Wednesday, August 28, 2013

A IDEOLOGIA ESTÁ PRIMEIRO

Afirma Proença de Carvalho em entrevista do DE que  
"alguns magistrados do Tribunal Constitucional se deixam influenciar por motivações ideológicas e políticas”, acrescentando que “no Tribunal Constitucional isso é quase natural”.  
Porquê? "a Constituição do País tem “ideias totalmente desadequadas à realidade”.  
Remédio? "Uma revisão alargada da Constituição do País, bem como a sua “interpretação actualista”, uma vez que comporta “ideias totalmente desadequadas à realidade”.

Não é difícil, para quem não esteja subordinado a baias ideológicas, concordar em grande medida com o diagnóstico de PC. A administração da justiça, sobretudo quando os recursos chegam ao TC, dificilmente poderá escapar-se a uma ponderação com pesos ideológicos mas a Constituição que temos, marcadamente ideológica na época em que foi votada, abriga interpretações que podem tornar-se conflituantes com as competências do governo.

Mas PC sabe, toda a gente sabe, que uma revisão constitucional exige o acordo de uma maioria qualificada de dois terços na AR, e é altamente improvável que um governo que não consegue obter o acordo do PS para as propostas de reforma do Estado que pretende levar a cabo e que, em grande medida por esse motivo acabam por ser remetidas para o TC, endossando para os juízes a tomada de decisões políticas que pertencem constitucionalmente ao executivo, consiga realizar uma tarefa muito mais complexa e demorada. 

Enquanto subsistirem os confrontos de interesses partidários com arremessos ideológicos entre as principais forças políticas, dificilmente poderá esperar-se dos juízes do TC uma neutralidade em matérias onde os políticos se recusam a negociar compromissos.

"La politique d´abord", clamou Maurras na primeira parte do século passado, mas para Maurras a política era a da Igreja Católica e a sua ideologia um dogma. Em democracia, a política é o seu cerne mas a sua composição ideológica é diversa e obriga a compromissos se a intenção é garanti-la.

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A propósito: Até que ponto os macro economistas, subjugados pelas suas convicções ideológicas, são "não cientistas"? O tema, recorrente, é hoje abordado, mais uma vez, aqui.

5 comments:

aix said...

...«mas a Constituição que temos, marcadamente ideológica na época em que foi votada, abriga interpretações que podem tornar-se conflituantes com as competências do governo».
1º-toda a Constituição é ideológica (até a americana)
2º-se as competências do(s)governo(s)conflituam com a constituição o problema é dele(s)ao aceitar(em) cumpri-la.
3º-um exemplo em que 'este' governo tenha deixado de cumprir as suas competências por impedimento 'de esta' constituição...
Abç

Rui Fonseca said...

"toda a Constituição é ideológica"

Caríssimo Filósofo,

É verdade. Mas a Constituição da República Portuguesa é um matagal. Tão denso que em muitos casos nunca foi observado.

Se o meu Amigo reler o que escrevi concluirá que não me parece possível, ainda que desejável, uma revisão constitucional nos tempos mais próximos, e que o governo deveria, mas não tem tentado, evitar o envio de diplomas para o TC negociando com o PS as propostas de redimensionamento do Estado.

Aliás, o pecado original deste governo, já o referi várias vezes neste bloco de notas, decorre do facto de ter assumido responsabilidades que tinham também sido subscritas pelo PS arredando este da corresponsabilização da sua execução.

Assim sendo, como se dizia em tempos idos lá para os meus sítios, volta e meia está o burro nas couves.

Abç

Anonymous said...

Está o burro nas couves e o Sol no nabal...e a constituição como a mãe de todos os males. Independentemente do matagal em que está inscrita e independentemente da sua carga ideológica é esta a lei que rege o Portugal de hoje e são os partidos eleitos através das leis fundamentais que se encontram no poder e que independentemente de qualquer outra circunstância estão confinados a governar sobre aégide desta Constituição. Independentemente mais uma vez da adequação da Constituição aos tempos que correm esta não deixa de ser a lei que todos temos de cumprir e fazer cumprir. Estão duas questões em jogo uma é a adequação da Constituição aos tempos que correm e que como a nossa floresta deva ser limpa do dito matagal e a outra e talvez mais importante é o seu cumprimento integral pelos diferentes intervinientes pois aqui é que se encontra o cerne da questão. Viver em democracia ou num ambito mais lato viver em sociedade implica aceitar as regras com que esta sociedade é gerida. Os juizes independentemente das suas opções ou crenças politicas só têm de se debruçar sobre este aspecto - está-se ou não se está a cumprir as normas constitucinais?

Rui Fonseca said...

Caro Anonymous,

A Constituição, como qualquer lei em geral em vigor, deve ser respeitada.
Cumpre-se mas pode discutir-se.

Acerca deste ponto não há nenhuma diferença de opinião entre nós.

Quanto à interpretação da lei, da incumbência dos juízes, a regra é a mesma, mesmo que alguma sentenças sejam consideradas geralmente obtusas: acatam-se mas podem criticar-se.

Podem as interpretações dos juízes do TC serem isentas do pendor ideológico de cada um? Podem. Não é incomum o voto de um juíz pelo lado oposto ao seu quadrante ideológico. Mas dificilmente os juízes do TC poderão deixar de subscrever considerações que inevitavelmente são opções políticas em processos dessa natureza.

A probabilidade de especulação política aumenta com a densidade do texto fundamental. Se o momento político em que o texto foi, em grande parte, fixado, o influenciou marcadamente, a sua perenidade estará permanentemente a ser posta em causa.

Anonymous said...

De acordo quanto ao por-se em causa o texto e a sua temporalidade. Mas mantém-se o principio que em democracia se deve respeitar as regras e se para se formar governo é necessário a maioria para se mudar a Constituição são necessários os 2/3. Num e noutro caso estamos afalar da vontade popular do querer de um povo pelo que se é lógico advogar esse principio da legitimidade democrática quando se é governo muito mais lógico é o manter-mo-nos estritamente dentro da lei se não mudá-mos a Constituição. quantos partidos até hoje se disponibilizaram para apresentar como parte do seu programa eleitoral a revisão da Constituição?