Saturday, December 17, 2011

CONFUSÕES DE CONCLUSÕES E DE CONCEITOS

O Financial Times publicou no início desta semana um artigo - Frustratin mounts over Madoff backlog - que relata o drama de muitos daqueles que confiaram as suas economias a fundos privados como meio de garantirem uma reforma que lhes permitisse tranquilidade económica na última fase das suas vidas, e que hoje são obrigados a voltar a trabalhar para sobreviver. O caso Madoff não constitui, bem longe disso, um caso excepcional de desaforo financeiro. Sucederam no passado, mesmo no passado recente, anterior ao espoletar da actual crise, muitas situações de descalabro com contornos idênticos.   A derrocada iminente do sistema financeiro mundial ameaça deixar na penúria extrema grande parte daqueles que colocaram as suas poupanças nas mãos de gestores, ou manipuladores?, de fundos privados. 

O sistema pay as you go (significando que pagam os descontos aos activos as pensões dos reformados), adoptado entre nós pelo sistema geral de segurança social vem sendo, ultimamente, crescentemente criticado pela invocada impossibilidade da sua sustentabilidade a longo prazo, em consequência, sobretudo, do baixo crescimento demográfico (somos a sociedade com mais baixa taxa de natalidade em todo o mundo) e da falta de crescimento económico na última década, agravada pela recessão que a austeridade impõe. Ainda que estes, e outros, argumentos desfavoráveis ao pay as you go sejam pertinentes, a passagem para um sistema de capitalização é impraticável a menos que as pensões deixassem de ser pagas aos pensionistas actuais.

Mas, independentemente, da impraticabilidade total ou parcial do sistema, estaria garantido o futuro das poupanças capitalizadas? A experiência demonstra que não estão, e que, para além de não estarem, as situações de sinistro, quando ocorrem, e podem ocorrer generalizadamente, de modo incontrolável, causam a perda total ou quase total das poupanças que garantem as pensões.

Entre um sistema (pay as you go) que, indubitavelmente, apresenta vulnerabilidades, mas que permite ajustamentos aos condicionamentos envolventes, e outro que pode, de um  momento para o outro, implodir e pulverizar todas as esperanças, qual é o preferivel?

A propósito deste tema: Ouve-se, cada vez com mais insistência, que o problema maior do défice do estado e, consequentemente, da dívida pública é a dimensão do estado social e, nomeadamente, o peso das prestações sociais, com grande destaque para o valor das pensões. Medina Carreira e o séquito de bebedores das lições do guru  não se cansam de  prognosticar a inevitável falência do sistema em consequência da exorbitância do monstro.

Não têm razão Medina Carreira & Cª.? Alguma têm, obviamente. Admitamos até que têm muita. A demagogia de governantes à caça do voto levou-os frequentemente no passado a distribuirem muito para além da capacidade de produção própria. Mas, entusiasmados com aquilo que supõem ser uma descoberta sempre mal assimilada pelos portugueses, mesmo depois de anos e anos de educação popular do mestre, exageram.

Exageram, por exemplo, quando dimensionam a despesa pública. Não só eles, diga-se em abono da verdade. O conceito oficial e vulgarizado de despesa pública está parcialmente errado. E está errado porque as pensões pagas aos pensionistas (que foram contributivos para o sistema geral de segurança social e são pagas pelas contribuições actuais dos activos) só por distorção total de conceitos podem ser consideradas despesa pública.

A receita pública pode ter três origens: impostos, taxas e empréstimos. A despesa pública serve a três destinos: investimento público, subsídios e prestações de serviços. É fácil perceber que não há identificação alguma entre a função meramente administrativa de recolher contribuições para a segurança social e pagar as pensões aqueles que foram contributivos e as funções do estado por mais alargado que seja o seu perímetro: saúde, ensino, justiça, defesa, segurança interna, assistência social.

As pensões dos reformados da segurança social não são pagas com impostos, com taxas ou com empréstimos. As pensões dos reformados da função pública, são, e por isso constituem despesa pública.
As pensões e subsídios pagos a não contributivos, são, e são também despesa pública. As pensões dos contributivos em sistema pay as you go, não. Eventuais défices do sistema (falta de sustentabilidade a longo prazo) são corrigidos com retrocessos nas garantias, e isso tem sido observado de há alguns anos a esta parte. Défices do estado são cobertos ou por mais impostos, por mais taxas ou por mais dívidas. E é também isso que temos observado recentemente.  

Evidentemente, toda esta confusão de conceitos em que embrulham a falta de transparência da gestão pública, e que o caso a que me refiro é apenas um exemplo, não permite destrinçar aquilo que não é despesa pública e até é receita pública: na medida em que, por enquanto, o sistema é superavitário (as contribuições para o regime geral de segurança social excedem as pensões pagas aos que foram contributivos) a diferença reduz o défice do estado e é, deveria ser, considerado um empréstimo ao tesouro. 

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