Thursday, May 10, 2012

O QUE DEVE DIZER FRANÇOIS À ANGELA

"What Holland must tell Germany", segundo Martin Wolf, na sequência do recado de Jens Weidmann.

No seu habitual artigo publicado ontem no FT começa por recordar que se a União Europeia não for mais do que uma união monetária (como reafirmou Jens Weidmann, o presidente do Bundesbank em artigo no mesmo FT, que comentei aqui ), não sobreviverá. Os colapsos dos sistemas do padrão ouro na década de 30 e Bretton Woods na década de 70 evidenciaram a insustentabilidade dos acordos das taxas fixas de câmbio. As medidas de austeridade impostas por uma política exclusivamente dirigida à credibilidade do euro acabarão por desintegrar a união monetária e, inevitavelmente, a União Europeia.

Segundo o FMI, o peso da dívida pública no PIB continuará a crescer até 2013 na Itália, Espanha, Portugal e Irlanda (na Grécia há um ligeiro decréscimo em consequência da reestruturação) mas, pior que o crescimento da dívida, é o crescimento do desemprego, sobretudo entre os jovens dos 15 aos 25 anos. A emigração é uma alternativa para os mais capazes mas uma perda para os seus países. Em França, a situação é melhor mas não muito: um em cada cinco jovens está sem emprego. Sarkozy foi o oitavo líder de um país da Zona Euro a deixar o cargo em pouco mais de um ano.

Contrariamente ao que pretende Weidmann, os resultados das reformas estruturais não são imediatos e não produzirão as alterações susceptíveis de promover a recuperação das economias em recessão. Na década de 80, quando a conjuntura externa era mais favorável, as reformas de Thatcher só produziram efeitos significativos uma década depois.    

O sucesso da economia alemã (que Hollande tanto enfatizou no  frente-a-frente com Sarkozy) não se deve tanto às reformas de Gerhard Schröder, como pensam muitos alemães mas sobretudo à sua soberba base industrial e ao crédito desmedido que alimentou o crescimento do consumo  (e as dívidas) por todo o lado. Há alguma hipótese da Alemanha devolver agora esse favor? Praticamente, nenhuma. É Weidmann que o assegura: Se alguém pensa que a Alemanha vai promover o consumo interno e aumentar a inflação interna, esqueça. Até à ocorrência do crash, a inflação foi consistentemente mais elevada na Zona Euro excepto na Alemanha. Logicamente, agora deveria ocorrer o contrário, mas isso não vai acontecer segundo as previsões do FMI (e Weinmann garante).  

Paul de Grauwe, escreveu  num artigo recente que o processo de ajustamento em curso é assimétrico: os países em dificuldades desinflacionam mas os que estão em boa situação não inflacionam. Ora esta situação não é típica de uma união monetária, é, antes, mais parecida com um império.  

Nestas circunstâncias, o que pode fazer François Hollande? Primeiro, tem de esquecer as promessas que fez aos franceses, não só porque a sua concretização não ajudará a França mas também porque os líderes alemães não o levarão a sério.

François Hollande deve começar por uma discussão séria com os alemães acerca do modo como eles pensam acabar com a crise na Zona Euro. Deve pegar na sugestão recente de Wolfgang Schäuble de  aumento do salários na Alemanha. Depois deve demonstrar aos seus interlocutores que: ou o ajustamento dos desequilíbrios que provocaram a crise se realiza com medidas simétricas, ao mesmo tempo que prosseguem as reformas nos países em dificuldades, ou há transferência permanente de recursos dos países com excedentes para aqueles onde subsistam défices, ou a Zona Euro, total ou parcialmente, tem os dias contados.

A escolha mais razoável é a primeira. A política de austeridade tem de dar lugar a políticas simultâneas de ajustamento realistícas e de reformas estrurais. 

São reduzidas as hipóteses de Hollande ser bem sucedido. Mas tem de tentar.

6 comments:

Pinho Cardão said...

Caro Rui:
Nesta tua brilhante série de posts, as tuas observações são lúcidas e, salvo uma ou outra questão, não tenho, no geral, objecções essenciais. Tenho apenas algumas reservas no que respeita à oportunidade de algumas das sugestões. Realço particularmente as tuas seguintes notas:
a) "Nestas circunstâncias, o que pode fazer François Hollande? Primeiro, tem de esquecer as promessas que fez aos franceses, não só porque a sua concretização não ajudará a França mas também porque os líderes alemães não o levarão a sério".
b) "François Hollande deve começar por uma discussão séria com os alemães acerca do modo como eles pensam acabar com a crise na Zona Euro".
c) "A proclamação de que são precisas políticas de crescimento que são incompatíveis com a austeridade severa decretada por Berlim e suportada, até agora, por Paris, é um slogan político que não tem o condão de fazer crescr seja o que for e aonde for".
d)"Portugal não precisa de mais dívida mas de menos dívida. Precisa, é preciso dizê-lo claramente, de uma redução da sua dívida pública. Antes que o cisma aconteça".
Depois, dizes que a política de austeridade tem de dar lugar a políticas simultâneas de ajustamento realísticas e de reformas estruturais. Não estou em desacordo. Mas, primeiro, há que provar que se tomam algumas medidas.
Porque, no fim, o que o que está implícito na Agenda do Partido Socialista é apenas manter a situação e procurar o crescimento através de mais despesa pública, isto é, um retorno ao princípio do fim. O recomeço da tomada do mesmo veneno. O Partido Socialista arranjou alguém que financie e pague a dívida adicional? Ou arranjou mesmo alguém disposto a entregar mais dinheiro?
Quanto a Hollande, continua igual a si próprio e ao socialismo. Agora, quer congelar o preço dos combustíveis. Gerando défices adicionais. Quanto maiores forem os da França, menos a França acudirá aos outros. E é nele que Seguro tem esperanças. Estamos mesmo bem entregues!....

rui fonseca said...

Caro António,

Obrigado pelos teus comentários.
Contudo, as propostas são de Martin Wolf, não são minhas. Limitei-me a dar de uma forma resumida o que me pareceu ser fulcral no artigo de Martin Wolf.

Mas são minhas as afirmações feitas ontem, em contraponto ao texto de Weidmann, de que
c) "A proclamação de que são precisas políticas de crescimento que são incompatíveis com a austeridade severa decretada por Berlim e suportada, até agora, por Paris, é um slogan político que não tem o condão de fazer crescr seja o que for e aonde for".
d)"Portugal não precisa de mais dívida mas de menos dívida. Precisa, é preciso dizê-lo claramente, de uma redução da sua dívida pública. Antes que o cisma aconteça".

Discordas, se bem entendi o teu comentário, desta última.
Oxalá eu não tenha razão. Mas penso que não temos nenhuma hipótese de resolver o imbróglio em que estamos metidos sem uma redução (chama-lhe reestruturação ou perdão, se preferires) da dívida.

Anonymous said...

Caro Rui
Para quem não percebe nada de economia mas tem vindo a ler este blog e outras fontes de informação, fico um pouco perplexo sobre as medidas e as propostas para a resolução da divida publica.
Primeiro há que saber de que é composta a divida publica, quanto cabe aos gastos do estado, quanto foi usado para acudir aos bancos para os salvar do imbróglio aonde se meteram. Mais do que restruturar a divida acho essencial regular o mercado financeiro pois continua a especulação (agora com as dividas soberanas dos paises mais débeis). E depois restuturar a divida tendo em conta as permissas anteriores pois deve-se fazer justiça. Uma dúvida que permanece e segundo os seus post anteriores, muitos bancos europeus ainda se encontram afogados nos produtos tóxicos da crise e que começam a vencer nos próximos tempos. Qual a dimensão deste problema? Não iremos assistira uma nova crise? Os bancos não empurram com a barriga da especulação da divida soberana este problema?
Quanto ao relançamento da economia não podemos vê-lo como mais divida mas sim como investimento e para isso precisamos de outros intervenientes politicos pois quem está na esfera do poder só tem demonstrado que não está interessado em resolver o país mas sim os seus interesses. Continuamos á espera da diminuição da despesa do sector central do estado e já hoje temos noticias através do Gaspar que os impostos directos vão aumentar até 2015! Assim não temos futuro...e tudo mesmo tudo pode ser possivel. As pessoas aguentam até determinados limites e querer ver até onde pode não ser uma boa ideia!

rui fonseca said...

Caro Anonymous,

Concordo com muito do que refere no seu comentário, e se tem acompanhado o que escrevo sabe que assim é.

A situação económica e financeira portuguesa (para não alongar a lista) está muito complicada.

Mas o nível da dívida pública (também da privada, mas essa terá de ser resolvido doutro modo)é, realisticamente, insolúvel se não houver reestruturação. E quanto mais tarde, pior.

De qualquer modo sugiro-lhe vivamente que leia os textos de Weinmann e Martin Wolf no Financial Times. Podem ser consultados através da net. Durante um certo tempo (uma ou duas semanas, suponho) o acesso é gratuito.

Anonymous said...

Caro Rui
Se o diagnóstico está feito, vamos então aplicar a terapêutica mais adequada. E é aqui que não consigo vislumbrar quem tenha a coragem de aplicar a terapêutica mais adequada. Parece que toda a gente foge dela por ser uma terapêutica demasiado agressiva para quem tem sido tratado com paninhos quentes.
Afinal o que é o dinheiro? É a materialização absurda do valor das coisas que permitiu durante uma época o desenvolvimento das sociaddades mas que presentemente alianou e desvirtuou os valores em que deve acentar as sociedades pois sem solidariedade entre as pessoas as sociedades desmoronouam-se e perdem a sua conssistência tornando-se pastos dos mais diversos predadores. Nunca o mundo assistiu a uma tão grande criação de riqueza mas também nunca assistiu a uma tão grande desigualdade na distribuição da mesma. Será altura de reflectir sobre a criação de riqueza ( com que fim, para quê e até onde) pois os recursos mundiais de matéria prima são finitos e muito do que se produz não é essencial para o desenvolvimento das sociedades e o seu bem estar. É pois nestes paradigmas que consigo conceber o papel da economia como factor determinante do desenvolvimento armonioso da riqueza criada.

rui fonseca said...

"...consigo conceber o papel da economia como factor determinante do desenvolvimento harmonioso da riqueza criada."

Percebo bem os seus argumentos, mas não se muda o mundo consoante os nossos desejos por mais cristalinos e fraternos que sejam.

Podemos dar um jeito. Sempre pequeníssimo, se formos capazes de o dar.

De qualquer modo o mundo tem globalmente evoluído no sentido do desenvolvimento humano. Acredito que é hoje melhor que ontem e será melhor amanhã que hoje.

A menos que ocorra o apocalipse.