Sunday, January 13, 2013

A CULPA DA CONSTITUIÇÃO

O recurso ao Tribunal Constitucional, que deveria ser excepção na tramitação da administração da justiça, tornou-se em Portugal uma quase vulgaridade, ascendendo muitos processos ao pódio por razões de evidentes manobras dilatórias que têm como objectivo esgotar prazos e fugir às sentenças. O cidadão comum repara neste desaforo que protege essencialmente aqueles que têm recursos para escapar à justiça,  sobretudo quando são figurões em telenovelas de corrupção ou escândalo de dimensão mediática parecida, e convence-se que o TC existe em grande medida para dar guarida a ricalhaços, foragidos da lei. 

O envio do OE ao Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva de alguns items, repetindo a cena do ano passado mas desta vez com mais requerentes, colocou o TC sob holofotes mais intensos e várias vozes contestam a judicialização desta matéria que não deveria sair do foro político, e a banalização do recurso à Constituição para desempate de diferendos geralmente ideológicos, imputando responsabilidades ao formato constitucional que temos. 

Ora a Constituição da República Portuguesa, será um matagal mal desbastado que nasceu em tempos desvairados, conterá mais do que razoavelmente deveria conter, obrigando até o senso comum a desobedecer a alguns dos seus mandamentos, sem que ninguém recorra ao TC por esse facto evidente. Mais uma originalidade nossa. 

Mas tem a Constituição que temos culpas neste cartório onde se protesta a judicialização da política com recurso ao TC do que devia ser concordado entre aqueles que foram eleitos para isso? Evidentemente, não. Se a Constituição fosse escorreita, limpa da tralha que tem a mais, o senhor Passos Coelho ter-se-ia, por essa razão, entendido com quem devia, e o OE 2013 seria um documento acabado sem recurso a intervenção judicial? É óbvio que não.  

Mais vale um mau acordo que uma boa demanda, diz a sabedoria popular. O senhor Passos Coelho optou por uma demanda. Se boa ou má, veremos. Democraticamente, será sempre má. 

4 comments:

Luis Moreira said...

Mas as coisas podem ser mais complicadas :http://bandalargablogue.blogs.sapo.pt/108293.html

rui fonseca said...

Li o artigo de Henrique Raposo e penso comentar amanhã.

Parece-me que obedece a uma triangulação silogística com sofisma pelo meio.

Porque não está demonstrado que as eventuais inconstitucionalidades do OE possam ser refutadas pelo TEDH com base no facto de não existirem medidas alternativas às constantes do OE.

manuel.m said...

Em Setembro do ano passado o Tribunal Constitucional alemão foi chamado a ratificar o Mecanismo Europeu de Estabilidade ,(ESM em inglês), Tratado assinado pelo governo germânico .A declaração de inconstitucionalidade , a ser proferida ,causaria provavelmente o colapso da Zona Euro , mas nunca nos seus sessenta anos de História esse Tribunal proferiu um acordão com tais catastróficas consequencias . Optaram então os Juizes por um meio termo ,muito à semelhança dos seus colegas portugueses quando se pronunciaram sobre o Orçamento de 2012, com um sim, mas : Sim ,o Tratado respeitava a Constituição ,mas era afixado o limite máximo de 190 biliões de Euros às responsabilidades financeiras do Bundesbank decorrentes da sua assinatura . Ficava assim demonstrada com muita criatividade a independencia do TC alemão sem causar grandes perturbações, ficando cumprida a missão que é a razão da existencia de qualquer TC .
manuel.m

rui fonseca said...

Obrigado manuel.m pelo seu contributo.

Na Alemanha o TC foi chamado a pronunciar-se sobre uma matéria que a Constituição expressamente lhe reserva a responsabilidade de se pronunciar.

Em Portugal o recurso ao TC, neste caso, decorre de uma incapacidade política dos partidos para se entenderem. Daí a judicialização da decisão, que, estando prevista, empobrece o funcionamento das instituições democráticas.

Nos EUA continua a decorrer o debate sobre o aumento do nível do endividamento. O país pode ser colocado numa situação de recessão mas a responsabilidade não é transferida para o Tribunal Constitucional.

Em Portugal também não deveria ter sido.

Digo isto sem olhar à defesa interesses próprios. Serei eventualmente beneficiado se o TC declarar a inconstitucionalidade dos pontos em disputa.