Tuesday, December 27, 2011

INSISTE AMARAL

Anda a dizer o mesmo há anos.
Já durante a 2ª. Conferência dos Economistas, realizada em Novembro de 2006, de que tomei nota aqui e aqui, Amaral persistia na proposta de saída de Portugal do euro como forma de evitar a continuação dos malefícios do euro que, segundo ele, eram a causa dos problemas enfrentados pela economia portuguesa.

Ferreira do Amaral tem, evidentemente, toda a liberdade de dar as opiniões que entender, acerca do euro ou da melhor forma de confeccionar bacalhau. Mas o professor Ferreira do Amaral tem obrigação de saber que as suas opiniões num caso e noutro têm diferentes impactos na sociedade quando é convidado a opinar perante grandes audiências. A um professor de economia exige-se que, mais do que opiniões, realize estudos e dê conhecimento das suas conclusões.

Na recente entrevista que concedeu à Lusa, Amaral opina*  “é razoável” pensar que a Europa “estaria melhor” sem a moeda única.

Porquê? Responde Amaral:“A zona euro cresceu pouco, muito menos que na década e meia anterior. Acumularam-se desequilíbrios gigantescos nas balanças de pagamentos, nomeadamente em Portugal, na Grécia e também, em parte, em Espanha.”  (  ) Portugal (  ) nunca teve alguma “década tão má” como a começada com a introdução das notas e moedas de euro em 2002, “pelo menos desde a II Guerra Mundial”. “já está” numa situação “pior do que há dez anos”: “Não só pior em termos de rendimento per capita, como pior nas desigualdades, pior em termos de estrutura produtiva.”  (  )  sugere assim que Portugal deveria abandonar a moeda única. (  )“A manutenção na zona euro vai implicar estarmos décadas a viver à custa de empréstimos fornecidos pela União. Décadas. Porque não temos condições de crescimento nenhumas, e o nosso aparelho produtivo continuará talvez anda mais ineficiente que agora” (  ) “Portanto, de uma ou duas décadas de ajuda ninguém nos tira, numa situação dessas. Penso que isso é insustentável, mesmo do ponto de vista político.” (   )  não considera que os actuais problemas se devam a erros políticos tanto como ao “fracasso” do projecto europeu: “Um bom projecto é o que resiste a erros de política económica. Não me parece, com toda a franqueza, que tenha havido erros monstruosos de política económica” na zona euro. (  )A nossa questão orçamental é apontada como um grande desregramento, mas não é verdade, tivemos maior desregramento antes de entrar na zona euro”, (  )  considera que, se o problema fosse o despesismo dos governos, “teríamos um défice muito maior, porque as receitas cresceram pouco, e a actividade [económica] cresceu pouco”. (  ) a “transferência de recursos de sectores de bens transaccionáveis para bens não transaccionáveis” é resultado de Portugal fazer parte de um espaço com uma “moeda forte”. (  ) “O aparelho produtivo reorientou-se para sectores protegidos da concorrência externa, porque a moeda é forte e não fazia sentido concorrer com produtos importados”, (  ) “Isso não foi um erro de política económica, o erro foi aderir a essa zona [de moeda forte].” (  ) critica a União Europeia por se ter “aberto sem condições” ao comércio mundial: “A liberdade do comércio é boa em termos gerais”, mas teria sido preferível “uma gradual liberalização”.


Algumas afirmações de Amaral são consensuais, são factos, outras são conjecturas balizadas: a transferência de recursos de sectores transaccionáveis para bens não transaccionáveis tinha sido prevista nas actas fundadoras do euro. Competia aos governos adoptarem políticas que contrariassem essa tendência. Não o tendo feito foram cometidos erros de política económica que ainda subsistem. A perversidade da trajectória foi denunciada há muito tempo. Olivier Blanchard, por exemplo, demonstrou-o num documento distribuido durante a 3ª. Conferência do Banco de Portugal, referido aqui, em Fevereiro de 2006.

Se Ferreira do Amaral começasse por onde terminou a entrevista quando critica a União Europeia por se ter “aberto sem condições” ao comércio mundial: “A liberdade do comércio é boa em termos gerais”, mas teria sido preferível “uma gradual liberalização”, retiraria conclusões diferentes, porque, mais do que o euro forte, foi a liberalização incondicional do comércio e a entrada da China à Organização Mundial de Comércio (WTO) que marcou a década da estagnação das economias ocidentais.

E agora, João?
Agora o melhor é sairmos, diz ele. Como saimos, para que saímos, João não sabe, ou se sabe não diz.
O euro está neste momento  ao mesmo nível cambial nominal que estava há cinco anos: 1 euro = 1,308 dólares dos EUA. Entretanto, a moeda chinesa valorizou-se contra o dólar e o euro sensivelmente o mesmo, cerca de 20%, uma desvalorização pressionada sobretudo pelos norte-americanos nos últimos tempos.

O que ganhamos se sairmos do euro? Maior competitividade cambial para os sectores de média e baixa tecnologia que se confrontam com os países com custos (isto é, com salários) muito mais baixos? O que João Ferreira do Amaral propõe, inegavelmente, mas ele não explicita, é um recuo ao modelo de desenvolvimento sustentado por mão-obra barata, um refrão que os sindicatos, contraditoriamente repudiam e apoiam quando se revêm nas propostas de Ferreira do Amaral.

E, mesmo assim, resultaria?
Não se conhecem as contas de Ferreira do Amaral nem, diga-se em abono da verdade, daqueles que geralmente defendem a presença na eurozona sem que se conheçam se são fundamentadas as suas conclusões, se são mais do que convicções apenas.  Acerca de uma questão de transcendente importância para o futuro do país esgrimem-se as posições contrárias com palpites!

Uma moeda fraca é, já o anotei neste bloco de notas, um viagra de efeitos transitórios. Se esses efeitos têm relevância, depende da resultante da matriz de fluxos com o exterior. Se uma indústria transformadora necessita de uma desvalorização cambial para ser competitiva, o efeito cambial apenas se repercute sobre o valor acrescentado nacional. Dito de outro modo, o efeito (negativo) da desvalorização da moeda forte na importação de equipamento, matérias primas, energia, poderá anular o efeito (positivo) da redução real dos salários.

A competitividade cambial (leia-se a competitividade salarial) é a saída das economias do mundo em vias de desenvolvimento. Há dias entrei num estabelecimento, enorme, de venda de vestuário de uma marca em ascenção recente. Espreitei as etiquetas: made in Bangladesh, Filipinas, China, Peru, Siri Lanka, Índia, ... etc. Ferreira do Amaral não desconhece isto. Que economia projecta ele para Portugal com uma moeda fraca?

Como é que os jornalistas interrogam o professor Amaral vezes sem conta e nenhum o confronta com isto?

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