Dizia ontem o professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito de Lisboa Jorge Miranda em entrevista da Antena 1 que considera inconstitucional a Contribuição Especial de Solidariedade (CES) sobre os reformados - vd. aqui. Jorge Miranda, para além de uma personalidade respeitadíssima enquanto cidadão e constitucionalista, foi um dos mais influentes criadores da Constituição Portuguesa de 1976. Acerca do acórdão do Tribunal Constitucional, de que discorda mas naturalmente respeita, afirmou ainda que tendo abordado o assunto com outros especialistas na matéria todos se manifestaram igualmente surpreendidos sobretudo com aquela decisão tomada pela maioria dos juízes do TC.
Nenhum dos entrevistadores interpelou Jorge Miranda acerca da abrangência daquele imposto, que considera inconstuicional, aos fundos complementares de pensões, criados por empresas privadas e geridos por entidades privadas e onde, obviamente, a administração pública nunca meteu prego nem estopa, e onde, portanto, o Estado nem está minimamente envolvido nem de algum modo comprometido. Perdeu-se com esta falha dos entrevistadores (repetindo a generalidade de analistas e comentadores do assunto) uma oportunidade de ouvir uma voz autorizada sobre um assunto que, ainda recentemente, era motivo de slogan da maioria no poder: o sistema de pensões deve progredir no sentido de se sustentar em três pilares - a segurança social gerida pelo Estado, os PPR, da iniciativa individual dos cidadãos, os fundos complementares de pensões financiados e geridos pelas empresas privadas. A decisão do Governo de tornar também passíveis do CES os fundos complementares de pensões é, para além de claramente confiscatória, obviamente derrubadora do terceiro pilar que este Governo tanto parecia encarecer. O envio para o TC de um assunto que deveria ter sido decidido em sede política, determinou a constitucionalidade do que era considerado pela generalidade dos constituicionalistas claramente inconstitucional. Receei como muito possível tal decisão aqui.
Falhou ainda aos entrevistadores ouvir Jorge Miranda sobre as excepções ao confisco que o TC consagrou, também em proveito próprio dos seus pares reformados. Transcrevo do site do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (www.smmp.pt).
"...Nem todos os reformados com pensões elevadas saem a perder com a decisão do Tribunal Constitucional (TC). Os juízes e os diplomatas jubilados não são afectados pela polémica contribuição extraordinária de solidariedade (CES), viabilizada pelos juizes do Palácio Ratton. E com a decisão do TC passam também, como qualquer funcionário público, a ter direito a subsidio de férias.
Estes pensionistas estão teoricamente equiparados aos funcionários públicos. A CES não se aplica às suas pensões devido a uma norma do Orçamento do Estado que abre uma excepção para as "pensões e subvenções automaticamente actualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no activo", mas que ficam sujeitas aos cortes salariais que estão a ser aplicados desde 2011 (de 3,5% a 10%), para montantes superiores a 1.500 euros.
Mas nem sempre esta equiparação foi considerada um motivo para isentar este grupo de reformados (que são jubilados porque não podem desempenhar outras actividades remuneradas durante a aposentação) da taxa especial. Em 2011 e 2012, o Governo aplicou aos juízes jubilados o primeiro corte salarial dos funcionários públicos e, simultaneamente, a CES que era então aplicada apenas às pensões acima de cinco mil euros.
Mas face aos processos que chegaram a tribunal, em Julho de 2012 decidiu recuar. Num ofício já citado pelo Negócios, a CGA garantiu que ia devolver o dinheiro da contribuição retida nesses dois anos. Agora, na hora de generalizar a CES a todas as pensões de 1.350 euros em diante, optou-se por deixar estes grupos de fora do seu âmbito.
O que é preferível? Ser tratado como funcionário ou como pensionista? Embora a CES se tenha inspirado nos cortes salariais da Função Pública, ela prevê taxas muito superiores acima dos cinco mil euros. Assim sendo, quem tem pensões mais elevadas, e em eventual acumulação com pensões complementares, sai este ano beneficiado pelo facto de lhes ter sido aplicado o corte salarial que corresponde aos trabalhadores no activo.
Pensões do estrangeiro também estão excluídas
Além dos juízes e diplomatas jubilados, também quem recebe pensões do estrangeiro está excluído da CES. Esta regra tanto é válida para um estrangeiro a residir em Portugal, como para um português que recebe uma reforma de outro Estado ou até de um fundo de pensões ou de uma seguradora que esteja sedeada noutro país. Quem tem carreiras internacionais ou simplesmente viu a empresa a constituir-lhe um seguro ou um fundo no exterior escapa assim a esta contribuição.
Do mesmo modo, os seguros de renda vitalícia, os planos poupança-reforma (PPR) ou os fundos de pensões ficam de fora da CES quando são constituídos pelo próprio titular, em seu nome. Embora o objectivo tenha sido o de não penalizar a poupança feita pelos próprios titulares, no âmbito do chamado "terceiro pilar" da Segurança Social (a excepção são os certificados de reforma públicos), isto permite que pessoas que saíram de grandes empresas com dinheiro para constituir a sua reforma escapem à CES.
O caso paradigmático é o de Jardim Gonçalves que, recebendo uma das reformas mais altas do País, acaba por pagar taxa só sobre uma pequena parte, tal como o Negócios já noticiou.
Pode parecer uma questão de somenos, mas era fundamental para o teste à constitucionalidade da medida. Se os juizes tivessem considerado que a CES configura um imposto, então, teria de observar-se o artigo 104° da Constituição, segundo o qual o imposto sobre o rendimento pessoal tem de ser único, progressivo e atender à capacidade contributiva de cada um que o suporta e às necessidades e aos rendimentos do agregado familiar.
Gomes Canotilho, Cavaco Silva e Bagão Félix apostaram nesta tese, tendo considerado que a CES é um imposto porque é exigida coercivamente e 'porque não fornece qualquer contrapartida pelo seu pagamento. E, embora seja progressiva, não admite deduções que lhe dêem um carácter pessoal.
"Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso" dizia Bagão Félix.
Cavaco Silva e Gomes Canotilho argumentaram que os reformados e pensionistas encontram-se numa situação de "maior carência e vulnerabilidade material", já que não podem reagir aos cortes ao seu rendimento, e já estão a sofrer cortes por outras vias, nomeadamente na área da saúde. Gozam por isso de protecção especial.
Em segundo lugar, há o que se define como uma "relação sinalagmática" entre os trabalhadores que descontam e o Estado, não podendo essa relação ser violada. Além disso, sustentaram, o direito à pensão não pode ser beliscado porque ele já se formou na sua plenitude: passou à esfera dos direitos adquiridos, à luz da Lei de Bases da Segurança Social. Mexer no valor das pensões configuraria uma alteração retroactiva da lei fiscal.
Quando conjugada com o IRS a CES pode chegar a levar até 87% do rendimento bruto de um reformado. É por isso que Cavaco Silva considerou que ela "envolve um esforço fiscal muito intenso e desproporcionado", do qual resultam situações discriminatórias e excessivas. Sendo por isso manifesto o seu "carácter confiscatório ou expropriatório" que atinge o direito à propriedade privada. Bagão Félix chamou-lhe "um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza"...
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