- César, eu a mandar e tu a governar, vamos por este país nos eixos, não há dúvida! Para já, demos o grande passo atrás para se poder ir em frente. Às dezoito horas de hoje, sexta-feira, hoje é sexta-feira não é?, os bancos vão ser avisados para, irrecusavelmente, seja a que pretexto for, converterem todas as contas em coroas portuguesas, ao câmbio de um euro igual a, quantas coroas tínhamos combinado?...
- ... ?
- Ah!, pois nessa altura ainda não te tinha mandado chamar. Agora me lembro, o espanhol saiu com mil pesetas, nós vamos por cima, por mil e quinhentas, achas bem?
- E temos papel para tanta coroa?
- Oh! César, nem parece teu. Pelo mesmo papel tanto se imprimem dez como dez mil. É nisso que está o segredo de polichinelo do negócio, percebes agora? E, depois, o que temos em stock é para os primeiros dias. A partir de agora, as rotativas não param!
- Mas, Manel, a malta tem euros em casa, na carteira, no mealheiro, alguns até no colchão ...
- E qual é o problema? A partir da próxima segunda-feira não serão permitidos mais pagamentos em euros, só em coroas. Quem tem euros tem de os trocar nos bancos. A polícia vai ter ordens para apreender, sem recurso, a favor do Estado, euros ou qualquer outra moeda estrangeira, utilizados em transacções fora dos bancos. Entretanto, a partir da meia-noite de hoje, começa a distribuição de notas de Norte a Sul do País. Para as Ilhas seguem à mesma hora dois aviões da força aérea com o material necessário.
- Manel, nos Açores, ...
- Não me venhas com excepções, César! É assim, e não doutra forma!
- Manel, ...
- Irra! Também tu, César?!!!
- Essa parte é minha, se não te importas ...
- A importo, importo! César, quem manda? Vá, deixa-te de detalhes e vamos ao essencial. Quem montou esta operação sem que ninguém, nem a uiquiliques!, desse por ela, salta à vontade por cima de qualquer obstáculo!
(noque, noque, noque)
- O senhor César pode entrar?
- Deixa-o entrar!
- ... Posso?
- Trazes o relatório?
- Na cabeça, conforme recomendaste, para evitar fugas de informação.
- Óptimo. Vamos a ele.
- Temos alguns problemas sérios...
- Tanto melhor. Não me agradam problemas menos sérios. Que problemas, César?
- Esta semana vencem-se três mil milhões de empréstimos...
- Três mil milhões de coroas?
- Ná. Três mil milhões de euros. Eles não aceitam coroas.
- Ainda bem. Nem nós lhas daríamos. O trabalho que tivemos para as imprimir ... Três mil milhões, bom, e depois?
- Depois não temos esse dinheiro.
- Não temos? Essa é boa! O que é que fizemos aos euros que recolhemos nos bancos?
- Os que eram do Estado já foram gastos.
- Gastos?!!! Como é que foram gastos se foram dadas ordens irrevogáveis de proibição de quaisquer pagamentos em euros?
- Cá dentro, Manel, cá dentro...Lá fora não entram coroas portuguesas...
- Queres tu dizer, não as deixamos sair... Bom, deixemo-nos de detalhes e vamos ao pagamentos...Não temos, não pagamos. Reformam-se os empréstimos, mas eles que deduzam os juros já pagos a mais.
- A mais, como?
- Quanto paga a Alemanha, que é rica?
- Não faço ideia. Para aí um por cento...talvez pouco mais ...
- Pois eles que estornem (parece que é assim que se diz), que estornem a diferença, e depois falamos.
- E se eles não aceitarem?
- Tanto pior para eles, essa agora. Riscam-se da lista de credores ...
(noque, noque, noque)
- Irra que já não se pode tirar uma sesta descansada! Que é que se passa agora?
- É César, Alteza...
- Entra César. Que é te trás a esta hora por cá?
- Os banqueiros querem falar contigo?
- Falar comigo? Nem pensar. Pergunta-lhes o que pretendem e responde-lhes tu mesmo.
- Dizem que as reservas se estão a esgotar e corremos o risco de ficar sem bens essenciais...
- Tais como?
- Remédios, petróleo, trigo, milho...batatas...
- Com mil diabos, não produzimos batatas?
- Não chegam.
- Como, não chegam? Plantem-se batatas! O que é que nos falta para que se plantem batatas em quantidade bastante para alimentar a malta? Terra, sementes, trabalho? O que é que falta?
- Vou saber, Manel, vou saber. Mas, o petróleo ...
- Se não ganhamos para o petróleo, gaste-se menos, ande-se a pé, desenvolva-se a indústria de calçado ...
- E os remédios?
- Reduzam-se as doses.
- E o gás?
- O gás? Qual gás?
- Para os cozinhados, para os banhos, para ...
- Para nada. Fogareiro, menino, fogareiro. Sabes, por acaso, o que é um fogareiro? Não sabes?, pois não sabes. Não há melhor. Grelhados no carvão ficam com outro sabor, sabias?
- Carvão? Não temos.
- Como, não temos? Vais à mata, cortas, queimas e tens carvão. Vegetal. Carvão vegetal, menino, é outra coisa. Já, agora, quando saires manda o motorista aprontar-se para me levar à caça...Vou até ao Alentejo amanhã a ver se arranjo que comer esta semana.
- Manel, ...
- Não há papel!
- Papel, ainda temos algum. Mas esgota-se para a semana, e, a partir daí, param as rotativas ...
- Param uma ova, César! As rotativas não param, nem que eu tenha de ir a pé ao Alentejo!!
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