Saturday, May 01, 2010

ÉTICA & BÓNUS - 2

neste artigo de John Kay uma perspectiva que me confunde porque parece excessivamente ingénua num homem com o seu curriculum. Admito, portanto, que esteja a fazer uma leitura deficiente da sua posição acerca da questão da atribuição de bónus chorudos aos gestores de empresas, questão que vem sendo debatida há muito tempo, e que muitos consideram ser a causa maior da produção e propagação de produtos financeiros tóxicos que abalaram o mundo, mas não abalaram ainda as bases em que aquela produção e propagação perversas se sustentaram e continuam a sustentar.
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Ninguém de boa fé acredita que aqueles bónus tenham sido (e continuem a ser) atribuídos pelos clientes (accionistas) dos bonificados como gratificação da quantidade e qualidade de serviços produzida. Até mesmo um insuspeito liberal como Alan Greenspan observa em The Age of Turbulence, que "... a crítica (que deve ser feita) não é aos bónus, mas à falta de accountability (quando os gestores se comportam, na prática, como donos das empresa)",
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“"It should not come as a surprise that, as with authoritarianism everywhere, the lack of adequate accountability in corporate management has spawned abuse. It was pretty clear during my quarter century on corporate boards that petty abuse was widespread, and on occasion that abuse rose above the petty. Accordingly, I am not surprised that the outsize CEO compensation packages of recent years have raised public concerns of unseemliness..."
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Dito de outro modo, do cruzamento de compromissos entre os executivos eleitos pelos conselhos de administração, por sua vez eleitos por indigitação dos executivos, não é legítimo falar de bónus mas de apropriações abusivas concertadas entre uns e outros. Temos em Portugal vários casos muito paradigmáticos destes abusos.
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Não há, portanto, qualquer paralelismo possível, mesmo unicamente formal, entre os "bónus" pagos aos gestores (e a outros terceiros coniventes) e eventuais compensações atribuídas pelo maior ou menor sucesso de uma operação quer ela seja cirúrgica, pedagógica, de transporte em taxi ou serviço de restaurante. Há cirurgiões principescamente remunerados em função dos serviços que prestam ou, pelo menos, da reputação que grangearam. Em grande parte dos países mais desenvolvidos, os professores mais prestigiados são disputados pelas melhores universidades. Os melhores restaurantes recrutam, em princípio, os melhores profissionais, onde as gratificações são também mais generosas. Nestes casos, e em muitos outros, os "bónus" pagam a diferença e sem eles a produtividade (quantidade/qualidade) seria menor. Retirem-se aos futebolistas da selecção nacional os prémios que lhes acenam e ver-se-á que passam a marcar menos e a sofrer mais golos, porque o patriotismo não é motivação suficiente. Estamos, nestes casos, perante uma questão de ética, aliás, de falta dela? Duvido. As pessoas movem-se por incentivos e sem eles a humanidade não seria melhor, provavelmente não existiria sequer.
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Voltando aos "bónus" dos gestores, não se tratando, nestes casos de retribuições mas de apropriações (pelo menos em grande parte) que os beneficiários decidem atribuir-se, ainda que indirectamente, a eles mesmos, e que não correspondem em muitos casos proporcionalmente ao mérito dos resultados alcançados, as exorbitâncias não serão nunca corrigidas com discursos éticos mas com leis adequadas.
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É delas que continuamos à espera.

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