Sunday, August 26, 2007

O MUNDO ÀS AVESSAS


O PR vetou uma proposta de lei, aprovada por unanimidade na AR, recomendando a sua reapreciação, que prevê a indemnização extra contratual do Estado, com eventual reembolso por parte dos culpados, por dolo ou negligência, por prejuízos causados por estes a utentes dos serviços públicos. O veto, que obviamente não serve as posições políticas de nenhum dos partidos representados na AR, não tem outro objectivo se não o de alertar os deputados para as consequências preversas que uma tal proposta implicará no caso de se tornar definitiva sem ser revista.
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É interessante, a este propósito observar, que a corrente liberal que domina alguns dos blogs mais activos da blogosfera portuguesa, seja praticamente unânime na crítica ao veto do PR, assumindo, implicitamente, o seu acordo com um grau de responsabilidade maior do Estado, ao invés daquilo que é o sentido do discurso que apregoam.
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É o caso do Blasfémias
, que comentei:
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Que uma proposta destas tenha sido aprovada na AR por todos os grupos parlamentares não me admira. Os portugueses, em geral, habituaram-se ao chapéu-de-chuva do Estado, protestam do estado do objecto mas não o dispensam. É, pois, muito natural que, tratando-se de pedir contas ao Estado, a maioria esfregue as mãos e aplauda.
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A proposta é, claramente, muito politicamente correcta. Acontece que quem tem de pagar a conta são todos os que pagam impostos, parte minoritária dos que aplaudem.
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Quando, por outro lado, se invoca o imperativo do dever ser o Estado pessoa de bem, parece que o discurso se reporta a uma entidade para lá de nós. O Estado, em democracia, é uma obra colectiva, nossa. Não está nem para lá nem para cá de nós. Somos nós.
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Se, por via de negligência ou dolo de um ou vários servidores do Estado, um de nós vê os seus direitos desprotegidos ou usurpados, a indemnização a que se achar com direito deve ser reclamada em sede própria ao fautor do dano.
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Por que razão tenho eu de contribuir para a eventual indemnização por diligências negligentes no âmbito do processo Casa Pia se o presumível culpado é um agente da judiciária?
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Se há dolo, negligência ou qualquer acusação mais grave, a responsabilidade deve ser directamente remetida para o presumível causador da afronta. E competirá a este defender-se. Aliás, esta defesa está implícita, se é para ser levada a sério, no direito de regresso previsto na proposta vetada.
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O que me admira em tudo isto é que, no meio de tanta sensibilidade liberal que por aqui passa, salvo uma ou outra excepção, todos recriminam aqui, e em outros sítios ideologicamente vizinhos, a decisão do PR de devolver a proposta à AR para ser repensada.Retire-se o Estado da disputa e assegurem-se aos cidadãos condições efectivas para exercerem os seus direitos contra quem, objectivamente, os lesa, e a questão não terá discussão.
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Mas estou plenamente convencido que não vai ser esse o caminho. Com mais ou menos alguns retoques a proposta voltará para as mãos do PR, que será obrigado a promulgá-la.
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E, eu, obrigado a contribuir.

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