Saturday, May 22, 2010

LER, ESCREVER E CONTAR

Nos tempos do antigo senhor era tido como suficiente que o povo soubesse ler, escrever e contar. A grande maioria não sabia e o país ainda hoje é aquele que, vergonhosamente, está na cauda da literacia da União Europeia e, lá perto, no conjunto dos países da OCDE. Melhorou? Melhorou muito, mas não o suficiente para deixar de andar no fim do pelotão.
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Queixam-se as universidades que muitos alunos lhes chegam impreparados do secundário, não entendem as perguntas, não dominam a álgebra elementar, frequentemente não sabem aritmética. Perguntar-se-á porque os admitem e as universidades respondem que o fazem por uma questão de sobrevivência, porque ganham à peça. É lamentável mas não há outra justificação menos chocante.
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É esta indigência em que sobrevive o ensino em Portugal que justifica perguntas do tipo: "Quanto são dois mais cinco?" nas provas de aferição deste ano de alunos do sexto ano de escolaridade.
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O mais desastroso, contudo, é a  incapacidade notória dos serviços públicos e aparentados para as contas de somar. Ontem soube-se que entre o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças há um desencontro total acerca da evolução recente do número de funcionários públicos e dos encargos com os salários que lhes são pagos. O Banco de Portugal afirma que tanto funcionários como salários aumentaram, o Ministério rejeita. Não sabem contar? Certamente que sabem. O que não sabem, provavelmente, é o que é um funcionário público e contam espécies diferentes. Porque não se entendem o Banco de Portugal, o INE e o Ministério das Finanças acerca de um conceito tão simples? Mistério.
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Outra dificuldade primária nas contas de somar reflete-se na contagem dos portugueses. Segundo referia há uns tempos atrás Luís Campos e Cunha, professor universitário, ex-Ministro das Finanças,a população portuguesa é superior aquela que as estatísiticas oficiais declaram. Se isto é verdade, todos os indicadores per capita deveriam ser revistos em baixa ou em alta os valores globais.
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Mas se a contagem de dez milhões e muitos (ou poucos?) indivíduos pode apresentar algumas dificuldades para um povo que aos doze anos talves não saiba quanto são dois mais cinco, já é mais intrigante que uma empresa pública, a OPART, que gere o Teatro Nacional de São Carlos, não saiba quantas entradas cobrou nos últimos anos. Os números declarados pelo ex-director artístico do São Carlos e os da senhora ministra que o demitiu têm evolução oposta: subiram, para o ex-director, desceram, para a ministra.
Não sabem  contar? Não sabem o que é uma entrada cobrada.
Nada que não se compreenda se aceitarmos a perspectiva de Gabriela Canavilhas: a cultura não é um assunto de números nem de gráficos.
Pois não. O incómodo surge quando se constata que é, irremedivelmente, também uma questão de dinheiro. E não foi ainda descoberto modo de lidar com ele sem o contar.

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