"Cândida Almeida : “No caso BPN mexe-se na terra e sai minhoca por todo o sítio”
Cristina Esteves
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Passados estes meses, consegue entender por que não teve esses meios? Houve obstáculos colocados propositadamente?
Não me parece que fossem obstáculos de propósito. Tem é de se lutar com um ‘status quo' muito difícil e que está instalado em toda a sociedade portuguesa: o que é novo é olhado de soslaio. Não verificaram e não viram que era um serviço essencial para a justiça e para o país.
Quem eram esses "eles"?
Vários, do interior da própria magistratura e exteriores. No momento político e de abertura em que o departamento foi criado queria mostrar-se alguma coisa, passado esse momento vieram as dificuldades. Só no fim do ano anterior, é que tivemos as instalações necessárias e foi criada uma base de dados de criminalidade participada. Podíamos assim fazer a coordenação ao nível do país, o que é fundamental. Penso que nunca ninguém daí extraiu a vantagem de termos um conhecimento da criminalidade económico-financeira, das várias áreas que compreendem a investigação. Mas, sem gente, é difícil.
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E conseguiam fazer um trabalho de grande investigação criminal? Com processos como Freeport, Operação Furacão, BPN, Monte Branco, Duarte Lima...?
Há muitos processos com muitos milhões envolvidos e que também não têm, digamos, rosto, mas que são fraudes fiscais em carrossel. O terrorismo, os processos da ETA, a criminalidade organizada dos assaltos às ATM [caixas Multibanco] no país, os voos da CIA, o processo de licenciatura do ex-primeiro ministro José Sócrates eram investigações de lá. Há questões que estão em investigação e bastante importantes, mas dessas não poderei falar devido ao segredo de justiça. Aquele tipo de investigação é muito demorada, porque tem tratamentos contabilísticos, fiscais... Esse trabalho era feito à custa da vida privada dos meus colegas.
E o BPN? Ainda continua...
Exacto. Aquilo mexe-se na terra e sai minhoca por todo o sítio. Agora, os magistrados estão muito mais qualificados porque eu, na altura das FP-25, como disse, tive de pensar sozinha, tive de imaginar sozinha porque não havia antecedentes nem precedentes. Agora, os magistrados são já direccionados para este tipo de investigação, ou para este tipo de julgamentos...
Mas têm dificuldades em lidar com processos como o BPN. Como é que se lida com um processo desses?
Penso que o que é preciso é apoio e reforçar. Só com o reforço de meios e apoio institucional é que se pode fazer alguma coisa, porque mexe-se numa coisa e sai... Não sei se teve oportunidade de ver a última acusação, mas aquilo é um mundo. Eram dois colegas, o dr. Jorge Rosário e o dr. Manuel das Dores. Eu perguntava: ‘quando é que sais'? E ele dizia-me: ‘Oh dr.ª, eu trabalho horas a fio, estive a pé a noite inteira...'. Aquilo é um mundo, um mundo...
Ainda falta descobrir muito sobre o BPN?
São processos em investigação, claro. Realmente, um mundo daqueles que foi construído também com todo o à vontade, mas o à vontade científico e cirúrgico.
E com gente de poder envolvida.
E portanto, para desmistificar e desenrolar tudo aquilo que foi feito, muito bem, com tempo, saber, ciência, com intervenção tão cirúrgica. Para desfazer isto tudo, demora.
Na sua opinião, todas as críticas dirigidas ao seu departamento por causa da morosidade destas investigações eram injustas?
Absolutamente injustas.
Por que é que existiram essas críticas e agora, que há processos cujos despachos estavam para sair e ainda não saíram, não se ouve falar em morosidade?
Enfim, deve haver um rosto qualquer em que se centra essa contestação.
E o seu foi um desses rostos?
Exactamente. Convém, digamos que tive a satisfação de ver surgir e implementar um departamento que acho essencial para a justiça. A justiça significa perceber, investigar e levar a julgamento quem deve ser e não mais do que isso. O Ministério Público tem de investigar com autonomia, independência, mas sujeito a princípios éticos e de modalidade e objectividade.
E há pressões ou não?
Quer dizer...
De vários tipos, não só políticos, mas há?
Sim... Há sempre alguém que protege e vem em defesa de quem está a ser investigado e acusado. A pessoa que no princípio é o mau e, portanto, tem de se perseguir, quando é acusado ou investigado, passa a ter a protecção por exemplo da Amnistia Internacional. Quando abrimos um processo, temos que ter consciência das múltiplas saídas de direito e das múltiplas "pressões" que nos são colocadas.
Meteu-se com interesses instalados.
Obviamente, isso é lógico em todas as investigações grandes e toda a investigação tem de seguir aquele caminho correcto. A minha passagem de testemunho aos meus colegas é: façam o trabalho sério e honesto e que vos deixe dormir descansados.
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Correl. - Pinto Monteiro, que diz não ter lido a entrevista, lamenta a entrevista e afastamento de Cândida Almeida.
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Correl. - Pinto Monteiro, que diz não ter lido a entrevista, lamenta a entrevista e afastamento de Cândida Almeida.
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