Que o primeiro-ministro meteu o pé todo na argola, quando avançou com a ideia inteligente, mais que previsivelmente quase unânimente condenável à partida, de anunciar uma redução da contribuição da TSU das empresas em simultâneo com um aumento da contribuição dos trabalhadores, até o próprio já, implicitamente, reconheceu quando a retirou e a substituiu pelo enorme aumento de impostos. Como a substituta não tem a mínima relação de parentesco com a substituída ( a redução da TSU para algumas empresas foi aflorada nos media nas não foi abordada no discurso de Gaspar), o inevitável recuo do Governo tornou-se inevitavelmente reflexo de um barco à deriva.
O corte dos salários e das pensões dos funcionários públicos e das reformas dos contribuintes do sistema geral de segurança social este ano tinha sido quase pacificamente encaixada pelos atingidos: pelos funcionários públicos, porque o Governo conseguiu fazer passar a mensagem de que a função pública desfruta de condições de remuneração média e de segurança de emprego que não existem na generalidade do sectores privados, o que é parcialmente verdade mas as discrepâncias deveriam ser minimizadas de modo adequado; pelos reformados da segurança social (que, aliás, não mereceram a devida atenção do Acórdão do Tribunal Constitucional acerca da inconstitucionalidade dos cortes decretados pelo Governo) porque não há nenhuma cadeia de solidariedade sindical entre eles.
O chumbo do TC tornou inevitável o enorme aumento dos impostos por outra via, já que, só por um jogo de cintura semântica, se pode considerar em 2012 corte de despesa pública aquilo que em 2011 tinha sido, por ter sido generalizado aos rendimentos do trabalho, considerado um imposto. Mas ao atingir a generalidade da população a reacção social era previsível porque a mordidela passou a doer a quase todos. Há alternativa?
Há, dizem as oposições, se forem adoptadas políticas de crescimento e emprego. Provavelmente, defendem alguns, se o objectivo de redução do défice tivesse sido menos drástico, o défice seria o mesmo mas a recessão não seria tão profunda em 2012. E o mesmo raciocínio é aplicável a 2013. Admitindo que assim seria, há uma realidade incontornável em qualquer dos casos: a dívida cresce e os juros aumentam, potenciando o aumento da dívida. E deste ciclo infernal não haverá saída enquanto não houver renegociação das condições da dívida, renegociação que não passa (é uma questão de contas simples) pela reentrada da dívida soberana portuguesa nos mercados financeiros como, repetidamente, querem fazer crer o primeiro ministro e o ministro das Finanças. Os juros da dívida já excedem 10% da despesa pública, e o calendário de amortização da parte externa desta é sufocante.
De qualquer modo, o enorme aumento de impostos poderia e deveria ser menor se houvesse redução substancial de despesas que o Passos Coelho disse ter identificado durante a campanha eleitoral e que agora, como primeiro-ministro, tem mostrado enorme incapacidade em fazer cumprir. Aliás, o Governo de Passos Coelho não só se mostra impotente na remoção de alguns encargos redundantes como há sinais preocupantes de uma contradição flagrante entre o seu discurso que prometia transparência nas admissões na função pública e a realidade que constata o mesmo abuso viciado de acolhimento a mais boys no ninho do Estado.
É urgente a remodelação do Governo como pretendem alguns, entre os quais o sábio professor Marcelo? Talvez, mas parece-me claramente que a solução deste percurso cambalente não passa principalmente por aí. Passos Coelho parece tão cansado e isolado como o Governo que chefia.
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Insisto nisto: Mais do que remodelar, Passos Coelho deveria alargar a base de apoio ao Governo desafiando o PS a juntar os seus esforços à resolução do problema que o governo anterior, em grande medida, criou.
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* Marcelo Rebelo de Sousa: Governo tem 15 dias para ser remodelado
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* Marcelo Rebelo de Sousa: Governo tem 15 dias para ser remodelado
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