Em Maio de 2007 escrevi aqui: Recomenda, EPC, que "é preciso fazer como a (Maria Andresen) diz da pintura de Rothko: "Mark Rothko/elevava as cores à ignorância de Deus".
Na altura, confessava que a pintura de Rothko me continuava a intrigar pela simplória razão de não experimentar diante dela o mais elementar resquício da emoção que atinge muitas pessoas. Desde então já devo ter voltado uma boa dezena de vezes a contemplar alguns dos murais de Rothko, num esforço persistente para descortinar uma nesga da perspectiva de onde as cores são elevadas à ignorância de Deus.
José Gil escreve em "Sem Título": Se não é possível atribuir significações precisas aos quadros de Rothko, porque é que elas parecem encerrar todo o sentido do mundo? Diante delas as pessoas rebentam em lágrimas, sem que as lágrimas tenham um significado claro. Rebentam em lágrimas de êxtase: a emoção tornou-se forte demais para um pequeno corpo; ..."
John Logan, que escreveu "Vermelho", uma peça de teatro inspirada pela visão de parte dos seus murais pintados para o "Four Seasons" de Nova Iorque mas que acabaram, parte deles, por serem doados à Tate Modern de Londres, afirma que, quando entrou na Tate e viu a obra de Rothko, "a reacção inicial foi inicialmente ao que se sente ao ver pela primeira vez a pessoa amada. Não consegui respirar. Fiquei como se me tivessem dado um murro no estômago. Tinham qualquer coisa de tão impressionante avassalador que eu fiquei ali parado"
Ontem fomos ver "Vermelho", mais uma encenação de João Lourenço para o "Teatro Aberto", um trabalho que requer um esforço enorme em todos os sentidos só possível, além do mais, por uma entrega total e persistente a uma causa irrenunciável. Não sei quantas peças já foram levadas à cena no "Teatro Aberto", neste e nas instalações antigas. ´Com "Vermelho", já assistimos a sessenta. E é sempre com algum desencanto que observamos o alheamento do público por um teatro maior mas acessível. A" Sala Vermelha" estava quase cheia mas é uma sala pequena. Aquele espectáculo merecia um público que enchesse a "Sala Azul". A interpretação de António Fonseca (Rothko) é notável, João Vicente (Ken) replica com uma composição bem conseguida.
Não penso que a magnífica obra de Logan ou o excepcional trabalho em exibição no Teatro Aberto desbloqueiem a barreira que me impede aceder à mensagem divina de Rothko (Rothko chegou a supor-se Deus). Mas tentar é um jogo a que continuarei a dedicar-se sempre que a oportunidade aconteça. No fim de contas, nesta como em outras reflexões, o objectivo está na tentativa de compreensão dos outros.
"Vermelho", de John Logan, não exige esse esforço. Percebe-se todo.
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