente com elementos americanos especializados tem vindo a destruir plantações como forma de dissuasão.Os Taliban, esquecendo as suas convicções religiosas, oferecem agora protecção aos produtores e negociantes da droga, em troca do pagamento de um imposto do ópio – o negócio é bom para ambas as partes.Acresce que muitos protegidos do regime de Cabul beneficiam da complacência do Governo/ força multinacional para manterem a produção de ópio, criando dificuldades à acção da AEF.Um puzzle estranho, que torna muito incerto o futuro do País e também o cumprimento dos objectivos da força multinacional. in Quarta República
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Caro Tavares Moreira, boa tarde!
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Antes de mais, agradeço-lhe a indicação do artigo do New Yorker, que já li, e é tão interessante quanto intrigante, como, aliás, o meu Amigo refere.
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O problema da droga, que felizmente nunca me bateu à porta, mas ninguém está livre de surpresas, é daqueles que, de vez em quando me ocorrem quando tento perceber algumas contradições da economia.
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Os relatórios da ONU vêm dando conta da dimensão e da evolução do negócio a nível mundial. Fiquei verdadeiramente surpreendido quando li, no relatório do PNUD 2000, que "O comércio ilegal de droga, em 1995, foi estimado em 400 mil milhões de dólares, cerca de 8% do comércio mundial, mais do que a parcela de ferro e aço ou de veículos motorizados e aproximadamente o mesmo que a dos têxteis (7,5%) e do gás e petróleo (8,6%).
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Desde então o negócio não deve ter perdido a sua importância relativa, ainda segundo os relatórios especializados da ONU.Um dia ocorreu-me começar a colocar aos meus amigos, se a ocasião se propiciava, a seguinte questão: Se te fosse dada uma varinha mágica que, de um momento para o outro, terminasse com o consumo de droga, o que farias?A pergunta, à primeira vista, é bizarra e nem sequer sei se é original. A mim nunca me tinha sido colocada.
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Os meus amigos, geralmente, acabam por concordar que talvez deixassem a vara mágica de lado até estudarem melhor o assunto.
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Este seu "post" só contribui, perdoe-me a imodéstia, para reforçar a pertinência daquilo que nas minhas palavras cruzadas tenho escrito sob a interrogação:E SE, DE REPENTE, ACABASSE A DROGA?
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Quanto à presença de tropas portuguesas no Afeganistão é matéria que suscita (deveria suscitar) algum debate político que, ao que parece, os principais partidos evitam.É matéria que se inclui num desafio que coloquei ao Pinho Cardão aí no "post" em baixo.


While destroying a field of opium poppies in Uruzgan Province, members of the Afghan Eradication Force came under fire in an ambush apparently orchestrated by the Taliban. Photograph by Aaron Huey.

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In the main square in Tirin Kot, the capital of Uruzgan Province, in central Afghanistan, a large billboard shows a human skeleton being hanged. The rope is not a normal gallows rope but the stem of an opium poppy. Aside from this jarring image, Tirin Kot is a bucolic-seeming place, a market town of flat-topped adobe houses and little shops on a low bluff on the eastern shore of the Tirinrud River, in a long valley bounded by open desert and jagged, treeless mountains.
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About ten thousand people live in the town. The men are bearded and wear traditional robes and tunics and cover their heads with turbans or sequinned skullcaps. There are virtually no women in sight, and when they do appear they wear all-concealing burkas. A few paved streets join at a traffic circle in the center of town, but within a few blocks they peter out to dirt tracks.
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Almost everything around Tirin Kot is some shade of brown. The river is a khaki-colored wash of silt and snowmelt that flows out of the mountain range to the north, past mud-walled family compounds. On either side of the river, however, running down the valley, there is a narrow strip of wheat fields and poppy fields, and for several weeks in the spring the poppies bloom: lovely, open-petalled white, pink, red, and magenta blossoms, the darker colors indicating the ones with the most opium.

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One afternoon this spring, at the height of the harvest, I drove through the area with Douglas Wankel, a former Drug Enforcement Administration official who was hired by the United States government in 2003 to organize its counter-narcotics effort here. Wankel, who is sixty-one and has piercing blue eyes, was stationed in Kabul as a young D.E.A. official in 1978 and 1979, during the bloody unrest that led up to the Soviet invasion. “I left on a flight to New Delhi a couple of hours before the Soviets rolled in,” he said. “People thought it was because I knew it was coming. I didn’t; I just happened to be leaving on a trip. But the Soviets branded me a C.I.A. agent, and so I couldn’t come back—until now, that is.”

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Working first with the D.E.A. and then with the State Department, Wankel helped create the Afghan Eradication Force, with troops of the Afghan National Police drawn from the Ministry of the Interior. Last year, an estimated four hundred thousand acres of opium poppies were planted in Afghanistan, a fifty-nine-per-cent increase over the previous year. Afghanistan now supplies more than ninety-two per cent of the world’s opium, the raw ingredient of heroin. More than half the country’s annual G.D.P., some $3.1 billion, is believed to come from the drug trade, and narcotics officials believe that part of the money is funding the Taliban insurgency.

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Wankel was in Uruzgan to oversee a poppy-eradication campaign—the first major effort to disrupt the harvest in the province. He had brought with him a two-hundred-and-fifty-man A.E.F. contingent, including forty-odd contractors supplied by DynCorp, a Virginia-based private military company, which has a number of large U.S. government contracts in Iraq, Afghanistan, and other parts of the world. In Colombia, DynCorp helps implement the multibillion-dollar Plan Colombia, to eradicate coca. The A.E.F.’s armed convoy had taken three days to drive from Kabul, and had set up a base on a plateau above a deep wadi. With open land all around, it was a good spot to ward off attacks.
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Much of Uruzgan is classified by the United Nations as “Extreme Risk / Hostile Environment.” The Taliban effectively controls four-fifths of the province, which, like the movement, is primarily Pashtun. Mullah Omar, the fugitive Taliban leader, was born and raised here, as were three other founders of the movement. The Taliban’s seizure of Tirin Kot, in the mid-nineties, was a key stepping stone in their march to Kabul, and their loss of the town in 2001 was a decisive moment in their fall. The Taliban have made a concerted comeback in the past two years; they are the de-facto authority in much of the Pashtun south and east, and have recently spread their violence to parts of the north as well. The debilitating and corrupting effects of the opium trade on the government of President Hamid Karzai is a significant factor in the Taliban’s revival.
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The Taliban instituted a strict Islamist policy against the opium trade during the final years of their regime, and by the time of their overthrow they had virtually eliminated it. But now, Lieutenant General Mohammad Daud-Daud, Afghanistan’s deputy minister of the interior for counter-narcotics, told me, “there has been a coalition between the Taliban and the opium smugglers. This year, they have set up a commission to tax the harvest.” In return, he said, the Taliban had offered opium farmers protection from the government’s eradication efforts. The switch in strategy has an obvious logic: it provides opium money for the Taliban to sustain itself and helps it to win over the farming communities.

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Wankel had flown in from Kabul five days earlier to meet with the governor of Uruzgan, Abdul Hakim Munib, about the eradication operation, only to discover that Munib had left for Kabul the day before. Wankel was told that a sister of the governor had died or fallen ill—there were several versions—but nobody believed this was the real reason for his absence. Munib, a former Taliban deputy minister, was suspected of retaining ties to the movement. And, Wankel noted, there were poppy fields within sight of Munib’s palace.
“We’re not able to destroy all the poppy—that’s not the point. What we’re trying to do is lend an element of threat and risk to the farmers’ calculations, so they won’t plant next year,” Wankel said later. “It’s like robbing a bank. If people see there’s more to be had by robbing a bank than by working in one, they’re going to rob it, until they learn there’s a price to pay.”