Filipe Neri de OLiveira, Oliveira da parte da mãe, Filipe Neri da parte do santo da devoção materna, tornou-se ardina ao domingo quando o titular abandonou o cargo. Ia buscar os atados do Primeiro de Janeiro e do Diário Popular à estação de caminho de ferro e distribuía os jornais montado numa pasteleira. Durante a semana ocupava-se com um ou outro trabalho leve que a fragilidade física lhe consentia.
Era um homem cordato, sóbrio, despercebido, que se entretinha à noite a assistir aos jogos de cartas no clube, calado e atento. Aos domingos era tão esperado como o Chora, um tipo que motorizou a distribuição de pescado numa Zundapp em segunda mão e fez desaparecer as peixeiras que corriam duas léguas com as canastas na cabeça. Anunciava-se retinindo a campaínha do velocípede, o Chora apertava a pêra da buzina do cucciolo.
No primeiro dia de Janeiro, já o anotei aqui, o Primeiro de Janeiro esmerava-se com uma edição disputadíssima pelos seus habituais leitores. Mas, como era de prever, o número de habituais leitores era superior aos habituais leitores nos outros domingos, de modo que, naquele ano, o primeiro em que o Filipe se aventurara no negócio, os fregueses de A. de Baixo viram o Felipe passar de saco vazio de Janeiros por excesso de procura em A. de Cima, por onde o jornalista começava a volta. No domingo seguinte os de A. de Baixo mandaram vender o Janeiro aos habituais leitores de A. de Cima, o Filipe desistiu da actividade, e acabou a distribuição ao domicílio, e eu deixei de ler o Janeiro.
Tempos depois espantava-me com a pontaria dos ardinas em Lisboa que faziam voar os diários para as varandas dos seus habituais leitores, como space shuttle em origami feitos em três tempos, e deliciavam-me os pregões à tardinha: Olhó Popular!, Olhó Notícias!Olhó Século!Olhá Bola! É a Bola! A Bola! Olhá Bola! Olhó Record! O Janeiro não chegava cá abaixo.
Mais tarde a distribuição dos jornais sedentarizou-se em quiosques pela cidade e acabou a distribuição ao domicílio.
Continua aqui, na Virgínia, a vinte milhas de Washington DC.
Todos os dias, uma mão invisível deixa à porta cerca das seis da manhã o Washington Post numa saqueta de plástico.
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* Editado às 19,30 horas locais, já chegara 2012 a Portugal, aparece datado com a data de ontem, por culpa dos fusos horários.
Tempos depois espantava-me com a pontaria dos ardinas em Lisboa que faziam voar os diários para as varandas dos seus habituais leitores, como space shuttle em origami feitos em três tempos, e deliciavam-me os pregões à tardinha: Olhó Popular!, Olhó Notícias!Olhó Século!Olhá Bola! É a Bola! A Bola! Olhá Bola! Olhó Record! O Janeiro não chegava cá abaixo.
Mais tarde a distribuição dos jornais sedentarizou-se em quiosques pela cidade e acabou a distribuição ao domicílio.
Continua aqui, na Virgínia, a vinte milhas de Washington DC.
Todos os dias, uma mão invisível deixa à porta cerca das seis da manhã o Washington Post numa saqueta de plástico.
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* Editado às 19,30 horas locais, já chegara 2012 a Portugal, aparece datado com a data de ontem, por culpa dos fusos horários.