Thursday, December 31, 2015

DESAFIOS E EMPECILHOS PARA 2016

E. Catroga reafirma em artigo publicado ontem no Diário Económico - Cinco grandes desafios para a economia portuguesa - as políticas que em outras intervenções públicas considera fundamentais para a continuação da recuperação económica e financeira dos últimos (subentenda-se quatro) anos.

Dos cinco desafios destaco dois - o equilíbrio das contas externas (o único indiscutível objectivo alcançado pelo governo anterior) e a criação de condições para o reforço da tendência da melhoria da poupança nacional bruta (famílias, empresas e o Estado - por se estabelecer entre eles um trade-off que não foi contrariado pelo governo anterior e nada perspectiva que venha a ser considerado pelo actual governo.

O reequilíbrio das contas externas alcançado pelo governo anterior foi óbvia consequência 1) da redução do poder de compra dos portugueses, sobretudo através da redução de salários da função pública e das pensões de reforma, e do aumento de impostos 2) do ocasional aumento da poupança das famílias provocado pelo receios insuflados pelo ambiente pós-espoletar da crise. 
A contribuição do aumento das exportações (muito influenciado pela entrada em funcionamento da nova refinaria da Galp) não é, razoavalmente, creditável a qualquer medida do anterior governo nesse sentido, decorrendo antes de uma reacção (notável, aliás) de produtores portugueses à contracção da procura interna.
À medida que o ambiente de crise se desanuviou retomaram-se gradualmente os hábitos de consumo e alguma recuperação dos salários e pensões começaram a aproximar os saldos das contas externas do seu comportamento normal atavicamente negativo. Porquê?

Era, e continua a ser, inevitável aquele trade-off?
O actual governo ao repor parte dos rendimentos cassados pelo governo anterior vai, inevitavelmente, provocar o aumento das importações líquidas (deduzidas as importações destinadas à incorporação nas exportações) e mergulhar o saldo das contas externas no seu meio habitual, negativo. A não ser que sejam criadas melhores condições de captação da poupança nacional, mas não conheço alguma medida que pretenda atingir este objectivo. 

Ontem, os certificados de aforro fizeram anos: 55, mas já não atraem os pequenos aforradores*. A taxa está agora em torno de 0,9%.  Quanto aos depósitos à ordem, há taxas sensívelmente acima oferecidas por bancos a denunciar dificuldades de captação de fundos a custos inferiores. Foi do aproveitamento destas taxas que acabaram por beneficiar os depositantes dos bancos falidos posteriormente resgatados com os impostos pagos pelos tansos fiscais, continuando impunes os culpados.

E há as aplicações em fundos de investimentos, dizem-nos os seus gestores garantindo-nos que desta vez é diferente. E há quem acredite. E há quem seja bem sucedido. Mas, para onde vai o dinheiro aplicado nos famigerados fundos? É aplicado em fundos estrangeiros, portanto exportado. Concorre para o aumento da poupança bruta sem quase qualquer reflexo positivo na poupança líquida.

Por outro lado um "novo impulso do mercado de capitais", depois dos sucessivos assaltos banqueiros de que foi alvo nos últimos tempos, se o português responder a uma eventual chamada tenho de concluir que há mesmo uma perda geral de memória em Portugal. 
Reconheça-se que tem mostrado muitos sintomas disso, ultimamente.

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Correl . -* Peso dos certificados na dívida de Portugal caiu para metade em 17 anos

Tuesday, December 29, 2015

LÉRIAS


É sempre assim,

O sr. Teixeira dos Santos começou por garantir que da nacionalização do BPN não resultaria qualquer encargo para os contribuintes; Viu-se!
O sr. Vítor Gaspar assistiu impávido e sereno à recapitalização dos bancos portugueses (7,8 mil milhões de euros)  acreditando piamente que os devedores reembolsariam os capitais com  juros a benefício do orçamento. Viu-se, e continuará a ver-se! 
A srª. Maria Luís Albuquerque continua a garantir a pé juntos que da resolução (!?) do BES e a invenção do Novo Banco ficavam os contribuintes livres de encargos; Viu-se, e mais se verá!
O sr. Mário Centeno, garantiu que. com o governo de que é parte importante, não haveria mais assaltos aos bolsos dos contribuintes para resgatar os banqueiros, e não fez outra coisa com a venda do Banif a troco de perdas que, diz quem fez as contas, poderá ultrapassar os 3 mil milhões de euros.
O sr. Carlos Costa, qual Constâncio Segundo por graça do sr. José Sócrates e a benção do sr. Passos Coelho,  não viu nada nem nada lhe cheirou a esturro, continua de pedra e cal a soterrar os tansos fiscais (nunca imaginaria Leonardo Ferraz de Carvalho que o confisco fosse tão longe)  para aguentar os bancos em risco de desmoronamento.

Resolve-se a capitalização do Novo Banco (depois da inteligente resolução que deve custar aos tansos fiscais para cima, e ninguém sabe quanto para cima, de quatro mil milhões) com a devolução à procedência das obrigações séniores emitidas pelo BES?
A capitalização, sim, mas à custa dos contribuintes porque apenas muda a sede onde os resultados da litigância ficam do lado dos tansos fiscais. 

Já agora registe-se que a nenhuma das supra citadas sumidades ocorreu que existe estabelecida uma garantia de depósitos até 100 mil euros, o que não é pouco considerando que cada depositante pode multiplicar aquele valor diversificando por bancos e titulares os seus depósitos. E que a garantia de limites superiores ou para aplicações não claramente tipificadas como depósitos foi feita, em todos os buracos banqueiros citados, à custa dos tansos fiscais.

E os bandidos continuam à solta*.

É incompetência ou trapaça a mais!

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 Correl . - *Vd. "O diabo que nos impariu", de Pedro Santos Guerreiro e Isabel Vicente

ELLSWORTH KELLY



 Ellsworth Kelly (1923-2015)




Monday, December 28, 2015

CORRUPTO COM JUSTA CAUSA


Noticiam os jornais que a Infraestruturas de Portugal, a empresa pública que resultou da fusão da Refer e da Estradas de Portugal foi condenada pelo Tribunal da Relação do Porto a indemnizar um funcionário da Refer que havia sido despedido e condenado por corrupção no Processo Face Oculta  pelo Tribunal de Aveiro.

Faltava, faltava?, não sei se faltava, mais esta ficção jurídica: a corrupção com justa causa.
Já havia sido confirmada a existência em Portugal de corrupção com corruptor sem corrompido, p.e., no intermitente Caso dos Submarinos. 
Casos de supostos corrompidos e corruptores à espera de prescrição dos processos ou absolvição em tribunais ditos superiores são quase todos os outros que envolvam gente fina. 
Da corrupção com justa causa da arraia miúda, não davam ainda conta de antecedentes as buscas do google. 

Não deve agora faltar mais nenhuma ficção ao edifício jurídico para, definitivamente, acabar a corrupção em Portugal e reabilitar-nos da vergonhosa posição em que a Transparency International tem insistido em colocar-nos...

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Correl. - Vd. aqui a história de milhares de carris não vendidos mas comprados para vender como sucata. Quem os pagou?
Já advinhou? Foi você, caro contribuinte.


Sunday, December 27, 2015

VOLTO PARA CASA

National Gallery of Art apresentou esta tarde ""I´m Going Home" (Volto para Casa) de Manoel de Oliveira, integrado no ciclo de cinema deste Outono.




Transcrevo do programa:

I’m Going Home Sun Dec 27 (4:00) East Building Portuguese director Manoel de Oliveira, who died this year at the age of 106, created thoughtful, beautiful films until the end of his life. One of his understated masterworks (completed when he was ninety-two), I’m Going Home stars Michel Piccoli as a Parisian actor, still performing on stage in his late seventies, who has to care for a young grandson when his wife and daughter are killed. Changes in the actor’s life are portrayed with skill and restraint, as the camera chronicles his daily routines around Paris. (Manoel de Oliveira, 2001, 35mm, subtitles, 90 minutes

O auditório, com 500 lugares, estava quase esgotado.

Saturday, December 26, 2015

O CÚMULO DO DESCARAMENTO

Continua o anormal desfasamento entre a avaliação do mérito dos juízes portugueses feita por aqueles em nome dos quais os srs. meretíssimos administram a justiça e as atribuições da classe a ela própria. 

Dos 353 juízes avaliados pelo Conselho Superior de Magistratura entre setembro de 2014 e agosto de 2015, foram considerados, vd. aqui:

"muito bons", 127
"bons com distinção", 101
"bons", 105

Ninguém é bom juíz em causa própria, avisa a filosofia popular desde o princípio dos tempos. Enquanto a avaliação do mérito dos juízes portugueses se mantiver na alçada dos seus interesses corporativos, as falhas da justiça continuarão a ser o maior impecilho ao desenvolvimento social do País.  

A talhe de foice, relembre-se que a anormalidade observada  na auto avaliação dos magistrados tem outros companheiros da alegria. Não foi por atendimento da normal distribuição de competências, suportada pela teoria estatística, que o  sr. Mário Nogueira conseguiu impor a anulação das avaliações aos professores do ensino não superior mas por imposição de uma frente comum com desregradas capacidades de negociação. 

E assim se percebe porque sendo tão elevadas, quando existem, as auto avaliações de competência da função pública seja tendencialmente negativa a avaliação da generalidade dos portugueses da qualidade dos serviços que usufruiu em contrapartida dos impostos que paga. 

Friday, December 25, 2015

FILHOS DE ABRAÃO

Não há, certamente, manifestação mais evidente da estupidez humana que matarem-se os homens uns aos outros em nome do mesmo Deus. O cartoon de Kal, que coloquei anteontem neste caderno de apontamentos, não podia ser mais acutilante do cúmulo dessa estupidez.

Num artigo do El País de ontemLa ola de violencia arruina la temporada de Navidad en Tierra Santa - o jornalista sintoniza a sua reportagem aos prejuízos causados à indústria turística por uma guerra milenária entre crentes fanáticos ou coercivamente fanatizados das religiões abraâmicas, monoteístas. 


Na foto, um palestiniano lança uma pedra com uma funda contra soldados israelitas enquanto três homens vestidos de São Nicolau deambulam em direcções opostas. Há dez anos que não se observava em Jerusalém uma onda de violência como esta que se exacerba há três meses entre judeus e muçulmanos . Mesmo no meio da luta fratricida, que nunca teve fim à vista entre os filhos de Abraão, passeiam-se impassíveis os negócios da estação festiva cristã. 

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Correl . -

Cristo nació cinco años antes de Cristo, si realmente nació
Turkey´s vote against Christmas
La ola de violencia arruina la temporada de Navidad en Tierra Santa
Diez canciones para celebrar la Navidad más "sexy"

Thursday, December 24, 2015

O COMPROMISSO

24 de Dezembro de 1948



....
....
- Mãe ... ?
- Diz. 
- Falta muito tempo para Ele chegar?
- Falta, falta. Devias ir para a cama.
- A cama está fria, aqui está mais quentinho, não está?
-  Já tens na cama a botija de água quente à tua espera.
- Só mais um bocadito aqui, depois vou.
...
...
- Mãe, não era melhor tirar as linguiças da chaminé?
- Que disparate! Tirar  para quê?
- Para Ele descer... assim ele não desce porque vê a entrada tapada com as linguiças...
- Hum! Passa bem, nunca se atrapalhou com as linguiças, também não se vai atrapalhar esta noite.
- Vai enfarruscar-se todo ...
- Não enfarrusca nada. Está habituado ...
... 
...
- (aaaaaaaaaan!)
- Não páras de abrir a boca com sono. Vai deitar-ve, vai ...
- Não tenho sono nenhum... Mãe, achas que Ele vem?
- Vem, claro que vem. Vem sempre, todos os anos.
- Vou ficar aqui acordado toda a noite, à espera que Ele chegue.
- Ah!, assim não sei se aparece. Ele gosta de fazer surpresa. Quando chega lá acima, espreita se há alguém cá em baixo. Se vê que há gente não deixa  prenda e segue viagem.
- E se a gente se esconde para que Ele não nos veja?
- Não sei. Ninguém arrisca esconder-se. Ele vê tudo.
...
...
- Mãe, ele é pequeno ou grande?
- Ah! não sei, nunca o vi. Ele não se deixa ver.
- Então como é que sabes que ele vem?
- Porque deixa aqui as prendas.
- Só por isso?
- É. Só por isso. Não chega? Vai deitar-te, se não te deitas ele não desce.
...
...
- Mãe, já sei que prenda ele me traz.
- Já sabes? Então o que é?
- É outro borreguinho de barro ... 
- Pode não ser.
- Então o que pode ser?
- Como é que posso saber? Vai deitar-te, e de manhã sabes.
...
...
- Mãe, eu queria que Ele me desse outra coisa...
- Outra coisa? Que coisa?
- Um aeroplano!
- Um aeroplano? Que ideia é essa? Não tens falado noutra coisa nestes dias. Agora os aeroplanos já não servem para nada. Para que queres tu um aeroplano se a guerra acabou?
- No ano passado Ele deu um aeroplano ao Álvaro...
- O pai do Álvaro é rico. 
-  ... E a mim só me deu um borreguinho ...
- E deu-te umas calças... e umas meias ... 
- Quem deu as calças e as meias foste tu.
- Eu? 
- E calças e meias não são prendas ...
- Então o que são?
- São coisas precisas. Não são para brincar.
- Lá isso é verdade. Mas eu acho melhor que te vás deitar. Se não te deitas, nem um borreguinho desce pela chaminé ...
...
...
- Mãe, por que é que Ele já deu um aeroplano ao Álvaro e a mim só me dá  borreguinhos de barro e coisas assim?
- Porque o pai dele é rico, deve ser por isso, não sei.
- Não é justo.
- O que é que não é justo?
- Se o pai do Álvaro é rico, não precisava que Ele lhe desse o aeroplano....
- E então?
- ... dava-me o aeroplano a mim, já que tu não podes comprar.
- Estás a ser invejoso. Não é bonito. Isso só mostra que estás com sono. Vai deitar-te, vai.
...
...
- Mãe, o que é ser invejoso?
- É querer tudo igual ao que os outros têm.
- Mas eu não quero ter tudo, mãe. Só queria ter um aeroplano como o do Álvaro.
- Então tens inveja do Álvaro...
- Não tenho, não. Não me importo que ele tenha um aeroplano. Só gostava de também ter um.
- Oh!!! Também eu gostava de ter muita coisa e não tenho ...
- Então também és invejosa, és?
- Eu??? Coitada de mim ... Nunca invejei nada de ninguém.
- Eu também não...
- Tu??? 
- Eu também não invejo nada de ninguém. Mas gostava mais que ele me desse um aeroplano que um borreguinho. 
- Agora já estás a dizer sempre o mesmo. O que tu tens é sono. Vai deitar-te ...
...
...
- Mãe, já tenho três borreguinhos, o menino Jesus, Nossa Senhora, o São José, a burrinha, ...
- ... o pastor ...
- ... o pastor ... Já tenho tudo, não tenho? Não preciso doutro borreguinho, pois não?
- Não sei. Tu é que não sais dessa do borreguinho ...
- Então talvez este ano receba o aeroplano...
- Não sei. Mas aeroplano não é coisa que apareça no presépio.
- Porquê?
- Ora porquê ... Tens cada uma. Naquele tempo não havia aeroplanos ou havia?
- Mas agora há, não há? 
- Há, há, e tu deves é ir deitar-te ...
...
...
- Mãe,...
- Ora a minha vida !... Esta noite não dormes, não?
- E tu mãe, não vais dormir?
- Vou, e é para já. Ficas aqui?
- Fico mais um bocadito ...
- Isso é que era bom. Vais para a cama e não há mais conversa.
- Mãe, ...
- Já te disse, não há mais conversa. Vamos deitar, vamos ...
- Mãe, eu queria dizer só mais uma coisa ...
- Que coisa?
- Mãe, eu parti o aeroplano do Álvaro ...
- Partiste o quê? Tu partiste o aeroplano do Álvaro???!!! Como é que tu partiste o aeroplano do Álvaro???
- Foi sem querer ...
- Já percebi: ele deu-te o aeroplano para a mão, tu lançaste o aeroplano ao ar, e era uma vez um aeroplano, foi isso?
- Não... Foi diferente ...
- Foi diferente? Como é que foi diferente?
- O Álvaro levava o avião na saca da escola ...
- Hum!!! E depois?
- Depois eu não sabia que ele levava o aeroplano lá dentro ...
- ... E depois?...
- Ele bateu-me e fugiu ...
- E tu foste atrás dele ...
- ...e dei-lhe um chuto na saca ... 
- ... e partiste o aeroplano...
- Foi isso mesmo...
- E agora queres um aeroplano novo para dar ao Álvaro ...
- Pois, porque se não ele diz que o pai dele vai fazer queixa ao meu pai ...
- E se o teu pai sabe ...
- Pois ...
- Bem ...Vamos para a cama e amanhã tratamos disso.
...
...
...
...
- Tu aqui? O que é que fazes aqui?
- Não consigo dormir ... voltei para aqui para esperar por Ele ...
- ... E para quê se ele nem sabe que partiste o aeroplano?  
- Sabe, sabe. Tu disseste que Ele sabe tudo.
- Sabe tudo mas precisa de tempo. Quando é que partiste o aeroplano?
- Foi na outra semana passada ... Ele teve tempo para me comprar o aeroplano, não teve?
- Como é que eu posso saber? Amanhã, se não tiveres o aeroplano, vou falar com o pai do Álvaro...
- Não, não, não ...
- Porque não?
- O pai do Álvaro não sabe e o Álvaro não quer que ele saiba...
- Mas porque é que não há-de saber? Vocês andavam a brincar, tu partiste o aeroplano sem querer ... não foi?
- Foi, mas eu prometi arranjar o aeroplano ... quando Ele descer vou pedir-lhe muito. 
- Enquanto aqui estiveres ele não desce, já te disse.
- Eu fico aqui escondido, só apareço quando Ele cá estiver mesmo em baixo
- És tonto... Ele sabe que estás aqui, escondido ou não dá no mesmo. E enquanto aqui estiveres não desce.
- Eu sei que ele desce ... 
Sabes mais que eu. 
- Pois sei.
- Ainda estou para ver esse milagre ...
- Então espera aqui comigo.
...
...
...
- Mãe, ...
- Han!?
- Ele já desceu ..
- Ele, quê?
- Desceu enquanto tu e eu adormecemos aqui ...
- Estás a sonhar?
- Estive a sonhar e, quando acordei, vi que ele deixou esta caixa ao teu lado!, e nesta caixa, este aeroplano!
- Hum! Parece milagre ...
- Foi só quase um milagre... 
  ... Milagre mesmo era Ele ter deixado dois aeroplanos!!!....
 ... não era?...

Wednesday, December 23, 2015

IN NOMINE DEI

ou

O CÚMULO DA ESTUPIDEZ HUMANA




"... e tudo começou com uma discussão sobre qual deus era mais pacífico, amável e perdoador"

Tuesday, December 22, 2015

ADIVINHEM QUEM VAI VOTAR O ORÇAMENTO RECTIFICATIVO

Ninguém sabe, pelo que se deduz das notícias, qual a profundidade de mais este buracão banqueiro.
Segundo o Público de hoje "a factura do Banif para os contribuintes pode chegar a 3825 milhões. Desde que foi conhecida a dominical decisão de venda ao Santander os prognósticos têm vindo a ser 
revistos em alta.Nada que não tenha acontecido com os outros buracos já descobertos e que, fatalmente, virá a acontecer com os que falta descobrir. 

O Ministério Público farta-se de olhar lá para baixo e não lhes vê os fundos nem quem os escavou.
Do BPN, de concreto, depois de sete anos de cansativas miradas, apenas de sabe que  ninguém nos pode tirar os "Miró". E vá lá, vá lá, por muito lúcida visão do sr. João Soares, vamos poder ver, vd. aqui, de todo este parece que imparável surrealismo, o surrealismo do Joan em Serralves. Se do BPN, que foi o primeiro a ser descoberto, não há nada de verdadeiramente novo, de toda a esburacação à vista sabe-se apenas que a factura a pagar pelos mesmos de sempre, segundo cálculos feitos aqui, já vai nos 13 mil milhões de euros.

O que  nos vale é o actual Governo da República ter um largo espectro de apoio parlamentar: À esquerda disseram-lhe que não na proposta de manutenção da CES? Voltou-se para o outro lado e recebeu os votos dos srs. Passos Coelho e Paulo Portas. Agora o PCP diz que não aprova o Rectificativo para acomodar o tamanho provisório do buraco do Banif e o BE condiciona o apoio à nacionalização do Novo Banco? O sr. António Costa contará, certamente, também neste caso, com a maioria flutuante de alterne à direita.

E, last but not least,  iremos ter nova oportunidade para assistir a mais uma nova fulgurante exibição de Mariana Mortágua no já anunciado "Inquérito Parlamentar ao Caso Banif". Com aprovação, como de costume, antecipadamente garantida pela maioria. Neste caso, de alterne à esquerda.

Monday, December 21, 2015

PODER E EMOÇÃO








"Esta escultura de entre 200-150 AC,  foi recuperada em 1992 de uma carga de um barco afundado que continha cerca de 200 fragmentos de bronze, a maior parte deles cindida para sucata destinada a reciclagem. A cabeça e o tronco foram encontrados próximos um do outro mas em evidente diferente condição. Enquanto o corpo está recoberto de uma pátina verde amarelecida, e retém detalhes anatómicos subtis  como as veias ao longo do braço direito, a cabeça está bastante corroída, mas a sua acentuada rotação para um lado, as sobrancelhas contraídas, a boca a desenhar respiração imprimem no retrato um momento de inspiração e presença de poder. 

























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A fotografia a seguir foi copiada de aqui.
É de uma obra de Rui Chafes, vencedor do Prémio Pessoa 2015.
Entre a escultura de cima e esta do artista português decorreram cerca de 2200 anos na história da arte.



Sunday, December 20, 2015

PILATOS REVISITADO

As notícias davam como certa a venda do Banif até ontem*. Caso contrário, o mais provável era a resolução do banco ter de obedecer às regras que entram em vigor no primeiro dia do próximo ano.
Que se saiba, o Banif não foi vendido.  
Entretanto, o sr. António Costa já fez saber que vai ser ele a tomar conta do assunto, que os depósitos estão garantidos mas não os bolsos dos contribuintes.

Percebe-se: Se os contribuintes foram metidos em mais este buraco foi o governo anterior (há sempre um governo anterior envolvido nestas coisas) que os meteu lá. Ele, António Costa, não está disposto a mandar o Banif para a falência e correr o risco de incendiar o sistema. Se houver hair-cut nos depósitos acima de cem mil euros será por imposição das normas da UE.

Custe o que custar, voltam a ser os do costume a pagar.

E o sr. Jerónimo de Sousa não se indigna?
A srª. Heloísa Apolónia não se esganiça?
A srª. Catarina Martins não se opõe?
A srª. Mariana Mortágua não pede explicações?
O sr. Carlos Costa não se demite?

Para os banqueiros portugueses há um banco em que ninguém os senta: o banco dos réus.

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* Corrijo - Até ao fim do dia de sexta-feira era o prazo para recepção das propostas dos interessados na compra. A venda pode realizar-se até ao fim do ano.
Corrijo a correcção! - Soube-se esta manhã (21/12) por informação divulgada em Bruxelas que afinal o Banif foi vendido ao Santander. A factura a pagar pelos contribuintes deve rondar os 3000 milhões de euros.

Saturday, December 19, 2015

CUSTE O QUE CUSTAR, SOMOS NÓS A PAGAR

Já o anterior primeiro-ministro tinha por lema ir em frente e quem fosse atropelado  que se calasse.
Agora é este: Custe o que custar, a TAP volta para o Estado, o mesmo é dizer será renacionalizada, mesmo que os accionistas não concordem.

Dir-se-á: ele tinha avisado. Pois tinha. 
E a TAP nunca deveria ter sido privatizada sem que tivesse havido um consenso entre os principais partidos. Mas não houve, e a verdade é que não havia nenhuma obrigação legal do governo que privatizou obter o acordo do partido que poderia vir a governar a seguir. 

Não havia obrigação legal mas havia a obrigação determinada pelo sentido de Estado, uma obrigação de não colocar o governo seguinte perante um facto consumado relativamente ao qual era conhecida a sua discordância. Se, do alto maioria parlamentar que o apoiava, o anterior governo se considerou com inteira legitimidade para finalizar a privatização da empresa nos últimos dias do seu mandato, e o actual executivo, do alto da maioria parlamentar que o suporta, se sente legitimado para, custe o que custar, recuperar uma posição dominante no capital da mesma empresa, o que é que há de errado na origem deste faz-se e desfaz-se que pode custar milhões aos contribuintes, abalar o equilíbrio social e financeiro, ainda instável, da TAP, e transmitir aos investidores externos uma imagem de pouca seriedade quando o país indiscutivalmente precisa do contrário? 

Só há uma explicação possível: a falta de sentido de Estado dos protagonistas que os leva a sobrepor interesses próprios, qualquer que seja a sua natureza, aos interesses públicos, ainda que jurem e trejurem ambas as partes que comandam as suas decisões políticas única e exclusivamente em prol do país. 

Anotei vezes sem conta neste caderno de apontamentos que o sr. Passos Coelho errou quando dispensou o PS de participar na execução dos compromissos que o governo suportado por este partido tinha negociado; Erra agora o sr. António Costa ao persistir numa política de reversão de algumas privatizações realizadas pelo governo anterior em contrapartida dos votos do PCP, no caso da reversão dos contratos de subconcessão dos transportes públicos terrestres, ou de uma opção ideológica, no caso da TAP, que terá enormes custos para o País e para a empresa. 


Friday, December 18, 2015

TRUMP E OS OUTROS

Trump vai de vento em popa.
Os resultados de uma sondagem publicados no Washington Post de há quatro dias atrás revelam que, vd. aqui, "uma clara maioria (60%) de norte-americanos opõe-se à proibição de entrada de muçulmanos no país proposta por Donald Trump, mas a maioria dos Republicanos (59%) aprova-a."
.
Por outro lado, a mesma sondagem atribui a Trump, vd. aqui, 38% das intenções de voto dos Republicanos, bem longe dos 15% do segundo melhor classificado. 
Aonde quer que se desloque, Trump arrasta os media e estes motivam multidões de seguidores que o aplaudem entusiasmados e se sobrepõem às vaias de alguns opositores temerários que apareçam para estragar a festa. Aconteceu ontem, vd. aqui. em Phoenix (Arizona), nada sugere que ao movimento Trump sustentado basicamente na mensagem xenófoba, contra os sul-americanos e os islâmicos, se venha a opor com sucesso alguma tentativa interna para o desalojar como candidato dos Republicanos nas eleições presidenciais de 8 de Novembro do próximo ano.

Pelo contrário, os outros candidatos estão a aceitar jogar no campo e segundo as regras que Trump escolheu, a questão da segregação na imigração está a sobrepor-se a qualquer outro tema. E quanto mais ele exacerba o discurso xenófobo mais aumenta a distância que o separa dos restantes. 

Na Europa, e não só em França, ainda que sejam mais perceptíveis os confrontos que ali se observam,
os dramas dos refugiados procedentes de países islâmicos sensibilizam uns mas aperreiam as animosidades de outros. E em França, Marine Le Pen progride nos resultados eleitorais, obrigando os outros a inclinarem-se para as suas propostas. Marine como Donald ou, porque foi ela quem deu o mote, Trump como Marine. 

A propósito da vaga populista anti-imigração, lia-se, aqui, no Economist desta semana (The march of Europe´s little Trumps) que os partidos xenófobos foram durante muito tempo ostracizados pelos partidos dominantes. E relembra que os grupos populistas anti-imigrantes começaram a formar-se na Europa na década de 60 quando começaram a aquecer os debates sobre o Islão e a integração de imigrantes islâmicos. Os choques provocados pela introdução do euro vieram impulsionar o euro cepticismo e a relançar o debate anti-imigração, colocando-o no centro das atenções e dos confrontos ideológicos com a entrada massiva de refugiados à procura de abrigos na Europa. 

Para onde caminhará o mundo comandado por Trump dum lado e Le Pen do outro, ninguém sabe. 
Esperemos que essa hipótese, possível, não se concretize. 
Os partidos populistas não podem ser ignorados, conclui em título o artigo cit. do Economist.
Falta saber como confrontá-los.

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Ainda a propósito deste tema, dois artigos publicados em Maio de 2013 no Washington Post merecem uma leitura atenta: 


Mudaram-se as vontades assim tanto nos dois últimos anos?


(clicar nas imagens para aumentar)







Na foto - Menores sul-americanos são capturados pela polícia do Texas quando tentam atravessar a fronteira dos EUA com o México

Wednesday, December 16, 2015

O QUE FIZEMOS NÓS DOS ÚLTIMOS 15 ANOS?

A recente divulgação do ranking das escolas secundárias provocou os comentários habituais: genericamente, para uns o ranking é um instrumento útil de avaliação, para outros é um instrumento sem precisão  suficiente para dele poderem ser retiradas conclusões fiáveis.  Depende da perspectiva em que assenta o observador. A mim, subsiste-me uma dúvida: por que razão o ensino secundário privado é geralmente melhor sucedido que o ensino secundário público mas o ensino superior público é, com excepção da U. Católica, geralmente melhor sucedido que o ensino superior privado? 

Entretanto um outro ranking, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) anualmente editado pelas Nações Unidas, foi praticamente ignorado. Com uma evolução que, nos últimos 15 anos, se traduziu numa queda da posição de Portugal na 28ª. posição no Relatório de 2002 (indicadores de 2000) para a 43ª no Relatório de 2015 (indicadores de 2014), o ranking é incómodo. E, sendo incómodo, talvez, dirão alguns, seja pouco fiável.   

A edição deste ano tem a dignificação do trabalho como tema central e inclui o habitual  anexo estatístico, e, como sempre, o ranking do IDH dos países membros decomposto nos indicadores considerados. Vejamos, a voo de pássaro, a evolução de Portugal no ranking  nos últimos 15 anos observada pelos relatório do PNUD de 2002 e 2015.

Mantiveram-se nos primeiros 27 lugares do ranking de 2002, com excepção da Grécia que desceu da 24ª para a 29ª posição, todos os países que antecediam Portugal, ainda que se tenham observado algumas alterações significativas: p.e. A Suécia desceu do 2º. lugar para 14º., a Suiça subiu do 11º. para o 3º. Só a Noruega se manteve o mesmo lugar, de liderança.

Tendo descolado do pelotão da frente, Portugal foi ultrapassado pela Eslovénia, Rep. Checa, Estónia, Eslováquia, Polónia, Lituânia, Malta, Argentina, Chile. E ainda, por razões não relevantes para este efeito, o Brunei, a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes Unidos. O Liechtenstein (13ª. posição em 2015) e Andorra (34ª.) não integravam o ranking divulgado em 2002.


Mesmo uma análise expedita permite facilmente concluir que, segundo os critérios do PNUD, os dois componentes de avaliação "educação" no índice de desenvolvimento humano têm um peso relativo nitidamente superior aos restantes. E, destes dois, sobreleva-se a média de anos de escolaridade. Em Portugal este número (8,2) é o mais baixo do conjunto de países que nos antecedem no ranking e cerca de metade do número de anos (16,3) de escolaridade esperada. O abandono escolar é, em Portugal, uma calamidade que persistiu ao longo dos últimos 15 anos, tendo-se eventualmente agravado, em termos relativos, considerando o índice de educação (94% para um máximo de 98% na Noruega) atribuido no ranking de 2002.


A este respeito é também interessante a comparação dos indicadores de Portugal com os da Grécia.

À Grécia, que ocupa agora a 29ª. posição, i.e., 14 posições acima da posição portuguesa é atribuido um IDH de 0,865 (0,830 a Portugal)

No entanto 

- a "esperança de vida à nascença" -  na Grécia, 80,9 anos (H/M), é um valor igual ao calculado para Portugal.
- o "PIB/capita em paridade de poder de compra" - na Grécia, 24 524 dólares; em Portugal, 25 757 dólares.  
- o "número esperado de anos de escolaridade" - 17,6 na Grécia compara com 16,3 em Portugal. 

mas

- o "a média de anos de escolaridade" - 10,3 na Grécia, é superior em 2 anos à média observada em Portugal (8,2).

Justificam, só por si, estes dois anos de escolaridade efectiva a diferença de 14 posições no ranking, independentemente  de ser nitidamente mais favorável a Portugal o indicador PIB/capita (PPP)?

Para os administradores do PNUD, sim.
Para nós, tem dias.



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O Relatório de 2002 incluía um quadro - "Tendências Demográficas" - que vale sobretudo pela análise comparativa que permite fazer com outros países. O défice demográfico refletido na evolução destes valores antecipava há muito tempo a crise demográfica estrutural reflectida nos dados divulgados em Junho deste ano pelo INE, vd. aqui

Tuesday, December 15, 2015

A BANCA DAS VACAS LOUCAS

O presidente-executivo do Banif admitiu em entrevista da Sic que o banco tem de ser vendido até sexta-feira o que, naturalmente, terá efeitos negativos sobre o preço. Disse ainda que tem acções do banco mas não as vende e compraria mais porque acredita no projecto.
Considera ainda que o fim do Banif seria um disparate.

Ao ler estas declarações de tão temerário presidente ocorreu-me aquela cena de um então ministro da Agricultura a papar uma boa dose de mioleira de vaca no tempo em que a encefalopatia espongiforme bovina punha meio mundo de pé atrás com o bife.

Mas se o banco é bom e não é portador de doenças transmissíveis por que o deixaram chegar ao estado deplorável a que chegou?
Não é caso um único, pois não.
Safa-se algum?

Anotei vezes sem conta neste caderno de apontamentos a minha perplexidade pela exuberância de uma banca que arrotava foguetórios de lucros no meio de uma economia depauperada. Como poderia uma vaca esquálida continuar a aguentar-se com tantos mamões? E sempre pensei que, mais dia menos dia, a vaca de tão sugada acabaria por tombar para cima dos que a sugavam.

E tombou mesmo.

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Act. - (16/12)
Pagam, e não bufam, os do costume : O primeiro-ministro garante os depósitos e admite custos para os contribuintes.
Venda flexível e "fundo mau" (nos bolsos dos contribuintes) é solução para o Banif
Por onde anda a "política patriótica da esquerda"?

Monday, December 14, 2015

HESITAÇÃO E FÚRIA




















A QUINTA DO MOCHO E WASHINGTON DC

O que é que têm em comum a Quinta do Mocho e Washington DC?
A Quinta do Mocho mereceu há dias uma reportagem, que registei aqui, a propósito das pinturas murais que imprimem ao bairro uma imagem mais atractiva.
As pinturas murais encomendadas pelo maior empresário no sector do imobiliário em Washington DC, com o nítido propósito de promoverem as suas propriedades, são hoje reportadas aqui em duas páginas do carderno "Business" do Washington Post.

"Os murais que o gigante do imobiliário JBC mandou pintar na sua vizinhança são arte ou marketing? Ou ambas as coisas?"
"Tem sido desde há bastante tempo um acto de rebeldes, activistas, e, certamente, de criminosos que 
revestem as paredes de uma cidade com uma lata spray de tinta. E continua a ser o propósito de outsiders que fazem o seu trabalho às escondidas a horas mortas.
Mesmo para aqueles que fizeram nome com  a sua arte de rua, como o travesso e mordaz, lenda do grafitti, britânico Banksy, a retribuição é frequentemente assistirem à sua raspagem ou repintagem pelas autoridades"









Continue a ler aqui.










LADINO

Quando il Rey Nimrod


Cuando il Rey Nimrod al campo salia,
Mirava en el cielo y en la estreyeria, 
Vido una luz santa en la djuderiya,
Que havia de nacer Avraham avinu.

Avram avinu, padre kerido, Padre bedicho, luz de Israel.

La mujer the Terah quedo prenyada,
De diya en diya el la perguntava:
- De qué teneij la cara demudada?
Ella ya savía el bien que tenia.

Avram avinu, padre kerido, Padre bedicho, luz de Israel.

En fin de nueve mézes parir queria,
Ira caminando por campos y vinyas,
A su marido tal no le descurvría.
Topó una meara ayi la pariría.

Avram avinu, padre kerido, Padre bedicho, luz de Israel.


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Ladino - 1- Que é travesso ou buliçoso; 2 - Que é esperto, manhoso ou ardiloso; 3 - (linguística) respeitante ou referente ao ladino como sistema linguístico.
Nimrod - Personagem bíblico
Avraham - Abraão
meara - Caverna, manjedoura
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Visita de inspecção de Nimrod à cantaria  da Torre de Babel
Pieter Bruegel

(clicar para aumentar)

Sunday, December 13, 2015

VOLTANDO A KRUGMAN

Ontem registei aqui mais um apontamento de Krugman - Debt and Demographic Debt Spirals - sobre a situação social, económica e financeira, em Portugal. O artigo suscitou muitos comentários de leitores norte-americanos (67, no momento em que componho estas linhas), alguns dos quais merecem a atenção de quem se interessa por estas questões porque nos dão, de algum modo, uma ideia da imagem de Portugal no contexto da União Europeia observada por quem vive do lado de lá numa grande e relativamente antiga união de estados federados. 

Krugman e outros economistas norte-americanos, de entre os quais é elementar destacar Stiglitz, têm dedicado bastante a sua atenção à evolução da situação na UE, sobretudo depois da erupção da crise de 2008 na Europa. E o seu diagnóstico não pode ser mais claro: a política de austeridade, liderada pela Alemanha, para enfrentar a crise iria agravá-la e seriam os países periféricos do sul da Europa os mais atingidos por essa política, segundo eles, errada. É esta perspectiva que está subjacente ao artigo de Krugman publicado ontem. 

O tema tem pontas múltiplas e não se puxa uma por inteiro sem puxar todo o incomensurável novelo.
Limito-me hoje a uma prometida* brevíssima reflexão sobre dois pontos:

- O financiamento do pagamento de pensões geridas pelo Estado em sistema de pay as you go apresenta vulnerabilidades evidentes em conjuntura económica deprimida, fustigada por dois factores cumulativamente negativos: desemprego e emigração.
A alternativa dos sistemas de capitalização, por outro lado, tem demonstrado poder ser ainda menos segura quando os mercados financeiros são abalados pela sua própria natureza e desses abalos não sabem como escapar. 
A conjugação mista dos dois sistemas, e de todas as suas variantes, permanecerá sempre sob a ameça do, até agora, inevitável comportamento dos ciclos económicos. 
Resumindo: Se as crises são inevitáveis, resta-nos tentar minimizar as suas consequências. E, em Portugal, não fez isso, fez-se o contrário.

A leitura do gráfico editado por Krugman, que transcrevi ontem, deve acompanhado da leitura de, pelo menos, outros dois gráficos.



É muito evidente (primeiro gráfico) qua a dívida pública portuguesa subiu abruptamente na última década tendo o número de activos começado a decrescer só a partir de 2009 quando se fizeram sentir os efeitos da contracção provocada pelas medidas de austeridade. A conclusão parece-me óbvia: não foi o défice demográfico natural que provocou o aumento fulgurante da dívida mas as medidas de austeridade (erradas ou não, evitáveis ou inevitáveis,  é outra questão) que provocaram o desemprego e a aceleração do fluxo emigarório (que já vinha de trás) e o refluxo da imigração,aumentando o défice demográfico total.

O gráfico seguinte, por outro lado, evidencia até que ponto a irresponsabilidade do sistema financeiro, importando crédito ao sabor das vantagens dos interesses de banqueiros e de políticos, colocou o país em posição de cheque-mate perante a raínha Merkel.

E.T. - Nada do que afirmo contraria a evidência de que a redução da população activa contrai a base de incidência dos impostos e ameaça dramaticamente a capacidade do Estado solver os seus compromissos na ordem externa e interna.

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 * Vd. aqui