Saturday, February 04, 2006

EUROSNOSSOS

Caro João!


Entendo bem a sua estranheza perante as minhas considerações a propósito do nível de lisura e honestidade que habita neste País. Claro que não temos o monopólio das desgraças mas é, lamentavelmente uma realidade triste, que de cada vez que sai uma lista negra lá estamos, geralmente, a ocupar os lugares cimeiros. Em matéria de corrupção e quejandos alinhamos ao lado dos subdesenvolvidos. Aliás, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros reconheceu isso mesmo aqui há uns meses, e foi criticado por o ter dito mas o que disse não foi contestado.

É certo que não nos emendaremos por cantar o fado mas também não progrediremos a assobiar para o ar.

Este País, contrariamente ao que se diz, não é de brandos costumes mas de desculpas recíprocas, do género faz lá tua vigarice e deixa-me fazer duas. Como no meio da confusão o interveniente mais desprevenido é o Estado, e o Estado é um ente abstracto que convém tramar, quem engana o Estado tem direito a passe doble e corte de orelha.

A nossa discussão foi suscitada à volta do tema Eurominas tendo-se o meu amigo esforçado por nos dar conta dos meandros percorridos pelo dito processo. Retive a ideia fundamental do seu raciocínio: o governo de Cavaco Silva teria tomado uma decisão ilegal e a prova dessa ilegalidade estava no facto de em Comissão Arbitral terem sido posteriormente reconhecidos os direitos da Eurominas anteriormente postergados.

Uma Comissão Arbitral onde uma das partes é o Estado é, a meu ver, uma Comissão suspeita porque quem representa o Estado defende os interesses do representante e não do representado, interesses esses que podem ser eventualmente divergentes. Ficava mais tranquilo, apesar de tudo, que o assunto tivesse sido julgado em Tribunal.
Eu não conheço o processo, tal como a maior parte das pessoas fui alertado para o assunto a partir de um artigo saído recentemente no jornal O Público, sei que foi aberto inquérito parlamentar, sei que a maioria PS pretendeu encerrar o processo abruptamente, sei que depois terá reconsiderado.

Independentemente do que vierem a ser as conclusões daquele inquérito e das razões que assistem ou não á Eurominas e, por tabela, ao governo que na altura anulou o despacho anterior e mandou indemnizar aquela Empresa, o que eu sei é que o Estado foi desembolsado de um valor muito significativo e quem pagou a factura resultante de um acto político sem contrapartidas foram os contribuintes.

E é esse o busílis da questão: como contribuintes fomos, aqueles que cumprem as suas obrigações fiscais, chamados a contribuir para o pagamento de um erro grave. Quem o cometeu, não sei.

Mas as consequências negativas deste caso vão para além de uma contribuição espoliada. Já não é segredo para ninguém que o Estado está á beira de um colapso financeiro, e aqueles que sofrerão as consequências mais penosas de uma travagem, brusca ou programada, são aqueles que vão neste autocarro gripado com menos base de apoio, isto é, os reformados e outros pouco previdentes.

Claro que o caso Eurominas nem seria um problema assim tão grave se fosse original, mas infelizmente não é. Todos sabemos que a irresponsabilidade na gestão dos dinheiros públicos campeia, muitas vezes ganha votos e frequentemente prescreve.

Caro João: Se lá chegarmos e ao sentirmos que, após quarenta e muitos anos de obrigatórias e volumosas contribuições para a Previdência, nos estão entrando no bolso, gritarmos, agarra que é ladrão!, teremos razão ou falta de educação?

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