Saturday, December 31, 2016

A QUEDA DE TRUMP COMEÇOU ONTEM

É um vaticínio e uma esperança.

Já depois de ter teclado o apontamento de ontem - O Golpe Contra o Ocidente - soube-se que Trump colocou no twitter uma mensagem de felicitações a Putin :
Great move on delay (by V. Putin) - I always knew he was very smart!

Não é novidade que o conluio entre Putin e Trump vai muito para além de uma admiração pessoal recíproca entre dois líderes suportados pela onda de nacionalismo que eles reacenderam com propósitos idênticos: Putin para se manter indefinidamente no Kremlin, Trump para ser eleito prometendo empregos a quem não vai interessar agarrá-los. Trump e alguns membros já conhecidos da sua administração têm interesses interligados com plutocratas russos que apoiam Putin, e essa, ou maioritariamente essa, é a razão fundamental que está por trás deste facto inédito e insólito de um presidente eleito colocar-se instantaneamente do lado daquele que é suspeito de ter atentado e, eventualmente, continuar a atentar contra os interesses dos EUA, por actividades denunciados pelo ainda presidente em exercício pleno de funções, suportado pelas informações recebidas dos serviços secretos norte-americanos. 

Reporta o Washington Post de hoje que "Russian operation hacked a Vermont utility, showing risk to U.S. electrical grid security, officials say", significando isto que foram detectados factos de que a guerra cibernética desencadeada a partir do Kremlin contra os EUA, e que, neste caso concreto, poderia (ou poderá?) abater, sem exclusão de quaisquer instituições, hospitais por exemplo, de um instante para o outro a rede de energia eléctrica, com o aplauso imediato de Trump ao comparsa, que o ajudou a chegar à Casa Branca, sem cuidar de averiguar as razões do presidente dos EUA em exercício.

Trump não foi eleito pela maioria dos norte-americanos. Porque o actual presidente deixa de exercer funções numa situação em que o desemprego é baixo, muitos dos que votaram em Trump - seduzidos pela oportunidade de emprego em actividades deslocalizadas para o oriente, com a China no centro do alvo - concluirão que, ou os salários serão desinteressantes, ou a qualidade do trabalho não se coadunará com as suas expectativas. E, em qualquer caso, o retorno de actividades de produção industrial, não vai, quando ocorrer, requerer a utilização intensiva de mão-de-obra.  
Trump também prometeu investir na renovação de estruturas desgastadas e construção de novas, e, neste caso sim, precisa de mão-de-obra.  Mas de onde virá essa mão-de obra se os latino-americanos são indesejados, e muitos serão expulsos, os árabes suspeitos, os europeus ocidentais pouco disponíveis, e os orientais amarelos ou castanhos demais para ameaçar a supremacia branca que Trump prometeu aos brancos e brancas que votaram nele?
Talvez da Rússia ...with love from Wall Street.


Correl . aqui

Trump faces the Congressional bear pit over Russia / Lawmakers from both parties likely to resist push for closer US ties with Moscow


Friday, December 30, 2016

O GOLPE CONTRA O OCIDENTE

À expulsão de 35 funcionários a Embaixada da Rússia em Washington DC - cf. aqui - em sequência de conclusões dos serviços norte-americanos de que houve interferência da espionagem russa nas eleições que favoreceram Trump, respondeu Putin que não expulsaria diplomatas norte-americanos em Moscovo preferindo esperar pela tomada de posse de Trump de hoje a três semanas. Percebe-se bastante bem a decisão do presidente russo.


Trump corresponderá a este desembaraço do ex-espião russo com um abraço que embaraçará as relações do novo presidente norte-americano com a CIA e o FBI. 
Presumo que a decisão de Obama, conhecida hoje mas já prevista há dias, irá dominar a reacção dos norte-americanos à política externa de Trump, declaradamente favorável à onda nacionalista e xenófoba que irá dominar a Europa e que pode abalar profundamente a União Europeia e a Zona Euro em particular.

Obama fez o que não poderia deixar de fazer. Com as profundas divergências, neste caso em matéria de política externa, entre a administração norte-americana que está de saída e a que entrará a 20 de Janeiro, à partida vence Putin. Falta-nos saber quem mais cavalgará a onda e engrossará o tsunami populista que arrasará a Europa Ocidental. Se, entretanto, Trump não for apeado por revelações públicas das razões que estiveram na origem das sanções à Rússia anunciadas hoje, tendo em conta a natureza e as consequências dessas relações.

Do que possa ocorrer, a única coisa que não irá dizer-se no futuro é que não aconteceu hoje nada de muito relevante. 

A teclar este apontamento impôs-se-me a pergunta:
Foi Philip Roth premonitório em "The Plot Against America? "
Iremos atravessar em 2017 tempos de grande perturbação a nível mundial, e muito em particular, nos EUA e na Europa. Entretanto Putin, para já, ainda não embarcou. Enquanto o nacionalismo russo desvalorizar a degradação económica do país, Putin tem o lugar garantido e regalar-se-á a ver, do seu resguardado ponto de observação, a desorientação das democracias ocidentais.  

RITA

Rita,

Hoje, já sabes porquê, não vamos poder abraçar-nos nos teus treze anos.
Como a razão da impossibilidade de estarmos contigo não deu tempo de pedir ao Pai Natal a entrega da prenda que lhe tínhamos encomendado, lembrou-se o teu avô de colocar aqui hoje uma gracinha que o Pai Natal não entregou à tua mãe há trinta anos. Com o passar do tempo, passou-lhe o já pouco brilho que possa ter tido então. Ainda assim, aceita-a como uma frágil lembrança, encontrada esquecida há pouco, numa caixinha a pular de beijos dos teus avós. 

10/04/1986

Quando eu tinha quinze anos,
o mundo era pouco mais que a minha aldeia.
Hoje, a tua aldeia, Ana,
é do tamanho do mundo.
Quando eu tinha quinze anos
não sabia tanta coisa banal,
por exemplo,
que Portugal é rectangular, 
e, o que é ainda mais grave, 
que, de forma concisa, 
encosta-se à Galiza
e acaba no Algarve.

Naquele tempo, Ana, minha filha, havia
o Portugal Maior
do Minho até Timor, 
e era Angola,
e Moçambique, São Tomé  e Cabo Verde
e Goa.
País multirracial, multi continental,
capital: Lisboa. 

Sabia lá eu que a Índia nos queria cilindrar!
Se havia Argélia, 
ficaria longe do lugar.
À minha aldeia não chegava Camus
nem os "pied noirs".
A Pátria, Portugal, era indivisível,
una,
ainda que chiasse na ONU
um safadão que havia, um tal Nkrumah,
que não se ouvia na minha aldeia.

Por essa altura, em Roma
compunha-se um Tratado.
E a ideia,
de construir na Europa um só mercado,
não chegava, também ela, à minha aldeia.

Um dia,
disseram que subira ao espaço sideral
o "sputnik",
um foguetão, coisa nunca vista,
mas subversivamente anti-ocidental,
marxista!

Noutro dia
falaram da bomba agá,
dos mesmos comunistas.
Mas, na minha aldeia,
ninguém sabia
para que servia
a bomba agá.
É para matar os velhos, disse o sr. situacionista,
mata tudo, até as pulgas, disse um tipo já gágá.

Incontroverso e oficial,
soube-se que Dona Isabel viria,
ela e o príncipe consorte,
a Portugal.
E que o Senhor General Craveiro
e Dona Berta 
iriam ao Brasil.
Não tudo ao mesmo tempo,
é bom de ver,
que o presidente existe para visitar
 e receber.

Contaram-se anedotas,
a propósito
de não ter para contar mais coisa alguma,
e nem se voltou a ouvir chiar
o tal Nkrumah.

"Libertemos África"!
Angola não fica na África, Angola fica em Portugal,
imbecil!!!


Português, fora de Portugal, só no Brasil,
onde vão Francisco e Berta,
almoçar, jantar, sorrir, dormir e suspirar,
e mais o que acontecer
para divertir.

Nesse tempo, Ana,
via-se o mundo da janela recatada a cortinados.
Passavam homens nas ruas,
falavam de coisas suas,
mas parados, mas calados.

E recordo quando naquele dia,
frio, de inverno,
em que fiz quinze anos,
a minha mãe,
de manhãzinha,
me deu num beijo o que tinha para dar,
que o meu pai enlaçou com um sorriso comedido.

Thursday, December 29, 2016

NOTÁVEL POUCO NOTADO

Em Maio deste ano, Portugal conseguiu, pela primeira vez no conjunto dos países desenvolvidos, produzir energia eléctrica durante quatro dias seguidos sem recurso a energias fósseis. 
A proeza faz parte de uma lista de "52 coisas que desconhecíamos quando começou 2016" publicada no El País. 

Primeiro parque de torres eólicas da EDP no Atlântico

"Un país desarrollado puede funcionar cuatro días seguidos solo con energía renovable. Lo hizo Portugal en mayo." Durante cuatro días de mayo, Portugal funcionó solo con la fuerza del viento, del agua y del sol, según el rastreo en la Red Eléctrica Nacional de Zero, la asociación del sistema terrestre sostenible.
Los cuatro días seguidos funcionando con energías no fósiles, ocurrieron entre las 6.45 del sábado 7 de mayo y las 17.45 del miércoles siguiente: 107 horas seguidos durante las cuales se abasteció la red eléctrica del país con fuentes naturales de energía y sin emisiones de carbono.
Es la primera vez que ocurre algo así en un país desarrollado, uno de los países europeos con más horas de sol, pero también con un bravío océano Atlántico que le ofrece olas y vientos para aprovechar. En Inglaterra y Alemania se dieron procesos parecidos, pero solo durante unas horas."


Wednesday, December 28, 2016

HISTÓRIA FRICCIONADA

“Pode sempre detectar-se um tolo: é o homem que diz conhecer qual é o candidato que vai ganhar uma determinada eleição. Porém, uma eleição é algo de vivo, poderá até dizer-se que não existe seja o que for mais vigorosamente vivo, com milhares e milhares de cérebros, pernas, olhos, pensamentos e desejos, que podem ziguezaguear, voltar-se e tomar direcções que ninguém previra, muitas vezes só pelo gozo de provar que os sabichões estavam enganados. Foi uma das coisas que aprendi no dia passado no Campo de Marte”. - aqui

Interessante, sem dúvida. 

Não sei, no entanto, se consistente com as fontes em que o autor encheu o pote com que cozinhou a sua novela.
A ficção sustentada em personalidades e factos históricos é apelativa, alcança lugares cimeiros nos rankings dos best sellers. Resumindo, num chavão comum "é o que está a dar". O sr. José Rodrigues dos Santos é, por agora, entre nós, o exemplo mais bem-sucedido na capacidade de engrolar a história. Ainda não alcançou a projecção mundial e os proveitos de um Dan Brown mas continua afanosamente a trabalhar para isso.
Não me agrada a História ficcionada porque nem é ficção nem é História mas uma forma de fazer fortuna distorcendo, porque inventando, uma história onde o leitor desprevenido é levado a absorver como realidade aquilo que não passa de ficção. 


Perguntar-me-á: Mas, por exemplo, Shakespeare não recorreu à História para construir a mais grandiosa obra da literatura ocidental? Recorreu, e não tão raramente traiu, mas a sua genialidade é tanta que são quase irrelevantes para o leitor ou expectador os nomes dos personagens. Podiam ser outros e não se perturbava a essência da obra. Para além disso, a literatura como a arte, ou é original ou não é arte nem literatura. Um fulano que hoje pinte como Degas pintava pode ser bem-sucedido (e muitos são) se o fizer como falsário. Se for suficientemente habilidoso mas honesto, assumindo a sua autoria, não venderá as obras que produza pelo preço que lhe custam as telas e as tintas. 

O último período do seu texto é exemplar desta forma insinuante de revisitar o passado e moldá-lo às recentes falhas estrondosas das previsões sobre o Brexit ou a eleição de Trump. 
Tirão, se escreveu o que Harris cita, deve ter, momentaneamente, esquecido que as votações na Roma Antiga dependiam mais da força das armas e do poder do dinheiro que da vontade manipulada pelas redes sociais da actualidade. 

Monday, December 26, 2016

A CABRA, DE RAUSCHENBERG

A quem possa interessar, fique sabendo que a Cabra, aliás "Monograma" (1955-1959)  de Rauschenberg "tem arsénio e uma perna partida" aqui
Tem fragilidades mas pode viajar, segundo os peritos que a examinaram utilizando as mais sofisticadas técnicas habituais no exame de obras de arte antigas. 


Mais ou menos quando Rauschenberg andava a compor a sua cabra com o pneu à volta, a mim encantavam-me os cabrititos que a "Violeta" paria anualmente no começo da primavera.
Se, por premonição impossível,  tivesse, naquela altura, dito à "Violeta" que uma da sua espécie, mas de pelo mais comprido, e com um pneu à volta da cintura, seria um dia objecto de veneração artística, ela nem me ouviria de tão apressada que estava a chegar, de amojo cheio, até junto dos filhotes.
Mas ficaria intrigada por que irracionalidade vale muitíssimo mais, segundo os critérios dos que ditam o valor da arte humana, uma cabra empalhada, de focinho pintado, e com o pneu à volta, do que ela, viva e sôfrega para dar de mamar aos seus cabrititos.

É uma arte menor a arte da natureza?, terá perguntado a "Violeta" se bem entendi o seu bééé ...!bééé!...bééé! ....

Sunday, December 25, 2016

O AVÔ

Sentou-se o homem, à espera do autocarro das quatro, num dos blocos de cimento que resguardavam a entrada de automóveis a menos de uma dúzia de metros da igreja, e a olhar o espaço à volta começaram a desbobinar-se-lhe as imagens desbotadas pelo tempo, quando na estrada tangente  ao largo acanhado passavam menos automóveis que carros de bois. Agora, atrás de um vinha logo outro lá acima. Sem praga automobilística que ameaçasse quem desse uma salto para a estrada atrás da bola, aquele era um espaço disponível onde, ao fim da tarde, se juntava a miudagem da primária para o jogo com bola de meia. Faziam as equipas, por escolha alternada de quem comparecia, os dois melhores em campo. Os últimos escolhidos, defendiam as balizas definidas com os sapatos, que todos descalçavam por uma questão de princípios democráticos e de poupança do material.  
No espaço agora reduzido a pouco mais de metade, entretinha-se naquela tarde com uma bola de borracha um puto, quatro, cinco anos, fintando adversários que só ele via e rematando contra o muro, mais em jeito do que em força, não fosse a bola ao fazer ricochete escapar-se para a estrada.
Quando a bola veio por capricho ter com ele,  o homem devolveu-a ao pequeno jogador com o pé mais pronto e deteve nele um olhar demorado na tentativa de reconhecer na cara do pequeno  rapaz sinais de alguém do tempo em que o largo era todo deles.
Como te chamas?,
perguntou o homem ao garoto para início de conversa, mas não obteve resposta. O puto continuou entretido com os seus dribles e remates suaves, que interesse tem o meu nome, repara na minha técnica.
E o teu pai, como se chama o teu pai?
Nada, o puto não abria  boca. Esteve tentado  a fazer  um palpite, procurando no rosto do rapaz vestígios dos rostos dos que poderiam ser os dos avós dele, mas conteve-se para não errar, acertando. Tirar alguém pela pinta é arriscado porque há sempre quem não seja filho ou neto de quem lhe disseram que era.
Onde moras?
Respondeu-lhe o jogador com cara de quem não percebeu a pergunta, mas já era, em todo o caso, uma resposta.
Onde é a tua casa?
O puto parou por uns instante a bola debaixo do pé direito, olhou para a casa em frente, do outro lado da estrada, é aquela, disse no atirar brusco da cabeça que já informava o homem de alguma coisa mais.
E a tua mãe, como se chama?
Mas que te interessa a ti, desconhecido, o nome dela ou dele?, repara mas é neste domínio do esférico, respondeu o pequeno jogador com mais dribles e atirar para um golo de levantar um estádio. O homem bateu palmas, em resposta o rapaz redobrou as fintas aos defesas e atirou para o canto inferior da baliza, se atirasse demasiado por cima poderia ficar sem bola, para lá do muro havia um cão a guardar a propriedade vizinha. 
Estava a conversa entre o velho e o jovem neste nem digo nem nego, quando da porta entreaberta da igreja saiu uma mulher, encostando-a atrás de si.
São horas de ir para casa,
avisou a mulher sem que o aviso parasse os dribles e os remates sem defesa possível.
É seu filho?
Filho??? Era bom, era!
Sorriu a mulher entroncada, rosto redondo rosado,  cabelo claro, talvez pintado, comprido, amarrado atrás num carrapito farto, pelos cálculos do homem deve ser mais velha do que aparenta.
Não é mãe, é avó do imparável driblador. É, por assim dizer, a dona da igreja, a igreja está por conta dela ou ela por conta da igreja, não sei se vai dar ao mesmo, o padre, é de São Tomé veja bem, vem, normalmente, para a missa de domingo, cerca das onze, e, depois do vão em paz e que o Senhor vos acompanhe, abala para outra freguesia porque párocos há cada vez menos e paróquias mais ou menos as mesmas. Agora mesmo tinha ela acabado de limpar, arrumar e colocar nos sítios certos os precisos e os paramentos para a missa do galo. Que estava marcada para as dez, a falta de sacerdotes dá nisto, de ter de cantar o galo duas horas antes da meia noite.
A senhora é de cá?
Não senhor, sou russa, mas já cá estou há vinte anos.
Russa ... vinte anos ... não se lhe nota sotaque. Como é que veio cá parar?
Andanças da vida ... que levariam mais que uma noite inteira a contar ... Andei por muito lado aos baldões, compreende?, antes de dar à costa aqui. Em Lisboa juntei-me com um português, que era destes lados, tinha mais vinte anos que eu, faleceu há dois, ... foram os melhores da minha vida ... Com dezassete já tinha uma filha, que é mãe deste maroto ...
E o pai do miúdo é de cá?, perguntou o homem baixando a voz, mas era escusado bichanar porque a concentração requerida nas fintas aos defesas e os remates imparáveis à parede não davam para o puto ouvir, mesmo em tom alto, o que diziam os velhos um ao outro.
O pai dele é de cá, e não é ... Como é que posso explicar isto ... A minha filha é enfermeira, fez agora este mês quarenta e dois, casou e descasou duas vezes antes de emigrar para Inglaterra com um colega, manda notícias de vez em quando e algum dinheiro, e eu cá estou com o neto ... A mim, nunca ela me disse quem era o pai da criança. Insisti vezes sem conta, mas ela amarrou-se a um segredo insondável que não devia ser permitido, as crianças têm o direito de conhecer de quem são filhos, não lhe parece? Dizem para aí que o pai é um fulano de cá, metido em negócios da droga, desaparecido do mapa antes do puto nascer. Quanto a mim, o pai é um médico que trabalhou com ela no hospital, é casado, com filhos, muito conhecido no meio. Aí tem a história a correr rápido da minha vida.
Por instantes, interrompeu-se a conversa entre os velhos, alarmados por ver o jogador correr atrás da bola que se desviara para a estrada em resposta a um remate menos suave contra o muro. E foi nesse relance de corrida que o homem reconheceu, não o do pai, mas o jeito característico de correr do avô do rapaz. Calou consigo a descoberta. Que direito tinha ele de confirmar o que dizia o povo se à avó confortava convencer-se que o neto era filho de médico e não de um traficante de droga?
E o senhor? ... O que é que o faz estar aqui sentado a estas horas a apanhar frio?
Estou à espera da camioneta das quatro ...
Bem pode esperar sentado, porque esta tarde a camioneta não volta a passar ...
Não???
Pois não. No inverno, em vésperas de feriados e fins-de-semana a camioneta das quatro deixou de passar há muito tempo. Não tinha clientela que justificasse o retorno. E hoje é noite de Natal, as pessoas querem estar em casa com a família.
Posso chamar um táxi, não?
Vai para longe?
Ainda vou hoje para Lisboa.
Ui! Conta passar a noite de Natal no comboio?
Se não encontrar hotel por aqui para esta noite.
Hotel, aqui, não encontra mas pode encontrar hospedaria ali em frente. Cama e jantar. Tenho um frango a assar no forno, com batatinhas e cebolinhas. Ah! Temos também uma canjinha do frango para começar a aquecer. Agrada-lhe?  Depois às dez temos a missa do galo. É católico?
Sou crente. Creio que sou ignorante.
Eu era ortodoxa mas ninguém me perguntou por contas quando me propus tomar conta da limpeza e arranjo da igreja. Mas venha daí, vamos para casa, que começa a arrefecer e os anos não perdoam. Edu, vamos para dentro!
Eduardo?
Não, não, é mesmo Edu, só Edu. Não sei onde foi a mãe dele desencantar tal nome.

Avançou a mulher com o neto pela mão para atravessar a estrada, a olhar à esquerda e à direita, o homem,  a olhar a casa de alto a baixo, enquanto atravessava a estrada, sorriu-lhe.
Habitamos no piso de cima, é o único senão da casa, subir e descer escadas sempre que temos de vir cá abaixo. Quando comprámos a casa, comprámos ruínas. Aproveitaram-se as paredes exteriores e pouco mais. Deve ter estado abandonada durante muitos anos, talvez mais de trinta, disse-me um dia a vizinha que vivia do outro lado da rua.
Disse vivia, já não vive?
Ah não... Se ainda fosse viva, pelas minhas contas teria hoje mais de cem anos ... Ora cá estamos nós em cima. É puxado, hem! O frango deve estar pronto, ... as batatinhas ... prove lá esta mas sopre-lhe para não queimar a língua ... está cozida, não está?, bem me parecia. Começamos pela canjinha ... frango da capoeira ... temos uma capoeira ali atrás ... amanhã mostro-lhe. Lá em baixo ...
Lá em baixo foi em tempos uma adega ...
Como é que sabe?
Com uma porta larga deve ter sido porta de adega ...
Ah! É uma suposição?
Neste caso, é uma certeza. Nasci aqui.
Oh céus! Já poderia ter dito há mais tempo ...
Não tive oportunidade. Mas não se perdeu nada com o atraso, ou perdeu?
Não, não, de modo algum. Quando diz que nasceu aqui  quer dizer que nasceu aqui na aldeia, é isso?
Nesta aldeia, nasci aqui ...
Aqui mesmo?
Ali naquele canto, ao lado de onde agora construíram uma casa de banho. Antes, a casa tinha menos profundidade, a casa de banho era lá atrás, no quintal ...
Onde agora tenho as capoeiras?
Presumo que sim. O quintal não era assim tão grande e agora, com o alongamento da casa, é certamente mais pequeno.
Estou, como se diz por aqui, completamente banzada!
Não esteja. A casa é sua, o meu pai vendeu-a tinha eu doze anos, emigrou para França em 64, a minha mãe foi ter com ele dois anos depois levando-nos com ela, a mim, ao meu irmão e à minha irmã. Com algumas economias que juntaram compraram um apartamento na cidade, com melhores condições, vínhamos a Portugal todos os anos em Agosto, e por aqui a visitar os amigos. Depois os anos foram passando, esta casa ficou abandonada às agruras do tempo, um dia destes ainda compramos isto, dizia o Pai, custa-me ver a casa a desfazer-se ... e que fazemos depois? vens para cá? perguntava a Mãe, e o Pai não tinha resposta. Ficámos todos satisfeitos quando um dia, já lá vão muitos anos ...
Vinte?
Talvez vinte, sim, talvez vinte, encontrámos a casa recuperada. Ao meu Pai vieram-lhe as lágrimas aos olhos ... não porque a casa fosse de outrem mas porque alguém lhe tinha dado vida à casa ... ... ...
E o que é que fez vir até cá agora no começo do inverno? Tem casa em França, deduzo ...
Tenho um pequeno apartamento nos arredores de Paris ... Fui motorista de longo curso toda a vida, ainda trabalhei durante uns anos na Citroën, mas do que eu gostava era andar na estrada. Resultado, tive cinco filhos, quase um de dois em dois anos, um dia cheguei a casa tinha a mulher desaparecido para parte incerta ... fartou-se de tantas ausências... percebi ... um homem não deve andar muito tempo fora de casa, não é?
E agora?
Reformei-me, vivo sozinho, reunimos-nos todos os anos pelo Natal. Este ano lembraram-se os filhos de passar o Natal na neve, convidaram-me, insistiram, mas para que iria eu apanhar frio se o Natal para mim só é Natal junto à lareira? A saudade ou o instinto trouxe-me aqui este ano no inverno. Cheguei às dez no comboio, um quarto de hora depois desembarquei aqui. Percorri todos os caminhos da aldeia e quer acreditar que não encontrei ninguém conhecido? Noutros tempos a aldeia era uma alegria, rua abaixo, rua acima, bom dia, boa tarde, para toda a gente. Agora há mais casas arruinadas que com sinais de gente lá dentro.
O que há mais por aqui são velhas ... velhos também há, mas muito menos ... Está bom ou não está bom o franguinho?
Está excelente!
E a pinga?
Uma maravilha... O Edu ... saiu?
Parece-me que se escapou há pouco, talvez tenha ido à casa de banho. Edu! Edu! Edu! Não, na casa de banho não está, onde é que se terá metido o maroto numa casa tão pequena? Edu!!!!!! Vou lá abaixo ao rés-do-chão ...
...
Uf! estava no rés-do-chão, adivinhe a fazer o quê? Pois, é difícil adivinhar. No rés-do-chão temos uma sala ampla com lareira, televisão, essas coisas que não cabiam cá em cima. E um quarto para hóspedes. O Edu ganhou com o avô o gosto de olhar para o lume, passavam horas seguidas à lareira à conversa um com o outro. Ouviu-nos falar, foi colocar madeira na lareira ... de vez em quando apanho cá cada susto com as aventuras dele ...
Mas hoje parece muito calado, não lhe parece?
Quando não conhece as pessoas, é tímido, depois que ganha confiança não se cala. Comigo leva o dia a fazer perguntas, umas em cima das outras, sabe como é?, e depois, e depois, e porquê, e porquê ... agora quer que lhe explique como consegue descer o Pai Natal pela chaminé ... por cá ainda se mantém esse costume.
Edu, diz-me lá o que pediste que te traga  o Pai Natal esta noite? perguntou o homem.
O meu avô de volta..., respondeu sem hesitar o garoto.
Já viu no que estou metida? Como é que  me posso sair desta?  Bom, são quase dez horas, isto fica assim tal como está, arrumamos quando voltarmos ... E passaremos a meia noite à lareira. Depois voltamos para cima porque mesmo com a lareira acesa o quarto de hóspedes não é recomendável no inverno. Faz lá um frio ...

Hombrechtikon, 24 de Dezembro de 2016

Saturday, December 24, 2016

A MAIOR ESTÁTUA DO MUNDO

Está ou vai ser construída na metrópole urbana de Bombaim a estátua mais alta do mundo. Será uma enormidade de 192 metros de altura, duas vezes mais alta que a Estátua da Liberdade em Nova Iorque. Custará o equivalente a 507 milhões de euros e destina-se a glorificar nas alturas um governante hindu que no século XVII combateu a dinastia muçulmana e criou o seu próprio reino.- vd. aqui.

Mais ou menos por essa altura rebelavam-se com sucesso alguns fidalgos portugueses contra Filipe III de Espanha, e muitos anos mais tarde era erigida o monumento aos restauradores em Lisboa na Praça que passou a ter o mesmo nome. E, facto importante para grande parte dos portugueses, o dia da Restauração passou a ser feriado, mas poucos saberão porquê. Eliminado pelo anterior governo, o feriado foi este ano restaurado pelo actual.

O nacionalismo está de volta por toda a parte.
Com a aldeia global a crescer, os nacionalismos acabarão por dizimar parte da população da Aldeia se não acabarem mesmo com a espécie humana sobre a terra.

Resumindo : Na Índia, onde tantos milhões sobrevivem em condições infra humanas, vai ser erguida a maior estátua para glorificação da maior ameaça à existência da humanidade.

MARIANA E OS FUNDOS SEM FUNDO

Leio no Expresso que o BE vai voltar a propor na AR medidas que, intencionalmente, pretendem evitar que das manobras dos banqueiros voltem a resultar rombos infindáveis nos bolsos dos portugueses.
Mariana Mortágua afirma que o BE pretende, além do mais, impedir que os bancos vendam nos seus balcões títulos emitidos por entidades com os quais tenham, directa ou indirectamente, interesses patrimoniais ou relações financeiras interdependentes.
E que a venda de fundos de investimento seja limitada a áreas específicas para o assunto.
Quem pode discordar?

Mas Mariana esqueces-te de, pelo menos, exigir aos vendedores de fundos que assumam por escrito que sabem, sem quaisquer reservas, os ingredientes que compõem aquilo que estão incumbidos de vender.
A esmagadora maioria não sabe, disse-o em situação de aperto, na ressaca dos múltiplos escândalos financeiros que mos cairam em cima, um dirigente sindical bancário a propósito das informações que muitos bancários transmitiram aos seus clientes sem que eles próprios soubessem o que estavam a transmitir.

A venda de "produtos financeiros" traduzidos em participações nos (mal designados) fundos de investimento deveriam ser objecto de controlo e adstritos às consequências dos jogos de casino.
Quem joga sabe ao que vai, se perder não vem o Estado obrigar-nos a nós pagar o que o jogador de casino perdeu.

Estás muito "soft" Mariana.

Monday, December 19, 2016

O CÚMULO DO PRINCÍPIO DO POLITICAMENTE CORRECTO

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- blá, blá, blá, blá
- ... sim, sim, mas a Justiça está a funcionar... Eu acredito na Justiça!

Sunday, December 18, 2016

O JOGO DA CABRA CEGA

"Luís Cunha Ribeiro, antigo presidente do INEM e da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, vai ficar em prisão preventiva. Em causa está o caso conhecido como “Máfia do Sangue”, que envolve um esquema ilícito de compra e venda de plasma sanguíneo".aqui

A ouvir um programa da Sic Notícias, depreendo que as actividades da "Máfia do Sangue" vêm de longe, que Cunha Ribeiro foi nomeado, convidado, confirmado, ao longo da sua carreira por políticos do PS e do PSD, que muita gente sabia disto, que, para além da viciação dos concursos, os mafiosos cometiam o crime hediondo de mandar para o lixo as doações de sangue recebidas  para, deste modo, aumentar os volumes de compras de plasma à Octapharma.

E que Cunha Ribeiro neste caso - O negativo (o MP tem bons especialistas em títulos - é parte de uma quadrilha poliédrica que se alastra pelo menos à Operação Marquês e aos Vistos Gold, tendo nos vértices, além de vários outros, Lalanda de Castro, entretanto detido na Alemanha, representante da Octapharma,  Miguel Macedo, envolvido nos vistos Gold, e José Sócrates apanhado em tantos casos, ou em caso nenhum se no fim de tudo ninguém for apanhado por nada ficar demonstrado como a lei requer. 

Se assim for, como muito se receia que seja, ficarão para a história como geralmente bem apanhados os títulos dos casos dos passarões que o Ministério Público levanta mas depois erra a pontaria.
Acerta em passaritos.

Friday, December 16, 2016

O TRIUNFO DAS PIPOCAS


Ontem, ao fim da tarde, o trânsito arrastava-se pela Avenida Liberdade acima. É difícil perceber as vantagens das alterações introduzidas na rotunda do Marquês. 
Em frente do Cinema São Jorge, desfilaram na nossa memória as sessões de cinema, à tarde ou à noite, a ida ao cinema era mais do que isso, era uma oportunidade de convivência com amigos e conhecidos. Hoje, as salas de cinema são buracos, de assistência geralmente escassa e ensimesmada na ingestão de pipocas em multi sessões contínuas. 
- O que é que há agora no São Jorge?
Batemos a esta porta e ficámos a saber que, amanhã 17, há, para quem goste, o MEEDOOL, uma reunião de YouTubers. A entrada é barata: cinco paus. 
E mais não haverá até ao fim do ano.
Em 2017, ainda ninguém sabe o que irá acontecer, esclareceu-nos a bilheteira. O São Jorge não tem programação, anda à deriva. Pode acontecer um festival de cinema, da vodafone ou outro fone qualquer, um concerto, um não sei que mais, mas mais não sabia quem agora está a vender bilhetes para o MEETDOOL.  
O São Jorge é propriedade do município, adquirido no tempo em que o sr. João Soares, fugaz ministro da Cultura do actual governo, era presidente do município por promoção do titular à presidência da República. 
A sobrevivência do São Jorge está garantida, custe o que custar, mesmo que agora sirva para pouco ou quase nada.



Hoje, a Antena 1 informa-nos que Luís Miguel Cintra anunciou o encerramento definitivo da Cornucópia,  no próximo sábado, após 43 anos de actividade, "por respeito com o público"
Há dias, - vd. aqui - informava João Lourenço os espectadores do Teatro Aberto que a Câmara (Emel) tinha passado a tarifário vermelho a zona de estacionamento junto ao teatro que dirige há muitos anos.


Nunca defendi que o teatro, enquanto arte cultural, deva depender de subsídios mas de contratos de prestação de serviços com objectivos a atingir e retribuições adequadas. O que também sempre tenho defendido, e defendo, neste canto escondido, é a obrigação das estações de rádio e televisão do Estado promoverem eficazmente ( e eles têm obrigação de saber como isso se faz) as actividades culturais e, nomeadamente, as das companhias de teatro com objectivos contratados com o ministério da Cultura.

Lê-se aqui : "A arte e a cultura estão no coração de Lisboa. Descubra tudo o que o Cinema São Jorge tem para lhe oferecer, com uma programação variada."
Não é verdade!
Uma inverdade que custa o que faltou na Cornucópia, por exemplo.

Thursday, December 15, 2016

IMPOTÊNCIAS DEMOCRÁTICAS


"No final do ano passado, o Sporting enfrentava uma situação complicada. Os 55 milhões de euros de Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC) que tinham sido emitidos em 2011, e adquiridos em partes iguais pelo então BES e pelo Millenium BCP (cada um com mais de 27 milhões), iriam converter-se em acções da SAD sportinguista a 17 de Janeiro deste ano, caso o Sporting não os pagasse. Esse cenário não agradava nem ao clube, nem aos bancos. Por isso, foi acordada a extensão do empréstimo até 2026, com um aumento de 0,5 pontos nos juros, para 4%. Ou seja, a dívida continua nos bancos".


"O cidadão Francisco Calado Cordeiro indignou-se com aquilo que considera ter sido um "perdão de dívida" do Novo Banco aos leões – o processo é especialmente sensível porque a instituição foi recapitalizada com dinheiro público – e redigiu uma petição que recolheu mais de quatro mil assinaturas, requisito necessário para ser discutida no plenário da Assembleia da República. Os peticionários exigem que o Sporting pague "uma taxa de juro de mercado" ou que "recompre os instrumentos ao preço facial". A discussão está marcada para amanhã à tarde". - aqui



"O debate teve lugar esta tarde e, tal como se antecipava, o Parlamento nada vai fazer para intervir nessa operação. Porém, PCP e Bloco de Esquerda deixaram críticas à forma como a banca actua nestes processos. - aqui



Entretanto,

"O Sporting informou esta quinta-feira que vai ter de pagar 12 milhões de euros ao fundo de investimento Doyen, depois de o Supremo Tribunal da Suíça ter recusado o recurso interposto pelo clube da I Liga portuguesa de futebol". - aqui

O Sporting não é caso único!
Claro que não. Assaltantes dos contribuintes há mais que moscas. 
E na Assembleia da República, de uma ponta à outra do hemiciclo, desculpam-se os impotentes pilatitos.
A uma pequena ou média indústria teriam os bancos exigidos os avales pessoais dos sócios e dos cônjuges. Que, não raramente, perdem tudo o que investiram e o que não investiram no negócio.
Perguntas inocentes: 
Já alguma vez foram exigidas pelos bancos recapitalizados com capitais públicos garantias pessoais aos donos da bola?
Se nem a Assembleia da República nem o Governo podem contrariar estes desaforos com que, impunemente, nos assaltam os bolsos, quem pode por termo à prática destes assaltos? O sr. António Guterres, Secretário-Geral da ONU? 

Wednesday, December 14, 2016

OBRAR E ANDAR EM LISBOA

"Leilani Farha é Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) e esteve em Portugal com a missão de avaliar o impacto das medidas de austeridade nas populações vulneráveis. Foi às “ilhas” do Porto, ao bairro 6 de Maio (Amadora) ou ao bairro da Torre (Loures) “onde não há luz há dois meses” e onde “a comunidade cigana também não tem água”, conta. “Vivem no escuro. E estava tão escuro. Vivem com lixo ao lado. São condições muito, muito duras”, confessa a também directora-executiva da ONG Canada without Poverty." - aqui

Não houve, seguramente, intenção irónica na quase coincidência da publicação, ontem, da entrevista do Público a Leilani Farha - "Relatora da ONU sobre habitação em Portugal: “Algumas das condições que vi são deploráveis” - e a notícia que correu mundo no mesmo dia do juramento de António Guterres como Secretário-Geral das Nações Unidas a partir de do próximo 1 de Janeiro. Nem a exposição de uma vergonha empalidece minimamente o esplendor da outra. Mas o contraste evidencia-se.

Lisboa está há largos meses enredada em obras que, pelos vistos, muitos aplaudem, a maioria resigna-se e outros, entre os quais me incluo, considera, na sua maior parte uma campanha para sustentar uma política de fachada. Reduziram faixas de rodagem no eixo central da cidade para encaixar canteiros de relva ou heras que a secura do verão e as limitações do orçamento acabarão por impor o que impõem a outros espaços mal mantidos e, não raramente, mal limpos. É a política nacional de obrar de andar. Mas obrar onde obrar enche o olho porque as mazelas nas zonas marginais varre-as a vereação, esta e as outras, para debaixo da câmara.

Estamos a cerca de um ano das próximas eleições municipais e a eleição do actual presidente parece tacitamente aceite pelos partidos da oposição, um porque ainda não tem candidato, outro porque, sem coligação a candidata concorre para o concurso dos outdoors. 

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Do Teatro Aberto, uma obra construída pela C M Lisboa, acabo de receber uma informação que revolta quem gosta das artes do teatro. Transcrevo:

"Informamos os nossos espectadores que a zona de estacionamento 023, onde está o edifício do Teatro Aberto, mudou de horário e tarifário passando a zona vermelha paga até às 01 h do dia seguinte. Estamos a trabalhar para reverter esta decisão que sabemos de grande transtorno para os nossos espectadores. Contudo, não podíamos deixar de chamar a atenção para esta alteração inesperada que esperamos ver anulada com a maior brevidade"

São poucos os portugueses que gostam de teatro. É lamentável, mas é verdade.
São poucos os votos.
Serão tão aliciantes as receitas que a Câmara espera cobrar naquela reduzida zona vermelha? 

BOA SORTE!



Anteontem, o juramento de António Guterres como Secretário-Geral das Nações Unidas nomeado para exercer funções a partir do próximo dia 1 de Janeiro, foi notícia destacada nos principais media de todo o mundo. Tratando-se, embora, de uma enorme vitória pessoal, foi comungada com regozijo por todos os portugueses e, certamente, muito especialmente pelas comunidades portuguesas emigrantes. Que a sorte de poder atingir os objectivos que anunciou no seu discurso nunca o abandone e não o atinjam os intentos daqueles que o irão torpedear.  

Dele, disseram que o vêm como o Papa Civil e o cognome parece pertinente: a instituição é extremamente complexa e o poder de a colocar ao exclusivo serviço da paz é ínfimo perante as posições inabaláveis de uma parte determinante dos seus membros.  

Tuesday, December 13, 2016

EUROPA ENSANDUICHADA

Sunday, December 11, 2016

EU CHOREI POR TI, DANIEL BLAKE



O nacionalismo alimenta-se da ausência, ou da fragilidade, das estruturas sociais que apoiem os marginalizados pelo crescimento da aldeia global. A humanidade ou será globalmente solidária ou explodirá numa guerra total. O Estado Social não é um instrumento obsoleto insustentável porque é a única via que pode garantir a sustentabilidade da espécie humana.  

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ESTÁ OUTRA VEZ O BURRO NAS COUVES

"Economistas do FMI realçam que ainda não é hora de pânico, mas de reforçar vigilância sobre preços. Portugal registou a 15.ª maior subida anual entre mais de 60 países analisados"aqui

Os economistas do FMI não são muito fiáveis: uns dias dizem que sim para no dia seguinte garantirem que não.  Neste caso, o aviso não é falso. Que os preços do imobiliário têm subido para níveis entusiasmantes, ninguém, que esteja minimamente atento, deve duvidar. Que essa subida seja generalizada, não deve ser verdade. Se fosse, não estaria a banca portuguesa em geral tão aflita com o peso de tantos calotes, imparidades é mais fino mas o google não reconhece e ... sugere-me impuridades.  

O que é que sobe? Sobretudo o que é mais caro. 
Quem compra? Quem tem dinheiro ou consegue crédito.
Como as taxas de juro subsistem, em termos reais, a níveis negativos, e a bolsa é um porta-moedas a cabriolar em quedas medonhas para o tamanho que tem, o imobiliário é a saída natural para quem, além do mais, é assustado com a instabilidade política na Europa a ameaçar o euro, a anemia da economia, a reestruturação da dívida (se acontecer alguém acredita que só atinge os outros?). Tudo isto e mais alguma coisa a acrescentar ao impulso, de consequências futuras imprevisíveis, que a entrada de investidores financeiros estrangeiros, fiscalmente beneficiados, provoca nas zonas turisticamente mais atractivas.

Correl . - vd. aqui

Friday, December 09, 2016

DRAGHI NÃO CHEGA PARA AS ENCOMENDAS*

Concordo com a leitura que faz da mensagem de Draghi.

Draghi tem desempenhado com bastante competência e ousadia quanto baste para manter em funcionamento a caranguejola europeia. Tivesse sido o seu antecessor menos atento venerador e obrigado ao diktat alemão e o desastre das dívidas soberanas europeias não teria atingido, irremediavelmente, os níveis desastrosos que atingiu.

Em resumo: Draghi tem cumprido e promete continuar a cumprir.

Mas o cumprimento de Draghi não chega para as encomendas, que a outros competiria cumprir mas não cumprem. E a Europa, atingida de novo pelo vírus nacionalista, com agressivas estirpes racistas, que a destruiu na primeira metade do século passado, é outra vez o mesmo sonâmbulo a caminho do abismo.

O grotesco da ironia deste destino europeu avalia-se na esperança depositada na chanceler alemã continuar no posto e conseguir reunir os cacos que, no passado recente, a sua liderança política, ou a do seu ministro das finanças causaram. Afinal, se não for ela, quem pode ser?


Draghi faz o que pode e sabe fazer. Mas não chega para curar a Europa da furunculose que ameaça cobrir-lhe o corpo todo.   

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* Comentário colocado aqui

Wednesday, December 07, 2016

PRESIDENTE DOS ESTADOS DESUNIDOS DA AMÉRICA


TIME escolheu Trump como "Personalidade do Ano". 
Nada mais óbvio.
À ironia da legenda na capa, "Donald Trump - Presidente dos Estados Desunidos da América" twitou imediatamente o espertalhão que, não sendo ele ainda presidente dos EUA, não lhe serve a carapuça.

Para ele, obviamente, o tamanho maior, sff. 

Monday, December 05, 2016

HÁ GENTE PARA TUDO*

Acontece com alguma frequência ao meu perclaro e muito estimado amigo António PC zangar-se com os jornalistas que abusam da sua paciência escrevendo ou transmitindo em doses enjoativas notícias, geralmente tragédias porque as boas notícias vendem-se pouco, que exploram até ao tutano. A tragédia do Chapecoense é apenas o caso mais recente desta degustação do horror servida em doses infindas.
  
Percebo-lhe bem a indignação mas parece-me que lhe falta algum tempero.
Os jornalistas são produtores de serviços que colocam à disposição da apetência dos seus clientes. Sem clientes com apetite para os produtos apresentados seriam obrigados a mudar de mercado.
Podemos concordar ou discordar mas não podemos negar-lhe a liberdade de usar o sentido de negócio em contrapartida da nossa liberdade de não os ler, ouvir ou ver. É o que eu faço sempre que o artigo não me atrai.

Conheço muitos fulanos que mamam da Sport tv de manhã à noite e muita senhora e cavalheiro que podem perder tudo menos meia dúzia de telenovelas diárias. Por que não? Posso não gabar-lhes os gostos mas não posso negar-lhes o direito de os terem.

A propósito, recordo-me da história de um tipo bem apanhado que alimentava o cão com sopas de cavalo cansado.

- E não lhe faz cair o pelo?, perguntava um
- E não lhe arruína o fígado?, queria saber outro
- E não lhe tolda o faro nem a vista?, estranhava um terceiro

- Porquê sopas de cavalo cansado e não aquilo que os cães costumam comer?, perguntou o mais cientista dos perguntadores
- Porque este cão do que gosta mesmo é de sopas de cavalo cansado.

É assim, penso eu, que pensam os jornalistas, colunistas, comentadores e outros com ofícios afins. 
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* Comentário colocado aqui

Saturday, December 03, 2016

O JOGO DOS MAÇONS PINGAS

Variante do JOGO DA CABRA CEGA

A história já tem barbas notáveis.
Apontei-a aqui. Hoje o DN publica mais um capítulo aqui juntamente com a notícia de estarem escamados os maçons - vd. aqui - com a ultrapassagem que lhes fizeram os da Opus Dei na curva do Montepio e que - vd. aqui - segundo Fernando Lima, Grão Mestre de Não Sei Quê, "muitos melhores no país foram ou são maçons". 

Toda esta lavagem de roupa, ou pouco limpa ou nada transparente, a propósito da eleição que deverá ocorrer a 10 de Junho do próximo ano do substituto do próximo, ou do mesmo, venerável Grão Mestre. Perfila-se como candidato, mas há mais, o sr. Adelino Maltez, "republicamente monárquico", segundo ele mesmo. 

O artigo do DN termina desta forma deliciosa:

"A maçonaria está sempre envolvida em polémicas mas as mais recentes não envolvem o Grande Oriente Lusitano mas sim uma outra obediência, a Grande Loja Legal de Portugal (GLLP). Foi dentro desta obediência, na loja Mozart, que Nuno Vasconcelos, patrão do grupo de media Ongoing, conheceu Jorge Silva Carvalho, então chefe do SIED (a secreta externa). Silva Carvalho passou a Nuno Vasconcelos informação classificada e foi por isso condenado por violação de segredo de Estado."

Pena suspensa, evidentemente. É para isso que valem os "melhores irmãos", não?


A COMÉDIA DA CAIXA ROTA - ENÉSIMO ACTO

A Caixa continua a indignar-nos, os pategos que somos coagidos a  pagar bilhetes para ver uma comédia que não queríamos que acontecesse. 
Dizem-nos alguns que não podemos dispensar a Caixa, porque a Caixa é indispensável como serviço público - o critério de fixação do seus objectivos não pode ser a maximização dos resultados na conta habitual .
Dizem outros que a Caixa é fundamental para o equilíbrio do sistema financeiro, um argumento excessivamente subtil para quem lê os desvarios, os abusos, as incompetências, as conivências, os ludíbrios que se têm abrigado impunemente na Caixa. 
Acrescentam outros que a Caixa é necessária mas os seus objectivos não podem ser outros senão os que são prosseguidos por qualquer banco com que concorre - maximizar a remuneração dos capitais que gere. 
Para quê, então, a Caixa pública?

Paulo Macedo, o indigitado próximo presidente da Caixa vai defrontar-se à entrada com 3 mil milhões de prejuízos. De quem teve engenho e arte para carrilar a Direcção Geral de Contribuições e Impostos espera-se que faça na Caixa o que fez na DGCI: eficiência na cobrança dos calotes. Um banco, simplesmente, empresta o que lhe emprestaram. Emprestar não custa,  o que pode custar é recuperar o emprestado. As perdas da Caixa resultaram exclusivamente da incompetência, conivência ou incontinência dos que emprestaram em seu nome e estão a continuar a cantar para outros cantos. 

No mesmo dia em que mais um acto da "Comédia Caixa" parecia ter terminado com a nomeação de Paulo Macedo e uma equipa em construção, lê-se no Expresso Revista que  a "CGD pagou indemnização de 71 mil euros a Henrique Cabral Menezes - que tinha sido quadro do BPI durante mais de 10 anos - e era presidente do Banco Caixa Geral (BCG) - do grupo Caixa Geral de Depósitos - para este integrar a equipa presidida por António Domingues

Menezes, que não entregou a declaração de património e rendimentos, acompanhou Domingues na demissão, sucedeu em Abril de 2014 a Deborah Vieitas, uma brasileira que ganhava quatro vezes mais que o anterior presidente da Caixa, José de Matos, valor que incluía um prémio, algo que estava vedado aos gestores em Portugal.  Criado em 2009, o BCG nunca gerou uma rentabilidade satisfatória.

Aliás, em Espanha, a Caixa, onde pontificou o actual presidente da Associação Portuguesa de Bancos, e ex-presidente da Caixa,  o desastre não foi menor mas o participante foi alcandorado à presidência no edifício Ceauşescu de Lisboa.

Acabou a Comédia Caixa?
Na Caixa a comédia nunca acabará, a menos que acabem com ela.