Friday, February 10, 2006

CONTOS DA ÁGUA TÓNICA 2


Meu Caro Luciano

A 3ª.Conferência sobre a Economia Portuguesa promovida pelo Banco de Portugal teve, pelo menos, a vantagem de trazer a Portugal o Prof. Olivier Blanchard que, sem nos ter dado a receita ideal para ultrapassarmos a crise, alertou para alguns aspectos que contrariam algumas ideias feitas e vendidas por gente ilustre neste País.

Desde logo, é de realçar o facto de a sua comunicação – Adjustment within the euro. The difficult case of Portugal - se conter propositadamente, ou não, dentro do cenário actual da nossa inclusão no euro. Pode sempre considerar-se que a saída do euro não foi encarada por Olivier Blanchard, porque seria uma hipótese que, em primeira instância, é de natureza política, não sendo útil trabalhar essa alternativa. De qualquer modo, é de realçar o facto de não ter havido uma única intervenção ou interrogação dos participantes na Conferência, e estava lá muita gente ligada ás Universidades, ao Banco de Portugal e à Administração Pública, sobre a proposta do Prof. Ferreira do Amaral (vd post neste blog - O Euro e Eu).

E foi pena: porque tivemos uma ocasião soberana para obter de um reputado macro economista do MIT uma opinião que além de ser, seguramente fundamentada, teria a vantagem de ser formulada por alguém com suficiente distanciamento para não se prender a razões não estritamente científicas.

As perspectivas formuladas por Blanchard só não são terrivelmente inquietantes porque a maior parte dos portugueses não tem percepção delas e a outra parte faz como o macaco da anedota: encosta-se a um canto à espera que a vontade de trabalhar lhe passe. Aliás, quanto às conclusões, Blanchard disse praticamente o mesmo que Victor Constâncio na abertura da Conferência: a saída da crise e o relançamento do crescimento económico está na redução dos salários reais (chamou-lhe desinflação), pelo menos tanto quanto eles se apreciaram relativamente aos outros parceiros no euro. Porque, se é certo que os salários médios em Portugal se situam ainda bastante abaixo dos que são pagos no grupo dos 15, houve nos últimos 10 anos uma recuperação que excedeu os ganhos de produtividade observados no mesmo período.

A alternativa é aumentar a produtividade ou fazer uma coisa e outra, mas quanto aos aumentos de produtividade os resultados serão demorados e terão como contrapartida taxas de desemprego mais elevadas.

Claro que a redução dos salários reais é uma questão tabu, ninguém vai avançar com ela a não ser em situação de ruptura inadiável.

Mas Blanchard também disse, citando o Relatório da Mckinsey, pago em 2003, sobre a produtividade em Portugal, na altura foi muito falado mas depois arquivado, que o gap de 48% de produtividade entre Portugal os cinco países da EU com valores mais elevados, se devia em 16% a factores estruturais e 32% a factores não estruturais, e que estes poderiam ser corrigidos com medidas apropriadas aumentando a produtividade anualmente em 2,5% nos (então) próximos 10 anos.

Outro aspecto referido por Blanchard, que contraria uma opinião muito generalizada, que eu não partilho (vd. post neste bolg “A estrada da Beira e a beira da Estrada), é a questão que coloca a bóia salvadora na educação e no plano tecnológico. É por demais óbvio que não tendo 75% da população portuguesa completado o ensino secundário, o crescimento da produtividade e, em consequência, do crescimento económico, é limitado por este enorme handicap estrutural. Mas também, por essa mesma razão, não pode deixar de contar-se com esse handicap nas políticas de crescimento e emprego, precisamente porque afecta a maior parte da população activa e grande parte dela não tem hipóteses de reconversão para funções muito mais exigentes do que aquelas realizaram toda a vida. Por outro lado, a reconversão dos reconvertíveis será sempre demorada, considerando a premência de medidas que permitam a retoma da economia e a convergência com a EU a curto prazo.

Pergunta Blanchard: “Is it essential for Portugal to improve productivity in the high tech sector and increase its share of high-tech exports? The answer is, I suspect, no…
A more obvious comparative advantage, and one which is likely to remain for a long time, is in tourism. “

Não penso que Portugal tenha de resignar-se à prestação de serviços pessoais como o maior pilar da nossa economia (Blanchard refere a experiência espanhola de acolhimento de reformados de elevados recursos, que representa transferências anuais para o país vizinho de um montante equivalente a 2% do PIB português); é imperioso o fortalecimento das nossas capacidades científicas e técnicas em graus susceptíveis de criar bens e serviços de maior valor acrescentado mas não pode ignorar-se a população que não tem meios de acompanhar passadas que excedem o comprimento das suas pernas.

É ainda muito interessante a análise que Blanchard refere, a título de exemplo, citando outra vez, o Relatório de 2003 da Mckinsey, a propósito do gap de produtividade na construção civil em Portugal relativamente aos Estados Unidos da América.

“The study found that productivity in residential construction was only 38% of the level in the benchmark country, in this case de United States. The main proximate causes behind this 62% gap were the lack of standardization in design and construction – for example underutilization of prefabricated materials – which accounted for 22% (one third of the gap); poor design – for example high levels of rework – which accounted for another 15%; inefficient execution – for example underutilization of labour and machinery - which accounted for another 10%...”


O caso da baixíssima produtividade na construção civil é apenas um dos exemplos flagrantes dos níveis de corrosão que impedem o relançamento da economia portuguesa e que decorrem de um factor que não foi abordado: o fomento da concorrência. Não se promove a produtividade se não se promove a concorrência. William W. Lewis, que foi partner da Mckinsey & Company durante vinte anos e fundador de Mckinsey Global Institute, refere repetidamente isto mesmo na sua obra "The Power of Proctivity" , The University of Chicago Press, 2004.

A situação que caracteriza a construção civil em Portugal denuncia um enviesamento no funcionamento do mercado que inibe o crescimento da produtividade num sector fundamental: a produtividade é baixa, os custos são elevados, a oferta excede a procura, os stocks engrossam, os preços mantêm uma tendência fortemente crescente, os lucros atraem e deslocam recursos das produções e serviços transaccionáveis.

Porquê?

Ora porque bebem da água tónica, pois claro.

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