Dois discursos, um mesmo tema, estão hoje em destaque no Público:
O discurso do Presidente da Repúplica na AR e o resumo de entrevistas conduzidas por Adelino Gomes a cinco generais e um coronel envolvidos activamente no 25 de Abril. .
O Presidente da República, Cavaco Silva, mostrou-se hoje "impressionado" com a ignorância de muitos jovens sobre o 25 de Abril e o seu significado e denunciou uma "notória insatisfação" dos portugueses com o funcionamento da democracia. No seu discurso na sessão comemorativa do 25 de Abril, no Parlamento, Cavaco Silva divulgou extractos de um estudo que mandou realizar sobre o alheamento da juventude face à política, e atribuiu parte da responsabilidade aos partidos políticos.
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Quanto aos generais, pergunta em subtítulo Adelino Gomes, "O que querem os generais, desiludidos com a democracia?" .
Ninguém, de boa fé e com um mínimo de vivência antes do 25 Abril, pode afirmar que Portugal não mudou ou, mais grave ainda, que se mudou piorou. Terá, evidentemente, mudado para pior para um número muito reduzido que vivia das vantagens que o antigo regime lhes concedia em exclusivo. Para a esmagadora maioria dos portugueses, mudou para melhor e mudou muito, ainda que pudesse ter mudado mais.
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O desalento do PR relativamente à ignorância da juventude relativamente à data que marcou uma transformação profunda na vida portuguesa é exagerado. Em democracia vive-se em liberdade como num espaço aberto, respira-se sem dar por isso. Provavelmente, a juventude em geral tem do 25 de Abril uma ideia tão difusa como tem de muitos acontecimentos relevantes da nossa história, por deficiências no ensino. O que não parece pertinente tomar a data como celebração de uma dádiva. Porque se em 25 de Abril nos libertámos, até 25 de Abril nos deixámos agrilhoar. O 25 de Abril é ao mesmo tempo um dia de júbilo e o termo de um longo tempo de sujeição. É um marco na história que tem um significado distinto para aqueles que o transpuseram daquele que pode ser apreendido pelos que já nasceram num país livre.
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Em 24 de Abril de 1974 o regime estava tão deteriorado nas suas estruras e tão desacreditado internacionalmente que, para colapsar, qualquer abalo mínimo chegava. Esse empurrão chegou com a revolta dos militares, fundada inicialmente em razões corporativas. A revolução dos cravos tinha todas as condições para ser bem sucedida sem séria troca de tiros. Subitamente, praticamente todos os os militares estavam do lado certo, rezingando apenas um ou outro general mais afecto ao anterior regime, mas por pouco tempo.
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Percebe-se a inquietação actual dos generais? Percebe-se, sobretudo por razões corporativas.
O artigo de Garcia Leandro publicado há uns meses atrás referia uma questão sensível: as ameaças à instabilidade social decorrentes do agravamento das desigualdades sociais, mas não escondia que a sua denúncia continha reivindicações de interesses próprios. E, lamentavelmente, deixava no ar a ideia de que uma manifestação de desagrado general andava por aí.
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Como sempre acontece nestas situações, os incómodos de que falam os queixosos não são, realmente, aqueles com que se sentem incomodados. O que pouco abona o sentido patriótico das suas preocupações.
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Primeiro foi Garcia Leandro, ao dizer que muita gente o procurava a incitá-lo a que fizesse alguma coisa para parar a degradação das instituições democráticas.Mais recentemente foi Rocha Vieira (...) declarou que os tempos de crise que Portugal atravessa "ignoram o passado da independência e anunciam um futuro sem liberdade". (...) Loureiro dos Santos apelava ao Governo para que, "em vez de insistir em normas à margem do que a Constituição da República prescreve", demonstrasse "o seu apego à democracia e à lei, expurgando o RDM (Regulamento de Disciplina Militar) das inconstitucionalidades que ainda contém" e que, a crer na versão de um anteprojecto em consulta, poderá vir a ter ainda mais restrições ao exercício de direitos dos oficiais na reforma.Uma obra de um quarto general, Silva Cardoso, tecendo considerações absolutamente desencantadas em relação aos últimos anos da história portuguesa, surgiu igualmente nos últimos dias nos escaparates (...) o que querem afinal os generais, com este insistente cassandrear de péssimo agoiro? Não estarão eles a incentivar ou no mínimo a legitimar a preparação de alguma acção de força que mude o rumo do país? (...) Garcia Leandro "Queremos simplesmente uma democracia pluralista que funcione dentro das regras". (...) "Há pessoas que não têm só o direito de falar; têm o dever", enfatiza (...) Não é esta forma de democracia que está errada, esclarece. "O que está errado é o modo como os actores principais a têm servido. E a dificuldade que encontram as pessoas que querem fazer coisas"."Se Portugal fosse um barco, estava completamente virado para bom-bordo. Eu até poderia encarar com alguma tranquilidade o futuro do meu país se pudesse dizer assim: "As pessoas com mais de 50 anos são para deitar fora. Mas o que vem atrás é muito bom..." O problema é que não. Não é muito bom", explica Garcia Leandro. Este general, que actualmente preside ao Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, aceita que nunca como hoje houve tanta gente nova portuguesa com tão altas qualificações no estrangeiro. E sublinha mesmo que desde 1976 Portugal melhorou muito. "Isso está fora de causa. O que me preocupa é o que não se fez ou foi mal feito ou podia ter sido mais bem aproveitado. Nomeadamente as verbas que vieram da Comunidade Europeia: alguém alguma vez se preocupou a sério em apurar quanto dinheiro chegou cá e o destino que lhe foi dado? (...) "Movimento de indignação civil", precisa agora o general, apostado em prevenir eventuais novas más interpretações, como aquelas que, lamenta, deturparam o artigo no Expresso ("A falta de vergonha"). Isto apesar de nele escrever, preto no branco, ser óbvio que "não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões", pois "isso é um passado enterrado. Tem de ser o próprio sistema político e social a tomar as medidas correctivas para diminuir os crescentes focos de indignação e revolta".(...) (Para Rocha Vieira) "Se não estivéssemos na Europa, se calhar o desânimo era capaz de ser demonstrado de uma maneira mais violenta. Vivemos tempos complicados: as pessoas começam a sentir que a sua liberdade começa a ser coarctada; há esta ideia de os oficiais na reforma passarem a ser abrangidos pelo RDM; os oficiais ligados às associações militares começam a ser vistos de uma maneira enviesada. E tudo se passa com um Governo que aparentemente estaria com o 25 de Abril. Chegamos a uma situação destas num Governo de esquerda", lamentou-se ao PÚBLICO, num contacto telefónico.(...) Vasco Lourenço não tem visto com muita simpatia esta sucessão de declarações por parte de generais. "Para fazer ouvir a sua voz, seja quem for, tem que ter autoridade moral no que respeita aos temas em que quer ser ouvido. Infelizmente, isso não acontece, muitas vezes."Nos casos em apreço, "por escandaloso, há um que sobressai mais. O general Silva Cardoso, pelo seu passado, pela sua postura, não tem perfil nem qualquer autoridade para afirmar seja o que for. Até porque, normalmente, mente descaradamente", critica.Reconhece, contudo, que "os tempos actuais são complicados". Do seu ponto de vista e não apenas em Portugal, "o actual regime democrático parece esgotado", com os detentores do poder a fugirem para a frente, sem se aperceberem de que, cada vez mais, vão ajudando a degradar a situação, o que lhe lembra "os velhos senhores de Roma, que não viam o fim do Império a aproximar-se, de forma acelerada, e continuavam em festas e orgias". (...) Vasco Lourenço defende que ospartidos políticos voltem "à essência da sua criação", pois "não podem continuar a ser agências de empregos, coberturas e agentes de luta do poder pelo poder, causadores e encobridores de corrupção, enfim, maus agentes da democracia".
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Valha-nos Santa Europa!