Meu caro Luciano,
Já tentei adquirir o livro do Prof. Amaral mas não consegui. A obra parece estar esgotada, aliás é uma edição de 2002, eu pensava que fosse coisa recente mas não é. De qualquer modo deve ter consistência suficiente para resistir às agruras do tempo, quando puder comprar, compro.
Até lá, e para testar as minhas impertinências com as sapiências vou alinhavar umas quantas questões acerca do tema que levou o homem a ficar encrespado comigo, ao que parece.
Disse ele, que existiam fundamentalmente duas ordens de razões que justificavam a nossa crise e impediam que dela saíssemos: uma, indiscutível, tem a ver com a conjuntura envolvente: somos uma pequena economia aberta, quando os parceiros dormem nós ressonamos; outra, que para o Prof é igualmente indiscutível mas que, para quem não leu sequer as duas primeiras páginas dos manuais persistem em não ver, parece menos nítida: o Euro.
O Euro, segundo o Prof. Amaral (mas também segundo o Manual Monteiro, que foi do CDS, crismou em PP, e depois fundou a Nova Democracia) foi a peste que nos entrou em casa. Com o Euro lá se foram as nossas possibilidades de fazermos as nossas desvalorizações, com o Euro, enfim, e isto é que é verdadeiramente dramático, perdemos competitividade. Segundo o Prof. Amaral, cerca de 25%.
Ora, como sabes, eu quando não percebo digo que não percebo, quando não estou de acordo digo que discordo. Foi o que aconteceu há dias.
É claro como água do Mondego, quando não vai turva, que se se desvaloriza a moeda em que pago os meus custos e facturo em moeda forte o que produzo, arrecado a desvalorização. Até aqui não há dúvidas nem necessidade de ir aos Manuais. Passar-se-ia o mesmo se eu não pagasse os encargos sociais ou não aumentasse ou reduzisse os salários dos meus colaboradores. Os chineses são competitivos porque não têm essas chinesisses a que os ocidentais chamam o sistema social europeu, nem toleram greves, e ainda por cima são eles, e não o mercado, quem diz quanto vale um yuan. A propósito consulta www.chinarevaluation.com.
Claro que quem paga a conta são os chineses: podiam viver melhor mas persistem em continuar a fornecer-nos a preços da Maria Caxuxa. Até quando, veremos. Os chineses são competitivos porque ganham muito mal mesmo quando comparados com os nossos baixos salários mínimos.
Se, para dar vigor às nossas indústrias decadentes, desvalorizássemos, o efeito seria como o do viagra: era para o momento e punha-se a andar. Ora, ao que parece, o uso do viagra acaba por dar cabo do canastro a médio prazo. O mesmo aconteceria com a desvalorização para aumentar a competitividade: momentaneamente havia a ilusão do vigor regressado e depois o desconsolo da realidade dura.
Se não vejamos:
Quem é que o soçobrou? Fundamentalmente as indústrias do sector têxtil, das confecções, do vestuário e, em certa medida, do calçado. Perante quem? Perante os produtores de custos mais baixos, chineses e tutti quanti.
Se desvalorizássemos para competir com eles, quanto teríamos que desvalorizar? Os tais 25% de que fala o Prof. Amaral? Não davam. Todos sabemos que não davam.
Mas admitindo que desvalorizávamos, teríamos desde logo que pagar mais caras as matérias-primas e a energia importadas. Estamos de acordo, não?
Mas a desvalorização pressupõe inflação, uma coisa arrasta a outra, sobretudo se somos, e somos, muito pouco auto suficientes. Ora se os preços aumentam os trabalhadores ou vêm os seus salários aumentados (e lá se vai a vantagem competitiva da desvalorização) ou passam realmente a ganhar menos. Continuamos a estar de acordo?
Entretanto passar-se-á uma coisa que só quem não quiser ver não vê: os “empresários” dos sectores em crise ao receberem as vantagens imediatas da desvalorização que fazem? Investem para se tornarem mais competitivos em termos de custos dos factores? Inovam para competir a outros níveis de qualidade? Não fizeram nem uma coisa nem outra quando tiveram essas possibilidades. Muitos compraram carros de luxo, abriram contas no estrangeiro, passaram-se para o imobiliário.
Que o problema não é o Euro demonstra-o o facto de salvo alguns, poucos, persistirem no argumento, praticamente ninguém saiu a terreiro contra o Euro. A Auto Europa ameaçou, recentemente, sair daqui, ficou toda a gente alarmada, o governo ter-lhe-á dado garantias e mais vantagens mas ninguém falou do Euro.
Diz o Prof Amaral que o Euro é como a guerra em África: não se sabe quando, mas um dia vai acabar. Tudo é possível, claro. Até as aparições.
Só não compreendo é como é que ele acha possível acabar com o Euro sem acabar com a União Europeia. Pus-lhe a questão, como viste, respondeu-me que as desvalorizações teriam de ser negociadas. Sempre ouvi dizer que as desvalorizações se fazem muito secretamente às sextas-feiras à tarde. É possível anunciá-las com antecedência?
Eu não tenho lá grande coisa para safar, de qualquer modo com vinte e quatro horas de antecedência sou capaz de abrir o meu pequeno chapéu-de-chuva.
Se, para dar vigor às nossas indústrias decadentes, desvalorizássemos, o efeito seria como o do viagra: era para o momento e punha-se a andar. Ora, ao que parece, o uso do viagra acaba por dar cabo do canastro a médio prazo. O mesmo aconteceria com a desvalorização para aumentar a competitividade: momentaneamente havia a ilusão do vigor regressado e depois o desconsolo da realidade dura.
Se não vejamos:
Quem é que o soçobrou? Fundamentalmente as indústrias do sector têxtil, das confecções, do vestuário e, em certa medida, do calçado. Perante quem? Perante os produtores de custos mais baixos, chineses e tutti quanti.
Se desvalorizássemos para competir com eles, quanto teríamos que desvalorizar? Os tais 25% de que fala o Prof. Amaral? Não davam. Todos sabemos que não davam.
Mas admitindo que desvalorizávamos, teríamos desde logo que pagar mais caras as matérias-primas e a energia importadas. Estamos de acordo, não?
Mas a desvalorização pressupõe inflação, uma coisa arrasta a outra, sobretudo se somos, e somos, muito pouco auto suficientes. Ora se os preços aumentam os trabalhadores ou vêm os seus salários aumentados (e lá se vai a vantagem competitiva da desvalorização) ou passam realmente a ganhar menos. Continuamos a estar de acordo?
Entretanto passar-se-á uma coisa que só quem não quiser ver não vê: os “empresários” dos sectores em crise ao receberem as vantagens imediatas da desvalorização que fazem? Investem para se tornarem mais competitivos em termos de custos dos factores? Inovam para competir a outros níveis de qualidade? Não fizeram nem uma coisa nem outra quando tiveram essas possibilidades. Muitos compraram carros de luxo, abriram contas no estrangeiro, passaram-se para o imobiliário.
Que o problema não é o Euro demonstra-o o facto de salvo alguns, poucos, persistirem no argumento, praticamente ninguém saiu a terreiro contra o Euro. A Auto Europa ameaçou, recentemente, sair daqui, ficou toda a gente alarmada, o governo ter-lhe-á dado garantias e mais vantagens mas ninguém falou do Euro.
Diz o Prof Amaral que o Euro é como a guerra em África: não se sabe quando, mas um dia vai acabar. Tudo é possível, claro. Até as aparições.
Só não compreendo é como é que ele acha possível acabar com o Euro sem acabar com a União Europeia. Pus-lhe a questão, como viste, respondeu-me que as desvalorizações teriam de ser negociadas. Sempre ouvi dizer que as desvalorizações se fazem muito secretamente às sextas-feiras à tarde. É possível anunciá-las com antecedência?
Eu não tenho lá grande coisa para safar, de qualquer modo com vinte e quatro horas de antecedência sou capaz de abrir o meu pequeno chapéu-de-chuva.
No comments:
Post a Comment