Sunday, December 24, 2017

PATÉTICA


Querida RMF,
Querida DFF,

Hoje é véspera de Natal, o dia em que se celebra o nascimento do Menino-Deus, há mais de dois mil anos. É uma noite muito bonita porque o Menino-Deus cresceu e ensinou que as pessoas deveriam gostar de praticar o bem, ajudar os que precisam, e viver em paz, sem lutar nem ofender ninguém.

E, porque viver em paz com todos os outros começa pelo viver em paz dentro das nossas casas, o Pai Natal todos os anos, aparece no meio de muitas iluminações e muitos cânticos para deixar em todas as casas uma recordação da mensagem de paz do Menino-Deus, nascido em Belém para o bem de todos. 

É por esta razāo que, durante estes dias antes da noite de Natal, o Pai Natal anda muito contente, embora um pouco cansado com tanto trabalho, a entregar lembranças às pessoas e, muito especialmente com muito carinho, às crianças, porque são as crianças que, quando forem mais crescidas, vão tornar o mundo melhor, lembrando-se da mensagem divina de paz entre todos os povos do mundo. Infelizmente, nem sempre essa mensagem de paz é recebida. 

Quisemos, a vossa avó e eu, que o Pai Natal vos entregasse essa mensagem e algumas lembranças, testemunhos do nosso grande amor por vós. Mas o Pai Natal veio desanimado porque não conseguiu saber onde estão duas das nossas queridas netas, mesmo depois das muitas tentativas que fez durante os últimos três dias.

Não é nada provável que esta mensagem venha agora a ser lida por vós. 
Mas, se por milagre divino, alguém ler e vos disser o que escrevi, acreditem que é tão grande o nosso amor como a mágoa de não sabermos onde podemos, e quando poderemos, voltar a ver-vos.

O nosso grande amor fica, por agora, de braços abertos à espera desse milagre.




Saturday, December 23, 2017

ALEGRE E OS COMPANHEIROS DA ALEGRIA

O sr. Manuel Alegre opina hoje no Público - Catalunha, uns séculos depois - que

 "Enfim, a Catalunha falou através do voto, por certo o fará mais vezes. Penso que nós portugueses, independentemente das simpatias pessoais, devemos ser fiéis à Constituição da República e respeitar a liberdade de escolha onde quer que ela se manifeste."

Enfim, o sr. Manuel Alegre está baralhado ou pretende baralhar-nos.
Porque, segundo se depreende do que opina, o respeito pela lei constitucional devido pelos cidadãos em regimes democráticos é incontestável em Portugal mas redundante em Espanha. 

A opinião de MA só é relevante porque é parte do coro da extrema-esquerda trauteando a música do coro na direita extrema, a música da nacional-soberania. 
Que os resultados das votações demonstrem que na Catalunha, como no referendo ao Brexit no Reino Unido, o eleitorado se reparta em dois blocos praticamente idênticos, é para eles irrelevante;
Que na Catalunha os independentistas obtiveram maior número de assentos no parlamento mas com um significativo menor número de votos* é para eles irrelevante;
Que, tanto na Catalunha como no Reino Unido, pretendam os secessionistas que um voto apenas é democraticamente suficiente para fixar definitivamente o querer das gerações futuras, é negligenciável.

Que uma eventual independência da Catalunha desencadearia um processo imparável de fragmentação em cadeia da União Europeia, é aplaudida pelos extremos, à esquerda e à direita, 
porque sempre viram e continuarão a ver na União Europeia uma ameaça ao nacional-soberanismo, que é o seu feitiço, percebe-se.  

Que essa ameaça de fragmentação se potencie por outras linhas de fractura, mais notoriamente a leste, para gáudio do sr. Putin, não relembre ao sr. Manuel Alegre e outros companheiros da alegria o assomar do avantesma da guerra entre europeus, em paz apenas há cerca de 70 anos, é repulsivo.

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* Os mesmos eleitores teriam votado nāo à independência por cerca de 150 mil votos de diferença. Cf . aqui

Thursday, December 21, 2017

PERSPECTIVAS





Começa hoje o Inverno.

- Esteve um dia fantástico. Soalheiro.  
- Não imaginas quanto isto nos está a custar.
- Isto, o quê?

Wednesday, December 20, 2017

QUANTOS HUMANOS VÊ NESTE VÍDEO?



Para melhor visualização clique aqui

J,

Para os que quiserem realmente trabalhar, dizes, ainda sobrarão alguns postos de trabalho.
Se para realizar esses trabalhos a oferta for superior à procura, esses trabalhadores serão bem pagos. Se acontecer o contrário, se houver procura de trabalho superior à oferta, os salários baixarão até ao nível de equilíbrio. E isto não acontecerá apenas na indústria mas também nos serviços. Tudo o que possa ser programado como rotina, os robôs tomarão conta do assunto. Para lá do rotina, entra de serviço a inteligência artificial.

Em situação de equilíbrio, para contenção das convulsões sociais que este trajecto projecta, caminha-se para pagar mais a quem aceitar não trabalhar do que a quem preferir trabalhar.
Isto decorre do b-a-ba da economia. Capitalista, até que seja reinventada outra concorrente.
No limite, como venho anotando há muitos anos, no futuro quem quiser trabalhar terá de pagar.

PS - Se, entretanto, Trump e Kim Jong-un, ou outros Trump e Kim Jong-un quaisquer, não estoirarem meia humanidade. Nesses caso, haverá muito trabalho para os que sobrarem. Se estoirarem todos, o planeta continuará azul, a rodar silencioso e só iluminado pelo sol.
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SUECOS




      " O QUADRADO"

A mistificação na arte contemporânea imersa num caldo cultural sueco, amargo e frio.  **

Monday, December 18, 2017

ESTADO HOMICIDA

"Marques Mendes disse este domingo, no seu comentário semanal na SIC, que o Ministério Público vai acusar o Estado e outras entidades de homicídio por negligência no caso do incêndio de Pedrógão."- aqui

Ouvi ontem o comentador Marques Mendes afirmar o que acima transcrevo do Público.
Supus naquele momento ter entendido mal, e nem sequer me dei ao trabalho de rever a afirmação feita. Afinal, não ouvi mal. Segundo MM, o Estado pode ser acusado de homicídio ou, dito de outro modo, o Estado pode ser homicida. 

Andamos sempre aprender, mas creio  que a afirmação de MM, apesar da formação jurídica do autor, decorre de um erro semântico frequente entre comentadores e jornalistas. A menos que o jargão jurídico se tenha afastado tanto do entendimento comum que o homem comum não pode atingi-lo. 

Não é a primeira vez que anoto neste caderno a minha indisposição perante o uso do nome do Estado das formas mais descabidas e descabeladas. 
Nem sempre esse uso abusivo decorre da ignorância do significado do conceito mas de uma forma engenhosa de evitar identificar culpados enviando todas as acusações de que são alvo para o endereço abstracto de um ente abstracto, que por ausência de capacidade volitiva não é, porque não pode ser, culpado de qualquer facto, e, em particular, de factos criminosos. 

Recorro ao Google para transcrever as últimas entradas relacionadas com os termos "Estado" e "homicida". 

- "Homicida recebe 600 euros do Estado"
- "Estado paga 20 mil euros por fuga de homicida"
- "Estado condenado por deixar fugir homicida"
- "Estado condenado por fuga de homicida para o Brasil
- "Estado falhou com o jovem suspeito de homicídio"

Só por estropiamento de linguagem se podem imputar ao Estado, p.e., responsabilidades na fuga de homicida. Provavelmente, as culpas serão atribuíveis aos guardas prisionais,  ou ao director da prisão de onde se evadiu o homicida, ou ao ministro da Justiça, ou ao Governo. 
E um homicida pode receber 600 euros do Estado? Pelos vistos, pode receber. Do Estado, não.
O Estado não paga nem recebe. Quem paga? Os contribuintes. Quem recebe? Muita gente, incluindo homicidas.

Se houvesse precisão na linguagem, as consequências seriam enormes.
A afirmação, incorrecta mas corrente, que, por exemplo, o Estado paga 600 euros a um homicida, tem um impacto na opinião pública claramente diferente daquela que teria afirmar, correctamente, que os contribuintes pagam 600 euros a um homicida.

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21/12/207

"O Estado vai emprestar diretamente dinheiro ao fundo dos lesados do BES, em vez de esta entidade recorrer a financiamento de um sindicato bancário que teria uma garantia estatal. A decisão visa tornar o pagamento da primeira tranche mas rápido e barato, diz o advogado da associação dos lesados do papel comercial" - aqui

O Estado empresta? 
O Estado não empresta nada. Quem empresta são os contribuintes por decisão do actual Governo,  tutor em exercício da gestão dos interesses colectivos.

Correl . - Para acabar com os lesados dos lesados

Friday, December 15, 2017

RODA DA VIDA



de Woody Allen

O mérito da arte de contar não está tanto naquilo que se conta (as histórias da espécie humana são sempre as mesmas) mas como se conta.
Woody Allen é um mestre na arte de contar.
Neste caso, na arte de contar uma trama dramática em que se mantém muito impressivo o traço de um artista que se notabilizou, sobretudo, a contar com humor e sarcasmo.

A não perder.

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Tuesday, December 12, 2017

TRABALHOS DE TRUMP



Trump, de algum modo, cumpre o que promete.

Prometeu reduzir os impostos sobre os maiores rendimentos, e está a conseguir.
É a política do Trickle down economics segundo a qual a redução dos impostos sobre os mais ricos beneficiará, por tabela, os mais pobres. E há muitos pobres que acreditam nisso: Trump foi eleito em grande parte com os votos de eleitores das regiões mais deprimidas dos EUA. 

Quem também contribuiu em larga escala para a eleição de Mr. Trump foram as mulheres norte-americanas. Mesmo depois de contra ele terem sido disparadas, durante a campanha eleitoral, várias denúncias de práticas de assédio sexual. Curiosamente, a avalanche de denúncias do mesmo tipo, desencadeada nas últimas semanas a partir, sobretudo, de Hollywood, continua, aparentemente, a não causar mossa a Mr. Trump.

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Act. - Entretanto, o candidato democrata ao Senado dos EUA pelo Alabama, Doug Jones, causou surpresa ao vencer esta terça-feira o republicano Roy Moore naquele estado conservador, acusado de abuso sexual por oito mulheres, durante a campanha eleitoral.
Por outro lado, na semana passada, Al Franken, senador pelo Minennesota, acusado de condutas sexuais impróprias, anunciou que vai renunciar, aguardando que a Comissão de Ética do Senado o julgará inocente.

"Eu, como toda a gente, estou ciente de que há alguma ironia no facto de estar de saída (do Senado) enquanto um homem que se vangloriou, em registo gravado, da sua história de agressão sexual continua sentado na Sala Oval ... " - Al Franken, no anúncio de saída

Segundo estas notícias, o vendaval de acusações de casos de assédio sexual a derrubar políticos não vai dissipar-se tão depressa.

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Act. - Apesar dos esforços de Trump para acabar com o Obamacare, o número de aderentes está exceder as mais optimistas expectativas, aumentando a inviabilidade política do actual presidente anular os objectivos do acto mais representativo do governo do seu antecessor. - aqui

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Act. - Poderá uma acusação de obstrução à Justiça determinar um processo de impeachment a Trump em 2018.
Mais do que quaisquer denúncias ou testemunhos, serão os resultados das midterm elections que, se retirarem a Trump o suporte que ele ainda detém no Congresso, poderão determinar o desencadeamento do processo de impeachment ou garantir-lhe roda livre para continuar a proceder como até aqui até ao fim deste mandato. vd. aqui: ."Doubting the intelligence, Trump pursues Putin and leaves a Russian threat unchecked"   


Monday, December 11, 2017

ADMIRÁVEL MUNDO VELHO



És muito tola, já é quase meio-dia, estás à espreita desde a entrada dos primeiros raios de sol no quarto, ele não aparece, e tu  aqui incomodada com o que lhe possa ter acontecido. Lá que é estranho, é, ele move-se consoante o andamento dos astros, a estas horas o bicho já devia estar cá fora há muito tempo. A tentação de atravessares a rua e entrares por ali dentro é grande mas o receio de um raspanete é maior. E se lhe aconteceu alguma coisa e precisa de ajuda? Se o homem, que vive teimosamente sem companhia em casa, morreu? Aparentemente, ele ainda está rijo como um pero mas com setenta em cima, os mesmos que tu, ninguém se livra nestas idades que lhe dê o badagaio de um instante para o outro. Podias chamar a polícia ou os bombeiros, não seria a primeira vez, mas se o velho decidiu ficar mais tempo que o costume dentro de casa por uma razão qualquer, por ser domingo? … Hoje é domingo? Ficava ele ainda mais furioso contigo e a polícia ria-se outra vez de ti. Seria estranho, mas seria possível, até porque é domingo, ainda que ele há muito tenha dispensado o calendário e o relógio, sabe lá ele se é domingo ou outro dia qualquer. Não, não é por ser domingo que ele não está já no quintal quando o sol já vai alto. Consomes-te com imaginações idiotas, ainda estás em jejum, não saíste um momento sequer do teu posto de observação. Já é quase meio-dia, está o sol a pino, em jejum sentes-te desfalecer,  vá lá, levanta-te e vai à cozinha comer qualquer coisa, agarra-te à cadeira, hum!.. Volta a sentar-te, está tudo a rodar à tua volta, pois está. Aguenta uns instantes de olhos fechados,  vê se te reequilibras, avança o braço direito, isso mesmo, agarra-te agora à portada da janela, firma-te nela,  volta-te e tenta agora pôr-te de pé. Abre os olhos, estás a ver? … O carrossel parou. Vá lá, agora só mais um instante de sentinela, e depois, a passos indecisos, avança pelo corredor, a mão direita a percorrer a parede até à entrada da cozinha. Aqui, amparas-te à bancada, pegas num copo, enche-o de água, e bebe-o …. Sentes-te melhor, hem? Agora vais à casa de banho, pela primeira vez!, hoje, depois de te teres levantado da cama, cumprindo a rotina diária com quatro horas de atraso. Há anos que te levantas por volta das oito, não importa a inclinação do sol, para ti nunca muda a hora, por que é que mudam a hora? Vais outra vez à janela da frente, e vê!, ele  ainda não saiu de casa, vais à cozinha, a gata atrás de ti, dás-lhe comida, geralmente o que te sobrou do jantar, bebes um copo de água, fazes ah! e entras na casa de banho para o costume. Normalmente, por volta das oito e meia, sentas-te à mesa, comes uma maçã ou o que houver, bebes o café da manhã com uma torrada de pão escuro, levantas-te, os comprimidos na gaveta, não te esqueças dos comprimidos, quinze por dia, cinco de manhã, cinco ao meio dia, cinco ao jantar, hoje, já passa do meio-dia, deves tomar os da manhã e os do almoço? Encolhes os ombros, e tomas dez. Vais outra vez à janela a ver se ele ainda estará vivo, é bem capaz, ocorreu-te agora a ideia, de estar ele por trás da janela a troçar de ti.
Sais todas as manhãs de casa, atravessas a rua para lhe dar bons dias, e tentar meter conversa, se ele está a distância conveniente, o que, de vez em quando, acontece. Aos teus bons dias, faz o asno o favor de responder, quanto a conversa fiada muitas vezes não consegues arrancar-lhe uma resposta de mais de dois ou três monossílabos, não, sim, pois, pois é, pois foi, tirados a custo, sem levantar a cabeça nem interromper o trabalho. Ainda assim, encostas-te ao muro, e ali te demoras a dar as notícias da rádio ou ouvidas nas idas às compras, e que não chegam ao Austero, que não sai dali, do meio jardim meio quintal, não ouve rádio, não lê jornais, ele nem sabe que a televisão existe. Quando te acabam as notícias do dia, e já acrescentaste algumas por tua conta, fazes um compasso de espera, ficas a olhá-lo por mais algum tempo, e até logo! O Austero moita, encolhes os ombros, suspiras fundo e vais às compras. Só tu tens pachorra para tentar civilizar aquele penedo abandonado do mundo. Vá lá, suspira outra vez. Isso mesmo.
O Austero, reconheça-se, tem um jardim invejável, é a sua obsessão, o seu mundo. Há muito que deixou de se interessar pelo que se passa para lá dos limites do seu território. Os mantimentos encomenda-os ao carteiro, que por ali passa diariamente a fazer o seu trabalho, tão antigo como a história, e se incumbe, quando lhe pede, de lhe comprar os remédios na farmácia mais próxima, a dois quilómetros dali.
O espaço ocupado pelo jardim e pela horta é relativamente pequeno, uns vinte de frente por quinze de comprimento, mas preenche-lhe o tempo todo. Se alguém, geralmente as mulheres, passa e pergunta, apontando que flores tão bonitas são aquelas ali, o mais provável é que ouça resmungar uma pequena parte do que o Austero sabe acerca daquelas e de muitas outras de entre os milhões que enfeitam o planeta. São muito raros os momentos em que a concha se abre, mas não para ti, em que ele dá conta, mesmo assim sempre regateada, de alguma satisfação de viver. O que ouves, ouves por tabela, se estás junto ao muro e passa alguém a meter conversa, que lindo jardim o seu, e a fazer perguntas. Raramente vai o Austero além de uma resposta seca, mas, sabe-se lá por que encanto ou intenção, de vez em quando anima-se a testar a atenção que os curiosos prestam às respostas que ele dá. Lembras-te do nome daquelas ali? Pois não te lembras, é normal, fomos por aí fora, andámos às voltas, e era de crer que te esquecesses por onde começámos. Pois é … São azáleas, da família dos rododendros. Até as flores têm famílias…, diz em tom amargo, cala-se, e assim acaba a conversa, vai para dentro, e nem boa tarde.
Há uns tempos, num desses raros momentos de conversa curta, admitiu, talvez em sequência de insistente sugestão tua, que estava a precisar de quem o ajudasse a cuidar do jardim e do quintal, o tempo não perdoa e as forças já não são o que tinham sido. De modo que estava a pensar contratar alguém que lhe desse uma ajuda, não mais do que um dia por semana, talvez até uma manhã chegasse, e até já tinha colocado um anúncio com a ajuda do estafeta. Foi a notícia mais feliz que recebeste depois de todos estes últimos anos de reencontro furtivo após longos anos em que nenhum viu ou soube do outro. Sem preocupações com rosas, hortênsias, azáleas, petúnias, frésias, entre um número sem conta de várias espécies que o mantinham ensimesmado e alheado do mundo e afastado de ti, é agora a altura de se aconchegarem um ao outro, por que não? Afinal de contas tinham nascido e crescido em frente um do outro, quase da mesma idade, mas, com quinze anos, ele era um fedelho mal acabado, que não te entusiasmava nem ele parecia mostrar qualquer interesse por ti, apesar de algumas tentativas que fizeste para o capturar para uns momentos de iniciação. Que idades tinham, então? Oito? Nove? Ficou-lhe desses tempos uma cicatriz no cocuruto da cabeça, que o cabelo encobria, resultado da queda de uma pedra do muro, que se desprendeu quando ele tentava trepá-lo para vir ter contigo. Ele podia entrar pelo portão, sempre aberto, mas preferia sempre trepar o muro e provocar a tua excitação a vê-lo saltar.
Inesperadamente, o Austero teve respostas de dezenas de candidatos quando esperava enorme dificuldade que alguém aparecesse, a última vez que precisara de alguém para lhe reparar um cano de água tinha andado o carteiro Seca e Meca para descobrir quem soubesse do ofício. Agora, passados poucos anos, recebeu respostas de empresas especializadas, de gente que se confessava inexperiente mas cheia de vontade de acertar até mestres em agronomia e doutores em história. Nenhum indicara o preço, salvo um, por sinal o mais habilitado no assunto, trabalhara no município durante alguns anos a cuidar dos jardins públicos. Um achado. O mais espantoso, contudo, é que, quando lhe perguntara quanto lhe teria de pagar pela colaboração, o homem estranhou que o Austero estivesse completamente alheio do que se passava pelo mundo. Por onde é que tem andado? Não costuma ver televisão, não ouve rádio, não lê jornais? Não fala com ninguém? Fala comigo a vizinha, mas tenho pouca paciência para aturar conversas. Não tenho motivos nem curiosidade sequer para saber o que vai pelo mundo. Vivo para o meu jardim e a minha horta, e só a idade me obriga agora a recorrer a alguém para me ajudar. Quanto lhe terei de pagar? A mim, nada. Antes, pelo contrário, terá de ser o senhor a dizer quanto lhe tenho que pagar para trabalhar no seu jardim. Ora essa, um de nós, ou está a ver o mundo às avessas ou ainda não acordou. E beliscou-se. Hum! Creio que estou vivo e acordado. Senhor Austero, é natural que esteja confuso, a alteração aconteceu recentemente, certamente o carteiro não passou, entretanto, por cá. Há algum tempo que não me aparece, é verdade, estou quase sem fármacos e sem soja, sou vegetariano, como da horta, estava a pensar até pedir-lhe a si que fizesse o favor de me fazer essas compras. O mais provável é que o carteiro não volte a passar, informou o candidato. Os correios estão a dispensar pessoal, já ninguém envia correspondência pelos correios, a entrega de volumes está a ser feita por drones, uns falcões artificiais, que entregam e levantam encomendas, voando para onde lhes mandam as instruções que recebem. Acabaram-se os selos, os envelopes… A lambidela na goma para fechar as cartas já tinha acabado há muitos anos, acrescentou Austero para dar conta que não estava tão fora das mudanças do mundo.
E foi assim que o Austero entregou o trabalho e se enclausurou em casa. A princípio ainda dava umas voltas pelo jardim e pelo quintal, certamente a verificar o trabalho realizado pelo oficial contratado, mas desde há dois dias que não o vês.

A porta das traseiras está aberta. Austero! Nenhuma resposta. Espreitas, a medo, para dentro da casa, o Austero está sentado num banco de madeira, no meio da sala, voltado para a janela da frente, a que dá para a rua, fechada, a janela voltada para o jardim está semiaberta, os cotovelos nos joelhos a segurar a cabeça calva, a cabeça pendente para o chão não se desvia com a tua presença. Austero! Austero! E a voz sai-te trémula e enfraquecida pela dúvida do que lhe estará a provocar aquela imobilidade que não reage à tua presença. Avança, vá, avança, coloca-lhe a mão sobre o ombro, Austero, o que se passa? Há quantos anos não lhe pões a mão no ombro? Cinquenta? Uns cinquenta, sim, não menos. Austero levanta indolente a cabeça, fita por instantes a janela, com o olhar distante disse, olá vizinha, e volta, indolente, a fixar o olhar no chão. Austero, que se passa contigo, fala por amor de Deus! Sentes-te doente, Austero? Fiz um mau negócio, diz, e começou pausadamente  a explicar-se sem despregar os olhos do chão.

Fiz um mau negócio, e agora sinto-me a morrer, porque entreguei os cuidados do quintal e do jardim, e o rapaz insistiu que fosse assinado contrato, por mim e por ele, está visto, comprometendo-se ele a cuidar das flores e da horta, por um prazo de três anos, recebendo eu, nota bem, recebendo eu uma retribuição, paga por ele, pelo trabalho por ele prestado. É inacreditável, disseste tu. Pois é, mas foi assim que fiz um mau negócio. Não entendo, mau negócio, porquê? Não tens que te maçar a trabalhar e ainda recebes algum em troca, concluíste tu, entusiasmada com as perspetivas que descortinavas nesta oportunidade imprevista. É verdade, embora seja estranho, mas parece que o mundo está a dar uma volta, inconcebível há pouco tempo atrás. Como há, ao que me disse o rapaz, cada vez menos trabalho e mais gente a querer trabalhar, ganha mais quem fica parado e menos quem vai trabalhar. Ora eu precisava de alguém que me ajudasse mas agora estou impedido, por contrato, de pegar sequer numa sachola.
E qual é o mal? Tens alternativas, … tens mais em que pegar, disseste tu com entoação intencionada, que ele não percebeu ou fez-se desentendido, e ficou calado. Podes renegociar o contrato, não? Pois aí é que está o problema. Assinei um contrato por três anos, se quiser terminá-lo tenho de indemnizar o rapaz, é muito dinheiro …
Mas por que tens tu que pegar na sachola? Disse sachola como poderia ter dito outra ferramenta qualquer … num jardim e  uma horta usa-se muita ferramenta,  faz-se muita coisa … semeia-se, planta-se, rega-se, arrancam-se as ervas daninhas, colocam-se estacas, acariciamos as flores, falamos com elas, sabias? Cuidar de um jardim, ou de uma horta, é um acto de dedicação a um amor permanente, há muita gente que não sabe isso, mas é. Agora …
Agora não podes sequer olhar para elas? Posso, claro que posso, mas é diferente … Assim tanto? Tanto quanto possas imaginar entre pensar em quem amas sem lhe poderes tocar, disse ele com amargura evidente na voz. E ficaram ambos calados por longo tempo, a olhar os raios de sol, coados pelo entardecer, a fugir da janela em frente.
É assim tanto dinheiro que tens de lhe pagar para ele se ir embora? Uns largos milhares … não tenho alternativa. Não me digas que vais pagar uma fortuna para voltar a trabalhar por amor ao trabalho. Não posso acreditar. Dizes bem, por amor ao trabalho com as minhas flores, com a minha horta. Tem juízo, Austero! Com a reforma que tens mais esta remuneração que te paga quem trabalha para ti, podíamos fazer companhia um ao outro e ter uma velhice regalada. Cozinhávamos para os dois, limpávamos a casa, que bem precisa, disseste, mas logo te arrependeste. Podíamos viajar … Podíamos ir até ao norte! Ao norte? Mas o que é que eu ia fazer ao norte?

Ficaste a olhar para ele, sem dar resposta, porque o turbilhão de ideias engendradas pela tua ânsia de recuperar o tempo percorrido por caminhos divergentes atropelava-se numa realidade amarga: a lembrança da tua excitação juvenil de o ver saltar o muro era irrepetível porque não havia nele agora o mínimo interesse sequer de atravessar a rua.
Na altura, ninguém seria capaz de prever o desvio que a queda da pedra solta do muro iria provocar nas trajetórias de um e do outro. Dias depois do acidente da pedra, suturada e sarada a ferida, o Austero espreitou e esperou que tu aparecesses do outro lado da rua para voltar a saltar o muro. Voltou a espreitar nos dias seguintes, mas não apareceste, tinhas ido de férias para a praia. Poucos anos depois, tinha ele crescido por fora e tu muito mais por dentro, começara em ti a ebulição das hormonas, e as esperanças das mães vizinhas, de verem os filhos casados com outro, foram arrasadas quando te foi impossível esconder o teu envolvimento com um fulano, dez anos mais velho, de fortuita passagem pela tua vida, de que te ficou um filho, que há tanto tempo perdeste de vista. Por onde andará ele agora?
Não, não me interessa nem o norte nem o sul, vou pagar a rescisão do contrato porque só assim voltarei a viver. Agora, assim, não vivo porque vivo morto. Tenho uma alternativa, disseste tu com tanto entusiasmo que até ele pareceu despertar do seu torpor: Eu contrato-o para me fazer as compras, as limpezas, cozinhar, há já algum tempo que tinha intenção de admitir alguém. Pagando, claro. Se tiver alguém que faça o que preciso e, ainda por cima, me pague para o fazer, faz-se a transferência já amanhã, tu ficas livre dele e eu fico com mais tempo para vir até aqui ver as flores contigo … se me deres esse gosto …
Seria uma boa ideia, mas não é assim que as coisas estão a funcionar agora, disse-te ele. Para esses trabalhos que referes não há quem os queira executar sem retribuição, aliás, cada vez mais elevada. São os trabalhos que dão a quem os realiza uma sensação de felicidade, de realização pessoal, que têm maior procura e menor oferta. Já há poucos jardins..., e pouco trabalho deste, um género de trabalho que as pessoas pagam para os poder desfrutar, por assim dizer.
A ouvi-lo, mobilizaram-se-te os neurónios com o máximo empenho para descortinar uma derradeira solução, que permitisse ao Austero voltar a dedicar-se às flores e às hortaliças sem cair no incompreensível disparate de espatifar tanto dinheiro para voltar a trabalhar no seu jardim e na sua horta e, sobretudo, conquistá-lo para um final de vida a dois, no mesmo lado da rua.
Espera!, disseste tu. Levantaste a mão direita, olhaste-o fixamente nos olhos compondo um tempo de espera a sugerir que uma ideia ganhava forma e ia saltar dali a pouco. Baixaste a mão, e abeiraste-te dele para lhe dizer como quem conta um segredo: Talvez eu possa mandar fazer um jardim, … tenho algum terreno, pequeno, é certo, mas dá para instalar uns canteiros, plantar umas flores… E transferimos o teu jardineiro para o meu jardim. Que te parece? Parece-me que ele não aceitará, respondeu, serenamente, o Austero, nem desapontado nem determinado, e foi como se, no salto que preparava para dar, reerguesse o muro que ela tentara derrubar. Sabes bem que o meu jardim não é um jardim qualquer. Um jardim é uma construção de amor duradouro, já te disse. E o amor, para ser duradouro, leva muito tempo a construir, aliás, nunca está acabado porque está sempre em construção. Se sabes quantos anos tem este jardim, podes avaliar a sensação que um amor tão antigo pode suscitar em quem está nele envolvido. Está decidido, vou pagar a rescisão do contrato. Afinal de contas para que quero eu as poupanças que juntei ao longo da vida? 



Sunday, December 10, 2017

NO PAÍS DOS BOYS

"Câmara de Lisboa vai ter 124 assessores e secretárias para apoiar 17 vereadores e já começou a assinar contratos. Alguns eram candidatos autárquicos que não foram eleitos." 

Vi esta notícia referida aqui.
O abuso que governantes centrais e locais fazem de dinheiros públicos para emprego de correlegionários, amigos, familiares e coniventes vem de longe. Como em outros aspectos da vida pública, a imoralidade anda de mãos dadas com a conivência das conveniências e a par da falta de exigência de civismo colectivo. Que vingam com um generalizado encolher de ombros e a conclusão adquirida como inamovível de que "todos fazem o mesmo".

Se a notícia tem fundamento, que posição tomaram ou vão tomar os vereadores da oposição na Câmara de Lisboa? Calam-se todos? 
É o mais provável: O PSD/PPD e o CDS porque, também eles, têm clientelas partidárias e interesses particulares envolventes à espera de oportunidades futuras , o PCP porque, para os comunistas, quanto mais gente mamar  do Orçamento mais se engrandece o Estado.
E o BE é outra vez parte do governo camarário em Lisboa.

Valha-nos Centeno, presidente do Eurogrupo, agora atado de pés e mãos aos limites impostos de fora. 
A nossa independência, e o que é isso?, é um perigo. 

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Correl. -
A redução da dívida é absolutamente fundamental (Público - 10/12/2017)
O calcanhar de Centeno  (26/8/2017)
O calcanhar de Centeno - 2 (1/9/2017)

Saturday, December 09, 2017

ASSIM VAI O BRÊXIT


Segundo os britânicos.

"As expectativas estão em baixa. Até os que votaram pela saída da UE, receiam agora um mau negócio. Mas, em vez de alterar as suas opiniões acerca do Brêxit, culpam o governo."



c/p Economist

"Se não receio o erro é porque estou sempre pronto a corrigi-lo"
 - Bento Jesus Caraça

Mas, geralmente, a espécie humana não muda de credo, nem de clube, nem de partido. E, pelos desaires, acusa os árbitros.

Wednesday, December 06, 2017

TOUT VA TRÈS BIEN, MADAME LA MARQUISE


"Primero fue la Eurocopa, en enero llegó la ONU, en mayo la Eurovisión y este diciembre el Eurogrupo. Portugal copa los titulares de los medios para incredulidad de los expertos en la materia. Al margen de los éxitos por las habilidades con el balón y con la canción, las direcciones en la secretaría general de la ONU y en el Eurogrupo revelan unos triunfos de la diplomacia lusa que van mucho más allá de su peso económico. En enero António Guterres tomó posesión de la secretaría general de la ONU y este diciembre Mário Centeno presidirá el Eurogrupo, el sanedrín de los ministros de Finanzas de la zona euro..." aqui


"... A líder parlamentar interina do BE duvidou que a eleição do ministro das Finanças português altere a natureza da instituição e o poderio alemão. "A pergunta que os portugueses fazem é se será Mário Centeno, por ser português e pertencer ao PS, pode fazer a diferença nesta instituição que só tem representado ataques à democracia e mais austeridade. Entendemos que prevalece a natureza da instituição", disse Mariana Mortágua, que falava aos jornalistas no parlamento.    O PCP considerou que a eleição nada traz de positivo para Portugal e advertiu que combaterá eventuais tentativas do Governo de acentuar restrições ao investimento público. "O PCP alerta para o uso que o Governo do PS, no quadro das suas opções e em sintonia com as do PSD e do CDS, venha a fazer desta decisão para acentuar a recusa ou limitações às medidas necessárias ao desenvolvimento do país", afirmou o eurodeputado comunista João Ferreira. O Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) reagiu "sem surpresa", alertando que Portugal não deve sujeitar-se a uma "submissão maior" à União Europeia. "Os Verdes reiteram a sua preocupação, no sentido de que esta eleição não venha a representar, em qualquer circunstância, uma submissão maior à União Europeia e aos condicionamentos da Zona Euro, o que, a acontecer, seria profundamente negativo para Portugal", lê-se num comunicado do PEV."aqui


Tuesday, December 05, 2017

OS BOMBEIROS E OS ABUTRES


Há anos que são reportados factos que não só indiciam como confirmam negócios e burlas  com os incêndios florestais com manifesto envolvimento ou conivência de algumas corporações de bombeiros. Relatos sobre o "Cartel do Fogo" são recorrentes (vd., p.e, aqui) durante a época dos incêndios. Quando começa a época, para além da devastação de bens e vidas humanas, que este ano atingiu níveis de calamidade pública, produzem os oportunistas do costume negócios que um mínimo de exigência cívica colectiva há muito teria extinto. Gente execrável que, pior que os abutres, que limpam o ambiente quando se alimentam, há traficantes semeiam fogo, outros traficam nas compras de equipamentos e materiais, outros assaltam as caixas das esmolas. 

Hoje, foi notícia de abertura na Antena 1, vd. aqui, a suspensão pelo Governo, durante 20 dias, dos reembolsos pelas refeições servidas aos bombeiros no combate aos fogos florestais deste ano arrasador. Foram os bombeiros mal alimentados, e disso se queixaram na altura, com ofertas das populações e, sabe-se agora, o dinheiro destinado ao pagamento de refeições servidas por fornecimentos contratados embolsados por quem participou na tramóia.
Ouvidos alguns representantes das corporações e associações, lançam água em cima do fogo das suspeitas. E no fim, ninguém será culpado nem condenado. 

Onde todos os professores são bons, e as avaliações repudiadas pela corporação, onde quase todos os juízes, por auto julgamento, são bons ou muito bons, ainda que a opinião pública os julgue frequentemente culpados, onde há armamentos roubados e cantinas militares objecto de saque por soldados, sargentos e oficiais, mas a corporação não os denuncia, os bombeiros são muito estimáveis mas não se coíbem, de um modo ou outro de reunirem, a bem das corporações, o espírito de corpo que alberga gente séria e gente sem seriedade alguma. 

Quase cinquenta anos depois, o Estado Corporativo sobrevive ao seu criador.

Saturday, December 02, 2017

VERTICALIDADE E RESSABIAMENTO


Num país onde a generalidade dos empresários se abriga, ou faz por isso, debaixo do chapéu do Estado, mal seguro pelos procuradores alternantes, Belmiro de Azevedo foi, de longe, a mais evidente excepção. Recusando a participação em jogadas de compadrios partidários, perdeu as propostas que apresentou em cursos de privatização de algumas empresas nacionalizadas em sequência do golpe 11 de Março de 1975.

Se as contas referidas num artigo do Expresso publicado ontem aqui* estão certas, e não tenho nenhum indicação em contrário, os comissários políticos a quem foram dados poderes para defender os interesses do Estado, cometeram erros, e, provavelmente crimes, que prejudicaram os interesses públicos em valores incalculáveis, mas, em qualquer caso, enormíssimos.
Belmiro de Azevedo, ainda assim, por inabilidade ou conivência de quem decidiu ou mandou decidir, ganhou, em três tentativas perdidas, muito dinheiro: cerca de 123 milhões de euros.

Provavelmente, ressabiado, o PCP votou contra o voto de pesar pelo falecimento de Belmiro de Azevedo aprovado na Assembleia da República. Não conseguem os comunistas admitir que o Estado é um ente sem capacidade volitiva e os procuradores mais propensos a defender os seus próprios interesses que o bem comum. E que, lamentavelmente para o país onde nascemos e vivemos, empresários com a dimensão e verticalidade que caracterizaram Belmiro de Azevedo, não se vislumbram, por agora.

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"... Houve um tempo em que na Sonae se gracejava sobre a semelhança entre o jornal “Público” e as privatizações. Com o “Público”, Belmiro perdia dinheiro e ganhava inimigos, com as privatizações ganhava dinheiro e inimigos. Belmiro defendia que um grupo industrial poderoso como a Sonae teria vantagens em controlar um banco. E logo na abertura das privatizações tentou o Totta & Açores mas depressa sentiu que o jogo estava viciado. Recusara uma aliança com o espanhol Banesto que se aproximaria depois de José Roquette. A aliança levou Belmiro a abdicar da luta pelo controlo, vendendo a sua posição a Roquette. Em cinco meses, ganhou 3,4 milhões de contos (€17 milhões) e teve a virtude de arrastar no negócio outros 200 acionistas que lhe permitiram representar 12% do capital. No Totta, não quis “prolongar guerras difíceis” e o banco para ele foi “just another business”.
Desafiado por Elias da Costa, secretário de Estado das Finanças à época (1991), Belmiro entusiasmou-se com o BPA, um dos bancos com que a Sonae lidava. Mas acabaria derrotado, indignado com o árbitro (Eduardo Catroga). No BPA, a batalha foi árdua, Belmiro lutou mesmo pelo seu controlo, beneficiando do apoio de um núcleo duro e da gestão do banco.
Quando, em 1994, o BCP lança uma inesperada OPA parcial sobre o BPA, o Estado tinha 24,5% e o núcleo duro de Belmiro dava sinais de incoerência e vulnerabilidade. Num primeiro momento, Catroga alinha com o núcleo de Belmiro e recusa a OPA. O BCP reincide, com uma segunda oferta sobre a totalidade do capital. Catroga está em últimas exibições, quer resolver o dossiê BPA e maximizar receitas. Aceita a operação, desprezando o compromisso que celebrara com o núcleo do norte para a venda das ações do Estado. Catroga desafia Belmiro a lançar uma OPA concorrente. Belmiro desdobra-se em reuniões em Lisboa, desde o primeiro ministro, Cavaco Silva, ao líder da oposição, António Guterres. A OPA avança e Belmiro perde a batalha. No fim, recebeu €60 milhões pelo lote de 7% com o investimento de perto de €40 milhões. Ainda recorreu a tribunal, exigindo uma indemnização ao Estado (€37,5 milhões) por quebra de compromisso. O juiz reconheceu que o Estado criara legítimas expectativas e violara o compromisso com o núcleo duro, mas que a indemnização não se justificava.


Portucel: a hostilidade de Carlos Tavares

Na Portucel, Belmiro registou o desaire mais doloroso por ter comprometido de vez o seu projeto coerente na fileira florestal. O caso Portucel dava uma novela, com namoros desfeitos, traições e um final inesperado. Belmiro reforçara em bolsa até 30%, aprovou a fusão com a Soporcel de que era acionista e desistira no fim por se sentir hostilizado pelo ministro Carlos Tavares. Por sinal, o mesmo Carlos Tavares que Belmiro defendera para ver a dirigir o BPA, quando alimentava o sonho de comandar o banco.
Também neste caso, a visão do Executivo não se encaixou no plano da Sonae. Belmiro contestou desde o primeiro momento o modelo da operação e rejeitaria um aumento de capital que viabilizaria, em 2003, a entrada, como acionista de referência, do consórcio Cofina/Lecta, selecionado após um concurso lançado pelo Governo. Desautorizado, Belmiro estraga o plano de Tavares por achar que a solução “diluía o valor das participações” dos acionistas. Belmiro pressionou o Governo até ao último momento para rever a estratégia, acreditando numa negociação direta com quem já era acionista relevante. Mas não. Tavares avisa que a solução “não privilegiaria um acionista”. Belmiro declara “não estou vendedor, mas não sou um empata”. Tavares desafiara Belmiro a lançar uma oferta geral sobre a empresa, recusando uma negociação particular da posição do Estado. A Sonae queria um controlo sem grandes despesas e afastou-se do processo. A Portucel seria disputada por dois grupos (Cofina e Semapa) e ganho por quem não tinha currículo no sector — a Semapa, de Pedro Queiroz Pereira.
A Sonae deixaria o negócio do papel com muita pasta (€297 milhões) e um ganho de €86 milhões, o mais suculento das privatizações em que esteve enredado. O desfecho levaria a Sonae a vender no ano seguinte a Gescartão. Sempre que se meteu com o Estado, Belmiro perdeu os negócios mas ganhou na tesouraria. E fez a promessa de nunca mais falar com Carlos Tavares...  aqui

Friday, December 01, 2017

DURÃO E CENTENO



Para mim é óbvio que ... "Durão Barroso aceitou o cargo (presidente a Comissão Europeia) porque este é mais aliciante e menos problemático do que o que aqui detinha; o interesse de Portugal é, obviamente, secundário. Santer foi uma grande honra para o Luxemburgo? Prodi foi uma grande honra para a Itália? Não foram." - Jul 2004 / aqui

Mais tarde, ficámos a saber que Durão Barroso, se superou os seus antecessores foi em proveito próprio, e, por esse motivo, foi altamente criticado.


Centeno é candidato e, muito provavelmente, será nomeado presidente do Eurogrupo. 
É bom ou não?
As respostas divergem mas, geralmente, suscitam outra pergunta: bom ou mau, para quem?
Para Centeno será, certamente, bom, na medida e que lhe dará projecção internacional e pode garantir-lhe um eldorado que, em Portugal, muito dificilmente atingiria.
E, para Portugal?

Para Portugal alinho com aqueles que consideram que, enquanto coordenador das actividades de um grupo, e Centeno, a confirmar-se a sua nomeação, não terá competências determinantes nas decisões do colectivo de ministros das finanças da zona euro terá, pelo contrário, mais dificuldades em defender os interesses portugueses naquele forum.
Por outro lado, as obrigações decorrentes do cargo no Eurogrupo diminuirão, necessariamente, as suas disponibilidades de tempo e atenção para as suas responsabilidades enquanto ministro.

Resumindo: Haverá diferenças salientes entre a deserção, por ambição, de Durão e a dispersão, por ambição, de Centeno. Mas, no essencial, repesco o meu comentário de 6 Julho de 2004 à desastrada  passagem de Durão Barroso para Santana Lopes treze dias depois. 

O governo de Santana Lopes cairia daí a cinco meses. Espera-se que os portugueses não esqueçam isto. 

Wednesday, November 29, 2017

O PRÓXIMO HOMEM E A PRÓXIMA HISTÓRIA


Há dias, a propósito de um discurso pronunciado durante a WebSummit, olhei pelo retrovisor deste caderno de apontamentos o que sobre o tema tinha apontado aqui há doze anos. 

E se os indicadores de taxas de desemprego, sobretudo desemprego jovem, observaram, desde  então, recuperações sensíveis, sobretudo nos EUA, os desenvolvimentos entretanto observados ou anunciados em aplicações de "inteligência artificial" apontam insistentemente no sentido que naquela altura se prenunciava: "... O trabalho tornar-se-à um bem escasso, a procura (por parte de quem quer trabalhar por não saber fazer outra coisa) excederá brutalmente a oferta de oportunidades. ... Se assim é, um dia (sabe-se lá quando) quem quiser trabalhar terá de pagar para experimentar esse gozo limitado. Teremos a economia ao contrário... " Muitos preferirão trabalhar, ganhando menos, do que ganhar mais não trabalhando.

Anteontem, numa análise bem meditada sobre o tema das consequências sociológicas dos avanços da tecnologia sobre a redução dramática do emprego, lia-se 
aqui:

" ...Vamos passar por cima da questão prática (como se paga um rendimento básico universal de 10/20 mil a cada cidadão?) e olhemos para a questão moral: faz sentido vivermos numa sociedade sem o pilar do trabalho? Como diz Satya Nadella, vão as pessoas dedicar-se àquilo que gostam de facto? A sociedade do trabalho será substituída pela sociedade dos hóbis? "

Num ponto, porém, fica o articulista, segundo julgo, aquém da evolução previsível: O problema do pagamento de um rendimento básico universal não é uma questão prática sobre a qual se possa passar por cima. Porque,

Repito-me, enquanto Trump, ou outro Trump qualquer, em jogos de guerra apocalípticos com Kim Jong-un ou outro Kim Jong-un qualquer, não fizerem desaparecer a espécie humana (hipótese não improvável), o rendimento básico universal poderá solucionar a questão económica sem solucionar, como argumentado pelo colunista do Expresso, a questão sociológica. 

Temos de admitir que poderá haver sempre quem se governe bem com um rendimento básico, condição necessária mas não suficiente à garantia de paz social em níveis socialmente suportáveis, mas, com a crescente competição de meios não humanos, ocorrerá uma progressão imparável para a ocupação de oportunidades de trabalho em que, ou enquanto, a inteligência humana não for substituída pela inteligência artificial. 


E no limite, neste caso, se sobrar alguma lógica económica, já não contarão os rendimentos mas os poderes de comandar os destinos do planeta. 

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Correl. - Homo Deus: A Brief History of Tomorrow

Tuesday, November 28, 2017

CENSURA E INIMPUTABILIDADE


Pode a divulgação de um relatório ordenado pelo Governo sobre as causas e consequências trágicas dos maiores incêndios florestais ser parcialmente censurada pela Comissão de Protecção de Dados?
Podem os comandos militares, responsáveis máximos pelo roubo de armas em Tancos, por um lado, barrar a entrada da Polícia Judiciária no âmbito das investigações que lhe competem realizar, e , por outro, restringir o conhecimento dos factos já apurados relativamente a um assunto que, por um lado, tanto desvalorizam e, por outro, elevam à categoria de ultra secreto? 

Parece que sim, porque quem deveria intervir na desobstrução dos entraves ao conhecimento público da integral verdade dos factos se entrincheira atrás de leis abstrusas ou medos de fantasmas castrenses, tornando-se conivente ou cúmplice de um clima suspeição de retorno de tentações censórias. 

Isto é, protecção de dados ou obstrução à justiça para alijar as responsabilidades dos culpados. 


CONVERSAS DIVERGENTES

...
...

- E o anúncio público de que o Infarmed vai ser transferido para o Porto não é também um erro a aumentar ao conjunto de falhas, muito graves, deste governo nos últimos quatro meses?
- E o Passos Coelho, quantos erros e falhas enormes não cometeu Passos Coelho?
- Cometeu muitos, e muito graves, certamente. Se quiseres poderemos falar do Passos Coelho. Não sou partidário, não tenho constrangimentos para criticar, ou aplaudir, se for caso disso, qualquer governo. Mas do que estávamos a falar era deste governo, e, muito concretamente, do desconcerto da protecção civil que não protegeu, como devia, as pessoas e os bens atingidos pelos fogos, do roubo, ainda por esclarecer, das armas de Tancos, do surto de legionella num hospital público, ....
- Não houve incêndios no tempo de Passos Coelho?, não houve legionella em Vila Franca? não houve uma política que atingiu sobretudo os mais desprotegidos?
- Houve tudo isso, mas não vamos divergir para aí, senão teríamos de falar do desgoverno de  Sócrates, quando Sócrates sai, já a crise ia alta. Não vamos agora falar de Sócrates, pois não? 
- Não sei se Sócrates fez tudo o que dizem para aí que ele fez. E quanto a Passos Coelho, não leste, na semana passada, que o gabinete anti-fraude da Comissão Europeia contrariou as conclusões do Ministério Público português considerando que a Tecnoforma, de Passos Coelho, cometeu graves erros na gestão de fundos europeus? 
- Li, mas o que é que tem a ver a burla na Tecnoforma com  anúncio da transferência do Infarmed para o Porto? Foi à volta do caso Infarmed que começámos a nossa conversa ...
- Todos os políticos cometem erros. 
- Lá isso é verdade. Mas por essa ordem de raciocínio não se criticam nenhuns, ou, então, embrulhamos-nos em empatar razões apontando os erros de uns contra os erros, erros e roubos, dos outros. Os partidos usarão essas tácticas, as pessoas livres de baias políticas, não.
 - Roubos ... Neste país, toda a gente rouba!
- Tu, também?

Sunday, November 26, 2017

A AGONIA DO TEJO




A seca,  os transvases e os efluentes sem passagem por estações de tratamento de esgotos,
deixaram o Tejo moribundo.

O El País publica aqui uma reportagem - Gretas onde havia água - de que transcrevo a parte inicial:

"Todas las heridas de sus más de mil kilómetros de tronco principal se resumen aquí, a las afueras de Aranjuez. El Tajo, el río más largo de la Península Ibérica, agoniza. Y la sequía, la peor en España de las dos últimas décadas, está dejando más expuestos que nunca sus gigantescos problemas. La imagen en ese punto de Aranjuez lo dice todo: a un lado, el hilo verde y limpio del mermado Tajo; al otro, el negruzco Jarama, con mucho más caudal. Ambos se unen aquí, pero el cauce principal lleva tan poca agua que es incapaz de diluir la contaminación del afluente, que arrastra los desechos de la ciudad de Madrid y su área metropolitana ... "

Leia, veja, e veja se acorda. 

Friday, November 24, 2017

PELOS INTERVALOS DOS PINGOS DA TROVOADA


Há dependências, independências, interdependências, autonomias, auto suficiências, auto dependências, o nosso admirável primeiro-ministro encontra-se em situação de independência atrófica.
Ouvi-lhe dizer, na rádio, esta manhã, (cito de memória) que "não precisa que lhe digam o que deve fazer" "porque ele sabe o que deve fazer". E, ouvindo-o, e conhecendo-lhe o percurso, mais longínquo e o mais próximo, poucos discordarão, ainda que muitos lhe critiquem os meios usados, que tem, até agora, atingido os seus fins.

E, no entanto, esta convicção de independência de influências terceiras e de auto suficiência das suas  capacidades inatas, é persistentemente atrofiada pela insistência com que alguns fantasmas lhe desassossegam os sonhos e descarrilam os objectivos, puxando, cada um para seu lado, a manta em que ele aconchega a tranquilidade do sono.

É o Presidente da República, é a Comissão Europeia, é a srª. Catarina Martins, é o sr. Jerónimo de Sousa, e com este, o sr. Arménio Carlos, o sr. Mário Nogueira, a omnipresente Ana Avoila, além de outros actores, mais ou menos secundários, e os coros desafinados, a incomodarem-lhe o sono, da direita alta à esquerda baixa. Já não é sonho conturbado, é pesadelo.

Pode dizer ao Presidente da República que se cale quando não quer bater palmas?
Pode, mas não se atreve.
Pode dizer à Comissão Europeia que vai continuar a ceder perante a srª. Catarina e o sr. Jerónimo, e aos restantes membros das suas bandas? Não pode.
Pode dizer à srª. Catarina Martins e ao sr. Jerónimo de Sousa que não há volta a dar às exigências da Comissão? Pode, mas por enquanto não lhe convém.
Pode dizer aos professores, aos funcionários públicos em geral, que a antiguidade não é um posto e a progressão nas carreiras deve pautar-se pela avaliação ponderada do mérito? Pode, mas não é capaz.

Disse que sabe o que deve fazer, não disse o que pode fazer. E é entre o dever e poder que se ele se enrola numa capacidade amputada de decisão, tentando passar pelos intervalos da chuva de reclamações que agora começaram a cair-lhe em cima. 

Thursday, November 23, 2017

HÁBITOS IMPORTADOS


Tudo o que sirva o impulso do consumismo expande-se como uma praga. 
É bom que assim seja, defendem uns, com isso se anima o comércio e, com a animação do comércio, a economia. Com isso, cresce o PIB, a senha e o salvo conduto para o bem da humanidade. 
Há dias aconteceu o Halloween, o dia das bruxas, os supermercados enfeitaram-se com esqueletos, teias de aranha, bruxas a voar. Um hábito de importação recente a que os portugueses mais novos aderem de ano para ano com notável entusiasmo. A bem do comércio, da economia do PIB. 

Hoje, quarta quinta-feira de Novembro é dia de Thanksgiving, Dia de Acção de Graças, nos Estados Unidos, Canadá, e em mais alguns países, entre os quais o Brasil!
Durante este fim-de-semana prolongado, entre ontem e domingo, mais de 46 milhões de norte-americanos, vd. aqui, atravessam o país para estar com a família e os amigos. Uma celebração com dimensão idêntica à que no mundo cristão têm o Natal e a Páscoa, que, nos Estados Unidos são menos mobilizadores da reunião das famílias.

Em todo o caso, o Halloween, o Thanksgiving, a Páscoa, e, daqui a dias, o Natal e o Fim do Ano, têm em comum um efeito de enorme relevância no crescimento imparável do consumismo.
Tendo os portugueses aderido tão entusiasticamente ao Halloween é esperável que, mais ano menos ano, estejam alegremente a celebrar o Thanksgiving. Entretanto, enquanto o Thanksgiving não chega, já chegou o Black Friday, a Sexta-Feira Negra, no dia seguinte ao Thanksgiving, isto é, amanhã.
E, neste caso, não há justificações históricas nem religiosas: a Sexta-Feira Negra é mesmo para comprar mesmo sem se saber porquê.  Muitos compram o que não precisam, outros vêm pechinchas onde estão truques de marketing.

No fim, cresce a economia portuguesa?
Os que vêm no crescimento do consumismo uma alavanca do crescimento económico, a ala esquerda do trio que apoia o Governo, não querem reparar no desequilíbrio da balança comercial com o exterior, no crescimento do endividamento do Estado e das famílias. O que lhes importa, sobretudo, é o crescimento dos votos que se entusiasmam com as suas promessas.

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A propósito do Thanksgiving: As suas origens nos EUA deram lugar à congeminação de histórias que, geralmente, deturpam, invertem ou obscurecem alguns factos nada merecedores da celebração nacional em que se tornou o Dia de Acção de Graças.
O Economist desta semana explica aqui, de forma sucinta, porque acontece o "Thanksgiving". 




Neste quadro, pintado entre 1912 e 1915, aparecem colonos britânicos, bem ataviados e nobre aspecto oferecendo comida aos autócones que encontraram após o desembarque em terras do outro
lado do atlântico.

A  provável realidade terá sido totalmente inversa: aos colonos, exauridos pelos tormentos da viagem, famélicos e sequiosos, ofereceram os locais comida e água. A esta recepção de boas vindas seguiram-se lutas e contágios que dizimaram praticamente toda a população indígena. Cerca de meio século depois, os colonos celebraram o Thanksgiving, empalando a cabeça do filho do chefe da tribo que os havia recebido depois de terem derrotado os indígenas numa batalha ocorrida em 1676. 

Monday, November 20, 2017

FESTIVAL DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA




Uma receita velha com ingredientes novos.
Que vale a pena ver.

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HONRAS AOS ASSASSINOS


Há três dias foi notícia a morte por doença, aos 87 anos, daquele que, enquanto foi chefe da máfia siciliana até ser condenado a 26 penas perpétuas, terá morto mais de 150 pessoas. A notícia propagou-se imediatamente por todo o mundo, sem deixar de chegar, por qualquer outro meio mediático, às 588 freguesias de Portugal onde ainda não chega internet em banda larga.

Hoje, soube-se que morreu, também na prisão, aos 83 anos, "um dos mais horríveis assassinos do mundo, que queria ser uma estrela rock e estava fascinado com a fama, e ficou inscrito na memória colectiva dos norte-americanos, e até do resto do mundo, depois de um massacre selvático em que foi assassinada a actriz Sharon Tate". 
Queria ser famoso, diz a notícia.
Atingiu o objectivo com honras finais pela divulgação planetária do curriculum com foto na primeira página. 

A ler ou ouvir estas, e tantas outras notícias que chamam os criminosos à ribalta, alguns ficarão a salivar, tramando massacres que os colocarão, transitória ou perduravelmente, no pódio da fama. 
Dos crimes dos grandes exterminadores da humanidade sempre ficou e continuará a ficar registo indelével na História, até que, eventualmente, um último exterminador acabe de vez com a espécie humana e a sua história. Até que tal aconteça, continuarão com os lugares garantidos.

Friday, November 17, 2017

REFERENDO, INSTRUMENTO MAQUIAVÉLICO DOS POPULISTAS


Sobre a consistência da  União Europeia subsistem diversas ameaças, mas a consideração do referendo como instrumento democrático de avaliação da vontade popular pode ser particularmente demolidor de todo o edifício comunitário ainda em construção. 

O referendo que, por escassa margem, tombou para o sim pela saída do Reino Unido e o frustrado referendo na Catalunha que instalou em Espanha, e, por tabela, em toda a União Europeia, para gáudio de Putin e Trump, o fantasma de um retorno de um desentendimento irreversível entre os povos europeus, têm que ser denunciados pelos objectivos que os determinaram: a recusa de alguns em participar num espaço de paz sustentável que, para o ser, tem de ser de comunhão dos mesmos valores primordiais e de solidariedade entre todos os seus povos. 

Entre mais de quarenta apontamentos sobre o tema "Referendo" (para quem a curiosidade for tanta que os queira ler todos, deve clicar no "label" respectivo colocado no fim de cada apontamento) vd. aqui comentários sobre o assunto, em meados de Junho de 2008. Quase uma década depois, mantenho aquilo que, no essencial, foi e continua a ser, a minha apreciação das inconsistências do "referendo" enquanto instrumento de avaliação democrática da vontade popular.



Sobre as prováveis consequências do referendo que veiculou o populismo que desembocou no “Brêxit”, leia-se British politics is being profoundly reshaped by populism publicado no Economist desta semana.