De passagem por Lisboa, Stiglitz voltou a deixar a mensagem que tem transmitido desde o início da crise na Europa : a austeridade não é solução e acabará por afundar o euro. Desta vez, ironicamente, resumiu as suas perspectivas acerca do tema numa frase concisa: "Faremos história se a austeridade funcionar".
Há 10 anos, Stiglitz publicou "Globalization and its Discontents", a obra de divulgação do seu pensamento de política económica mais citada em todo o mundo. Em 1993 tinha deixado a Universidade para presidir ao Conselho de Assessores Económicos do Presidente Clinton. Entre 1997 e 2000 foi Economista-Chefe e Vice-Presidente do Banco Mundial. No prefácio de "Globalization and its Discontents" afirmava "Escrevi este livro porque quando estava no Banco Mundial, observei em primeira mão o efeito devastador que a globalização pode ter nos países em vias de desenvolvimento, e especialmente nas classes pobres desses países".
Dez anos depois, a realidade parece contrariar am larga medida as previsões de Stiglitz: A fulgurante ascenção da China, o crescimento da Índia, o crescimento no Brasil, a recuperação na Rússi, parecem, só por si, testemunharem o contrário. E se é certo que se o crescimento experimentado pelos BRIC beneficiou sobretudo as classes possidentes também é verdade que ele se espraiou de algum modo a grande parte das populações desses países.
Crítico acérrimo dos neo liberais, a quem designa por neo fundamentalistas, Stiglitz ocupa grande parte de "Globalization and its Discontents" no ataque aos processos do FMI, segundo ele obediente incondicional do "Washington Consensus". Ao "Tricle Down-Economics" ( o crescimento económico acabará por beneficiar os mais pobres) defendido pelos liberais opõe Stiglitz o contrato social sustentado na solidariedade deve levar os pobres a participarem nos ganhos da sociedade e os ricos a suportarem os custos em tempos de tempos de crise. Ainda é cedo para avaliar o comportamento destas sociedades actualmente em forte expensão quando o processo se inverter. Mas é inquestionável que o "trickle down-economics" aponta sempre para o crescimento da desigualdade social.
Poderá a austeridade a que estão sujeitos os países agora comandados pelos mecanismos do FMI permitir o crescimento económico? A propósito do sucesso chinês na transição para a economia de mercado, Stiglitz afirmava que esse sucesso decorrera precisamente do facto da China ter rejeitado as políticas "pronto a vestir" do FMI. Receio, como muitos receiam, que, desta vez, Stiglitz tem razão.
As sementes da crise são de natureza diversa, a economia portuguesa já se confrontava com bloqueamentos estruturais antes da crise global eclodir, a banca foi altamente irresponsável na importação e distribuição de crédito, o então governador do Banco de Portugal errou redondamente quando se convenceu e convenceu outros que na Zona Euro não haveria restrições de dívida externa, etc., de tudo resultando uma calamidade financeira em cima de uma economia já fragilizada.
A dívida tem de ser paga? A dívida tem de ser contida dentro de limites aceitáveis e os juros não podem ser insuportáveis pelo crescimento económico. Não havendo crescimento, a dívida continuará a parir juros indefinidamente cada vez mais elevados. E a austeridade só consente crescimento económico sustentado pelas exportações à custa da redução continuada dos salários. Se os vizinhos não estiverem, também eles, sujeitos a programas de austeridade.
Resultado: Podemos transitoriamente calar a verdade mas não a eliminamos. Não é possível, dentro do quadro de exigências financeiras impostas pela troica crescer e conter a dívida. É inevitável que um dia destes as cartas sejam colocadas em cima da mesa.
Disse exigências financeiras, porque há outras, por exemplo a reforma da justiça, que há muito deveriam já estar em acção. E o paquiderme é insensível às alfinetadas, por muitas que receba.
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