Tuesday, April 30, 2013

A CÔR DOS SWAPS

"Foi definida segundo uma paleta de cores, situações verdes, amarelas e vermelhas", disse hoje na AR a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, referindo-se ao grau especulativo dos contratos de swaps assinados por gestores de empresas públicas de transportes, entre as quais a Refer, onde a actual secretária de Estado desempenhava ao tempo as funções de directora financeira. Na Refer, segundo a senhora Maria Luís Albuquerque, os contratos de swap são verdes. Ainda não sabemos por onde  andam os amarelos e sobretudo os vermelhos.
 
O ministro das Finanças afirmou, por seu lado, que as operações de swap realizadas durante os governos do senhor José Sócrates, fizeram parte de um conjunto de práticas de desorçamentação com o objectivo de diferir a contabilização de prejuízos e, consequentemente, não evidenciar o crescimento real da despesa pública. O que é verdade.
 
José Sócrates tem proclamado no seu programa dominical que a dívida pública cresceu sobretudo durante os dois últimos anos, aqueles em que o senhor Passos Coelho está à frente do governo. É verdade que a dívida pública cresceu, e continua a crescer mais do que estava previsto no memorando de entendimento com a troica. Mas também é verdade que a maior parte do crescimento da dívida pública revelado no dois últimos dois anos se deveu à inscrição de dívida que havia sido desorçamentada durante o governo anterior ou não considerada pelos critérios europeus, em vigor na altura, dentro do perímetro do Estado.
 
Abespinharam-se os deputados do PS presentes com as acusações do ministro, mas sem razão. E acusaram, por sua vez, o ministro de gestão política do processo, acusação que o ministro não refutou por considerar que o assunto não pode deixar de ter consequências políticas. O que parece evidente. Mas já é menos evidente o atraso com que o actual governo decidiu denunciar publicamente e tirar consequências políticas, a começar com o despedimento de dois secretários de Estado, presumivelmente envolvidos em contratos swap, de um processo que, segundo o actual ministro das Finanças é inteiramente da responsabilidade de José Sócrates e da sua equipa.
 
Tudo considerado, mantenho a opinião que registei aqui há dias neste bloco de notas. Independentemente das acções que devem ser tomadas para minimizar as perdas potenciais decorrentes destes contratos e das responsabilidades de quem os subscreveu ou consentiu, deveriam ser inibidos os gestores de empresas dependentes do OE, por serem insuficientes as suas receitas correntes para cobrir as despesas e realizar os investimentos necessários, de assumirem dívidas em nome das empresas que gerem não expressamente autorizadas pelo Ministério das Finanças.

Porque todo o endividamento assumido pelas empresas públicas comparticipadas pelo OE é, inevitavelmente, dívida pública. E é inevitável que se não existe um controlo centralizado da dívida casos como estes acabarão, mais tarde ou mais cedo, por ser apresentados aos contribuintes portugueses para pagamento.

Disse ainda o  senhor Vítor Gaspar que serão necessários 6 mil milhões de euros de austeridade até 2016 e que só daqui a 25 anos Portugal a dívida pública portuguesa estará será de 60% do PIB.

Mas ele costuma enganar-se.

Monday, April 29, 2013

DÉFICE, VENDE-SE

 


Uma comunicação curiosa, esta, que retirei daqui

Lisboa, 26 de Abril de 2013:


Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 248.º do Código dos Valores Mobiliários, a EDP – Energias de Portugal, S.A. vem prestar a seguinte informação ao mercado e ao público em geral:
A EDP Serviço Universal, S.A. (“EDP SU”), comercializador de último recurso do sistema eléctrico português, detido a 100% pelo Grupo EDP, acordou hoje a venda de uma parcela de 150 milhões de euros, e respectivos juros, do défice tarifário de 2012.
O défice tarifário de 2012 resultou do diferimento por 5 anos da recuperação do sobrecusto de 2012 com a aquisição de energia aos produtores em regime especial (incluindo os ajustamentos de 2010 e 2011), do qual se encontravam por recuperar, no final de 2012, um montante de 973 milhões de euros.
 
Curiosa, aliás, a vários títulos.
Desde logo porque nunca imaginei que se pudesse vender um défice. Se o défice é vendável, venda-se o défice! Se a EDP pode vender uma parcela do défice, porque não pode o senhor Vítor Gaspar vender uma parte do défice do Estado português? Curiosa também porque a EDP não só vendeu uma parte do défice como os respectivos juros. Ouro sobre azul, Vítor Gaspar, despacha-te!  Curiosa ainda porque a EDP ainda ficará depois desta venda, segundo notícias vindas a público, com um stock, a crescer, de défice de mais de três mil milhões de euros em casa. Curiosa, finalmente, porque a EDP não informa a quem vendeu o défice, embora possamos palpitar quem o terá comprado.
 
Na realidade, a EDP não vendeu défice, a EDP vendeu um crédito. Um comunicado mais transparente - como deveria ter sido este, sobretudo porque envolve eventuais responsabilidades da República Portuguesa, isto é, mais sobrecarga sobre os contribuintes ou sobre os consumidores portugueses - teria informado que uma parte de um eventual crédito sobre o Estado ou sobre fornecimentos futuros de electricidade foi vendido a um terceiro nomeado no comunicado.

Acontece que o défice tarifário - aquele que resulta da diferença negativa entre os valores (políticos) facturados pela EDP e os valores (resultante dos contratos com o Estado) calculados pelo regulador - é registado como proveito nas contas da  EDP mas não como dívida na contabilidade pública do Estado.

Por que é que a EDP vendeu parte deste crédito, contingente, uma vez que tanto pode vir a ser pago pelos contribuintes como pelos consumidores, o comunicado da EDP não informa. Porque precisava do dinheiro ou porque a cedência a um terceiro a liberta de uma eventual pressão política em negociações futuras que possam envolver o assunto? Não sabemos. Podemos imaginar, contudo, que, encontrando-se o tal stock de défice na posse de um terceiro estrangeiro, a EDP possa um dia destes responder a uma proposta do governo português em termos desarmantes:

- O défice? O défice está esgotado. Agora terão de se entender com o chinês.
A diferença entre défice, crédito e dívida nunca terá sido tão subtil como neste caso.







BOA VIAGEM

De vez em quando, a serra chama-nos e vamos até lá à procura da memória destruida por entre a desolação da paisagem. Só mato rasteiro por entre a infestação de acácias. Em cada curva da estrada deparamos-nos sempre de frente com a recordação da exuberância do pinhal que ali havia  e onde entrava o sussurro e o cheiro do oceano lá em baixo.

Há quantos anos ardeu a serra?
Talvez há uns catorze ou quinze ... Passado pouco tempo já despontava a praga das acácias, a única espécie florestal que em Portugal não precisa de apresentar projecto de sustentabilidade ecológica nem de licenças emitidas  pelas várias entidades intrometidas na matéria para se instalar e progredir. Passados uns anos, já não me recordo quantos, decidiram-se finalmente os diferentes serviços da administração pública (são sempre vários os convocados para debitar pareceres) a reflorestal a àrea que o fogo consumiu em pouco mais de uma tarde, à vista de toda a gente, à beira do mar imenso.

A empreitada foi a concurso e o empreiteiro escolhido incumbido, por exigência dos serviços públicos ditos competentes, a reflorestal, não com plantas das espécies que o fogo devorara, sobretudo pinho marítimo e cedros, mas com espécies, muito mais caras, que o local nunca tinha visto, nem perto nem longe. Chamou o empreiteiro a atenção da direcção dos serviços florestais para a necessidade de lavrar a fundo o terreno antes de proceder à plantação das árvores de modo a erradicar as raízes das espécies infestantes, sobretudo das acácias a quem a incúria dos serviços florestais já tinha consentido a instalação selvagem. Opuseram-se os serviços incumbidos da protecção do eco sistema com o argumento de que o revolvimento dos terrenos colocaria em perigo o equilíbrio ecológico. E o empreiteiro obedeceu e procedeu à plantação abrindo os covatos no meio do emaranhado das raízes invasoras.

Resultado, o esperado.
Dentro de pouco tempo rebentavam as acácias e afogavam as árvores plantadas. Não resta uma.
Agora, anualmente, no dia da árvore, mobiliza-se ingloriamente o generosidade e a ingenuidade de alguns voluntários que repetem a cerimónia absurda de querer fazer crescer umas dúzias de plantas em terrenos dominados pelas acácias.

É loucura esperarem-se resultados diferentes fazendo repetidamente o mesmo, disse um dia Einstein, que também dizia coisas simples. O mais estranho é que sejam tão frequentemente ignoradas.

Sunday, April 28, 2013

ACIMA DA LEI

Dizia ontem o professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito de Lisboa Jorge Miranda em entrevista da Antena 1 que considera inconstitucional a Contribuição Especial de Solidariedade (CES) sobre os reformados - vd. aquiJorge Miranda, para além de uma personalidade respeitadíssima enquanto cidadão e constitucionalista, foi um dos mais influentes criadores da Constituição Portuguesa de 1976. Acerca do acórdão do Tribunal Constitucional, de que discorda mas naturalmente respeita, afirmou ainda que tendo abordado o assunto com outros especialistas na matéria todos se manifestaram igualmente surpreendidos sobretudo com aquela decisão tomada pela maioria dos juízes do TC.
 
Nenhum dos entrevistadores interpelou Jorge Miranda acerca da abrangência daquele imposto, que considera inconstuicional,  aos fundos complementares de pensões, criados por empresas privadas e geridos por entidades privadas e onde, obviamente, a administração pública nunca meteu prego nem estopa, e onde, portanto, o Estado nem está minimamente envolvido nem de algum modo comprometido. Perdeu-se com esta falha dos entrevistadores (repetindo a generalidade de analistas e comentadores do assunto) uma oportunidade de ouvir uma voz autorizada sobre um assunto que, ainda recentemente, era motivo de slogan da maioria no poder: o sistema de pensões deve progredir no sentido de se sustentar em três pilares - a segurança social gerida pelo Estado, os PPR, da iniciativa individual dos cidadãos, os fundos complementares de pensões financiados e geridos pelas empresas privadas. A decisão do Governo de tornar também passíveis do CES os fundos complementares de pensões é, para além de claramente confiscatória, obviamente derrubadora do terceiro pilar que este Governo tanto parecia encarecer. O envio para o TC de um assunto que deveria ter sido decidido em sede política, determinou a constitucionalidade do que era considerado pela generalidade dos constituicionalistas claramente inconstitucional. Receei como muito possível tal decisão aqui.

Falhou ainda aos entrevistadores ouvir Jorge Miranda sobre as excepções ao confisco que o TC consagrou, também em proveito próprio dos seus pares reformados. Transcrevo do site do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (www.smmp.pt).

"...Nem todos os reformados com pensões elevadas saem a perder com a decisão do Tribunal Constitucional (TC). Os juízes e os diplomatas jubilados não são afectados pela polémica contribuição extraordinária de solidariedade (CES), viabilizada pelos juizes do Palácio Ratton. E com a decisão do TC passam também, como qualquer funcionário público, a ter direito a subsidio de férias.

Estes pensionistas estão teoricamente equiparados aos funcionários públicos. A CES não se aplica às suas pensões devido a uma norma do Orçamento do Estado que abre uma excepção para as "pensões e subvenções automaticamente actualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no activo", mas que ficam sujeitas aos cortes salariais que estão a ser aplicados desde 2011 (de 3,5% a 10%), para montantes superiores a 1.500 euros.

Mas nem sempre esta equiparação foi considerada um motivo para isentar este grupo de reformados (que são jubilados porque não podem desempenhar outras actividades remuneradas durante a aposentação) da taxa especial. Em 2011 e 2012, o Governo aplicou aos juízes jubilados o primeiro corte salarial dos funcionários públicos e, simultaneamente, a CES que era então aplicada apenas às pensões acima de cinco mil euros.

Mas face aos processos que chegaram a tribunal, em Julho de 2012 decidiu recuar. Num ofício já citado pelo Negócios, a CGA garantiu que ia devolver o dinheiro da contribuição retida nesses dois anos. Agora, na hora de generalizar a CES a todas as pensões de 1.350 euros em diante, optou-se por deixar estes grupos de fora do seu âmbito.

O que é preferível? Ser tratado como funcionário ou como pensionista? Embora a CES se tenha inspirado nos cortes salariais da Função Pública, ela prevê taxas muito superiores acima dos cinco mil euros. Assim sendo, quem tem pensões mais elevadas, e em eventual acumulação com pensões complementares, sai este ano beneficiado pelo facto de lhes ter sido aplicado o corte salarial que corresponde aos trabalhadores no activo.

Pensões do estrangeiro também estão excluídas
Além dos juízes e diplomatas jubilados, também quem recebe pensões do estrangeiro está excluído da CES. Esta regra tanto é válida para um estrangeiro a residir em Portugal, como para um português que recebe uma reforma de outro Estado ou até de um fundo de pensões ou de uma seguradora que esteja sedeada noutro país. Quem tem carreiras internacionais ou simplesmente viu a empresa a constituir-lhe um seguro ou um fundo no exterior escapa assim a esta contribuição.

Do mesmo modo, os seguros de renda vitalícia, os planos poupança-reforma (PPR) ou os fundos de pensões ficam de fora da CES quando são constituídos pelo próprio titular, em seu nome. Embora o objectivo tenha sido o de não penalizar a poupança feita pelos próprios titulares, no âmbito do chamado "terceiro pilar" da Segurança Social (a excepção são os certificados de reforma públicos), isto permite que pessoas que saíram de grandes empresas com dinheiro para constituir a sua reforma escapem à CES.

O caso paradigmático é o de Jardim Gonçalves que, recebendo uma das reformas mais altas do País, acaba por pagar taxa só sobre uma pequena parte, tal como o Negócios já noticiou.

Pode parecer uma questão de somenos, mas era fundamental para o teste à constitucionalidade da medida. Se os juizes tivessem considerado que a CES configura um imposto, então, teria de observar-se o artigo 104° da Constituição, segundo o qual o imposto sobre o rendimento pessoal tem de ser único, progressivo e atender à capacidade contributiva de cada um que o suporta e às necessidades e aos rendimentos do agregado familiar.

Gomes Canotilho, Cavaco Silva e Bagão Félix apostaram nesta tese, tendo considerado que a CES é um imposto porque é exigida coercivamente e 'porque não fornece qualquer contrapartida pelo seu pagamento. E, embora seja progressiva, não admite deduções que lhe dêem um carácter pessoal.
"Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso" dizia Bagão Félix.

Cavaco Silva e Gomes Canotilho argumentaram que os reformados e pensionistas encontram-se numa situação de "maior carência e vulnerabilidade material", já que não podem reagir aos cortes ao seu rendimento, e já estão a sofrer cortes por outras vias, nomeadamente na área da saúde. Gozam por isso de protecção especial.

Em segundo lugar, há o que se define como uma "relação sinalagmática" entre os trabalhadores que descontam e o Estado, não podendo essa relação ser violada. Além disso, sustentaram, o direito à pensão não pode ser beliscado porque ele já se formou na sua plenitude: passou à esfera dos direitos adquiridos, à luz da Lei de Bases da Segurança Social. Mexer no valor das pensões configuraria uma alteração retroactiva da lei fiscal.

Quando conjugada com o IRS a CES pode chegar a levar até 87% do rendimento bruto de um reformado. É por isso que Cavaco Silva considerou que ela "envolve um esforço fiscal muito intenso e desproporcionado", do qual resultam situações discriminatórias e excessivas. Sendo por isso manifesto o seu "carácter confiscatório ou expropriatório" que atinge o direito à propriedade privada. Bagão Félix chamou-lhe "um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza"...

 

Saturday, April 27, 2013

POR UM ÓBVIO FIO

"Isto está por um fio", desabafava outro dos presentes no rescaldo do conselho considerado como "dos mais difíceis".  Paulo Portas protagonizou, com Paula Teixeira da Cruz, Miguel Macedo, Aguiar Branco e Álvaro Santos Pereira a barragem a algumas das propostas mais radicais das Finanças, nomeadamente no que toca a cortes nas pensões e salários. - aqui 
 
"Paulo Portas é o político mais poderoso do país, só ele pode decidir se e quando cai o Governo", disse Edite Estrela na que foi, até agora, a única referência (e indireta) à última crise no Governo - aqui

"Parece-me óbvio que o Governo está num quadro de grande coesão da coligação, tentando encontrar a resposta para um problema ["chumbo" do Tribunal Constitucional a quatro normas do Orçamento do Estado para este ano], que é exigente", disse Jorge Moreira da Silva.- aqui

A situação era muito previsível antes mesmo deste Governo ter tomado posse. - vd. p.e., aqui - A obstinação de Sócrates em governar numa situação altamente crítica em minoria teve em Passos Coelho um sucessor não menos obstinado, apesar de se sustentar numa maioria absoluta.

Tendo ficado em liberdade o terceiro melro, era muito óbvio que ninguém mais o apanharia, ficando o primeiro melro num tem-te-não-caias permanente, sujeito ao balancear expectante do melro número dois.

Friday, April 26, 2013

SANTA MARIA DA ASNEIRA

E, de repente, a necessidade de haver consenso entre o trio que subscreveu o memorando com a troica, deixou de ser consensual porque, além do mais, o PR disse no seu discurso de ontem que é imperioso haver consenso. E, no entanto, ouviram-se nos últimos tempos apelos ao consenso vindos de todos os quadrantes, salvo os da esquerda mais ou menos comunista. Dir-se-á, por outro lado, que pelo menos outros tantos apelos, e não poucos dos mesmos apelantes, se ouviram reclamando a demissão deste governo. Tudo somado, o consenso à volta da necessidade de consenso, sumiu-se.
 
O líder do PS já prometeu aproveitar o Congresso deste fim-de-semana em Santa Maria da Feira para unir os filiados, apoiantes e simpatizantes à volta de uma volta de uma revolta contra o sentido do discurso do PR que, por invocação da necessidade de um consenso que pode permitir a sobrevivência do actual governo, corta o caminho à convocação de eleições legislativas antecipadas e a possibilidade de o senhor António José Seguro ser primeiro-ministro antes das eleições autárquicas.
A menos que o senhor Paulo Portas decida ser ele a marcar a agenda e provocar a dissolução da AR.
 
Quanto ao consenso, esse ficou irremediavelmente perdido desde que o senhor Passos Coelho decidiu ignorar o senhor António José Seguro como herdeiro do subscritor do memorando com a troica. Repito-me: anotei isso neste caderno, antes mesmo de serem conhecidos os resultados das eleições que levaram a São Bento actual primeiro-ministro e do senhor António José Seguro ser consagrado líder do PS.
 
A intervenção do PR, nos termos em que o fez, acabou de vez com o consenso.
Uma asneira, segundo o tratado de filosofia popular, nunca vem só.
E não há duas sem três, ainda segundo o mesmo tratado. No dia em que o senhor Seguro for primeiro-ministro deixará de haver necessidade de consenso, mantendo-se, como é altamente provável, o estado deplorável do país? Aqueles que confundem democracia com partidocracia continuarão a defender que sim.  
 

Thursday, April 25, 2013

MÚSICA DISSONANTE

O discurso do Presidente da República no dia 25 de Abril sempre foi o tema central das comemorações do momento refundador da democracia. Quando ainda eram verdes as esperanças prometidas pela revolução sem vítimas em combate, os discursos presidenciais suscitavam, geralmente, interpretações diferentes consoante o quadrante partidário leitor. Quando mais redondos os discursos maior o aplauso porque cada qual lia a mensagem presidencial conforma lhe convinha.
 
O discurso de hoje,  ainda que recheado de condimentos tecnocráticos, não fugiu à regra da redundância, reportando tudo sem rejeitar nada: os portugueses têm à sua frente um futuro longo de incertezas e amarguras, a austeridade não é solução mas as contas públicas têm de equilibrar-se, o défice do Estado terá de convergir para 0,2% do PIB  e a dívida pública para os 60% do mesmo; a política económica da União Europeia tem-se revelado um desastre, a troica errou objectivos por erros na escolha dos instrumentos, mas Portugal subscreveu compromissos que tem de honrar se quere voltar daqui a pouco mais de um ano aos mercados. Voltar aos mercados, o santo e a senha da recuperação da nossa independência perdida. Mas, hélas!, tudo se pode compor se houver um consenso partidário alargado, um requisito necessário de sucesso até recentemente esquecido.
 
Com o repetido apelo ao consenso, o abracadabra descoberto só há dias pelo governo, Cavaco Silva comprometeu irremediavelmente o consenso sobre o seu discurso. Apelar ao consenso numa altura em que a oposição, e principalmente o PS, vê o poder a cair-lhe nos braços, equivale à interrupção da evolução de um clímax à beira do orgasmo. Para a senhora Catarina Martins, para o senhor João Semedo, que não se entendem sequer com o senhor Jerónimo de Sousa, se novas eleiçõe não lhe derem mais dão-lhe certamente mais deputados e mais verbas do orçamento. Para o senhor António José Seguro, São Bento é uma quase certeza sem contrapartidas.
 
Que fará ele com a criança nos braços? Não sabe, mas presume-se que não saiba.
De momento, só sabe que foi assim que o senhor Passos Coelho chegou a São Bento.
 

Wednesday, April 24, 2013

ALGO NÃO VAI BEM NO REINO DA DONA ÂNGELA

A Moody´s baixou ontem  o rating da dívida senior de longo prazo e os depósitos do  Commerzbank AG, assim como do Commerzbank International S.A - vd aqui. Curiosamente, o site do Commerzbank, o segundo maior banco alemão, não refere ainda esta manhã a revisão em baixa - vd. aqui. No mesmo comunicado da Moody´s é ainda referida a revisão em baixa da dívida de longo e curto prazos do Hypothekenbank.

Por outro lado, soube-se hoje que o índice de confiança dos alemães caiu pelo segundo mês consecutivo. Nada que nos conforte, bem pelo contrário. Se a locomotiva patina, o combóio não anda e pode até recuar, invertendo irremediavelmente a marcha.

Pode, no entanto, induzir Dona Ângela a dar uma vista de olhos pelo painel de bordo e a corrigir algumas das suas habituais manobras.

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*Moody's Investors Service has today downgraded by one notch the long-term senior debt and deposit ratings of Commerzbank AG (Commerzbank) to Baa1 from A3 negative, and those of Commerzbank International S.A. (CISAL) to Baa2 from Baa1 negative. The short-term ratings of both banks were affirmed at Prime-2. The long and short-term debt ratings for Hypothekenbank Frankfurt AG (HF) were downgraded to Baa3/P-3 from Baa2/P-2 negative. The outlook on all of these ratings is now stable.

Tuesday, April 23, 2013

AFIRMA ÁLVARO


 
Ouve-se a notícia e logo a seguir o senhor Faria de Oliveira afirmar que tem de falar com o governo porque, diz ele, a Caixa é um banco com os outros, sujeito às mesmas regras e à lei da concorrência. Além disso, tendo sido apoiada pelo Estado, a Caixa tem de submeter-se às exigências que essa condição pressupõe. Resumindo: o senhor Faria de Oliveira rejeita quer o governo imponha à Caixa políticas de crédito mesmo, como é o caso, essas políticas se insiram uma estratégia de recuperação da economia.  
 
Não falou o senhor Álvaro Santos Pereira com o senhor Faria de Oliveira ou com o outro senhor que também é presidente da Caixa quando lhe ocorreu que a política de recuperação da economia portuguesa também passa pela política de crédito e nomeadamente do banco do Estado? Não sabe o senhor Faria de Oliveira que o accionista único da Caixa é o Estado e que o tutor do Estado é o governo, e que se entende que deve falar com o governo por discordar das suas decisões não deve anunciar publicamente essa intenção?
 
Se a Caixa é um banco como qualquer outro, e realmente assim se tem comportado, para que precisamos da Caixa, senhor Faria de Oliveira? Se a Caixa fosse, realmente, um banco como qualquer outro, o senhor Faria de Oliveira seria dispensado por discordância pública com o maior (no caso, único) accionista.

Monday, April 22, 2013

SWAPS DO DIA

Hoje todos os media acordaram em alvoroço com a susbstituição de alguns secretários de estado, presumivelmente em consequência de, pelo menos alguns deles, estarem directa ou indirectamente relacionados com a realização de contratos de swap de juros realizados por empresas públicas de transportes produzindo perdas potenciais que ultrapassarão os 3 mil milhões de euros, mais ou menos o dobro dos cortes que o TC reprovou. Ouvidos alguns dos habituais opinadores, percebeu-se que, além de perceberem pouco do assunto, tinham-se esquecido que o assunto saltou para os jornais logo na segunda semana deste ano - vd. aqui.
 
Porquê, então, esta exaltação geral? Antes de mais, porque os media alimentam-se destas coisas. Depois porque sairam uns quantos secretários de estado que darão lugar a uns tantos outros. Depois ainda porque tudo isto acontece agora em sequência do conclusão da auditoria aos contratos em questão. E ainda que não se saiba pormenores da auditoria, é fácil concluir que se alguns dos secretários de estado dispensados tinham tido responsabilidades na negociação dos contratos, algumas ilegalidades terão sido detectadas na matéria. A menos que tudo não passe de uma ilusória coincidência. Em qualquer caso, daqui a uns dias o caso do dia de hoje estará submergida por novas vagas de novos ou renovados casos.
 
O acontecimento mais notável, contudo, é a aparente facilidade com que este governo, a caminhar por cima das brasas, está a conseguir recrutar novos elementos, alguns dos quais com curriculum académico prestigiado -  Poiares Maduro e Fernando Alexandre, por exemplo. Terá a injecção de sangue novo e limpo efeitos determinantes na recuperação de um governo atascado? Não terá. Da primeira vaga de académicos que entraram para o governo, numa altura em que apesar de tudo haveria alguma esperança de sucesso, alguns já sairam e outros estão à porta. As condições de resiliência governativa apertaram-se bastante desde então. Se os que agora entram sobreviverem na política serão certamente os lideres no futuro.
 
Não ficaram por aqui os swaps do dia. O ditoso José Barroso (com perdão da rima) terá dito hoje numa conferência em Bruxelas - Federalismo ou Fragmentação - que a política de austeridade atingiu os seus limites.  E que na Comissão Europeia cederam demasiado a conselheiros tecnocratas e que não fizeram tudo bem, apesar de fundamentalmente certa a política económica implementada na Europa. 
 
Um swap de linguagem com que Barroso quer fazer acreditar que a comissão europeia ainda existe e que Angela Merkel e Wolfgang Schäuble são, afinal, meros conselheiros tecnocratas que tramaram a União Europeia com uma política fundamentalmente certa.

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Correl .- Comentário que coloquei aqui e aqui, hoje, 23.

A notícia (das operações de swap) só é agora notícia porque sairam dois secretários de estado presumindo-se que haja correlação entre a saída e o seu envolvimento na negociação dos contratos. As perdas resultantes já tinham sido noticiadas na segunda semana deste ano em todos os media. Por que levou tanto tempo o apuramento de responsabilidades, que, segundo a imprensa de hoje, ainda não estão esclarecidas, é um mistério.

Porque, das duas uma: ou os administradores que negociaram os contratos estavam autorizados pela tutela a fazê-lo nos termos em que os realizaram, ou não. Se estavam, a responsabilidade transfere-se para quem autorizou operações que nunca deveriam ter sido realizadas por gestores que não tinham instrumentos para fazer o hedging com outras operações de risco contrário; se não estavam, devem ser pessoalmente responsabilizados por dolo e gestão danosa. Quando não há hedging há jogo, e o jogo, tanto quanto julgo saber,não é consentido quando as paradas são feitas com dinheiros dos contribuintes. 

Tudo isto é susceptível de ser apurado em três tempos.
A demora só pode justificar-se pela tentativa, parece que infrutífera, para desculpabilizar os infractores. De qualquer modo, em cada dia que passa sem que o governo informe os portugueses do que se passou, sobem as suspeitas de conivência entre compadres.

Correl . - Declarações de Barroso irritaram Merkel. Previsível
 

Sunday, April 21, 2013

POR QUE DEVEMOS SAIR DO EURO

É o título do mais recente livro de João Ferreira do Amaral.
Acrescenta alguma coisa ao que há muito tempo JFA vem dizendo sobre o assunto? Não vem.
E, no entanto, o livro merece uma leitura. São cerca de cento e vinte páginas que entroncam numa dúzia de linhas, a pgs 71:
 
"Uma moeda única só poderá funcionar num espaço em que as vicissitudes individuais das componentes desse espaço tenham muito menos importância para os cidadãos do que para o todo. Ora, isso não se verifica quando as componentes do espaço são países que têm a sua identidade própria, organizados em estados com muitos séculos de História e quando todo o espaço comunitário é uma organização meramente artificial, quase sem identidade. Numa situação destas, os interesses das entidades-estados não podem ser preteridos faces aos intereses do todo, porque os cidadãos nacionais não aceitam a subalternidade do seu estado em relação aos interesses restantes - logo, nunca o espaço europeu pode constituir uma área monetária óptima".
 
Dito isto, o que está em causa não é a zona euro, os benefícios e os malefícios do euro, as vantagens e as desvantagens de sair do euro, mas a própria União Europeia, afinal de contas a própria Europa.
Se, como afirma Amaral, a História da Europa a impede de ir além de uma organização meramente artificial, a desconstrução europeia é uma questão de tempo. E se assim é, teremos alguma vantagem em sair da sala antes do espectáculo acabar? JFA antecipa o fim da UE mas não equaciona a vantagem da saída de Portugal em sair antes que esse fim aconteça.
 
A proposta de JFA de saída do euro, e, eventualmente da UE, sustenta-se fundamentalmente, no handicap da falta de moeda própria que inibe as economias mais frágeis, entre as quais a portuguesa, de se adaptarem às circunstâncias externas envolventes. Os argumentos são sobejamente conhecidos mas em grande medida também bastante controversos. Altamente controversas são também as vias que JFA sugere para a saída de Portugal do euro. Já é muito menos controversa a previsão de um fim conturbado para a União Europeia se não houver mudança radical da rota actual, dando razão ao diagnóstico de impotência que JFA refere a pgs 71 do seu livro.

Saturday, April 20, 2013

QUEM TE AVISA

Wolfgang Schaulble, ministro das finanças da Alemanha e  da zona euro, disse hoje a um semanário económico do seu país que  a solução para Chipre, isto é, o confisco dos "grandes depositantes", vai ser a norma para resgates futuros do sector financeiro. 
 
Há dias, o senhor Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, ministro das finanças da Holanda, o tal que declarou ter um mestrado que não tinha, disse o mesmo que o senhor Schaulble disse hoje mas pouco depois admitiu que tinha dito o que não devia. E a garantia dada a seguir por diversos personagens menores de que o corte feito em Chipre não seria replicável em nenhum outro caso, claudicou agora com as declarações do ministro Schauble. Também Schauble disse agora o que não queria? De modo algum.
 
Se o propósito hoje anunciado for avante, as consequências serão vastas.
Desde logo, se ele tivesse sido aplicado desde a erupção da crise, a escandalosa factura do BPN, por exemplo, teria sido sobretudo paga por aqueles que pescaram na babugem das condições em que foi cometido o maior escândalo financeiro de sempre em Portugal.
 
Mas é evidente que o anúncio de Schauble vai abanar uma grande parte do sistema financeiro europeu e não é de todo improvável que possa provocar um terramoto de que não restarão senão escombros. Quem é que, a partir de agora, pode minimamente confiar na solvabilidade do banco onde colocou as suas poupanças ou os seus meios de transacções diárias, mesmo que lhe digam que o tier do banco é confortável e os seus depósitos sejam bem inferiores a cem mil euros?
 
Será então, afinal de contas, o senhor Schauble tão desastrado e mal amestrado como o senhor Jeroen Dijsselbloem? Não é crível. O senhor Schauble tem um produto seguríssimo ao dispor de quem queira evitar cortes nos saldos bancários. Chamam-se bunds, têm rentabilidade negativa mas nada que se compare com um hair cut à moda de Chipre.
 
O senhor Schauble sabe-a toda. Resta saber se sabe mais alguma coisa.

Friday, April 19, 2013

VALÊNCIA

 
 
"Residi em Valência durante 12 anos, agora estou aqui para um encontro de vendedores. Este complexo foi uma loucura que custou larguíssimos milhões e que agora ninguém sabe como vai poder ser mantido. Este edifício, por exemplo, tem uns dez anos, parte do revestimento já caiu, as estruturas começam a mostrar fissuras e enferrujamento. E não há dinheiro para a manutenção. A ocupação é reduzida, apenas o parque de entretenimento, com o Oceanográfico, tem frequência regular.
 
Há gente, construtores civis, políticos, os do costume, que ganhou, que digo eu?, roubou fortunas.
 
É a crise? É a crise de justiça. Ninguém é responsável, abotoaram-se todos muito bem."
 

Thursday, April 18, 2013

A CULPA DA FOLHA DE EXCEL

Afinal a dívida pública não impede o crescimento.
A afirmação é de três académicos que, utilizando a base de dados com que trabalharam Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff para fundamentaram as conclusões do seu paper de 2010 - "Growth in a Time of Debt" -, concluiram que há omissões e erros naquele trabalho, inclusivé na formulação da folha de Excel utilizada. Revistos os dados e os cálculos, garantem os académicos revisores, não há nenhuma evidência empírica que permita deduzir que a dívida pública acima de 90% do PIB impede o crescimento económico.
 
A notícia vem hoje publicada em todos os jornais e promete um volte face na argumentação daqueles que, para sustentarem as políticas de austeridade, sobretudo na Europa, vinham invocando as conclusões do paper de Reinhart e Rogoff, os dois autores de "This Time is Different - Eight Centuries of Financial Folly", uma obra que os notabilizou a seguir à erupção da crise de 2008.
 
Reinhart e Rogoff já terão admitido erros na folha de Excel sem contudo terem retrocedido ainda nas conclusões que retiraram há dois anos atrás, que, aliás, nunca foram peremptoriamente apresentadas por eles como exclusivas de outros efeitos e circunstâncias susceptíveis de determinarem resultados diferentes. Como muitas vezes acontece, o seu trabalho foi sobretudo aproveitado por aqueles a quem as conclusões serviam de bandeira das suas políticas. Tudo isto é sintomático de uma desorientação social que se agarra a tudo que suporte as convicções e os interesses em confronto no meio da turbulência da crise.

Beber vinho faz bem à saúde?
Depende do vinho, de quem o bebe e de quanto bebe. Uma bebedeira permanente não é recomendável em nenhumas circunstâncias. Ainda que numa qualquer folha de Excel alguém garanta ter concluido o contrário.

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Correl . - Os dois autores, nas suas intervenções públicas, sempre foram mais prudentes do que os políticos a tirar conclusões práticas do seu estudo. Carmen Reinhart, quando participou por vídeoconferência num seminário recente organizado pelo Banco de Portugal, recomendou uma redução da dívida pública do país. Mas reconheceu que a via da austeridade não é a única e que uma reestruturação de dívida pode ser a única solução. “Não estou a dizer que a austeridade e as reformas estruturais não são importantes. O que estou é a sugerir que, decididamente, só isso não chega. Quando as dívidas chegam a este nível, historicamente necessitaram de algum tipo de negociação com os credores”, afirmou, citada pelo Jornal de Negócios. (aqui) 
 

Wednesday, April 17, 2013

TRANSPARÊNCIA, PRECISA-SE!*


Concordo inteiramente com o que propõe. Mas penso que os cálculos não serão tão expeditos como deixa supor. De qualquer modo não serão impossíveis.
 
E penso que não serão expeditos porque há ainda uma grande diversidade de sistemas, e a prova de que essa diversidade complica a transparência é a divergência de resultados que têm vindo a ser anunciados desde a reforma de Vieira da Silva que, garantiam na altura, permitia uma sustentabilidade do sistema durante 50 anos.
 
Tal diversidade não só obscurece os resultados como é profundamente injusta.
Suponho que ninguém tem dúvidas que as pensões concedidas, por exemplo, a uma autarca com três mandatos, aos 42 anos de idade, não tem sustentação financeira comparável com a de um reformado da segurança social (sector privado) com 45 anos de descontos e reforma a partir dos 65. Dei o exemplo da autarca como poderia dar muitos outros, geralmente situados na esfera pública, mas não só.
 
A reforma do sistema de pensões em Portugal está muito longe de estar concluido apesar dos sucessivos remendos que lhe têm enxertado. Desde logo, deveria obedecer a um modelo de cálculo único e utiliza vários. As pensões deveriam ser todas calculadas com base em toda a carreira contributiva. Depois, as contribuições e reformas dos sectores privados deveriam ter uma contabilização separada do sector público que é suportado por impostos. O mesmo quanto aos não contributivos. O que existe é uma confusão propositada que tem vindo a servir aos mais diversos objectivos políticos do momento, inclusivé o de reduzir o défice do Estado não atribuível à segurança social dos sectores privados.
 
E, já agora, considero que a forma como muitas vezes o assunto é abordado é profundamente ofensiva para quem durante toda a vida descontou o que obrigaram a descontar (cerca de um terço do salário bruto, porque o que a empresa paga, não paga ao trabalhador). Mais, para além de ofensivo é profundamente injusto. Se todos os rendimentos elevados fossem tributados da forma como actualmente são tributadas as pensões, o défice público seria bem menor.
 
Mais, este governo não se limitou a discriminar negativamente os reformados como assaltou inclusivamente os fundos complementares de reforma, onde as responsabilidades do Estado são nenhumas. Com a benção do Tribunal Constitucional. Por tudo isto e ainda por muito que não digo para não amolar mais a vossa paciência, repito: concordo inteiramente com a transparência. Que não existe e origina muitas afirmações completamente descabidas.
 
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*Comentário a "Responsabilidades" que não consegui colocar em A Destreza das Dúvidas
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Ainda a propósito deste assunto coloquei aqui o comentário a Decisões Perigosas do Deputado Miguel Frasquilho,

A questão da constitucionalidade, provavelmente, não se teria colocado se o governo tivesse, desde o início do seu mandato, actuado de modo diferente relativamente ao subscritor do memorando que foi deixado de fora das responsabilidads do executivo.

Tendo desligado o PS das responsabilidades de excecução do dirty job que a assinatura do mememorando impunha, o primeiro-ministro tentou forçar soluções que, fatalmente, seriam contestadas pelo subscritor à solta. E, com o intuito de angariar um corresponsável, fez o que não devia forçando a judicialização de um assunto que deveria ter solução política.

E, já se sabe, cada cabeça sua sentença, sobretudo se as cabeças são constititucionalistas.
Que pareceram apostadas em contrariar a generalidade das previsões.
 
A mais clamorosa decisão do TC está, do meu ponto de vista, na luz verde que concedeu à tributação em CES dos fundos complementares de pensões. Juridicamente é uma aberração, financeiramente um desastre. Quem é que, a partir de agora, continua a pagar para um fundo com destino arrasado?
Quem é que ainda pode defender a constituição do terceiro pilar se ele vai ser derrubado?
 
E, já agora, por que é que o pagamento de reformas a reformados da segurança social é despesa pública, se o seu financiamento é feito pelas contribuições (cerca de 1/3 dos salários brutos) dos privados? Como é que se assimila no mesmo conceito três realidades diferentes, com sustentação financeira distinta?
 
Quem paga as pensões da função pública e as pensões dos não contributivos são os impostos. Quem paga as reformas dos privados são as contribuições dos privados.
Ou não?
 
Eu sei que a confusão interessa aos governos para poderem jogar com os dinheiros dos contribuintes consoante as circunstâncias.
Para quando a transparência das contas da segurança social?
Para quando a uniformização do critério de cálculo e condições de atribuição de reformas e pensões?
Para quando o termo das pensões semi fictícias?
Para quando o cálculo com base em toda a carreira contributiva?
Para quando o fim de concessão de pensões muito antes da idade normal da reforma se não há incapacidade física que o justifique?
 
O TC é culpado por ter arrolado argumentos frouxos para algumas das decisões que tomou. Mas é sobretudo culpado quem forçou a entrega de uma responsabilidade que deveria ter sido solucionada em sede política.
 
 

Tuesday, April 16, 2013

ENCENAÇÕES

Para uma tragédia sem fim à vista. A direcção do PS encena uma recusa a subscrever qualquer proposta do primeiro-ministro de compromisso com as exigências da troica no rescaldo do chumbo parcial do Tribunal Constitucional e faz saber que vê convite do primeiro ministro para uma reunião com o líder dos socialistas como encenação. Não é.
 
Passos Coelho está cercado.
Se Seguro rejeitar qualquer apoio às medidas que o governo já assumiu perante a troica, a coligação que suporta o executivo terá os dias contados.
 
Aliás, repito-me, já tinha desde o momento em que Passos Coelho se convenceu, erradamente, que lhe seria possível governar sem amarrar o PS à execução do memorando que o trio assinou com a troica. O que fará Seguro se o poder lhe cair inanimado nos braços? Nada, se, também ele, pensa que conseguirá governar sem um apoio que extravase o apoio do seu próprio partido, mesmo se esse opoio significar uma larga maioria absoluta.
 
Porque há um incontornável dirty job a que nenhum governo pode escapar, capaz de derrubar todo e qualquer governo que se proponha enfrentá-lo de caras e sem ajudas.   

Sunday, April 14, 2013

A HERANÇA DE THATCHER


O Economist publica estes gráficos que procuram reflectir os resultados das políticas adoptadas ao longo dos onze anos em que Thatcher ocupou o número 10 de Downing Street. E as conclusões não vão todas no mesmo sentido. Tendo combatido o crescimento da despesa pública, ainda assim a participação do estado na economia britânica situou-se acima dos níveis observados noutros países, nomeadamente nos EUA.

O aspecto mais relevante da sua política situou-se no confronto que travou com os líderes sindicais. Os níveis de vida dos britânicos, que se tinham situado aquem dos observados na Alemanha e em França nas três décadas subsequentes ao fim da segunda guerra mundial, recuperaram na década de 80 e durante as duas décadas seguintes.

Aqui e aqui, leituras diferentes dos mesmos resultados.

Saturday, April 13, 2013

CONTRADIÇÕES GLOBAIS

Lê-se aqui que a directora-geral do FMI, a surpreendente Christine Lagarde, advertiu hoje urbi et orbi que

"a economia global a três velocidades conduzirá a uma crise cambial nos mercados emergentes ou um endividamento insustentável nos EUA e no Japão. Segundo Lagarde o mundo está hoje dividido entre economias em crescimento, outras em recuperação, algumas ainda em dificuldade, e ritmos desiguais de crescimento determinarão novos desequilíbrios financeiros que poderão gerar outra crise".

Alguma vez foi diferente?
Reinhart e Rogoff defendem em "This Time is Different" (título irónico) que as causas de gestação das crise se repetem, incontornavelmente e que não há diferenças assinaláveis entre a crise que irrompeu em 2008 e aquelas que a precederam ao longo de oito séculos. Se assim é, estaremos perante uma inevitabilidade que nem a senhora Lagarde nem o mais pintado podem prevenir?

Nos últimos cinco anos, afirmou Lagarde, os empréstimos em moeda estrangeira aos mercados emergentes aumentaram cerca de 50%. Só no ano passado o crédito bancário aumentou 13% na América Latina e 11% na Ásia. Um crescimento tão acentuado determina um crescimento do risco que só pode ser controlado através do reforço da supervisão bancária e a restrição do crédito para actividades de crescimento rápido. Wishful thinking. Quando a economia aquece quem é que tem mão nos banqueiros?

Genericamente, Lagarde deu com estas declarações antes da reunião da primavera do FMI, como vem sendo habitual, uma no cravo e outra na ferradura. Concorda com o quantitative easing nos EUA, critica a decisão da contração a curto prazo da despesa imposta pelos republicanos nos EUA, quando a recuperação ainda não está consolidada e  o desemprego é ainda elevado, mas previne para o crescimento do endividamento a longo prazo. No Japão a dívida pública de 245% do PIB parece cada vez mais insustentável, mas por outro lado os nipónicos precisam de libertar-se da armadilha da deflação.
Na zona euro, diz Lagarde, o principal problema é o sistema bancário, que deve ser recapitalizado, reestruturado, e encerrados alguns bancos. Há algum tempo atrás Lagarde parecia mais preocupada com os efeitos negativos da austeridade na União Europeia. Mudou de ideias?  
Lagarde é uma mulher para todas as circunstâncias.

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Correl . - FMI diz que zona euro deve limpar sistema financeiro e fechar bancos onde necessário

Friday, April 12, 2013

OS BORRA BOTAS

Mendes Bota prestou na AR homenagem  a Margaret Thatcher, considerou-a uma "estadista ímpar", e citando-a para se entusiasmar, "temos de travar várias batalhas para ganhar uma guerra", elogiou a governação PSD/CDS-PP. Depois disse esperar que o PS aceite fazer parte de "uma séria convergência nacional", contribuindo para uma "resposta construtiva para resolver os problemas estruturais, supra geracionais e urgentes" que Portugal enfrenta.
Não, senhor deputado", respondeu António Braga do lado do PS, acusando o Governo PSD/CDS-PP de ter falhado todas as metas, de ter imposto sacrifícios em vão aos portugueses. "O PS tem dito que há outro caminho". Qual, não disse.

Uma forma pouco séria para tratar de um assunto fundamental.
Mais que pouco séria, deplorável.

Thursday, April 11, 2013

AINDA HÁ OURO NO BANCO DE PORTUGAL?

Há muito tempo que procuro e não obtenho resposta para uma questão simples: porque não vende Portugal uma parte significativa das suas reservas de ouro? Se bem me recordo serão cerca de 382 toneladas e já valerão qualquer coisa como 16 mil milhõers de euros. Portugal detem (ou detinha?)  um dos mais elevados valores de reservas de ouro per capita do mundo. O produto da venda de uma parte deste ouro poderia (proposta de Miguel Cadilhe feita há uns anos atrás) ser aplicado na indemnização de funcionários públicos dispensáveis, reduzindo-se o défice público estrutural.
Coloquei esta questão neste caderno de apontamentos várias vezes, e perguntei a gente supostamente informada porque é que não se vende o ouro. As respostas que tenho obtido têm sido as mais díspares, desde a sensibilidade psicológica social do assunto até à eventual impossibilidade determinada por leis ou compromissos comunitários que ninguém me identificou. Tanto quanto julgo saber Miguel Cadilhe também não voltou ao assunto. De vez em quando a questão é referida na imprensa mas não suscita qualquer eco da parte dos inúmeros comentadores com palco assegurado nos media de largo alcance.  
Hoje, leio aqui que o governo cipriota pretende vender parte das reservas de ouro para angariar 400 milhões de euros e financiar parte do resgate financeiro a que vai ser sujeito. Afinal o que é que impede Portugal de fazer o mesmo?
Já foi vendido?
E não nos disseram nada?
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Num dos meus apontamentos sobre o assunto ocorreu-me ver nos romenos, que durante algum tempo  nos cruzamentos das ruas de Lisboa pediam esmola esboçando um sorriso tímido onde brilhavam dentes de ouro, a imagem de Portugal falido mas com respeitáveis reservas de ouro no seu banco central.

Wednesday, April 10, 2013

O JOGO DA BOLA

O recentemente eleito presidente do Sporting acusa a banca de pôr em causa o futebol profissional do clube. E porquê? Porque o senhor Bruno de Carvalho prometeu resolver os problemas financeiros do clube sem ter antecipadamente obtido dos bancos credores qualquer garantia de sucesso. Com base na promessa sem suporte foi eleito presidente e a presença no palco público que o cargo lhe confere. Uma táctica que também serve para guindar candidatos políticos a primeiros-ministros. BES e BCP (este com uma recapitalização intermediada pelo Estado que por pouco não atinge a totalidade dos capitais próprios) estão na disposição de conceder 40 milhões mas o Bruno diz que é pouco e que este impasse pode provocar o colapso do futebol profissional do clube.
Este homem deveria substituir Vitor Gaspar.
 
Empréstimo obrigacionista de 45 milhões ( a 3 anos, 7,25% de juros) não evita que Benfica venha a vender jogadores. Outro à procura da rolha. Mas há mais. Durante anos e anos a promiscuidade entre o futebol, a politica, a construção civil e algumas actividades manhosas foi por demais evidente. O expoente máximo dessa interligação perversa foi a construção de 10 estádios para o Euro 2004, metade dos quais não tem utilização regular. Custaram 665 milhões de euros no tempo do senhor primeiro-ministro António Guterres.
 
São estes e outros sinais que aos olhos dos alemães e companheiros do norte evidenciam o desregramento com que se utilizaram os fundos que nos concederam ou os seus bancos imponderadamente emprestaram  e agora querem forçadamente de volta. Não vão ter. Sobretudo se, para usar o argumento do Bruno, provocarem  o colapso do clube.  

JOGO DE ENGANOS

Eurogrupo tenta acordo esta semana para estender maturidades dos empréstimos a Portugal e a Irlanda  por mais sete anos, aproximando as condições oferecidas aos dois países às concessões feitas em Novembro último à Grécia. Se o acordo não for alcançado na sexta-feira em Dublin, deverá ser selado na reunião do próximo mês em Bruxelas.
 
Palavras do senhor Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, o tal que, há dias, se distraiu e disse o que pensava quando disse que o corte à moda de Chipre poderia vir a ser aplicado em outros países membros da Eurozona. Dá para acreditar? Dá com certeza. O Eurogrupo, no ponto em que as coisas estão, não tem, por imposição da Alemanha e companhia do norte, alternativa senão continuar a adiar a solução de problemas que, no entanto, o tempo não resolve. Continuará, assim, o jogo de enganos até ao ponto em que não haverá mais adiamento que valha.
 
Sete anos, não chegam? Repito-me: Nem setenta, se a solução continuar a ser simplesmente adiar.
Só não vê quem não quer ver: Portugal, com um tecido económico estruturalmente fragilizado em grande extensão, o que desde logo torna inconsistente a comparação com a Irlanda, com uma dívida pública crescente, que já excederá, se contada a dívida implícita, mais de 125% do PIB, e uma dívida externa total de cerca ce 230%, não tem nenhuma hipótese de inverter o crescimento da dependência financeira do exterior se não forem reduzidos os custos da dívida para níveis compatíveis com a capacidade para os pagar.
 
Just say Não, recomenda Krugman.
Vítor Gaspar nem é capaz de dizer não nem explica aos portugueses para onde vai este caminho por onde nos conduz. Deixou de ser parte da solução para ser parte do problema. Porque lhe falta a determinação ou a capacidade para dizer não aquilo que ele sabe que Portugal não terá possibilidade de cumprir, aceitando o papel de sonso neste jogo de enganos.

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Correl. -Luxemburgo diz que os gregos não aguentam mais o ritmo da consolidação.
Nem nós.

 

Tuesday, April 09, 2013

O JOGO DO EMPURRA

No início deste ano, a propósito do envio pelo PR ao Tribunal Constitucional de um conjunto de normas do OE 2013 para avaliação da sua eventual inconstitucionalidade, escrevi aqui,
 
Há em Portugal uma tara partidária que confunde democracia com partidocracia que impede a procura de consensos alargados, mesmo, como é o caso, quando o País se encontra numa situação crítica sem precedentes na história contemporânea. Quando, mais do que nunca, a procura de uma base de entendimento partidário alargado deveria guiar a intervenção de quem governa, observa-se uma escalada de arremessos mútuos, que nem sequer excluem os membros da maioria. Em lugar dessa procura de consenso político preferiu o Governo empurrar o OE para a tômbola do TC. Que quando roda rápido, roda à velocidade de quatro vezes por ano.
 
O acórdão do Tribunal Constitucional conhecido no fim da semana passada está a merecer, como era previsível, reacções díspares, e não está a contribuir, como também era esperável, para a solução dos problemas que estão na origem da controvérsia que o PR encaminhou para o julgamento dos juízes do TC. Porque esses problemas resultam muito simplesmente da crise financeira do país, consequência remota das fragilidades antigas do seu tecido económico, os acórdãos do TC, por mais respeitáveis que sejam, nunca resolverão as insuficiências que só o poder político pode e tem obrigação de tentar solucionar.
 
Hoje é notícia que a associação de municípios defende inconstitucionalidade da Lei das Finanças Locais, e vai entregar ao PR um parecer do constitucionalista Gomes Canotilho que suporta a sua oposição à lei aprovada na AR.
 
Alguém com um mínimo de bom senso acredita que este caminho leva a algum lado? O Ministério das Finanças mudou-se para a Rua do Século?

Monday, April 08, 2013

UM CORTE À MODA DE CHIPRE

Nota de Imprensa distribuida hoje pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patromónios.
 
 
Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013 (Contribuição Extraordinária de Solidariedade – CES)

Para a APFIPP, a decisão do Tribunal Constitucional é tão inexplicável como surpreendente. O argumento jurídico de que o direito à pensão não goza de maior tutela constitucional do que o direito ao salário, é impossível de ser entendido por quem na situação de reforma, sem possibilidade de procurar um novo emprego ou emigrar, vê parte da sua pensão confiscada.
No nosso país não existem praticamente Fundos de Pensões e a poupança privada para a velhice não é regra, é uma excepção. No nosso país, o Estado sabe que as promessas que hoje faz de assegurar as pensões futuras, não são possíveis de serem cumpridas, nos moldes actuais. No nosso país, a constituição de poupança privada para as pensões, deveria ser uma prioridade e um desígnio nacional mas é, com esta medida, fortemente desincentivada.
No nosso país, o Governo decidiu aumentar a receita do Estado através das pensões públicas e apropriar-se de parte substancial das pensões privadas. Esta prática foi agora confirmada pelo Tribunal Constitucional. Ao contrário do que era esperado por quase todos, o Tribunal Constitucional considera legítimo que o Estado aumente a sua receita através da CES sobre as pensões públicas e, por princípio de igualdade, considera legítimo que o Estado se aproprie de poupança privada.
A CES, ao alargar o âmbito de incidência às pensões constituídas com poupança privada, viola o princípio da confiança e condiciona de uma forma dramática a acumulação futura de poupança para a reforma.

José Veiga Sarmento
Presidente da APFIPP
08.04.2013



Entre um corte nos depósitos, como em Chipre, e um corte nos fundos de pensões, como cá, a única diferença é que em Chipre não foram atingidos os depósitos inferiores a 100 mil euros e cá o corte é geral e pela medida grossa.

Sunday, April 07, 2013

LOGO, NADA DE NOVO

Obviamente, não dispõe.
Para quê? Obviamente, novas eleições não ajudariam a resolver os problemas do país.
 
Enquanto os líderes dos partidos do arco governamental não abdicarem das suas ambições pessoais e contribuirem para a formação de um governo de salvação nacional, Portugal continuará a afundar-se.
É lamentável que o PR continue a não reconhecer isto.
 
Repito-me: Passos Coelho cometeu o seu primeiro e maior erro político quando formou governo dispensando o PS das responsabilidades do cumprimento do acordo que o anterior governo negociou e o trio - PS/PSD/CDS - subscreveu. Cavaco Silva apadrinhou esse erro, fatal para a imprescindível conjugação de esforços nas conversações posteriores com a troica, dizendo que o Governo era suportado por uma maioria na AR, e dispunha, portanto, de condições para governar. Viu-se. Agora, quando está iminente o pedido de um segundo resgate, Cavaco Silva mantém o mesmo discurso, como se nada tivesse acontecido, entretanto.  
 
Passos Coelho faz uma declaração ao país daqui a três horas.
Não consta que vá demitir-se. Persisitirá obstinadamente, como desde o início do seu mandato, convicto que é capaz de governar suportado apenas pela maioria que o apoia. Não é. Seguro afirma-se convicto de estar preparado para governar. Não está. Sócrates continuará logo à noite na RTP a defender-se, atacando, insinuando que com ele tudo teria sido diferente. Não teria sido.
 
Para se resgatar, Portugal precisa de vacinar-se contra a partidocracia. Competiria ao PR fazer por isso. Não quer, ou, se quer, não parece. Aquilo que deveria ser um desígnio comum - uma frente nacional coesa nas relações com a troica - é postergado pelos interesses partidários e pelo calculismo do PR.

Saturday, April 06, 2013

UMA OPORTUNIDADE CONSTITUCIONAL

O chumbo parcial do Tribunal de Contas estará, segundo as notícias, a causar o pânico no Governo.
Tanto desespero só pode entender-se por lhe terem saído as contas ao contrário e ainda não ter tido tempo de olhar para a oportunidade que a decisão do TC lhe abriu. Como a generalidade dos comentadores, constitucionalistas encartados ou simplesmente inspirados pelo senso comum, previa talvez o executivo que o TC lhe chumbasse a CES, que não vale mais que 420 milhões, mas não os cortes nos subsídios de férias, de emprego e de doença que valem mais que o triplo do CES.

Ao julgarem constitucional a CES os juízes do Tribunal Constitucional fundamentaram o seu consentimento em argumentos inconsistentes com os princípios da igualdade dos cidadãos perante a lei uma vez que a CES, indiscutivelmente, atinge apenas uma classe de contribuintes - os reformados, e vai além das reformas geridas pela administração pública porque atinge até os fundos complementares de pensões geridos por entidades privadas. Basicamente, afirmam os juízes do TC, que: 1 - A CES não é um confisco porque ainda sobrará aos atingidos o suficente para se sustentarem; 2- Não é definitiva e pode ser revista em OE de anos futuros.

Com esta jurisprudência bem pode o Governo colmatar de imediato os cerca de 1,35 mil milhões de subsídios que o TC obriga a pagar, e solucionar constitucionalmente os problemas do défice do país: basta-lhe que proceda de igual modo com todos os portugueses, e não apenas com os pensionistas e reformados,  taxando todos os outros rendimentos superiores a 1350 euros mensais.

Quanto não embolsaria o tesouro público se os detentores das maiores fortunas em Portugal  pagassem sobre, para além do IRS devido, uma Contribuição para a Segurança Social de 40% sobre a quase totalidade do seus rendimentos? Pense nisso senhor Vítor Gaspar. E fale nisso ao senhor Passos Coelho.

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Act. - Provedor de Justiça surpreendido com o aval dado à contribuição extraordinária de solidariedade "Era aquela em que a maior parte dos constitucionalistas e dos fazedores de opinião julgava que o Tribunal Constitucional iria declarar inconstitucional, afinal tal não aconteceu"
As pistas que podem ser lidas no acórdão do TC
Correl .- António Mexia recebeu 3,1 milhões de euros em 2012  "Já o presidente do Conselho Geral e de Supervisão, Eduardo Catroga, recebeu 430 mil euros brutos no ano passado"
 

Friday, April 05, 2013

LULA E OS PIGMEUS

 
Lula: a União Europeia já não existe.
A Alemanha é agora dona e senhora feudal de um vasto território habitado por pigmeus. uns, porque lhes convem porque sim, outros porque deixaram de saber dizer não.
 
A propósito, soube através do Quarta República que um grupo, para já, de setenta manifestantes pronunciou-se ontem por uma despesa pública menor para um futuro melhor. Também subscrevo. Ainda não li o documento, não consigo localizá-lo, mas subscrevo a intenção pelo título, ainda que preferisse uma despesa pública melhor para um futuro melhor. A simples redução da despesa pública não garante, só por si, nada melhor. Presumo que no texto do manifesto aquele menor queira também significar melhor.
 
Em todo o caso, é preciso reconhecer que o actual governo lançou-se com todas as ganas da troica e mais algumas por sua conta pela redução da despesa pública e os resultados não têm sido animadores.
Bem pelo contrário. Os défices do orçamento não obedecem às intenções do memorando assinado pelo trio com a troica e a dívida pública continua a aumentar apesar das receitas extraordinárias a que este governo, imitando os anteriores, tem lançado mão.
 
Porquê?
Porque o memorando foi mal desenhado, informava há dias com evidente atraso o deputado Miguel Frasquilho. Não explicou o deputado se o mal desenhado foi obra de inabilidade ou intencionalidade.
 
Foi intencional.
Sabia-se desde o primeiro momento que o memorando, assinado sobre a pressão de estado de necessidade, não era cumprível. E, com o passar do tempo, cada vez mais. Mas à Alemanha & Companhia do norte interessava, acima de tudo, safar o seu sistema bancário. Por esse desígnio mesquinho foram prostituídos todos os objectivos maiores.  
 
A União Europeia, Lula, foi um mito em que muitos, entre os quais me incluo, acreditaram, já não existe. Os propósitos dos pais fundadores - a preservação da paz no Velho Continente - correm sérios riscos de serem revertidos. A desintegração da Europa, com todos os demónios que vão soltar-e, segue dentro de momentos.

 

Thursday, April 04, 2013

A CULPA DAS CALÇAS*

A Destreza das Dúvidas: Falsidade transformada em dogma?

"A geração de hoje é melhor preparada de sempre" é uma afirmação que não me suscita, olhando para trás, e já é longo o percurso, qualquer contestação se ela se reporta às qualificações médias das gerações anteriores de portugueses. Mas, por outro lado, não me parece, contudo, que o facto de se assistir actualmente a uma emigração massiva de gente qualificada, como nunca antes, possa confirmar a afirmação inicial.
 
Porque:
1 - "A actual geração é a melhor preparada de sempre" mas a progressão observada nas últimas décadas ficou aquem da atingida por outras gerações concorrentes a nível global. Os jovens portugueses estão, sem dúvida, melhor preparados que os de ontem mas o seu posicionamento caiu no ranking mundial. Essa perda competitiva a nível mundial não aconteceu apenas em Portugal, mas sendo baixa a base, a perda relativa deixou-nos mais afundados a nós que a outros.
Aliás, essa perda contínua é nítida até no ranking de desenvolvimento humano do PNUD quase desde a criação desse índice há, salvo erro, quinze anos atrás. É só um índice, é verdade, mas reflecte, de algum modo, a perda de qualidade dos nossos recursos humanos no contexto global.
 
2 - A emigração de gente qualificada não representa uma abundância de oferta em Portugal mas antes a escassez de procura. A progressão do conhecimento é apenas uma condição necessária, mas não suficiente, ao desenvolvimento económico e social. Os movimentos migratórios de baixa ou elevada qualificação, comportam-se como os ventos: sopram das altas para as baixas pressões. Por razões conhecidas, há muito que se instalou na Noruega, por exemplo, um centro de baixas pressões. 
Em Portugal, lamentavelmente, continuamos sujeitos a um crónico centro de altas pressões, e não se vislumbra como soprá-lo de cá.
 
A partidocracia, que muitos confundem com democracia, e com que se entretêm os governantes e os candidatos, tem contribuido bastante para a imobilidade destas condições cronicamente adversas.

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* Comentário que tentei, sem sucesso, talvez por inabilidade minha, colocar no blog "A Destreza das Dúvidas" 

Wednesday, April 03, 2013

MOÇÃO INSEGURA*

Não tenho possibilidade de acompanhar a discussão de hoje na AR mas, ainda que tivesse, não perderia um minuto para ouvir o que já sabemos que vai ser dito de parte a parte. Tanta conversa para ficar tudo na mesma, é enjoativa. De horas e horas de fastio discursivo não resulta mais que um show televisivo que os media vão aproveitar até ao tutano. Ganha o país alguma coisa com isso? Duvido.
 
O problema não é este governo mas a amarga sensação de ausência de uma alternativa que possa inverter o caminho da descida, que permita terminar com a escavação, como sugeriu o outro, mas não disse como. Seguro não vai além de um discurso vazio e repetido de políticas de emprego e crescimento, e percebe-se que o seu objectivo inconsciente é o poleiro apodrecido. Mas Portugal não é caso único.
 
No resto do sul da Europa, a luta de galos é idêntica. Desde que a raposa germânica lhes entrou pelas traseiras, gregos e latinos têm-se esforçado para lhe aumentar as rendas sem que qualquer deles seja capaz de cerrar fileiras e enfrentar a ameaça da força com a ameaça da unidade. Em Espanha, os escândalos multiplicam-se e atingem até a  monarquia, o que seria displicente em outras circunstâncias é destruidor nas actuais, o líder da oposição está em queda contínua, o governo limita-se a promessas, o desemprego não pára de aumentar e a prometer continuar na mesma passada. Em Itália o caos político é uma habituação que desta vez pode resvalar para o desastre democrático. Em França, o senhor Hollande esgotou-se em três tempos, se não estava esgotado antes de tempo. São cretinos, os latinos?
 
Dona Ângela deve estar convencida que sim. Só assim se explica o à vontade com que se comporta no meio de tanta gente assaltada sem ter noção do assalto nem instinto para, pelo menos, lhe bater o pé. A propósito: por uma questão de dignidade, de alguma verticalidade na coluna, o senhor Durão Barroso, que saiu do país já o país estava de tanga, para usar a sua expressão dele, e o senhor Constâncio que, como governador do Banco de Portugal, foi, objectivamente, um dos grandes resoponsáveis pelo desastre, deveriam demitir-se e não continuarem comparsas de um jogo que eles sabem bem ter as cartas viciadas.

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*Modificado.
Act . - Sem surpresa, a moção de censura foi rejeitada. Passos Coelho insiste que renegociação da dívida se encontra no fim da linha. Sem avistar luz ao fundo do túnel, nem ele sabe para onde leva o combóio.

Tuesday, April 02, 2013

O MEU BURRO VERDE



O professor de desenho tinha um nome venerável, Santa Maria, mas idade a mais e saúde a menos para turmas de miúdos que tinham acabado a escola primária, onde a disciplina e o esforço eram garantidos pela palmatória e pelo ponteiro pousados à mão direita do mestre. Mais crescidos e menos constrangidos, mais longe de casa, para a maior parte o primeiro ano da secundária era de libertação.
Aquilo que na primária seria impensável, faltar às aulas, por exemplo, na secundária era uma aventura, desde que o correio fosse convenientemente controlado e o aviso da escola não chegasse aos destinários.
 
Mestre Santa Maria teria na altura mais que setenta anos, era baixo e franzino, sempre impecavelmente vestido com fato castanho claro, não sei se sempre o mesmo ou diferentes versões da mesma opção, cabelo raríssimo, óculos na ponta do nariz se estava ao perto, pendia-lhe uma corrente do bolso do colete de onde retirava o relógio com os dedos em pinça quando se aproximava a hora do fim da aula, calçava botas com polainitos de camurça castanho claro. Era um dos mártires da rebeldia juvenil subitamente destapada. De tal modo que no terceiro período foi reinternado no manicómio.
Mas isso é uma outra história que, se ainda não contei, um dia destes conto.
 
Logo no primeiro dia de aulas prescreveu mestre Santa Maria o material exigido nas suas aulas. A lista era imensa, pelo menos vista pela perspectiva de quem não estava habituado, nem lhe era consentido, tanta despesa. Só guaches, Pelikan, tinham de ser Pelikan, cinco: as cores principais, amarelo, azul e vermelho, e o preto e o branco. Acabada a aula, conversaram os menos abonados acerca de tanta exigência e ficou logo ali determinado pelo grupo em que me integrava, que eu compraria o azul, o Frederico, o vermelho, o Álvaro o amarelo, não recordo quem compraria o preto e o branco. E, a bem da economia nacional e da balança comercial, decidimos comprar Cisne, muito mais  em conta que os Pelikan.
 
O acordo funcionou razoavelmente durante semanas, cada qual pintava o menos que podia para não esgotar o material, ainda que tenham surgido alguns atritos com a falta de delicadeza que alguns tinham na ponta dos dedos quando se tratava de colocar um pouco de guacho na borda do godés. Até que um dia, o mestre mandou imaginar e desenhar um animal, e depois pintar. Desenhei um cavalo mas saiu-me mais ou menos um burro. Nada que colocasse em risco a avaliação do período, só faltava pintá-lo. De que cor? Castanho. Saiu verde por falta de comparência do vermelho do Frederico.
 
Passou o mestre em revista os trabalhos do dia, olhou o meu burro verde, disse, que disparate, onde é que já se viu um burro verde?, e traçou-me sobre o meu burro verde dois traços cruzados às quatro pontas da folha com um lápis vermelho que usava naquelas circunstâncias. O meu futuro como artista plástico ficou traçado ali, debaixo daqueles traços que pareciam de sangue.
 
Hoje visitámos uma exposição de Chagall. Magnífica. No Kunsthaus museum estão patentes pela primeira vez, suponho, fora da Rússia, algumas das suas obras mais importantes. Mas foi o "burro verde", de 1911 (há pelo menos dois quadros com o mesmo título, o que hoje vi é o da direita, em baixo) que me fez recuar umas décadas  e relembrar-me do mestre Santa Maria.
 
Que não sabia que já em 1911, pelo menos, havia burros verdes na Rússia.
 
 
L'âne vert  Marc Chagall, ‘The Green Donkey’ 1911